Palavras-chave: Ensino Médio. Gramática Normativa. Língua

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A PERSPECTIVA SÓCIO-INTERACIONISTA EM CONTRAPOSIÇÃO AO ENSINO
TRADICIONAL DE GRAMÁTICA EM LÍNGUA PORTUGUESA
Jadimilson Teodoro Pontes73
74
Manoel Messias dos Santos
75
Marcos Roberto da Costa
76
Roseane Martins Duarte
77
Silvana Pinheiro Taets
RESUMO: Este trabalho tem por objetivo fazer uma reflexão crítica sobre a situação do ensino de
Língua Portuguesa no Ensino Médio. O foco recai sobre a dicotomia entre o ensino tradicional de
língua materna, que prioriza aspectos gramaticais, e os princípios sócio-interacionistas estabelecidos
em documentos oficiais, que preconizam o desenvolvimento de habilidades e competências
discursivas e textuais. Procurou-se identificar que fatores interferem na prática dos professores de
Língua Portuguesa, no sentido de ainda priorizarem o ensino da gramática normativa no Ensino
Médio. Para tanto, lançou-se mão de uma pesquisa exclusivamente bibliográfica com o intuito de
identificar resposta para o problema em questão.
Palavras-chave: Ensino Médio.
Princípios Sócio-Interacionistas .
Gramática
Normativa.
Língua
Portuguesa.
ABSTRACT: This study aims at reflecting on the state of the teaching of Portuguese as a mother
language in the secondary school education in Brazil. The focus is on the dichotomy between the
traditional teaching of Portuguese as a mother language that centers its priorities on grammatical
aspects and the social interactive principles advocated by the official National Curricular Guidelines
which support the development of discourse and textual abilities and competence. Thus this study
tries to identify the factors that may interfere with the teaching practice of teachers of Portuguese that
still focus on normative grammar in the secondary school education. To meet the proposed objectives,
a bibliographical research has been conducted.
Key-words: Normative Grammar. Portuguese Language. Secondary School
Education. Social Interactive Principles.
73
Licenciado em Letras Português/Inglês.
74
Licenciado em Letras Português/Inglês.
75
Mestre em Linguística Aplicada ao Ensino de LE, professor da Faculdade Capixaba da Serra – Serravix e do
CCAA.
76
Bacharel em Comunicação Social/Jornalismo, Especialista em Estratégias em Comunicação Organizacional.
77
Licenciada em Pedagogia e Letras, Mestre em Estudos Literários.
60
INTRODUÇÃO
Tradicionalmente o ensino de Língua Portuguesa está intimamente ligado ao
tratamento prescritivo da língua, privilegiando o domínio da norma-padrão e de seus
aspectos gramaticais. No entanto, sob a perspectiva sócio-interacionista, o ensino da Língua
Portuguesa deve estar centrado em três competências, isto é, a comunicativa, a gramatical
ou lingüística e a textual.
Sendo assim, este artigo tem por objetivo fazer uma reflexão crítica sobre a situação
do ensino de Língua Portuguesa no Ensino Médio a partir da prática pedagógica dos
docentes dessa disciplina. O foco recai sobre a dicotomia entre o ensino tradicional de
língua materna que prioriza aspectos gramaticais e os princípios sócio-interacionistas
estabelecidos em documentos oficiais que preconizam o desenvolvimento de habilidades e
competências discursivas e textuais. Este estudo também procura analisar o motivo pelo
qual um número significativo de docentes ainda adota uma postura tradicional, privilegiando
o ensino da gramática normativa no Ensino Médio.
O artigo inicia tratando desta dicotomia em linhas gerais. Em seguida, apresenta
sucintamente o que preconizam os documentos oficiais, no âmbito federal e estadual
(referente ao estado do Espírito Santo).
Finalmente, sugere algumas causas da adoção de uma postura tradicional por parte
de muitos professores no Ensino Médio.
1. A DICOTOMIA ENTRE O ENSINO TRADICIONAL DE GRAMÁTICA EM LÍNGUA
PORTUGUESA E A PERSPECTIVA SÓCIO-INTERACIONISTA
A tradição e o senso comum difundem a ideia do estudo de uma língua através do
estudo de sua gramática. Existe a crença de que para dominar efetivamente a língua é
necessário também dominar as regras gramaticais. Em função dessa crença, podemos
observar que o ensino tradicional de gramática ainda é bastante difundido no contexto
educacional brasileiro. Por ensino tradicional de gramática, entendemos a ênfase dada ao
domínio de uma metalinguagem técnica em que aprender sobre a língua supera o estudo de
seu uso, pois sob essa perspectiva conservadora há dedicação exclusiva às lições de
nomenclaturas, de análise sintática, morfológica e conhecimento de categorias gramaticais.
61
Em suas
considerações
sobre
gramática e
seu
ensino, Antunes78 afirma
que
“[i]ngenuamente, a gramática foi posta num pedestal e se atribuiu a ela um papel quase de
onipotência frente àquilo que precisamos saber para enfrentar os desafios de uma interação
eficaz”.
Por outro lado, a perspectiva sócio-interacionista prevê o estudo de gramática
apenas como um meio de proporcionar aos aprendizes a aquisição de habilidades e
competências lingüísticas e comunicativas. A abordagem sócio-interacionsita se baseia na
teoria de Lev Vygotsky cuja ideia central é a de que a aprendizagem não ocorre em função
do acúmulo e aquisição de informação, mas a partir do conhecimento que o aprendiz já
possui. Ao descrever a teoria vygotskyana, Rego79 afirma que
[...] nessa abordagem, o sujeito produtor de conhecimento não é um mero
receptáculo que absorve e contempla o real nem o portador de verdades
oriundas de um plano ideal; pelo contrário, é um sujeito ativo que em sua
relação com o mundo, com seu objeto de estudo, reconstrói (no seu
pensamento) esse mundo. O conhecimento envolve sempre um fazer, um
atuar do homem.
Em consonância com a abordagem sócio-interacionista, a política de educação
oficial, através dos Parâmetros Curriculares Nacionais (doravante PCN), estabelece
sugestões de procedimentos em relação à prática pedagógica no ensino de Língua
Portuguesa. Nesse sentido, de acordo com os PCN, o ensino de Língua Portuguesa é
baseado em propostas interativas, na medida em que a linguagem é vista como a
capacidade humana de produzir sentido dentro do espaço social. Portanto, o ensino da
língua materna deve priorizar o desenvolvimento de uma competência social de utilizar a
língua de acordo com as necessidades comunicativas que se apresentam na prática social.
Sob um enfoque de natureza social e interativa e em contraposição às concepções
tradicionais, os PCN80 afirmam que a concepção sócio-interacionista
[...] destaca a natureza social e interativa da linguagem, em contraposição
às concepções tradicionais, deslocadas do uso social. O trabalho do
professor centra-se no objetivo de desenvolvimento e sistematização da
78
ANTUNES, 2007, p. 42.
79
apud NEVES; DAMIANI, 2006, p. 8.
80
BRASIL, 2000, p. 18.
62
linguagem interiorizada pelo aluno, incentivando a verbalização da mesma e
o domínio de outras utilizadas em diferentes esferas sociais. Os conteúdos
tradicionais de ensino de língua, ou seja, nomenclatura gramatical e história
da literatura são deslocados para um segundo plano. O estudo de gramática
passa a ser uma estratégia para compreensão/interpretação/produção de
textos [...].
Outros estudos81 também defendem a ideia de que a gramática deve ser ensinada,
mas apenas como função complementar no desenvolvimento das competências necessárias
para o efetivo domínio da língua falada e escrita. Esses autores reconhecem que a função
da escola é ensinar a língua padrão, pois segundo Possenti82, “[...] o objetivo da escola é
ensinar o português padrão, ou, talvez mais exatamente, o de criar condições para que ele
seja aprendido”. Portanto, o ensino da gramática seria apenas uma etapa complementar de
um processo mais amplo que envolvesse aspectos mais relevantes como competências e
habilidades textuais e discursivas no uso efetivo da língua materna.
Em suma, o ensino de português, segundo Antunes83, deve “[...] objetivar a
ampliação de todas as competências que a atividade verbal prevê” (grifo do autor), ou seja,
o desenvolvimento de competências e habilidades que proporcionem ao aprendiz a
capacidade de comunicação verbal ou escrita de forma eficiente e clara em contextos
formais ao invés da dedicação quase que exclusiva à abordagem gramatical em que se
privilegia a análise sintática, morfológica e o reconhecimento de categorias gramaticais.
Gramáticos e linguistas travam um debate: como ensinar gramática nas escolas?
Cada um deles defende sua ideologia e argumenta em busca de uma nova compreensão de
ensino referente à linguagem escrita. Eles têm seus méritos enquanto defensores e
articuladores de suas teses em favor do ensino da Língua Portuguesa. No entanto, a
maneira com são feitas as discussões sobre este foco, assemelha-se a uma disputa de egos
e pontos de vista.
Os linguistas enfatizam o estudo da língua em uso, baseiam-se ideologicamente
referindo-se ao ensino da Língua Portuguesa estar intrinsecamente aproximado ao da língua
81
ANTUNES, 2007; BAGNO, 1999, 2008; POSSENTI, 1996.
82
POSSENTI, 1996, p. 17.
83
ANTUNES, 2007, p. 147.
63
falada. Percebemos diante desta perspectiva que Câmara Jr.84, renomado linguista,
reconhece o lugar da gramática normativa e valoriza a língua escrita.
Assim, a gramática normativa tem o seu lugar e não se anula diante da
gramática descritiva. Mas é um lugar à parte, imposto por injunções de
ordem prática dentro da sociedade. É um erro profundamente perturbador
misturar as duas disciplinas e, pior ainda, fazer linguística sincrônica com
preocupações normativas.
O Ministério da Educação e Cultura (doravante MEC) diz que a escola tem de formar
um falante culto85. Esqueçamos o uso cotidiano da linguagem, o uso em casa, na escola, na
rua; aprendamos a falar adequadamente em situações públicas “formais”. Marcuschi e
Dionísio86 afirmam que:
[...] a fala e a escrita são atividades interativas e complementares no
contexto das práticas sociais e culturais e por isso não devem ser tratadas
de maneira estanque e dicotômica. Trata-se de uma relação complementar
em que as diferenças existentes se dão dentro de um contínuo, e não na
relação dicotômica de dois polos opostos.
Os PCN da Língua Portuguesa reconhecem a existência de variantes linguísticas,
que devem ser respeitadas, pois não há um modo certo ou errado de falar. Há o
reconhecimento da língua como veículo de transmissão de cultura, de valores, de
preconceitos. Os PCN dizem que a linguagem é tratada com base na noção de adequação,
mas não satisfatoriamente. Segundo os documentos do MEC, saber falar e escrever bem é
falar ou escrever adequadamente, sabendo qual variedade usar, empregando um
determinado estilo, esperando determinadas reações. De acordo com os PCN,
[a] questão não é falar certo ou errado, mas saber qual forma de fala utilizar,
considerando as características do contexto de comunicação, ou seja, saber
adequar o registro às diferentes situações comunicativas. É saber
coordenar satisfatoriamente o que falar e como fazê-lo, considerando a
quem e porque se diz determinada coisa. É saber, portanto, quais
variedades e registros da língua oral são pertinentes em função da intenção
comunicativa, do contexto e dos interlocutores a quem o texto se dirige. A
questão não é de correção da forma, mas de sua adequação às
circunstâncias de uso, ou seja, de utilização eficaz da linguagem: falar bem
é falar adequadamente, é produzir o efeito pretendido.
84
CÂMARA JR., (2004, p. 7).
85
MARCUSCHI; DIONÍSIO, 2007.
86
MARCUSCHI; DIONÍSIO, 2007, p. 128.
64
Portanto, o uso efetivo da língua nas mais diferentes situações, sejam formais ou
informais, está mais ligado aos aspectos sociais e interativos do que meramente ao domínio
das regras gramaticais.
2. O ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA NOS DOCUMENTOS OFICIAIS
O ensino da Língua Portuguesa em nosso país é regido por um conjunto de
leis e documento oficiais, que tomam como fundamento primeiro o preceito legal,
previsto na própria Constituição Federal de 1988, no Título II, Capítulo III, Art. 13,
que diz: “A língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil.”
Com base neste preceito básico, novos fundamentos legais e técnicos foram
se consolidando no país, tanto na esfera federal, quanto estadual, principalmente a
partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996. Sobre alguns
destes textos oficiais, trataremos a seguir.
2.1 A LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB - 9394/96) prevê em seu
artigo 36, parágrafo primeiro, inciso II, que ao final do Ensino Médio o aluno deverá obter
“conhecimentos das formas contemporâneas de linguagem”. A lei é clara ao afirmar a
existência de “formas” contemporâneas de linguagem, ou seja, o indivíduo está exposto a
diferentes modalidades de linguagem no seu cotidiano.
O respeito à diversidade e à valorização das variantes regionais é importante para
desmistificar a preconizada ideia de “língua certa e língua errada”. Deve-se, portanto,
reconhecer e valorizar os falares regionais, pois conforme Bechara87,
[n]ão cabe à escola ‘ensinar a falar’, mas mostrar aos alunos a grande
variedade de usos da fala, dando-lhes a consciência de que a língua não é
homogênea, monolítica, trabalhando com eles os diferentes níveis (do mais
coloquial ao mais formal) das modalidades –falada e escrita-, isto é,
procurando torná-los ‘poliglotas dentro de sua própria língua (grifo do
autor).No mundo atual, as formas de comunicação requerem um leitor
proficiente das diversas modalidades de linguagens, que tenha habilidade
87
apud FÁVERO, 2002, p. 10.
65
para interpretar os diversos tipos de textos a que tem acesso e,
principalmente, se posicionar criticamente diante do que lê (grifo do autor).
Ao se defender o reconhecimento das variedades linguísticas, não se está propondo
o fim do ensino de gramática nas escolas, mas a sua adequação à nova realidade da
educação brasileira. Ademais, a lei ainda reforça a ideia da valorização linguística, ao
destacar que o currículo do Ensino Médio observará o processo histórico da sociedade e da
cultura, e a Língua Portuguesa deverá ser um instrumento de comunicação, de acesso ao
conhecimento e de exercício da cidadania.
2.2 OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS
Os PCN representam um avanço bastante significativo em relação aos princípios
norteadores da política educacional no Brasil. Embora esses princípios não tenham caráter
prescritivo, representam uma renovação do ensino das disciplinas do currículo escolar.
Em relação ao ensino de Língua Portuguesa mais especificamente, os PCN
estabelecem que
Tínhamos um ensino descontextualizado, compartimentalizado e baseado
no acúmulo de informações. Ao contrário disso, buscamos: dar significado
ao conhecimento escolar, mediante a contextualização; evitar a
compartimentalização, mediante a interdisciplinaridade; e incentivar o
88
raciocínio lógico e capacidade de aprender.
Os PCN se pautam, portanto, na constatação de que houve mudanças no
conhecimento e em seus desdobramentos. Reconhecem que há múltiplas linguagens,
oriundas das características regionais da sociedade, da cultura e da economia. E é na
capacidade de se comunicar nas diversas situações, que está a competência linguística do
aluno de Ensino Médio; isto é, no uso social da língua e não apenas na exclusividade do
domínio legitimado pela norma padrão.
Os PCN reconhecem que há múltiplas linguagens, oriundas das diversidades deste
país continental. E o respeito à diversidade é o principal eixo dessa nova proposta para o
Ensino Médio.
A linguagem é uma herança social. É através dela que o indivíduo se reconhece e
reconhece o mundo, e é na capacidade de se comunicar nas diversas situações que está a
88
BRASIL, 2000, p. 4.
66
competência lingüística do aluno do Ensino Médio. Portanto, é no uso social da língua que
deverá pautar o ensino de Língua Portuguesa, como afirma o parágrafo 26 da LDB transcrito
abaixo:
Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional
comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento
escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e
locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela.
2.3 O CURRÍCULO BÁSICO DA REDE ESTADUAL DO ESPÍRITO SANTO
O Currículo Básico da Rede Estadual de Educação do Espírito Santo para o Ensino
Médio apresenta, no texto que se refere à área de Linguagens e Códigos, algumas
proposições fundamentais sobre o trabalho pedagógico com Língua Portuguesa, assim
definidas: “A Língua Portuguesa, na educação escolar, compreende a língua como um
objeto histórico, irregular, variável, gerenciado por seus usuários para promover-lhes a
interação com outras pessoas”.89
Este ponto de vista conceitual a respeito da língua se desdobra em entendimentos
sobre o que é linguagem, oral e escrita, e sobre uma concepção do ensino da língua que
caminha para o desenvolvimento de posturas mais investigativas diante dos fenômenos
lingüísticos, e, portanto, menos normativas.
Para o Novo Currículo,
O ensino da Língua Portuguesa deve possibilitar o desenvolvimento das
ações de produção de linguagem, em situações de interação, e de
abordagens interdisciplinares, não se limitando à decodificação e à
identificação de conteúdos, mas ao desenvolvimento de letramentos
múltiplos, concebendo a leitura e a escrita como ferramentas para o
90
exercício da cidadania.
A partir da compreensão de que é por meio da língua que o indivíduo, como criatura
lingüística, se constitui histórico e socialmente, admite que “a língua, o discurso, o texto, o
jargão, tudo é variável [mas que] o domínio da língua padrão permitir-lhe-á se comportar em
determinadas situações formais do cotidiano”.91
89
ESPÍRITO SANTO, 2009, p. 57.
90
ESPÍRITO SANTO, 2009, p. 64.
91
ESPÍRITO SANTO, 2009, p. 66.
67
Sobre o ensino da Língua Portuguesa, propriamente dito, o currículo aponta como
objetivo o trabalho de reconhecimento dos seus diferentes usos e a legitimação histórica ou
não de cada um deles, segundo demandas específicas. Entretanto, proporciona também
uma compreensão de suas normas de funcionamento, que permita ao aluno transitar
socialmente em meio a tantas manifestações lingüísticas. Busca favorecer, assim, a
construção de um olhar que compreende as variações e variabilidades linguísticas, tomando
como referencial de partida e chegada o texto e a análise de seus usos.
Há de se observar também que o trabalho sob a ótica da variação lingüística aparece
inclusive como parte do conteúdo básico comum do 1º ano do Ensino Médio, articulado a
competências e habilidades específicas.
2.4 O GUIA DE LÍNGUA PORTUGUESA PARA A ESCOLHA DO LIVRO DIDÁTICO PARA
O ENSINO MÉDIO/2012
O MEC através do Fundo Nacional do Desenvolvimento para a Educação
(FNDE) distribui livros didáticos para as escolas públicas de Ensino Fundamental e
Médio, bem como dicionários e obras complementares pelo Programa Nacional do
Livro Didático (PNLD).
Cada escola escolhe democraticamente, dentre os livros constantes no Guia do
PNLD, aquele que deseja utilizar, levando em consideração seu planejamento
pedagógico.
Em 2003, o MEC instituiu por meio da Resolução nº 38, de 15/10/2003, o Programa
Nacional do Livro para o Ensino Médio (PNLEM), com o objetivo de distribuir gratuitamente
livros didáticos para os alunos desse nível de ensino das escolas públicas.
No PNLEM, cada disciplina possui um guia para escolha do livro didático. No
nosso caso específico, vamos nos ater ao Guia de Língua Portuguesa, PNDL 2012,
de 104 páginas, disponível em pdf no site do FNDE.
De acordo com o Guia de Língua Portuguesa, o objetivo geral para esta disciplina “[...] é
não só aprofundar o processo de apropriação de capacidades de leitura e escrita,
especialmente as mais sofisticadas, por parte dos alunos do Ensino Médio, como também
mudar as práticas de letramento escolar ainda vigentes nesse nível de ensino”.92
92
BRASIL, 2011, p.12.
68
O Guia de Língua Portuguesa tenta abarcar não só a questão da leitura e produção
textual do alunado, como também oferecer aos professores ‘sugestões’ para desenvolver o
processo ensino-aprendizagem trabalhando com os alunos novas linguagens, literatura e
gramática, além de propor projetos pedagógicos e estimular a cultura.
No que diz respeito ao ensino de Língua Portuguesa, observamos que o Guia
propõe a reflexão sobre a língua e a linguagem, para que o aluno seja capaz de
“[...] considerar todas as relações que se estabelecem entre língua verbal e outras
linguagens”.93
Desta forma, destacamos que os resultados dos PNDL dão um claro
testemunho do momento de transição em que se encontra o ensino de LP no EM, e
evidenciamos a organização das coletâneas de textos, a seleção dos tópicos, a
definição da natureza das atividades didático pedagógica e a forma como se
programa a progressão do ensino-aprendizagem. Uma vez que “em muitos casos,
parte das concepções e, principalmente, das práticas didáticas “tradicionais”, se
manifesta nas exposições e/ou nas atividades propostas, num diálogo às vezes
difícil com as inovações pretendidas”.94
Nesse sentido, podemos dizer que a discussão e a assimilação, assim como o grau e
a forma de adesão, a esses princípios, têm marcado, no âmbito do PNDL do EM, a
oposição entre o ensino que podemos chamar de “tradicional” e o “inovador”. O que nos
permite entender melhor o que pode estar em jogo nas principais tensões que se
observam nesse campo.
Observamos também, que as coleções destinadas ao EM, é a de contemplá-los
numa organização geral e num arranjo teórico-metodológicos próprios, porém, ainda presos,
nas práticas didáticas tradicionais de Literatura, Gramática e Redação (evidentemente, com
eventuais variações). Por outro lado, elas também dão subsídios ao docente para a prática
de um Ensino Médio inovador.
O próprio Guia de Língua Portuguesa destaca ainda que as coleções
aprovadas trabalham com duas tendências metodológicas opostas, evidenciadas
no tipo de tratamento didático dado aos conhecimentos envolvidos em cada eixo
de ensino: a Transmissiva, uma metodologia que propõe que “a aprendizagem de
um determinado conteúdo deve se dar como assimilação, pelo aluno, de
93
BRASIL, 2011, p.14.
94
BRASIL, 2010, p.12.
69
informações, noções e conceitos, organizados logicamente pelo professor e/ou
pelo próprio material didático”, que exige uma organização rigorosa da matéria; e a
Construtivo-reflexiva, uma metodologia onde o tratamento didático dos conteúdos
leva o aprendiz a “refletir sobre certos dados ou fatos, para posteriormente inferir,
com base em análises devidamente orientadas pelo professor e/ou pelo material
didático, o conhecimento em questão”, que exige “uma organização e cada
atividade considerada isoladamente, quanto da sequência proposta”.95
3. EQUÍVOCOS QUE PERPETUAM O ENSINO TRADICIONAL DE GRAMÁTICA
O fio condutor deste estudo é a questão em torno da perspectiva sócio-interacionista
do ensino de Língua Portuguesa em contraposição ao ensino tradicional de gramática. Em
função desse problema, surgiu a pergunta que motivou nossa pesquisa, a saber: que fatores
interferem na prática dos professores de Língua Portuguesa, no sentido de ainda
priorizarem o ensino da gramática normativa no Ensino Médio? Por conseguinte, as
consultas realizadas nas fontes bibliográficas, as informações obtidas, as reflexões a
respeito do problema proposto e nossa experiência empírica nos levam a concluir que tal
abordagem tradicional centrada no ensino da gramática normativa está fortemente ligada a
equívocos que têm origem na falta de base científica em ralação à concepção de língua,
crenças e mitos ligados ao ensino da Língua Portuguesa, passando pela formação e prática
dos profissionais da área e até mesmo pelo conteúdo dos materiais didáticos.
Por um período bastante longo se manteve o conceito formalista de linguagem, isto
é, a perspectiva de língua a partir de suas características exclusivamente formais, sem levar
em consideração o uso da língua em situações reais de comunicação. De fato, “[...] a
vertente dos chamados “estudos tradicionais”, incluídos aí os gramaticais, situam-se nessa
perspectiva” (grifo do autor).96 Consequentemente, essa compreensão do conceito de língua
consolidou o conceito equivocado de ensino de língua centrado prioritariamente no ensino
de gramática, no apego à nomenclatura, fortalecendo a crença de que dominar a língua
significa dominar suas regras gramaticais. Esse equívoco resultou num círculo vicioso, na
95
BRASIL, 2010, p. 17.
96
OLIVEIRA; WILSON, 2000, p. 236.
70
medida em que somos nós, a escola, os pais, a sociedade que atribuem à gramática
normativa a supremacia no contexto educacional. A esse respeito Antunes97 afirma que
[...] é a escola que nos ensina a supervalorizar a correção gramatical, a
colocá-la como condição suprema do bom uso da língua. Somos nós,
depois, que vamos exigir desta mesma escola a manutenção desses
objetivos de ensino, sem sequer desconfiar da sua redução e parcialidade.
Além disso, de acordo com Oliveira e Wilson98, a concepção formalista de linguagem,
ou seja, a concepção de língua baseada num sistema abstrato em que “[...] o foco da
atenção é tão-somente a própria estrutura lingüística, de certa forma descolada de todas as
interferências comunicativas que cercam sua produção e recepção” influenciaram e ainda
têm grande prestígio na formação de professores do curso de letras.
A esse respeito, Bagno99 defende a premissa de que “[...] precisamos rever toda uma
série de ‘velhas opiniões formadas’ que ainda dominam nossa maneira de ver nosso próprio
trabalho” (grifo do autor). Portanto, inferimos que os cursos de formação dos docentes de
letras devem priorizar uma prática voltada para o ensino da Língua Portuguesa que priorize
o letramento, na medida em que a ênfase exclusiva à correção gramatical não garante ao
aprendiz o desenvolvimento de habilidades necessárias para se tornar um usuário
competente da língua.
Sob essa perspectiva, o professor passa a ser o mediador que irá fornecer as
ferramentas necessárias para que seus alunos se tornem usuários eficientes dos recursos
lingüísticos na produção e recepção de textos com competência.
Outro fator que contribui para a manutenção dos equívocos relacionados à prática
docente no ensino de Língua Portuguesa está ligado ao conteúdo dos livros didáticos. Para
Oliveira e Wilson100,
97
ANTUNES, 2007, p. 121.
98
Oliveira; Wilson, 2000, p. 236.
99
BAGNO, 1999, p. 144.
100
OLIVEIRA; WILSON, 2000, p. 239.
71
[...] os manuais didáticos, embora já apresentem a preocupação em apontar
para os diferentes usos da língua, o fazem em geral, de forma desvinculada
das situações reais de comunicação, isto é, desconsiderando as relações
entre língua e homem e entre este e seu meio social.
Sendo assim, esses materiais não priorizam a concepção sócio-interacionista que
preconiza o desenvolvimento de competências textuais e discursivas ao invés do simples
domínio das regras gramaticais, do reconhecimento de nomenclaturas que não contribuem
efetivamente para o desenvolvimento de habilidades necessárias para a formação de
usuários competentes da leitura e da escrita.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As considerações feitas até aqui, embora não sejam de caráter conclusivo, nos
permitem fazer algumas inferências sobre a razão pela qual alguns professores de Língua
Portuguesa ainda mantêm uma prática que prioriza o domínio da gramática normativa.
Aparentemente, esse tipo de prática docente está ligado a equívocos quanto ao
conceito de língua, à crença de que dominar uma língua é conhecer suas regras
gramaticais, ao conteúdo dos materiais didáticos que ainda mantém uma concepção
formalista de considerar a linguagem.
Embora já possamos identificar avanços nos currículos de formação de professores
de Língua Portuguesa no que tange a abordagem sócio-interacionista, também podemos
pressupor que muitos cursos de licenciatura em Língua Portuguesa ainda formam
profissionais tendem a reproduzir modelos tradicionais de ensino já muito arraigados. Assim,
não conseguem romper com a rigidez da estrutura escolar vigente e nem implementar a
transposição didática dos princípios preconizados por documentos oficiais como os PCN, a
LDB, o PNDL, entre outros.
5. REFERÊNCIAS
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1999.
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72
BECHARA, Evanildo. Ensino da gramática: opressão ou liberdade? São Paulo: Ática, 1985.
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portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1997.
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bases legais, parte I. Brasília: MEC/SEF, 2000.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: ensino médio:
língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 2000.
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Secretaria de Educação Básica, 2011. 100 p.
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FÁVERO, Leonor Lopes. Oralidade e escrita: perspectiva para o ensino da língua materna. 3. ed. São
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Eduardo (org.). Manual de lingüística. São Paulo: Contexto, 2009.
POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: Mercado de Letras, 1996.
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