2 anos de Troika. Ondes estará a felicidade dos portugueses? Rui Brites* * Sociólogo e Professor universitário. [email protected] Começando por cumprimentar os meus colegas de painel e o público presente, quero agradecer ao Prof. Paz Ferreira o amável convite que me fez para participar nesta iniciativa meritória e confessar uma surpresa. A surpresa do convite. Primeiro estranhei, depois entranhei, mas confesso que não travei. Estranhei porque não sou economista nem jurista e não me costumo pronunciar publicamente sobre a intervenção da Troika Entranhei porque, enquanto sociólogo que tem como objecto de estudo o "bem-estar subjectivo", vulgarmente conhecido por felicidade, não podia deixar de tentar perceber o impacto que a Troika pode ter no grau de felicidade dos portugueses. Este “entranhamento” tornou-se, aliás, um imperativo depois de ter ouvido um conhecido economista da nossa praça afirmar que a felicidade não é um tema da economia. Fiquei perplexo, claro e comecei a pensar que o problema estava precisamente aí. Quando a economia deixa de se preocupar com a maximização da utilização dos recursos disponíveis em favor do bem comum, nega-se a si própria. O diagnóstico está feito: Portugal estava à beira do precipício e, corajosamente… deu um passo em frente, e pediu a intervenção da Troika. Pedir à economia que resolva o problema das dívidas soberanas, é o mesmo que pedir ao incendiário que apague o fogo que ateou e tão laboriosamente alimentou. O combate à crise tem sido marcadamente ideológico e inspirado pelas teses dos chamados "economistas de água doce" assentes no desmantelamento do Estado social e da desvalorização do factor trabalho. Aos que dizem que não há alternativa às medidas prescritas, apeteceme ser cínico e aconselhar-lhes uma visita a um cemitério. Ficarão certamente admirados com as "alternativas" que lá estão sepultadas. Parafraseando uma frase célebre: it's politic, stupid, not economy! Inspirado por Marx, direi que até agora limitámo-nos a interpretar o memorando. Agora o que é preciso é transformá-lo. Como disse Lennon, "a vida é o que acontece enquanto fazemos planos para o futuro". E o futuro, como todos sabem, não existe. A crença num além redentor que nos compensará de todos os sacrifícios presentes, não é mais do que uma descrença em si próprio para "torcer o seu destino". É imperioso actualizar uma frase de "guerra" do maio de 68: queremos ser felizes agora! Confesso que já estive mais céptico, mas como parece que podemos contar com a sra. de Fátima, que noutro tempo de má memória, também dominado pela ditadura das finanças, nos "livrou da guerra", podemos estar descansados. Os gráficos que se seguem sintetizam a relação entre o “dinheiro” e a confiança política no grau de felicidade dos portugueses e permitem perceber que o ajustamento económico brutal que a Troika impõe com o beneplácito do governo e, em particular, do Ministro das Finanças, só tenderá a agravar a agravar a mesma. E um povo infeliz é o prenúncio de um país adiado. Felicidade e Percepção sobre o rendimento disponível, por país Fonte: European Social Survey, base acumulada 2002-2010 Sentimento relativo ao rendimento disponível do agregado familiar Fonte: European Social Survey Sentimento relativo ao rendimento disponível do agregado familiar Diferença entre 2010 e 2002 Fonte: European Social Survey Felicidade e Confiança no Sistema Político, por país Fonte: European Social Survey, base acumulada 2002-2010 Desconfiam dos Políticos* Fonte: European Social Survey, base acumulada 2002-2010 * Valores 0 a 3 numa escala de 11 pontos: 0=nenhuma confiança; 10=toda a confiança A propósito do dinheiro e da confiança nos políticos, por um lado, e das “lições” a retirar do resgate de Chipre, por outro, talvez não seja má ideia estarmos atentos ao que Camilo escreveu sobre a felicidade: Sabes o que é a felicidade Augusta? E o esquecimento. Sabes onde se encontra o esquecimento? A mitologia diz que é no Leres; eu, que não sou pagão, digo que é nas mil diversões que oferece o dinheiro. Resumindo, queres saber onde está a felicidade? — Se quero! — Está debaixo de uma tábua onde se encontram cento e cinquenta contos de réis... Camilo Castelo-Branco* *Onde está a felicidade? romance publicado em 1856. Disponível em versão digital em http://www.luso-livros.net/Livro/onde-esta-a-felicidade/