o comportamento do consumidor no marketing social e a

Propaganda
Revista Eletrônica da Faculdade Metodista Granbery
http://re.granbery.edu.br - ISSN 1981 0377
Curso de Administração - N. 3, JUL/DEZ 2007
O COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR NO MARKETING SOCIAL E A
NECESSIDADE DA DOAÇÃO DE SANGUE: HEMOCENTRO REGIONAL DE JUIZ
DE FORA/FUNDAÇÃO HEMOMINAS
Juliana Maioli Laval*
Ana Clara da Silva Pinto**
Resumo
A adoção de um sistema de doadores espontâneos e regulares está no centro dos esforços para garantir
o suprimento da demanda por sangue no país e no mundo. Dessa forma, os profissionais dos
hemocentros e instituições de saúde devem atuar na promoção de uma mudança de comportamento da
população com relação à causa, em especial, dos doadores esporádicos para que se tornem fiéis ao ato
da doação de sangue. O foco deste estudo é a identificação dos fatores que impedem a doação regular
por pessoas aptas a doar sangue e que já vivenciaram essa experiência, visando torná-las doadoras
freqüentes. Os dados foram coletados por meio de entrevistas individuais em profundidade com 16
doadores eventuais do Hemocentro Regional de Juiz de Fora. O presente relatório apresenta as
considerações a respeito dessa temática, aponta os resultados da pesquisa e propõe sugestões que
possam ser implementadas para alcançar a fidelização desses doadores a partir da utilização do
Marketing Social.
Palavras - chave: Comportamento, doação de sangue, fidelização.
Abstract
The adoption of a system of spontaneous and regular givers is in the center of the efforts to guarantee the
suppliment of the demand for blood in the country and the world. Of this form, the professionals of the
hemocentros and institutions of health must act in the promotion of a change of behavior of the population with
regard to the cause, in special, of the sporadical givers so that fidiciary offices become the act of the blood
donation. The focus of this study is the identification of the factors that hinder the regular donation for apt
people to donate blood and that already they had lived deeply this experience, aiming at to become them
frequent givers. The data had been collected through individual interviews in depth with 16 eventual givers of
the Regional Hemocentro of Juiz de Fora. The present report presents the works regarding this thematic one,
points the results of the research and considers suggestions that can be implemented to reach the frequent givers
from the use of the Social Marketing.
Key - Words: behavior, donation of blood, frequent givers
* Graduada em Administração; Pós-graduada em Marketing; atua no Setor de Avaliação
Institucional - GRANBERY
** Graduada em Administração
1 – Introdução
A sociedade atual vivencia a cada minuto inúmeros avanços técnico-científicos,
notadamente, na área de saúde em que a inserção da robótica e da biomedicina deu novos
contornos a essa prática. A transfusão de sangue também causou grande impacto neste campo.
O aumento da expectativa de vida da população aliada aos modernos tratamentos reforça a
importância da transfusão na manutenção da vida de milhares de pessoas, pois aumenta a
eficácia desses tratamentos e permiti a realização de complexas cirurgias. No entanto, a
realização de uma transfusão exige um processo anterior: a conquista de doadores de sangue,
pois a prerrogativa da transfusão é a existência de um doador. Isso significa que as técnicas de
captação de doadores precisam avançar na mesma intensidade em que a ciência médica.
Segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS), nos países
desenvolvidos, uma a cada dez pessoas que entram em um hospital precisa de uma transfusão
de sangue. Nos países subdesenvolvidos essa relação é ainda maior, considerando-se a
necessidade de sangue nos grupos de mulheres e crianças, durante e após o parto.
A segurança da população, no tocante ao atendimento às necessidades transfusionais,
depende da conquista de doadores espontâneos e habituais. Os doadores habituais garantem a
existência dos estoques de sangue necessários e, ao mesmo tempo, asseguram a qualidade do
sangue proveniente de doadores testados sorologicamente de forma constante.
No Brasil, apenas 1,7% da população é doadora de sangue, percentual inferior aos 5%
apontados pelo Ministério da Saúde (MS) como ideais para atender a demanda transfusional
do país. Desse total, apenas 43% são doadores freqüentes, o que torna os estoques de sangue
instáveis.
Dessa forma, emerge a necessidade de ampliar o escopo de atuação das organizações
que atualmente têm a função de fornecer sangue para uma determinada população, visando
alterar seu foco para a promoção de uma responsabilidade pública no tocante ao suprimento
da demanda por sangue. É nesse contexto que o marketing social torna-se indispensável para
a promoção de um novo comportamento, pautado na mudança espontânea, incentivado pela
garantia de um suprimento de sangue seguro para o indivíduo e para a sociedade.
O caráter indispensável da doação voluntária de sangue aliado à existência de poucos
estudos realizados sobre o tema no Brasil tornam a hemoterapia uma área fértil para o
desenvolvimento de trabalhos científicos. O problema de pesquisa originou-se da observação
do fluxo mensal inconstante dos doadores no Hemocentro de Juiz de Fora, o que exerce forte
reflexo nos estoques de sangue. Essa observação gerou um questionamento sobre os motivos
que levam pessoas que já vivenciaram a experiência da doação de sangue não o fazerem
regularmente. E, a partir dos resultados obtidos, desenvolver estratégias para tentar alterar
esse comportamento.
O presente estudo tem por objetivo analisar os motivos que impedem a doação regular
das pessoas que já doaram sangue, visando transformar doadores esporádicos em doadores
regulares por meio da construção de um relacionamento duradouro do doador com esse gesto
que resume a expressão máxima de uma atitude em favor da vida.
Para a realização deste trabalho foi feito um estudo exploratório de cunho qualitativo.
Na elaboração do referencial teórico foram utilizados dados bibliográficos originados de
livros, artigos publicados e internet. No trabalho de campo, foram realizadas pesquisas no
histórico dos doadores cadastrados no Hemocentro Regional de Juiz de Fora e entrevistas em
profundidade com doadores esporádicos a fim de coletar informações e impressões dessas
pessoas.
2 – Fundamentação teórica
2.1 Marketing Social
O marketing relaciona-se com a “identificação e o atendimento das necessidades
humanas e sociais” (KOTLER, 2000, p.24). Sob a perspectiva de atingir esse objetivo de
forma lucrativa, profissionais de marketing adotam estratégias como a segmentação, mix de
marketing e o relacionamento a longo prazo. O uso dessas estratégias busca tornar a venda
supérflua, autopromovida, num ambiente mutável e de acirrada concorrência, por intermédio
da comunicação e da entrega eficaz de valores aos clientes.
O marketing tem sido aplicado em organizações do terceiro setor, visando tornar as
campanhas sociais mais efetivas no que tange à mudança de comportamento. O termo
Marketing Social foi cunhado pela primeira vez por Kotler e Zaltman em 1971 para referir-se
a esta nova aplicação do marketing (MACFADYEN et al, 2005).
Segundo Kotler e Roberto (1989 apud MacFadyen 2005, p.495), o “Marketing social é
uma tecnologia de gerenciamento de mudança social [...]”.
Transferir o conceito de marketing de organizações que visam o lucro para
organizações que não possuem essa finalidade exige adequações nessa concepção, em
especial, na questão do objetivo: “A maximização de lucro deve ser traduzida como a
maximização de custo-benefício” (KOTLER, 1978, p.14).
Marketing societal, marketing de responsabilidade social e o marketing sem fins
lucrativos representam outras aplicações da função marketing cujos conceitos podem ser
confundidos com o marketing social. O primeiro relaciona-se à inclusão da sociedade no
planejamento do produto: processo, uso e descarte incluindo a preservação ou melhoria do
bem-estar do consumidor e da sociedade. O marketing de responsabilidade social é permeado
pela adoção de uma causa social para promoção dos interesses de uma organização. E por
último, o marketing social deve ser diferenciado do marketing sem fins lucrativos, visto que
este tem o objetivo focado no sucesso da organização e não nas mudanças comportamentais
em sua população alvo (KOTLER, 2000).
MacFadyen (2005) aponta três pilares do marketing social: (1) foco na mudança
voluntária de comportamento, (2) aplicação do princípio da troca no processo de mudança e
(3) a utilização de técnicas de marketing, como a segmentação e mix de marketing. Novas
discussões acrescentam a visão de relacionamentos de longo prazo nas práticas de marketing
social como proposta para efetiva promoção de mudança.
O público alvo das organizações que praticam esse marketing participa ativamente do
processo de mudança, visto que é agente influenciador e influenciado pelas práticas
implementadas. Essa influência se materializa na adoção do comportamento estimulado em
troca da expectativa de algum benefício. As ações de marketing são pautadas na maneira
como esse público se comporta em relação ao objeto, nos atributos que consideram mais
importantes, elucidados por meio de pesquisas.
2.2 Mix de Marketing Social
O mix, ou composto de marketing, compreende a forma com que a empresa estimula o
consumo de seu público alvo, engloba as definições da oferta da empresa: produto, forma de
distribuição, promoção e o preço a ser pago pelos clientes, formatados sob a perspectiva de se
obter a resposta desejada dos consumidores alvo.
Inicialmente concebidos para o marketing tradicional, esses estímulos são adaptados e
aplicados no marketing social. O produto social é mais complexo que a oferta tradicional.
Kotler e Roberto (1992) referem-se ao produto social como uma idéia ou mudança de
comportamento que podem ser objeto de encorajamento ou desencorajamento pela sociedade.
Ainda que essa mudança de comportamento inclua algum objeto tangível, o promotor de
marketing deseja vender a atitude do uso desse objeto, explorando seus benefícios intangíveis
como segurança, esperança e status. Ao criar valor para os clientes-alvo esses profissionais
devem explorar os benefícios associados ao seu uso.
Em relação à distribuição, Kotler e Zaltman (1971 apud Macfadyen et al 2005, p.510)
afirmam que “no marketing social, a praça deve ser definida de modo a abranger canais de
distribuição e de respostas e pontos de ação claramente definidos para os que se motivarem a
comprar o produto”.
A promoção, utilizada anteriormente como sinônimo de propaganda social, foi a que
recebeu maior atenção do marketing social (MACFADYEN et al 2005). Nesse elemento do
programa, a gestão da marca e o relacionamento com a mídia são pilares importantes para
alcançar resultados positivos. Popadiuk e Marcondes (2000, p.5) definem o papel da
promoção nesse composto como “o meio usado para comunicar mensagens e imagens
justificando essa mudança e tornando-a atraente”.
Kotler e Roberto (1992) fazem as considerações sobre o elemento preço no marketing
social. Segundo os autores, em geral, as organizações cobram uma taxa por seus produtos ou
serviços a fim de cobrir os custos de manutenção, no entanto, o preço pode também ser
entendido como esforço de realizar a ação, quebrando uma tradição ou desistindo de um
conforto.
Os custos não monetários referem-se ao esforço do consumidor em realizar a ação
desejada, esse esforço pode se materializar no tempo de espera, em dificuldades de acesso aos
pontos de venda, os riscos percebidos, medos, custos psíquicos, entre outros.
2.3 Comportamento do Consumidor
Compreender o comportamento do consumidor possibilita aos profissionais de
marketing reunir informações que suportem suas ações de forma a realizar uma oferta,
incluindo todos os estímulos de marketing, que supere as expectativas dos clientes e gere
comportamentos desejados como a fidelidade.
Engel et al (2000, p.4) define comportamento do consumidor como “atividades
diretamente envolvidas em obter, consumir e dispor de produtos ou serviços, incluindo os
processos decisórios que antecedem ou sucedem essas ações”.
Kotler (2000, p.182) tem a mesma visão. Segundo ele, comportamento do consumidor
é o estudo do modo “como as pessoas, grupos e organizações selecionam, compram, usam e
descartam artigos, serviços, idéias ou experiências para satisfazer suas necessidades e seus
desejos”.
Schiffman e Kanuk (2000, p.5) concebem o estudo do comportamento do consumidor
como a análise do modo como “os indivíduos tomam decisões de gastar seus recursos
disponíveis (tempo, dinheiro, esforços) em itens relacionados com o consumo.”.
Segundo Engel et al (2000), os consumidores, repetidas vezes ao dia, passam por um
extenso processo decisório para realizar suas opções de compra, de consumo e de descarte. As
decisões de compra incluem a efetiva opção entre a compra e a poupança, o item a ser
adquirido, a marca, o local, a ocasião e a forma de pagamento.
Segundo Shiffman e Kanuk (2000), os consumidores possuem um comportamento de
compra coerente e constante, cujos parâmetros são formados e modelados por diversas
variáveis internas e externas aos indivíduos.
2.3.1 Influências Internas
Os consumidores passam por processos internos que interferem em sua forma de ver,
sentir, interpretar e responder aos estímulos do ambiente. Os processos psicológicos
compreendem a atitude, a motivação, a percepção, a personalidade e aprendizagem,
(SHIFFMAN e KANUK, 2000).
Segundo esses autores, a atitude é uma “predisposição que se aprende, a se comportar
de maneira constantemente favorável ou desfavorável a respeito de um dado objeto”
(SHIFFMAN e KANUK, 2000, p.167). Esse objeto pode referir-se a qualquer item da oferta,
desde a marca até considerações a respeito de preços. Geralmente, as atitudes são coerentes, o
que significa que o comportamento adotado é congruente com a atitude existente, embora esse
comportamento possa ser afetado pela situação em que o indivíduo se encontra. A atitude do
consumidor pode ser moldada, isto permite aos profissionais de marketing dirigir esforços na
formação de uma atitude ou na promoção de uma mudança, se já existe uma predisposição.
Outro processo que interfere no comportamento do consumidor é a motivação. A
motivação pode ser definida como uma força motriz que incentiva o indivíduo a adotar
determinado comportamento. Esses motivos surgem das necessidades humanas e têm
implícito um objetivo a ser atingido.
Essa força interna pode ser considerada positiva ou negativa, racional ou emocional.
As motivações positivas encorajam uma ação em favor de determinado produto para
satisfazer uma necessidade e, de forma contrária, as motivações negativas são aversões a um
determinado produto, buscando-se assim alternativas para a satisfação de sua necessidade. Os
motivos racionais remetem a um processo cognitivo do consumidor, que avaliam
objetivamente cada aspecto do produto e optam por aquele que garante maior utilidade
enquanto as motivações emocionais sugerem avaliações nas quais sejam considerados
critérios subjetivos.
As necessidades dos consumidores, conforme sua intensidade são capazes de
impulsionar a ação de compra (KOTLER, 2000).
Maslow, A. H. (apud Engel et al, 2000) dispõe as necessidades humanas sob a forma
de hierarquia, definindo prioridades destas necessidades, conforme figura 1, a seguir:
Necessidades de nível mais alto
Auto - realização
Um desejo de saber, entender,
sistematizar, organizar e construir
um sistema de valores.
Estima
Luta para conseguir uma posição
elevada em relação a outros,
incluindo maestria e reputação.
Sentimento de pertencer
Segurança
Fisiológica
Luta para ser aceito por membros
íntimos da família e associados
próximos.
Preocupação quanto à sobrevivência
física, incluindo segurança, abrigo e
proteção.
Fundamentos sobrevivência –
alimento, água, sono.
Necessidades de nível mais baixo
Figura 1 A hierarquia das necessidades de Maslow
Fonte: Adaptado de A. H. Maslow, Motivation and Personality (apud Engel et al, 2000, p. 276).
No marketing social, as necessidades de segurança e de estima se destacam como
motivadores do processo de mudança de comportamento.
A percepção, outra influência interna, é o modo como os indivíduos sintetizam as
sensações e estímulos recebidos e fazem considerações a respeito do que está em sua volta.
Para Shiffman e Kanuk (2000, p.103), percepção é “o processo pelo qual um indivíduo
seleciona, organiza e interpreta estímulos visando a um quadro significativo e coerente do
mundo”.
O quarto processo psicológico é a personalidade que, sendo tão única, traduz as
diferenças pessoais entre os indivíduos. Shiffman e Kanuk (2000, p. 81) a explicam como “as
características psicológicas interiores que tanto determinam quanto refletem como uma pessoa
responde ao seu ambiente”. Formada por uma combinação de características hereditárias,
experiências infantis, influências sociais e do ambiente, a personalidade interfere em aspectos
como a receptividade à inovação e a susceptibilidade à influência interpessoal.
O processo de aprendizagem representa a forma como as pessoas se conscientizam do
objeto da comunicação e utilizam essa informação no futuro. Segundo Shiffman e Kanuk
(2000), os consumidores aprendem com o conhecimento adquirido e com a experiência que
tiveram a respeito desse objeto. Isso significa que a empresa deve ensinar aos consumidores
que é portadora da melhor oferta e satisfazê-los em suas experiências de compra e consumo
para promover fidelidade à marca.
2.3.2 Influências Externas
Aspectos referentes ao ambiente dos consumidores como a cultura, a classe social, os
grupos de referência e a família também atuam no processo decisório do consumidor. Os
grupos de referência são grupos de pessoas que possuem poder de persuadir, consciente ou
inconscientemente, as decisões de compra e consumo de um indivíduo. Esses grupos podem
ser normativos ou comparativos. Os primeiros influenciam valores ou comportamentos gerais,
e os últimos incitam um comportamento.
Os grupos de referência são alvos do marketing, pois atuam como geradores de
informação sobre um produto, servem como base comparativa, influenciam a adoção de
comportamentos coerentes com o grupo e legitimam a decisão de um indivíduo (KOTLER,
2000).
A concepção de família varia conforme a cultura de uma região, podendo compreender
o núcleo, marido, esposa e filhos ou a família estendida, que inclui outros parentes. Atuando
como um grupo de referência, a família desempenha diversos papéis no processo de consumo
(SHIFFMAN e KANUK, 2000): (a) influenciadores - fornecem informações sobre
determinado produto ou serviço, (b) fiscais internos - controlam as informações sobre
determinado produto ou serviço, (c) decisores - decidem a compra ou consumo de
determinado produto ou serviço, (d) compradores - realizam a compra do produto ou serviço,
(e) preparadores - deixam o produto preparado para o consumo, (f) usuários - usam ou
consomem o produto ou serviço, (g) mantenedores - consertam o produto ou serviço e (h)
eliminadores - descartam o produto ou serviço.
No que tange à classe social, elas são delimitadores naturais de segmentos de mercado,
pois reúnem valores, atitudes e padrões de comportamentos específicos para cada classe, esses
aspectos podem ser inclusive aspirados por membros de outras classes.
Classe social é definida por Shiffman e Kanuk (2000) como o agrupamento da
população em diferentes estratos sociais hierarquizados, assumindo como fatores de
diferenciação a riqueza relativa, poder e prestígio, ou conforme variáveis demográficas como
renda familiar, status profissional e instrução.
A cultura determina padrões de comportamento de forma tão natural que às vezes nem
se percebe, pois é a cultura que forma as bases de interpretação do indivíduo e direciona suas
respostas aos apelos.
A cultura pode ser definida pelo conjunto de crenças, valores e costumes construídos
ao longo do tempo e compartilhados pela família, pelos grupos de referência e por instrutores
técnicos como professores. Esse último é o papel exercido pelos profissionais de marketing
que objetivam criar uma nova realidade cultural.
2.4
A Doação de Sangue
A hemoterapia percorreu um longo caminho até que a transfusão de sangue fosse
efetivamente realizada. Além da ingestão de sangue, fracassadas experiências de transfusão de
sangue de animais em seres humanos fizeram parte do aprendizado nessa área.
A evolução da Hemoterapia alçou o homem à posição de protagonista nesse
espetáculo de cidadania, pois sem doador não há transfusão. A matéria-prima utilizada nesse
processo é o sangue doado por homens e mulheres em todo o mundo. Assim, as pessoas que
têm necessidades transfusionais dependem da solidariedade de outras para se manterem vivas.
Nesse sentido, estratégias para conquistas de doadores tiveram de ser elaboradas em
paralelo ao avanço das técnicas transfusionais.
No Brasil, um dos principais apelos utilizado para captar doadores e suprir a demanda
existente foi a contrapartida financeira. A remuneração de doadores se tornou parte de um
esquema de comercialização de sangue instaurado no país. Nesse esquema, o sangue, símbolo
da vida, era o “produto” principal: proprietários de bancos de sangue pagavam pelo sangue
doado e cobravam altos preços àqueles que necessitavam. Além disso, os processos de
captação, coleta e distribuição de sangue seguiam a ótica do lucro enquanto a qualidade e a
segurança do sangue foram deixadas em segundo plano (JUNQUEIRA, 1979).
Esse tipo de apelo era eficiente no que tange à retenção dos doadores visto que, atraídos
pela recompensa financeira, muitos doavam sangue em intervalo inferior aos três meses
recomendados pelos bancos de sangue, alternando as doações entre as diversas instituições
existentes.
A propagação de mitos sobre os efeitos da doação também funcionou como instrumento
para a retenção de doadores durante a vigência da estratégia de pagamento pela doação.
Falácias como “doar sangue emagrece”, “afina o sangue” ou ainda que a “realização de uma
doação exige repetição contínua sob risco de ocorrerem danos à saúde” foram divulgadas para
condicionar o doador à prática freqüente da doação (AMORIM FILHO, 2000).
Um dos efeitos mais danosos dessa estratégia era a emergente doença transfusional. O
interesse pelo dinheiro fazia com que alguns doadores omitissem informações sobre sua
saúde, o que gerava incerteza com relação à qualidade do sangue transfundido.
O surgimento da AIDS, no início da década de 80, desmantelou o modelo de doação
remunerada no Brasil. O crescente número de casos de transmissão da doença via transfusão
despertou a população para a periculosidade do sistema exigindo providências das autoridades
governamentais. O clamor da população, sob o slogan “salvem o sangue do Brasil”, resultou
na proibição da comercialização do sangue e fez com que o governo assumisse a coordenação
e a operacionalização dessa área, construindo a rede hemoterápica brasileira (SANTOS,
2002).
O sistema de doação remunerada deixou seqüelas na forma de captação de doadores e
suprimento da demanda transfusional. A alternativa encontrada pelos profissionais de bancos
de sangue para substituir o atrativo monetário foi transferir à família do paciente a
responsabilidade de conseguir seus doadores. Esse processo, conhecido como reposição
hospitalar, se tornou a base de apoio dos bancos de sangue públicos (hemocentros). Amorim
Filho (2000, p.21) qualifica esse sistema “como perverso, pois transfere para os que vivem em
situação de estresse pela internação familiar a obrigação de prover o hospital”.
2.4.1 Doadores Esporádicos versus Doadores Regulares
Existem diversos tipos de classificação de doadores, mas a classificação a ser adotada
no presente trabalho será a do Ministério da Saúde, que os agrupa conforme o motivo da doação
e conforme o número e intervalo entre as doações. A classificação dos doadores segundo o
motivo para doações é estabelecida da seguinte forma: (1) Reposição hospitalar - o doador
comparece ao banco de sangue a pedido de um paciente que se submeteu ou será submetido a
uma transfusão sangüínea. Ele repõe o sangue reservado ou utilizado pelo paciente; (2)
específica - o paciente deseja receber o sangue doado por um doador conhecido, cujo tipo
sangüíneo é igual ao dele. Essa doação é realizada na perspectiva de se minimizar os riscos de
contaminação por transfusão ou em caso de tipos sangüíneo raros; (3) autóloga - o doador é o
próprio receptor do sangue, ele vai ao banco de sangue antes de ser submetido a um
procedimento cirúrgico para fazer um pré-depósito. Essa doação só pode ser utilizada quando o
paciente tem condições de saúde para realizar a coleta; (4) espontânea - também chamada de
voluntária, é a forma mais altruísta da doação, pois não há a personificação de um receptor. O
doador comparece ao banco de sangue movido pela solidariedade, com o objetivo de ajudar
qualquer pessoa que necessite do sangue.
Conforme as normas que regulamentam a doação de sangue (RDC 153)¹, o intervalo
mínimo entre doações é de dois meses para homens e três meses para mulheres, todavia, no
período de 365 dias, os homens podem realizar no máximo quatro doações, e as mulheres,
três. Esses intervalos foram definidos considerando-se o tempo para recuperação das células
doadas e a saúde do doador.
As condições de usuário-doador, isto é, o número de doações realizadas e o intervalo
entre elas representam o outro tipo de classificação: (1) doador de primeira vez; (2) doador
esporádico – doam sangue eventualmente; (3) doador regular (repetição) – doadores que
repetiram a doação no período de treze meses.
Organismos nacionais e internacionais de regulamentação de saúde como a Organização
Mundial de Saúde e o Ministério da Saúde defendem não apenas a adoção do sistema de
doação espontânea, como também o desenvolvimento de ações que tornem esses doadores
fiéis ao ato da doação, pois, segundo essas mesmas organizações, os doadores regulares não
apenas garantem o estoque de sangue necessário à demanda, como também apresentam menor
prevalência de infecções que doadores de primeira vez.
Os doadores esporádicos não demonstram compromisso com a causa da doação de
sangue. Esses doadores comparecem eventualmente aos hemocentros, realizando uma doação
de reposição ou em um momento especial em suas vidas (PILIAVIN e CALLERO, 1991).
Em um estudo realizado por Ford e Wallace (1975 apud Junqueira, 1979) verificou-se
que a maior parte dos indivíduos aptos à doação de sangue não o faz, e os motivos principais
são o medo da doação e a simples apatia, ou ainda, são imobilizados por obstáculos como
falta de tempo, incompreensão dos empregadores, a localização e o horário dos bancos de
sangue incompatíveis com a rotina diária. Dois anos depois, Oswalt (1977 apud Ludwig,
2001), concluindo seus estudos, acrescenta a desqualificação médica e as intercorrências após
a doação (ex. tonturas) como razões para a não realização desse processo.
A proposta do Ministério da Saúde é promover uma transformação comportamental,
introduzindo na rotina das pessoas a prática da doação de sangue espontânea e freqüente,
sendo a única capaz de suprir, de forma adequada e segura, a demanda por sangue.
A cada ano, 46% do sangue coletado no mundo são provenientes de doações regulares,
87% dessas doações são realizadas em países desenvolvidos, conforme relatório da
Organização Mundial de Saúde em Maio de 2005. No Brasil, dados da produção
hemoterápica do país em 2002, publicados pelo Ministério da Saúde, apontam que apenas
43% das doações efetuadas no país são de doadores regulares.
3
Método
De forma a alcançar o objetivo proposto, foi realizada uma pesquisa exploratória de
cunho qualitativo. Segundo a afirmação de Malhotra (2001), a pesquisa exploratória é
importante para as situações em que o pesquisador não dispõe no início da investigação, de
informações suficientes para o desenvolvimento da pesquisa, e é caracterizada pela
flexibilidade e versatilidade com respeito aos métodos de investigação.
A revisão bibliográfica, pela qual se constatou a escassez de estudos desenvolvidos no
Brasil e, na literatura internacional, evidenciou que os estudos, de acesso restrito, são
desenvolvidos com o objetivo de decifrar os fatores pessoais e ambientais que definem o
desenvolvimento de um comportamento regular nas doações de sangue, utilizando-se como
objeto de pesquisa doadores regulares ou não-doadores de sangue. Constata-se que, nesses
últimos estudos, não foram detectadas respostas conclusivas e que não há registros de
pesquisas, no levantamento realizado, que abordem o comportamento dos doadores
esporádicos. Nesse sentido, a pesquisa bibliográfica atingiu seu objetivo de “explorar novas
áreas onde os problemas ainda não se cristalizaram suficientemente” (LAKATOS;
MARCONI, 1986, p.58).
A análise de documentos foi realizada a partir da verificação de históricos de doações
no Hemocentro Regional de Juiz de Fora, por meio do sistema de registro da organização.
Conforme Ander-Egg (1978 apud Lakatos e Marconi, 1986, p.56), “Os documentos de fonte
primária são aqueles de primeira mão provenientes de órgãos que realizaram as observações”.
A pesquisa no sistema gerou os dados, incluindo a relação dos doadores esporádicos que
seriam analisados. Os dados apurados indicaram que, entre os 2.149 doadores aptos em
setembro de 2004, 1.052 doadores, ou seja, 49 %, ainda não haviam retornado ao hemocentro
até o último dia do mês de setembro de 2005.
O principal instrumento adotado para o desenvolvimento do trabalho de campo, no
presente estudo, foi o de entrevistas individuais, em profundidade. Para tanto foram
selecionados, aleatoriamente e segundo suas disponibilidades de tempo, a partir da relação
gerada pelo sistema de informação do Hemocentro Regional de Juiz de Fora, 16 doadores
considerados esporádicos. A amostra selecionada foi composta por 10 homens e 6 mulheres
na faixa etária de 18 a 65 anos. O número de entrevistas foi definido conforme conteúdo das
informações obtidas, pois após certo número de entrevistas as respostas se tornaram
repetitivas, tornando-se desnecessárias novas entrevistas. Os doadores compareceram ao
hemocentro para entrevistas individuais, agendadas por telefone, no período de 01/10/2005 à
29/10/2005.
O roteiro adotado para as entrevistas era composto por questões abertas que procuravam
permear a experiência vivida anteriormente pelo doador, os comportamentos decorrentes
dessa experiência e os motivos pelos quais não praticavam a doação regular.
O mês de referência adotado para a realização da pesquisa foi setembro de 2004 (13°
mês que antecedeu o início da pesquisa), pois se considerou a classificação adotada pelo
Ministério da Saúde que define doadores esporádicos como doadores cujo intervalo entre
doações é superior a treze meses.
4 Resultados
A partir das entrevistas realizadas verificou-se que o principal motivo apresentado pelos
doadores para a inconstância das doações é a acelerada rotina de vida que possuem. O número
de doações efetuadas, a idade e o sexo desses doadores não trouxeram respostas diferenciadas.
A maioria dos entrevistados divide seu tempo entre estudo e trabalho ou mesmo executam
tarefas cujo período é incompatível com o horário de funcionamento do Hemocentro. Este
último argumento é apontado principalmente por profissionais do comércio.
Essa resposta foi emitida por doadores experientes e conscientes do caráter
insubstituível da doação. Esse resultado é sustentado pelo que afirma a literatura (FORD e
WALLACE,1975 apud JUNQUEIRA, 1979) que pessoas aptas a doar sangue não o fazem em
função das limitações de tempo.
Observou-se que os doadores sentem-se satisfeitos em serem aptos a doar sangue e, ao
mesmo tempo, demonstram grande interesse em se tornar doadores regulares. Esse sentimento
pode ser comprovado pelo fato de que 50% dos entrevistados doaram sangue no dia da
entrevista. A pergunta sobre a possibilidade de tornarem doadores regulares levou-os a refletir
sobre a inclusão da doação em sua rotina, a cada 3 ou 4 meses. Grande parte deles encontrou
uma alternativa, seja um dia de folga, os dias de sábados ou mesmo uma possível mudança de
jornada recentemente implementada. Essa resposta geralmente acompanhava a explanação de
que a falta de hábito é responsável pelas irregularidades nas doações. Destaca-se ainda que o
direito a um dia de folga no trabalho previsto em lei, (decreto lei n°229, de 28/02/67) não foi
citado como opção para realizar as doações.
Constata-se que, ao se dirigir ao hemocentro, os doadores esperam realmente efetuar sua
doação, no menor tempo e serem atendidos da maneira mais agradável possível.
Ao reservar um momento para a doação de sangue, a expectativa do candidato é realizála sem nenhuma intercorrência, assim, a inaptidão, independente do motivo, pode causar
grande frustração no doador. Esse sentimento também pode ser responsável pela ampliação
do intervalo entre doações visto que os doadores esquecem a partir de que momento podem
retornar.
O tempo para a realização da doação de sangue no Hemocentro de Juiz de Fora também
foi citado como um atributo importante, tendo sido avaliado por muitos como um aspecto
positivo e por alguns como um aspecto negativo na Unidade. Na verdade, os doadores
consideram satisfatório o tempo médio de uma hora para a doação, conforme os padrões de
atendimento definidos pelo Hemocentro. No entanto, há momentos em que o número de
doadores supera a capacidade de atendimento instalada, o que provoca muita espera.
A satisfação com o atendimento prestado foi valorizada pelos entrevistados, e eles
enfatizaram que, sendo a doação voluntária, o mínimo que se espera é um atendimento
excelente. A cortesia e a atenção, critérios de um atendimento com qualidade, exercem forte
impacto no retorno do doador. A maioria dos entrevistados (93,8%) afirmou que, neste
quesito, o hemocentro de Juiz de Fora se destaca no cenário atual das Instituições públicas de
saúde.
Verifica-se que os hábitos e crenças em relação à doação de sangue também são
construídos por grupos de referência. A família e os amigos podem incentivar ou desestimular
a realização de doações. Alguns doadores disseram que se tornaram doadores de sangue em
função do exemplo dos pais, outros em função de amigos. O depoimento de um dos
entrevistados ilustra esta influência:
Desde que tinha 17 anos, eu e minha namorada já havíamos combinado que
nos tornaríamos doadores quando eu completasse 18 anos. Quando fiz
aniversário, um amigo que era mais experiente me convenceu a vir com ele.
[...] Comecei a doar direto, mas aí passei na faculdade, aí sai com o pessoal,
distraí, comecei a fazer outra roda de amigos, me mudei, parei de passar por
aqui e caiu no esquecimento.” (3 doações realizadas com intervalo de
aproximadamente 3 meses entre elas).
Os doadores de sangue formam um influente grupo de aspiração, visto que atualmente
ganharam status de pessoas solidárias e saudáveis.
Os hábitos e conhecimentos existentes sobre o processo de doação e transfusão de
sangue se mostraram decisivos na definição dos intervalos entre doação de alguns
entrevistados, principalmente no tocante à necessidade de reposição do sangue. O caráter
obrigatório da doação de reposição ainda permeia o imaginário das pessoas, por isso alguns
doadores aguardam o pedido de um paciente conhecido para realizar a doação. O trecho da
entrevista de um doador proveniente de uma cidade pequena expressa essa influência: “às
vezes eu me preservo para a hora mais crítica[...] Eu sei como é difícil para uma pessoa que
vem lá da roça, chegando aqui, vai arrumar doador onde?”.
Outros doadores afirmaram ainda que respondem apenas aos pedidos de pessoas de suas
relações, reconhecendo-os como pedidos especiais para doarem. Esses doadores não
percebem os apelos feitos à população como sendo dirigido a eles.
No que tange à captação de doadores de sangue, as mensagens veiculadas pela mídia
precisam despertar, no público alvo, o desejo de fazer parte desse grupo especial de pessoas,
doadoras de vida. Alguns doadores afirmaram que as mensagens veiculadas pela mídia sobre
a importância do sangue foram responsáveis pela formação de uma atitude positiva com
relação ao gesto, mesmo antes de completarem a idade mínima para a doação.
A exibição de mensagens para um público indiferenciado, destacando a importância da
doação de pessoas que possuem tipos sangüíneos específicos e raros (ex. A negativo), no
entanto, pode provocar, em outros indivíduos, a sensação de que sua doação é dispensável.
Uma das entrevistadas expressou um desejo intenso de possuir um tipo sangüíneo mais raro
para que sua doação fosse realmente importante:
Sempre tive vontade, o problema é que meu sangue sempre tem é A pos [...]
pôxa devia ter um sangue assim que ninguém tinha porque eu tenho tanta
vontade de doar, devia ser O neg que é o doador universal já que eu gosto
tanto de doar (uma doação realizada no hemocentro).
Nota-se que alguns doadores, mesmo tendo realizado diversas doações, não sabem os
benefícios ou mesmo a importância da doação regular. Esses doadores são motivados por
benefícios explícitos advindos da realização das doações como a dispensa do dia de trabalho,
os exames sorológicos realizados e o lanche oferecido. A freqüência da doação é
dimensionada consoante à necessidade de algum desses benefícios.
Doadores que reconhecem a necessidade da doação sugerem que as experiências como
doadores criam um vínculo de valor emocional entre o doador e o ato da doação de sangue:
“eu vim e vi o valor, a importância que é doar algo que não vai fazer falta pra você para
auxiliar outras pessoas” (primeira doação incentivada pelo projeto Jovem em Defesa da Vida).
Outros ressaltam que suas doações hoje contribuem para salvar a vida de pessoas que não
conhecem, mas que, algum dia, o beneficiado poderá ser alguém de sua família ou até mesmo
ele próprio. Isso confirma que a motivação da doação de sangue também visa preencher uma
necessidade de segurança: a certeza de que se um dia precisarem haverá sangue disponível.
Observou-se que, embora esses doadores tenham ficado um longo período sem realizar
doações, a lembrança da necessidade de retornar ao hemocentro para doar está presente em
suas mentes. Muitos mostraram-se surpresos ao descobrir que sua última doação tinha sido
realizada há mais de um ano. Essa lembrança, no entanto, não é suficiente para motivá-los à
ação, mesmo quando expostos à propaganda de massa, ou a correspondências como os cartões
de aniversários e cartas-lembrete.
Reforça-se ainda que a pressão social deve vir acompanhada de uma experiência
positiva na doação para que o doador torne essa prática freqüente. A abordagem no momento
da coleta deve desmistificar o ato e minimizar os medos, reduzindo os esforços (custo nãomonetário) da doação.
Após doar sangue, os critérios para realizar uma nova doação passam a ser mais
conhecidos pelo candidato. A inaptidão temporária ou definitiva também é responsável pelas
doações inconstantes. Doadores que emagreceram muito, chegando a um nível abaixo do peso
mínimo para doação, crises de rinite, anemia ou uma tatuagem nova ou um piercing colocado
recentemente atuam como obstáculos à doação regular. Nota-se, a partir das entrevistas, que
os doadores sentem-se frustrados por não poderem continuar doando ou mesmo arrependidos,
no caso de ação voluntária como a tatuagem.
5 Conclusões
Identificou-se pelo estudo realizado que faz-se necessário o desenvolvimento de
instrumentos que minimizem os custos não monetários da doação, aumentem os vínculos dos
doadores com a causa e ampliem, portanto, o relacionamento do Hemominas com os mesmos.
Ao serem acionados para participar desse projeto de pesquisa, os doadores superaram as
limitações de tempo para atender ao pedido dessa Instituição. Apenas dois doadores
convidados não participaram, um deles não se mostrou interessado e o outro não conseguiu
comparecer ao hemocentro no período das entrevistas. Destaca-se não apenas a credibilidade
da Instituição que os fez construir esse tempo, mas o fato de que 50% dos entrevistados
doaram no dia da entrevista, que tinha data e hora marcada. Essa experiência sinaliza que
adotar o regime de doações agendadas pode reaproximar esses doadores do processo de
doação tornando-os mais freqüentes
Visando contornar as dificuldades de tempo, pode-se explorar a responsabilidade social
de empresas propondo o desenvolvimento de ações internas de incentivo à doação de sangue.
Essas ações precisam ser contínuas e podem contar com a participação de funcionários que já
são doadores, tornando-os multiplicadores da causa na organização em que trabalham. As
coletas podem ser realizadas na organização parceira ou mesmo no hemocentro. A instituição
parceira deve ser co-responsável pelo sucesso desta ação, o que significa realizar
investimentos em divulgação interna e, conforme o caso, oferecer transporte ou mesmo
conceder um período de folga para o funcionário, por exemplo.
As unidades móveis representam um recurso importante para superar as limitações de
tempo dos doadores e tornar as doações mais freqüentes. Esse movimento de ir até os
doadores reduz o tempo necessário para o deslocamento até o hemocentro e pode ser o
estímulo que faltava para motivá-los a realizar a doação. Ressalta-se, no entanto, que essas
ações devem ser freqüentes e vir acompanhadas de uma comunicação especial que enfoque a
importância das doações regulares. Dessa forma, evita-se que o doador fique condicionado à
existência da coleta externa e, assim, caso o doador perca o vínculo com o local de realização
das coletas externas, manterá o vínculo com a doação de sangue.
As campanhas de incentivo à doação de sangue precisam assumir uma abordagem de
marketing social: necessitam ser planejadas, testadas e medidas, não somente em seus
resultados imediatos, mas também por um acompanhamento de médio e longo prazo. Esse
acompanhamento é importante para mensurar a potencialidade dos segmentos em que atua e a
eficácia, no longo prazo, das estratégias adotadas em cada um dos segmentos.
Para essa nova abordagem, é indispensável o apoio efetivo da tecnologia de informação,
pois, somente assim, seria possível identificar as expectativas dos clientes e agir consoante às
mesmas. O sistema de registro de doadores precisa contemplar informações como
preferências dos doadores e seu comportamento em relação à doação e à comunicação,
permitindo aumentar nível de conhecimento do Hemominas sobre seus clientes, ampliando,
assim, os vínculos com eles, e estabelecendo relações de longo prazo.
Percebe-se que um dos maiores imperativos que se apresenta para o Hemocentro de Juiz
de Fora é a capacidade de divulgação, entre doadores e mesmo entre não-doadores, da
importância do fornecimento de sangue seguro, materializado pela doação regular.
É importante salientar que as mensagens devem ser produzidas conforme as crenças do
segmento escolhido. Pesquisas para descobrir os tipos de apelo que causam maior impacto em
cada segmento podem ser desenvolvidas para se alcançar melhores resultados.
Os doadores de reposição representam um segmento potencial no que tange ao incentivo
à doação espontânea e contínua. O sistema deve gerar a relação de doadores de reposição para
que sejam abordados, visando reduzir o intervalo entre as doações e torná-los doadores
espontâneos.
Os doadores eventuais devem ser considerados um público estratégico para a
organização. Após preencher as lacunas identificadas na variável distribuição do mix de
marketing (coletas externas e atendimento), a comunicação dirigida a esses doadores pode
motivá-los a retornar ao hemocentro mais freqüentemente. Essa comunicação deve ressaltar a
importância de seu retorno, os benefícios da doação para o doador e para o receptor, visando
sempre criar valor para o doador para que ele sinta que ser um doador regular (mudar seu
comportamento), garante um retorno positivo para a sociedade e para ele próprio.
Um novo segmento pode ser trabalhado: os doadores inaptos temporários. Esses
doadores são potenciais doadores regulares visto que já possuem uma atitude positiva em
relação à doação e que já tentaram agir em conformidade com essa atitude. Portanto, uma
comunicação dirigida, relembrando que estão prontos para novas doações, pode fazer com
que retornem e o façam regularmente.
Ressalta-se ainda que o apelo por doadores de grupos negativos deve ser acompanhado
de um enfoque à necessidade permanente de todos os tipos sanguíneos. Essa ação deve
priorizar a segmentação e a comunicação direta com doadores desse tipo, o que evita
distorções quanto à necessidade de doações de outros grupos.
Os programas de sensibilização como o doador do futuro, o trabalho com
multiplicadores, a formação de associações de doadores e a realização de eventos que
ampliem a discussão sobre o tema precisam ser considerados alicerces para que a doação
espontânea e regular de sangue faça parte da cultura da sociedade.
Notas
1.
Resolução Federal – RDC 153. 14 de Junho de 2004.
Referências Bibliográficas
AMORIM FILHO, L.F. Hemoterapia: uma abordagem histórica e social. Rio de Janeiro:
FIOCRUZ, 2000.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil-Atualizada. São Paulo: Saraiva,
1999.
_______. Congresso. Senado. Resolução n.153. Determina o Regulamento Técnico para os
procedimentos hemoterápicos. Brasília, DF, jun. 2004.
_______. Decreto n. 229/67. Dispõe sobre a doação de sangue. Brasília, DF, fev. 1967.
_______. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Prêmio Nacional da Gestão
Pública: instrumento para avaliação da gestão pública. Brasília: MP, SEGES, 2004
_______. Portaria n. 07/80. Diretrizes básicas do programa nacional de sangue e
hemoderivados - Pró-Sangue. Brasília, DF, abr. 1980.
ENGEL, J. F. et al. Comportamento do consumidor. 8 ed. Rio de Janeiro: LTC, 2000.
EVANS, M. Segmentação de Mercado. In: BAKER, J.F. Administração de Marketing. Rio
de Janeiro: Campus, 2005.
FUNDAÇÃO HEMOMINAS. HTLV I/II.1996.
HEMOCENTRO REGIONAL DE JUIZ DE FORA. Relatório de gestão. Juiz de Fora, 2005.
_________________________________________. Planejamento Estratégico. Juiz de Fora,
2005.
INKOTTE, A. Marketing de ação social e percepção de valor: do plano tático para o
estratégico. 2003. 215f. Tese (Doutorado em Engenharia de Produção) – Faculdade de
Engenharia de Produção, Universidade Federal de Santa Catarina. Disponível em:
<www.teses.ufsc.br> Acesso em 05 out. 2005.
JUNQUEIRA, P. C. O essencial da doação de sangue. São Paulo: Andrei Editora, 1979.
KOTLER, P. Marketing para organizações que não visam o lucro. São Paulo: Atlas, 1978.
__________. Administração de marketing. 10 ed. São Paulo: Prentice Hall, 2000.
KOTLER, P; ROBERTO, E. L. Marketing Social: Estratégias para alterar o comportamento
do público. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
LAKATOS, E.M., MARCONI, M. A. Técnicas de Pesquisa. São Paulo: Atlas, 1986.
LUDWICK, S. Um Estudo da Doação Voluntária de Sangue em Hospitais de Porto
Alegre. 2001.198f. (Mestrado em Administração e Negócios) – Faculdade de Administração,
Contabilidade e Economia, Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
MACFADYEN et al. Marketing social. In: BAKER, J. F. Administração de Marketing. Rio
de Janeiro: CAMPUS, 2005.
MALHOTRA, Naresh K. Pesquisa de marketing: uma orientação aplicada. São Paulo:
Bookman, 3. ed., 2001.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Disponível em: <www.who.org> Acesso em: 03
set. 2005.
___________________________________. First report of Committee B. Maio, 2005a.
Disponível em: <www.who.org> Acesso em: 03 set. 2005.
___________________________________. Blood Safety and donation: a global view. Jun,
2005. Disponível em: <www.who.org> Acesso em: 03 set. 2005b.
POPADIUK, S., MARCONDES, R. C. Marketing social como um instrumento facilitador
de mudanças organizacionais: uma aplicação ao processo de privatização. Caderno de
Pesquisas em Administração. São Paulo: 2000.
PILIAVIN, J. A., CALLERO, P. L. Giving blood: the development of an altruistic identity.
Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1991.
SANTOS, L. G. Hemope e Pró-sangue: duas decisões, um caminho. Recife: Edupe, 2002.
SHIFFMAN, L. G., KANUK, L. L. Comportamento do consumidor. 6 ed. Rio de Janeiro:
LTC, 2000.
Download