Astrologia: o mito que persiste

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Astrologia: o mito que persiste
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O jornal "O Estado de São Paulo" , em 27 de junho de 2000, informou ao publico
que:
Mitterrand consultava astróloga antes de tomar decisões cruciais Segundo
gravações, uma das consultas foi sobre o momento de intervir no Golfo
GILLES LAPOUGE Correspondente
PARIS - Quando os Estados Unidos atacaram, em janeiro de 1991, o Iraque de
Saddam Hussein, na Guerra do Golfo, o presidente francês, François Mitterrand,
agiu com coragem. O que fez Mitterrand, intelectual sutil e glacial? Não perdeu o
sangue-frio. Chamou sua astróloga, muito conhecida nos círculos do show biz e,
aliás, muito bela, Elisabeth Tessier. "Será necessário que eu intervenha", disse o
presidente. "Qual é o melhor dia?" Elisabeth hesitou. Precisou de tempo para
refletir. "Por favor, veja isso", insistiu Mitterrand. Esse diálogo barroco é
comprovado pelas conversas telefônicas que Elisabeth gravou com o
assentimento de Mitterrand e um novo jornal, Le Vrai Papier-Journal, publicou
ontem. A astróloga esclarece: "Na época da Guerra do Golfo, eu o tinha o tempo
todo ao telefone. Era preciso que estivesse sempre pronta para fazer
comparações com os temas de George Bush, Saddam Hussein, Kohl..." Quando
Mikhail Gorbachev, na União Soviética, se debatia com Boris Yeltsin, Mitterrand
telefonou para a astróloga. Ela lhe disse: "Yeltsin corre o risco de cair amanhã." E
Mitterrand: "Mantenha-me sempre informado." A primeira reação é de surpresa
ou de indignação. Esse homem tomava decisões gravíssimas. Tinha grande
número de especialistas a seu dispor. E a quem foi pedir conselho? A uma dama
que se diverte com Vênus, Marte ou Mercúrio! Em plena era da ciência,
Mitterrand apelava para os métodos mais arcaicos.
O trecho em questão nos permite tirar algumas conclusões, por sinal, conhecidas
de todo o público:
1. Não são apenas adolescentes ociosas que vivem consultando o horóscopo.
Pessoas das mais diferentes classes sociais, de diversas culturas, analfabetas ou
com doutorado, sem emprego ou chefiando nações, possuem verdadeira
fascinação pelos astros.
2. Por mais que a astronomia e a física tenham avançado, contrariando os
postulados da astrologia, esta última teima em resistir. Nesta área do saber
humano, não verificamos o que aconteceu com a alquimia, por exemplo, hoje
extremamente impopular frente ao advento da química.
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Afinal, de onde vem tanto encanto pela astrologia ? A resposta mais comum é o
"choque" que o homem sente ao se comparar com a grandiosidade do universo.
Neste ponto, para muitos, a sede do infinito, o aspecto metafísico, pesa mais que
qualquer curiosidade de natureza meramente física, material. É a velha
empolgação por um "destino escrito nas estrelas" .
O problema consiste justamente em parar neste ponto, seja se contentando com
uma espiritualidade capenga, seja se omitindo em pesquisar os astros
cientificamente.
No caso da Antigüidade, contexto em que surgiu a astrologia, esta realidade
torna-se ainda mais compreensível, pois muitos dos nossos ancestrais
acreditavam que os astros eram deuses e, mesmo quem não incidia neste erro,
nem de longe possuía os conhecimentos científicos de que hoje dispomos.
Portanto, chega a ser constrangedor, como veremos adiante, que o ser humano
"moderno", que se diz impregnado de racionalismo, aceite a astrologia tão
pacificamente quanto os homens de outrora.
Ou como diz ainda a reportagem: "Os hábitos perduram. A astrologia está hoje
mais difundida do que nunca."
Não bastasse, há ainda quem defenda ardorosamente a astrologia. Não podendo
enfrentar diretamente a ciência, estes apologistas da astrologia desviam o foco
da discussão, adotando basicamente duas estratégias: ou colocam a astrologia
como uma ciência à parte; ou consideram a astrologia como um sistema de
crenças, uma religião.
Iniciemos com a primeira hipótese.
É de se ressaltar que a divisão do saber humano nas mais diversas ciências é
mais didático, formal do que mesmo material, de conteúdo. A título de exemplo,
poderemos descrever o ciclo da água só como um fenômeno físico, ignorando a
biologia e a química ? Alguém ousaria dizer que a física pode tranqüilamente
prescindir da matemática, ou mesmo contrariá-la ?
Como tal, se a astrologia se advoga ciência, não pode contrariar as demais,
principalmente a astronomia, que lhe é tão próxima. No entanto, não é isto que
ocorre. Vejamos:
Os antigos astrólogos não conheciam todos os planetas e corpos celestes que
hoje conhecemos. Assim sendo, seus mapas astrológicos eram limitados aos
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poucos astros conhecidos. Ora, então só estes é que influem na vida do ser
humano ? Todo o resto, por simplesmente ser ignorado, não exerce a mínima
influência ?
Ainda que fosse possível superar este "detalhe técnico", como se dá esta
influência ? Antigamente, as pessoas achavam que Júpiter, Marte... eram
deuses. Se fossem, então vá lá ! No entanto, sabemos hoje que qualquer bebê
vale mais que todos estes planetas, extremamente áridos e sem vida, e muito
menos dotados de algum poder divino.
Afastada a influência pelo poder divino, o que resta, a força gravitacional ?
Primeiro, caberia aos astrólogos mostrar devidamente o nexo causal entre a força
gravitacional de um corpo celeste e a vida de um ser humano. Sabemos que a
Lua interfere na maré, e gostaríamos muito de conhecer como Vênus & Co. atua
em nossas vidas. Enfim, descrever este "modus operandi astro-homem"!
Caso demonstrada esta relação, ainda ficaríamos com o velho problema de só a
gravidade de certos planetas atuarem no destino humano, enquanto objetos
próximos da criança ao nascer exercem uma força gravitacional sobre o bebê
muito maior. De fato, a gravidade não atua só em função das massas dos corpos,
mas também das distâncias envolvidas.
A propósito, não custa lembrar que a lei da gravidade atua em todo o planeta
Terra, ainda que em diferentes intensidades. Dizemos então que estamos diante
de uma lei universal, tal qual é universal a física ou a astronomia.
Porém, a astrologia, estranhamente, parece que prefere menosprezar qualquer
requisito de universalidade. Assim, temos ao longo do espaço e do tempo uma
astrologia chinesa, grega, romana, árabe, e ainda diferente de astrólogo para
astrólogo, em um verdadeiro self-service bem ao gosto do freguês. Dependendo
destas diferentes astrologias, alguns planetas são considerados, outros não;
alguns fenômenos celestiais (eclipse, chuva de meteoros...) valem, outros não... e
por aí vai.
Resumo da ópera: a astrologia não é só contraditória com a astronomia e outras
ciências, mas dentro da própria astrologia, encontramos fortes e incontáveis
divergências.
Seria ainda interessante que os astrólogos explicassem porque escolher a data
de nascimento da criança, e não de sua concepção, ou do primeiro batimento
cardíaco... será tudo arbitrariedade ? E se forem gêmeos, univitelinos ou não,
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então quer dizer que seus destinos são traçados de forma idêntica ou quase
pelos planetas ? Não valem outros fatores, como a genética, o livre arbítrio, a
forma de criação ? Enfim, há muito o que explicar...
Passemos a segundo hipótese, ou seja, de astrologia como crença.
Aqui precisamos ceder: há pessoas que crêem em qualquer coisa. O cardápio é
grande. Ainda assim, não custa formularmos algumas questões.
Por que achar que o homem tem seu destino traçado ? Onde fica o livre arbítrio ?
Ora, sem liberdade, também não há responsabilidade. Bem dizia Bernard Shaw :
"Liberdade significa responsabilidade. É por isso que tanta gente tem medo
dela"
.
A tirar as devidas conseqüências da astrologia, então se alguém comete um
crime, esta pessoa poderia diminuir sua culpa, ou mesmo excluí-la, apelando
para a fatalidade dos astros. Seria o caos na sociedade. Ninguém responderia
por mais nada.
O abalo da astrologia ( e de outras formas de determinismo) na moral do homem
são imensos. Que posso fazer, se já está tudo mais ou menos definido ? A que
se reduz me papel neste mundo ? Enfim, há uma tendência ao conformismo. O
que a astrologia produziu se comparada, por exemplo, com a "alma inquieta" de
um Santo Agostinho ? Ou com a "empolgação" de um São Francisco ? O motivo
para tamanha discrepância é bem simples: enquanto Jesus diz que é preciso "na
scer do alto"
(cf.
Jo 3,3
),
e em âmbito mundial, (
"Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura. Quem crer e for
batizado será salvo. Mas quem não crer será condenado"
- Mc 16,15-16
), a máxima preocupação do astrólogo é tentar prever o destino que já está
traçado !
Aceitando que os astros não são deuses, os ditos corpos celestes interferem na
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vida humana com exclusividade, ou há outros "concorrentes" ? O próprio Deus,
qual seria sua função ? Nem precisamos chegar a tanto. Por que só os astros e
não os amuletos, os feitiços do candomblé, da umbanda, etc. ?
Grandes religiões, como o Cristianismo e o Judaísmo, condenam a astrologia e
outros sistemas semelhantes. Não teria a astrologia de fazer frente a estas
religiões ? Ora, quando o Cristianismo se viu atacado pelo paganismo e pelas
heresias, formulou aquele toda uma defesa (apologética), mostrando a pujança
de sua doutrina.
Aliás, o desenvolvimento do Cristianismo mostra que este "tira de seu baú
coisas novas e velhas"
(Mt 13,52)
,
fornecendo as devidas respostas aos questionamentos humnaos, enquanto a
astrologia permanece estagnada, em uma espécie de atrofia doutrinária.
Mais: não foi só se defendendo dos ataques que o Cristianismo exibiu sua força,
mas chegou mesmo a implementar um certo modus vivendi, forjando civilizações
inteiras. Frente a esta realidade, a astrologia como religião também não nos
parece a escolha mais acertada.
Apesar do exposto aqui, de que a astrologia não vele nem como ciência e nem
como religião, podemos reconhecer dois méritos na astrologia:
1. A astrologia permitiu a formação da moderna astronomia, assim como a
alquimia precedeu à química.
2. Como mero simbolismo, não há que se condenar a astrologia. Assim, poderia
comparar os astros com o modelo atômico ou até com um fato qualquer da vida.
É mera questão de parâmetro. Da mesma forma, poderia comparar a anatomia
do corpo humano com a estrutura de uma máquina, com o funcionamento da
sociedade, etc.
Mas, convenhamos, não é nesta última hipótese que os astrólogos costumam
atuar. Aqui, o encanto (e a rentabilidade!) é bem menor do que na velha história
do "destino escrito nas estrelas".
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