Faculdade de Farmácia Universidade de Lisboa TERAPÊUTICA POR QUELAÇÃO Química Farmacêutica II 22 novembro 2016 TERAPÊUTICA POR QUELAÇÃO Metais tóxicos exercem muitos dos seus efeitos biológicos adversos formam complexos com enzimas, ADN ou outras moléculas biológicas. inativação Remoção dos metais tóxicos do organismo agentes quelantes exógenos Objetivo da terapêutica por quelação: Administrar compostos relativamente não tóxicos que se coordenem ao ião metálico a remover mais fortemente que as macromoléculas celulares, formando assim complexos não tóxicos que por sua vez são rapidamente excretados. A terapêutica por quelação surgiu da necessidade de eliminação de determinados metais (tóxicos ou essenciais) em excesso do organismo. Agentes quelantes Um ligando é uma molécula ou ião que tem um, ou mais do que um, átomo doador. átomo doador possui pares de eletrões disponíveis para ligação que vão coordenar ao metal. Ex. S, N, O. Classificação dos ligandos quanto ao nº de átomos doadores: Monodentados Polidentados (bidentados, tridentados, ...) Quelato complexo formado quando um ligando polidentado se liga ao metal por mais de um átomo doador. Agente quelante Resumindo: do grego chele = “garra” Ligandos polidentados = Quelantes Complexos resultantes = Quelatos Ciclos const. pelo elemento central e pela cadeia do ligando entre dois átomos coordenados → Anéis de quelação Estrutura química do EDTA Estrutura química de um complexo Cu2+/EDTA Efeito Quelato ligandos monodentados formam com um dado metal, complexos menos estáveis que ligandos polidentados com igual número de átomos doadores do mesmo tipo. H2N-CH2-CH2-NH2 (en = etilenodiamina) [Ni(NH3)6]2+ [Ni(en)3]2+ log β6 = 8,5 log β3 = 18,2 Complexo de Ni2+ com um ligando monodentado (NH3) e quelato com os mesmos átomos doadores. [Ni(en)3]2+ é cerca de 1010 vezes mais estável do que [Ni(NH3)6]2+ Efeito Quelato Um complexo em que se formem anéis de quelação é sempre mais estável que um complexo análogo com ligandos monodentados. Em geral, quanto mais anéis se formarem maior é a estabilidade. efeito quelato - fenómeno relacionado com a variação da entropia das reações de formação de complexos envolvidas. Aplicações da terapêutica por quelação Atualmente a maior parte das intoxicações agudas e crónicas ocorrem em pequena escala. Intoxicações que ainda ocorrem com uma certa frequência: intoxicações agudas por ferro em crianças (ingestão de comprimidos). intoxicações por compostos de Bi, Au e Pt usados em clínica. intoxicações com pesticidas à base de Tl e As. intoxicações devidas a várias formas de Hg. intoxicação crónica de Cd (exposição ambiental ou ocupacional). intoxicação aguda ou crónica por Pb ocupacional ou em crianças. Outras aplicações: no tratamento de doenças em que há acumulação de metais (ex. doença de Wilson). na hemocromatose hereditária. ( absorção de Fe da dieta sobrecarga) eliminação de radionúclidos metálicos do organismo. DW _ doença genética. Prevalência 1/30 000. Acumulação de cobre nos tecidos (cérebro, fígado, etc.) Novas perspetivas para a aplicação de agentes quelantes Investigação de agentes quelantes (~ 1940) o nº agentes quelantes atualmente em uso quer em fase experimental ou já em clínica é surpreendentemente reduzido. Os medicamentos para tratar intoxicações por metais têm uma baixa prioridade comercial, porque a maior parte das intoxicações por metais são relativamente raras. Os custos para o desenvolvimento e registo de um novo agente quelante são extremamente elevados e os lucros financeiros obtidos com a sua comercialização a nível mundial são moderados. EFICÁCIA DO AGENTE QUELANTE NO TRATAMENTO DE UMA INTOXICAÇÃO POR UM IÃO METÁLICO CAPACIDADE PARA COMPETIR EFICAZMENTE PELO IÃO METÁLICO M (no local de coordenação, in vivo) + agente quelante local de coordenação, in vivo + complexo M-agente quelante Terap. por quelação transformação do complexo tóxico complexo M-agente quelante excretado Caract. químicas dos agentes quelantes organismo: BAL - composto neutro lipossolúvel DMPS - carga –1 condicionam o seu percurso no pode penetrar na maior parte dos orgãos (pH fisiológico) Pode ser transportado a locais intracelulares em orgãos que apresentem sistemas de transporte adequados (ex: rim) EDTA - carga –2 DTPA - carga –3 (pH fisiológico) (pH fisiológico) Praticamente confinados a espaços extracelulares DESENVOLVIMENTO DE AGENTES QUELANTES PARA UTILIZAÇÃO CLÍNICA Agente quelante ideal: Específico para um dado metal tóxico. DL50 > 400 mg Kg-1. Formar complexos de elevada estabilidade com o ião a remover. Capaz de deslocar o ião metálico da sua ligação a ligandos endógenos. Solúvel em água. Resistente ao metabolismo. Capaz de atingir os locais de armazenamento do ião metálico. Formar complexos solúveis em água. Formar quelatos não tóxicos, fácilmente excretáveis, estáveis a pH fisiológico. Baixa afinidade para o cálcio e outros iões metálicos essenciais endógenos. Pouco dispendioso. A maior parte dos agentes empregues para terapêutica por quelação pode quelatar diversos elementos depleção de oligoelementos essenciais As reações de complexação in vivo não são fáceis de prever AGENTES QUELANTES Dimercaprol (2,3-dimercaptopropanol -1) = BAL Inglaterra (2ª Guerra Mundial 1939 - 1945) Grupo de cientistas sintetizaram um antagonista para tratar envenenamentos com Lewisite [dicloro(2-clorovinil)arsina]. Cl Cl - CH = CH - As Cl usado como gás venenoso (compostos de As reagem com os grupos –SH das proteínas) inativação Irritante pulmões, queimaduras pele fatal Cl Cl - CH = CH - As Cl Lewisite Verificou-se que compostos com grupos –SH poderiam antagonizar a atividade biológica da Lewisite. BAL = British Anti-Lewisite BAL remove o As das suas ligações aos grupos –SH das proteínas complexos muito menos tóxicos e mais facilmente excretáveis. 1º agente a ser usado eficaz/ em clínica como antídoto para As (intox. com comp. de As sífilis) Atual/ ainda usado em certos países para tratar envenenamentos com As, Hg e Au e por vezes em conjugação com Na2CaEDTA para tratar encefalopatias provocadas por Pb em crianças. Adm. por via i.m. (biodisponibilidade oral reduzida). Dolorosa, mau odor Contra-indicado na intoxicação por Cd, Fe, Se e Te. aumenta a absorção tecidular do ião metálico. De entre os quelantes mais usados é o único que facilmente atravessa as membranas celulares. lipossolúvel Foi usado para quelatar o Cu2+ na doença de Wilson. É o mais tóxico dos ag. quelantes correntemente usados (naúseas, vómitos, febre, hipertensão, taquicardia, etc.). No tratamento de intoxicações por As ou Hg. tem sido substituído pelo DMSA e DMPS Ácido meso-2,3-Dimercaptosuccínico (DMSA) 2 grupos tiol 2 grupos carboxilato • Inicialmente preparado • Administração oral. antagonista As (solúvel em água). • Menos tóxico e mais eficaz no tratamento de intoxicações por metais pesados. • Quelata As, Cd, Cu, Hg, Pb e Zn. 2,3-Dimercaptopropano-1-sulfonato de sódio (DMPS) 2 grupos tiol 1 grupo sulfonato Inicialmente preparado antagonista As (solúvel em água). Usado na doença de Wilson (intolerância à D-Penicilamina e trien). Adm. oral ou parentérica. Quelata As, Cd, Cu, Hg, Pb e Zn. Menos tóxico que BAL. EDTA e compostos análogos Numerosos ac. poliaminocarboxílicos têm sido preparados e testados. sal dissódico do EDTA grande afinidade para o cálcio e outros catiões polivalentes. quelata o cálcio Na2CaEDTA [Ca2+] sérico Tetania (contrações musculares prolongadas) usado pela 1ª vez como quelante na intoxicação por Pb (1953). Uso principal Ineficaz na intox. por Fe Ineficaz na intox. por Hg tratamento de intoxicação por Pb. menor afinidade que as proteínas coordenantes do Fe (transferrina). Hg está ligado a proteínas intracelulares (EDTA não atravessa as membranas celulares ionizado a pH fisiológico). Adm. i.v. (oral/ pode aumentar a absorção do Pb no trato gastro-intestinal). Também tem sido usado na intox. por Pu. Efeitos adversos: nefrotoxicidade. DTPA (ácido dietilenotriaminopentaacético) Usado na forma Na3CaDTPA Propriedades semelhantes ao EDTA (complexos com > estabil.). DTPA oral tem sido usado para tratar intox. por Fe mas parece não ter vantagem relativamente ao EDTA nos casos de intox. por Pb. Usado em intoxicações por 238Pu (indústria nuclear). (2004) - FDA aprovou dois complexos Ca-DTPA e Zn-DTPA tratamento de contaminação com Pu, Am ou Cm. acidentes laboratoriais, industriais, ou ataque terrorista. Ca-DTPA e Zn-DTPA não devem ser administrados em simultâneo. Caso ambos os produtos estejam disponíveis deve ser dado Ca-DTPA como 1ª dose. Caso seja necessário tratamento adicional, deve-se mudar para o Zn-DTPA. Recomenda-se esta sequência de tratamento uma vez que Ca-DTPA é mais eficaz que Zn-DTPA no decurso das 1as 24 horas após contaminação interna. Após as 24 h iniciais, o Ca-DTPA e Zn-DTPA revelam-se igualmente eficazes. Adm: parentérica ou nebulização. D-Penicilamina Átomos doadores: S, N, O Estrutura química da D-Penicilamina MM = 149 Quelata As, Hg, Pb, Ni, Cu, Zn, Bi, Cd, Co, Fe e Mn. Principal aplicação clínica doença de Wilson. Ingestão deliberada de sais de cobre dimercaprol. DW - transmitida de forma autossómica recessiva. Prevalência 1/30 000. Acumulação de cobre nos tecidos (ex. fígado, cérebro, córnea) Adm. oral (biodisponibilidade ~ 40%). Alimentos, antiácidos e sais de ferro ↓ a sua absorção). jejum Piridoxina (vitamina B6) deve ser dada simultanea/ (penicilamina inibe as enzimas dependentes da piridoxina). Contra-indicada nos pacientes alérgicos à penicilina (hidrólise da penicilina = penicilamina). Reações adversas febre, hematúria, proteinúria, efeitos gastrointestinais, disfunção hepática e renal. Modo de atuação da D-Penicilamina na sobrecarga em cobre(II): Atua por quelação redutiva provocando a redução do cobre(II) coordenado às proteínas, o que vai resultar numa menor afinidade destas para o metal e permitir que a D-Penicilamina se ligue ao cobre sendo depois excretado pela urina. Trietilenotetramina (trien) MM = 219,2 Estrutura química da trien Adm. oral. Usa-se na doença de Wilson quando há intolerância à D-Penicilamina. Quelante tetradentado. Desferrioxamina e outros quelantes de Ferro e Alumínio*: Desferrioxamina (DFO) a) Desferrioxamina B b) Ferrioxamina B Introduzida na prática clínica em 1963 (1º agente quelante de ferro) * O desenvolvimento de quelantes para o Al3+ tem acompanhado a evolução dos quelantes para o Fe3+ (química coordenação do Al3+ semelhante à do Fe3+ ). Raios iónicos pequenos; carga 3+ - ácidos de Lewis duros Estrutura química da DFO Originalmente isolada a partir do fungo Streptomyces pilosus (Actinomycetes); DFO sideroforo Solubiliza e transporta o ferro na forma Fe3+ (meio ambiente) MM = 560 Quelante hexadentado. Solúvel em água. Apresenta 3 grupos hidroxamato. Elevada afinidade para o Fe3+ e Al3+, mas baixa para o Ca2+, Cu2+, Fe2+ e Mg2+. seletividade Constantes de estabilidade pFe3+ = - log [Fe3+] (pFe3+ = 26,5) Usada em intox. agudas por ferro e patologias relacionadas com sobrecarga em ferro. Importante na remoção Al3+ em pacientes submetidos a hemodiálise crónica. (pAl3+ = 19,3) Adm. parentérica (biodisponibilidade oral fraca). Ex: β - talassémia Hemocromatose hereditária β - talassémia Síntese anormal de Hb Necessidade de múltiplas transfusões Estrutura Cristalina: esfera de coordenação octaédrica distorcida FeIII/O6 (Complexo M/L 1:1 com Fe3+ ou Al3+) Inconvenientes: Reações adversas: urticária, hipotensão, choque cardiovascular, complicações pulmonares e renais, etc.. Muito dispendiosa Adm parentérica (infusão vida plasmática curta ~ 20 min ) Infusão contínua 8-12 h/dia, 5-7 dias/semana Administração incómoda e prolongada Fraca adesão por parte do paciente Infusão: bomba peristáltica portátil Outros quelantes do Al e Fe Foram estudados com o objetivo de produzir uma alternativa menos dispendiosa, oral e não tóxica relativa/ à DFO. De entre eles temos: A) deferiprona e compostos análogos: Ligando bidentado Ex: Deferiprona = 1,2-dimetil-3-hidroxipiridina-4-ona MM = 139 Forma complexos solúveis em água. Complexos não têm carga a pH 7,4 são capazes de atravessar as membranas celulares com maior facilidade que as espécies com carga negativa. Complexos do tipo 1:3 M/L. Elevada constante de estabilidade. (pFe3+ = 19,4) Veloc. formação do complexo ~ 10x > que no caso da DFO (cond. fisiológicas). Estrutura cristalina do complexo Administração oral (3x/dia) Toxicidade que DFO. Baixo preço (comparativamente com DFO). Tb indicado como quelante de Al3+. (pAl3+ = 16,1) Aprovado para uso clínico em alguns países da Europa e América B) Deferasirox Aprovado pela FDA (2005) MM = 373 Trata/ sobrecarga crónica de ferro, resultante de transfusões de sangue repetidas Adm. via oral: 1x/dia Ligando tridentado ONO M/L 1:2 Constante de estabilidade elevada com Fe3+ (pFe3+ = 22,5) Efeitos adversos Creatinina sérica dores abdominais infeção trato respiratório fadiga Vantagens: deferasirox vs DFO: adm. oral deferasirox vs deferiprona: 1 única toma diária Dada a importância da terapêutica por quelação na remoção de ferro inúmeros compostos continuam a ser sintetizados e estudados. BAL DMSA DMPS EDTA DTPA D-Penicilamina Trietilenotetramina Desferrioxamina Deferiprona Deferasirox Índice Nacional Terapêutico Medicamentos usados no tratamento de intoxicações por metais pesados: DESFERAL® Sulfonatometano de desferrioxamina Ampolas injetáveis Indicações: • Quelação do ferro, em monoterapia, para tratamento da sobrecarga crónica de ferro (ex: hemosiderose transfusional). • Tratamento de envenenamento agudo por ferro. • Tratamento da sobrecarga crónica de alumínio em doentes com insuf. renal terminal submetidos a diálise de manutenção. EXJADE ® Cada comprimido contém deferasirox Indicações: • Doentes adultos e pediátricos a partir de 2 anos de idade com sobrecarga crónica de ferro devida a transfusões de sangue frequentes (hemosiderose transfusional). FERRIPROX ® Comprimidos ou sol. oral contêm deferiprona Indicações: • Tratamento da sobrecarga de Fe em doentes com talassémia major qdo a terapêutica com DFO é inadequada ou está contra-indicada. KELATINE ® Contem D-Penicilamina Indicações: • Intoxicações: As, Cu, Hg, Au • Doença de Wilson Adm: oral Terapêutica por quelação Usada para reduzir os efeitos tóxicos provocados por metais. A maior parte dos quelantes apresenta diversos efeitos secundários e baixa seletividade. Novas estratégias Terapêutica combinada (utilização de agentes quelantes estruturalmente diferentes). Co-administração de anti-oxidantes ( capacidade antioxidante das células). Novas perspetivas para a aplicação de agentes quelantes: possibilidade de aplicar os agentes quelantes no tratamento de doenças neurodegenerativas e como drogas anticancerosas Doenças neurodegenerativas (Alzheimer, Parkinson, ... ) têm sido relacionadas, direta ou indiretamente, com uma perturbação na homeostase de iões metálicos (Cu2+, Fe3+). Elevados níveis de cobre foram observados em vários tipos de cancro, sugerindo que o cobre é um elemento essencial à angiogénese. Pesquisa de novos compostos (Angiogénese: processo de formação e crescimento de novos vasos sanguíneos) Papel importante no crescimento tumoral e desenvolvimento de metástases