MONITORIZAÇÃO TERAPÊUTICA DE FÁRMACOS A monitorização da terapêutica medicamentosa (�erapeutic Drug Monitoring - TDM) é a prática clínica que usa as concentrações dos fármacos, os princípios farmacocinéticos (PK) e os critérios farmacodinâmicos (PD) na individualização da posologia e na optimização da terapêutica farmacológica do doente.1 MARGEM TERAPÊUTICA A TDM é uma prática instituída para um pequeno número de fármacos, para os quais há uma relação directa entre a sua concentração e o efeito farmacológico no local de acção, que por sua vez se reflecte de forma previsível na resposta. Para estes fármacos está descrita uma margem estreita de concentrações, acima das quais se observa toxicidade e abaixo ineficácia. Tratando-se de um intervalo de confiança, a noção de margem terapêutica é um conceito probabilístico, que representa uma gama de concentrações do fármaco para as quais existe uma probabilidade relativamente elevada de obter a resposta clínica desejada, e uma probabilidade relativamente baixa de se observar uma toxicidade inaceitável. No entanto, alguns doentes respondem abaixo da margem terapêutica, enquanto outros necessitam de concentrações acima desta. De igual modo, há doentes que manifestam reacções tóxicas com concentrações dentro da margem terapêutica.2 MONITORIZAÇÃO DA TERAPÊUTICA As concentrações dos fármacos nos vários fluidos biológicos são utilizadas conjuntamente com outras medidas da observação clínica para avaliar o estado do doente, e são ainda o suporte para a individualização da terapêutica, ao permitir a caracterização de alterações farmacocinéticas observadas durante o curso do tratamento, a detecção de alterações no estado fisiopatológico do doente, ou a modificação da farmacocinética base do fármaco, por exemplo devido a uma interacção farmacológica.3 Factores que justificam a monitorização Na base do desenvolvimento da monitorização das concentrações dos fármacos no sangue estão várias razões justificativas. • Critérios analíticos: disponibilidade de um método analítico para dosear o fármaco de forma rápida, sensível e precisa (ex. ELISA, EMIT, FPIA, HPLC), que, na maioria dos casos, requer pequenos volumes de amostra;1,2 • Critérios farmacocinéticos: descrição de uma elevada variabilidade inter e intraindividual na distribuição ou na eliminação do fármaco, resultando em diferentes concentrações ou exposições ao mesmo. Não sendo possível inferir o efeito a partir da dose do fármaco, esta poderá ser individualizada de acordo com as concentrações obtidas, aplicando as equações usadas em farmacocinética. Alguns dos parâmetros farmacocinéticos mais usados, como por exemplo a clearance e o tempo de semivida de eliminação, podem facilmente ser calculados e interpretados por profissionais de saúde recorrendo à aplicação de metodologia bayesiana;1-3 • Critérios farmacológicos: estar bem demonstrada a relação entre as concentrações do medicamento e a sua actividade farmacológica muitas vezes difícil de quantificar; estar identificada uma margem terapêutica estreita; • Critérios clínicos: existir uma margem terapêutica bem definida e o conhecimento dos factores que alteram o comportamento farmacocinético do fármaco, de forma a permitir a correcta interpretação das concentrações.2,4 Factores que alteram a farmacocinética dos fármacos A variabilidade inter e intraindividual observada na farmacocinética dos fármacos, que muitas vezes dificulta a interpretação dos resultados, pode dever-se a vários factores: • As alterações na disposição dos fármacos podem dever-se à presença de uma patologia, como se observa nos doentes queimados, cirúrgicos, politraumatizados, com fibrose quística, ou devido a factores genéticos, género, idade, peso ou interacções farmacológicas;2 • As alterações na distribuição podem dever-se à ligação às proteínas plasmáticas, obesidade, gravidez ou alteração na permeabilidade da barreira hemato-encefálica; • As alterações na eliminação podem relacionar-se com aspectos ambientais/sociais (alcoolismo, tabagismo, poluição), insuficiência renal ou hepática ou outras patologias.3 ASPECTOS PRÁTICOS DA TDM Na aplicação da TDM à prática clínica, a qualidade da informação recolhida quanto ao fármaco e ao doente é fundamental para que as concentrações determinadas sejam interpretadas adequadamente e permitam, dessa forma, a optimização mais rigorosa do tratamento farmacológico. É também fundamental que o profissional de saúde possua os conhecimentos gerais sobre farmacocinética, conheça a farmacocinética de cada fármaco a monitorizar e os factores que a modificam.2,5 Há um grupo restrito de fármacos aos quais se aplica a TDM: antibióticos (amicacina, gentamicina, tobramicina e vancomicina), antiepilépticos (carbamazepina, fenitoína, ácido valpróico, fenobarbital), lítio, teofilina, digoxina, imunossupressores (ciclosporina, tacrolímus/ sirolímus, ácido micofenólico) e antidepressivos, entre outros grupos cuja necessidade de monitorização é considerada em fase de investigação.3 Nem todos os doentes têm indicação para monitorização, estando indicada para algumas subpopulações, como doentes pediátricos, geriátricos, politraumatizados e com risco de infecção, com necessidade de avaliação de adesão à terapêutica, doentes que não apresentam as respostas esperadas com as doses habituais, com insuficiência hepática ou renal, com risco de consequências graves, quando não fazem as doses adequadas, doentes críticos, queimados, cirúrgicos, oncológicos ou recém-nascidos.2,6 TABELA 1 – TEMPOS DE AMOSTRAGEM E MARGENS TERAPÊUTICAS DE FÁRMACOS EM TDM FÁRMACO POSOLOGIA CONVENCIONAL Amicacina Gentamicina POSOLOGIA EM DOSE ÚNICA DIÁRIA Amicacina Gentamicina Vancomicina Digoxina Ac.valpróico Carbamazepina Fenitoína Fenobarbital Teofilina Ciclosporina TEMPO DE AMOSTRAGEM DESDE O INÍCIO DO TRATAMENTO TEMPO DE AMOSTRAGEM NO INTERVALO DE ADMINISTRAÇÃO Podem monitorizar-se após a primeira dose* ou após 24 horas Antes da administração da dose e/ou 1 hora após o início da perfusão MARGEM TERAPÊUTICA Cmáx=20–35 e Cmin=1–8 μg/ml Cmáx=6–10 e Cmin=0,5–2 μg/ml Idealmente 8 h após a perfusão ou qualquer outra hora (Cmin não detectável) C8 h=10–15 e Cmáx = >60 μg/ml C8 h=3–5 e Cmáx = >18 μg/ml a) Perfusão contínua com Dcarga: 12 horas Qualquer hora 20–25 μg/ml após o início da perfusão b) Perfusão intermitente: 1-2dias. Pode Cmin=10–15 μg/ml monitorizar-se após a primeira dose* Antes da administração da dose 15–20 μg/ml (situações complicadas) > 4 horas após a administração a) IV: 7–14 dias > 8 horas após a administração 0,8–2 μg/ml b) Oral: 7–14 dias Pode monitorizar-se após a Dcarga ou antes do SS* a) IV – 24–48 horas após perfusão. Antes da administração da dose 50–120 μg/ml b) Oral – 2–3 dias 2 – 4 semanas Antes da administração da dose 4–12 μg/ml a) IV com Dcarga: 2–3 dias Antes da administração da dose b) Oral : 7–15 dias 10–20 μg/ml Pode monitorizar-se após Dcarga Oral : 7–15 dias > 8 horas após a administração 15–40 μg/ml a) Perfusão IV continua: 16 – 24 horas após Qualquer hora início perfusão 10–20 μg/ml b) Oral – 3 dias Antes da administração da dose Podem monitorizar-se após a primeira dose* Monitorizar após 2 dias Antes da administração da dose da manhã Segundo protocolo Cmáx – concentração máxima; Cmin – concentração mínima; *Desde que se efectuem cálculos farmacocinéticos; SS – Estado estacionário; Dcarga – Dose de carga. Nota: Os tempos de amostragem desde o início do tratamento aplicam-se a doentes com função renal e/ou hepática normais.3,6,8,9,10 O tempo de amostragem é um dado crítico do processo de monitorização.3 Na aplicação prática da farmacocinética clínica, quando se efectuam cálculos farmacocinéticos e se utiliza o método bayesiano, podem colher-se amostras logo após a primeira dose, mesmo que a concentração do fármaco não se encontre em estado estacionário. No entanto, no intervalo de administração, o tempo de amostragem mais adequado varia com o fármaco. Por exemplo, para os aminoglicosidos, a colheita pode efectuar-se em qualquer tempo de amostragem, desde que decorra uma hora após o início da perfusão. Em esquemas de administração com intervalo alargado deve evitar-se a colheita em concentração mínima (vale)3,7,8 devido à possibilidade de obtenção de uma concentração não detectável, que não permite a realização de cálculos farmacocinéticos.3,9 Para a vancomicina, antiepilépticos, teofilina e digoxina, o tempo de amostragem mais adequado é a concentração mínima (vale).1,2,6,10 (Tabela 1) Em TDM, quando não se estimam parâmetros farmacocinéticos, a monitorização deve efectuar-se em estado estacionário, nos tempos de amostragem referidos atrás, para que seja mais fácil a interpretação dos resultados e inferir uma alteração de dose. Podem ainda efectuar-se colheitas após a administração de uma dose de carga e sempre que há suspeita de intoxicação. A metodologia bayesiana, largamente utilizada em TDM, é uma metodologia estatística que determina a probabilidade associada a uma concentração medida num doente, ou seja, estima a probabilidade de obter um parâmetro PK tendo em conta a concentração plasmática e a probabilidade do parâmetro PK do doente relativamente à distribuição desse parâmetro na população.1,3 A utilização de métodos bayesianos apresenta vantagens que justificam a sua ampla utilização na prática clínica, como o cálculo de parâmetros farmacocinéticos com apenas uma única concentração, o que pode contribuir para a melhoria da relação custo-efectividade da monitorização e a consistência nos resultados, uma vez que a estimativa bayesiana minimiza os riscos inerentes à técnica analítica e aos erros de medicação.3 Numa perspectiva de saúde pública, quaisquer medidas que pretendam melhorar a relação custo-benefício da terapêutica devem considerar em primeiro lugar a melhoria dos resultados para os doentes. A individualização da terapêutica, reduzindo a duração do tratamento e a instituição de terapêuticas que acelerem, por exemplo, a taxa de erradicação de um agente bacteriano ou a redução da iatrogenia medicamentosa, é um exemplo dessas medidas.11 Foi demonstrado que, no tratamento das infecções, se obtêm maiores reduções dos custos dos cuidados de saúde curando a infecção no menor período de tempo possível, através da optimização individualizada da dose administrada a um doente em particular.12,13 CONCLUSÃO Em conclusão, quando quer as concentrações mínimas, quer as máximas têm uma relação estabelecida com o efeito terapêutico, ou quando a concentração superior está associada a toxicidade, as concentrações plasmáticas constituem indicadores relevantes no estabelecimento de uma terapêutica adequada. A monitorização da terapêutica não consiste apenas na avaliação da concentração do fármaco, mas integra a informação clínica relevante do doente. A aplicação da TDM e dos conceitos PK/PD permite optimizar a eficácia dos fármacos monitorizados, diminuir o tempo de resposta e reduzir os custos decorrentes da redução do tempo de internamento, do menor consumo de recursos e da melhoria da qualidade de vida do doente. Ana Paula Carrondo Farmacêutica Bibliografia 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. Evans WE, Schentag JJ, Jusko WJ. editors. Applied Pharmacokinetics – Principles of �erapeutic Drug Monitoring. 3th ed. Vancouver. Lippincott Williams & Wilkins, 1992. Schumacher GE. editor. �erapeutic Drug Monitoring. East Norwalk. Appleton & Lange, 1995. Burton ME, Evans WE, Schentag JJ, Jusko WJ. editors. Applied Pharmacokinetics & Pharmacodynamics – Principles of �erapeutic Drug Monitoring. 4th ed, Baltimore. Lippincott Williams & Wilkins, 2006. Jurgens G, Gaugah NA, Kampmann JP. �erapeutic drug monitoring of antiarrhythmics. Clin Pharmacokinet. 2003; 42(7): 647–663. Winter ME. Basic Clinical Pharmacokinetics. 3th ed. 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