A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO TERRITÓRIOS LIVRES DE TRANSGÊNICOS: caminhos de reexistências no campo paraibano LUCIENE ANDRADE ALVES1 Resumo: Este texto, fruto da construção de nossa dissertação de mestrado, em andamento, busca analisar as estratégias para produção de base agroecológica realizadas pelo Polo Sindical da Borborema, que tem representado significante movimento de resistência e resultado na autonomia dos trabalhadores que compõem o Polo, principalmente com relação à manutenção das sementes crioulas. O avanço do agronegócio das sementes transgênicas tem se firmado no Brasil como opção para fins de produção em larga escala, apesar dos alertas a respeito das ameaças deste tipo de semente à saúde humana, do meio ambiente e da agrobiodiversidade. O Polo representa a importância do resgate das Sementes da Paixão, nome que as sementes crioulas recebem na Paraíba, simbolizando a luta por soberania alimentar. Palavras-chave: Polo Sindical da Borborema; Soberania alimentar; Sementes crioulas. Abstract: This text, the result of building our dissertation, in progress, seeks to analyze strategies for the production of agroecological base held by the Polo Sindical da Borborema, which has shown significant resistance movement and result in the autonomy of the workers who make up the Polo, mainly with respect to maintenance of native seeds. The advance of the agribusiness transgenic seeds has been signed with Brazil as an option for production purposes on a large scale, despite warnings about the threats of this type of seed to human health, the environment and agricultural biodiversity. The Polo represents the importance of tracking the Passion Seeds, name that native seeds receive Paraiba, symbolizing the struggle for food sovereignty. Key-words: Polo Sindical da Borborema; Food sovereignty; Native seeds. 1. Introdução Este texto forma parte das preocupações que estamos levantando no trabalho de dissertação de mestrado em desenvolvimento junto ao Programa de Pósgraduação em Geografia da UFPB, João Pessoa, Paraíba, intitulado: “O Polo Sindical da Borborema e o resgate das sementes crioulas: a contribuição camponesa no fortalecimento da soberania alimentar na Paraíba”. Nosso interesse em apreender as ações que contraditoriamente partem do Estado e repercutem 1 Mestranda em Geografia - Universidade Federal da Paraíba. Membro do Centro de Estudos de Geografia do Trabalho (CEGeT)/Seção Paraíba. E-mail: [email protected]. 2164 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO diretamente na perda da Soberania Alimentar, programas de distribuição de sementes, por exemplo, junto à nossa preocupação em entender as práticas de resistência dos trabalhadores rurais e camponeses, surgiram durante um trabalho de campo realizado em agosto de 2014, no município de Alagoa Nova, na região do Agreste Paraibano. Nesse momento, tivemos a oportunidade de conhecer o trabalho do Polo Sindical e das Organizações da Agricultura Familiar da Borborema, e o primeiro Banco de Sementes Comunitário (BSC) da Paraíba, que data de 1974, fundado e administrado pelo agricultor Sr. Zé Pequeno. A realidade encontrada nos levou a questionarmos sobre as crises agrária e ambiental em curso. Ambas se apresentam como expressões da crise estrutural na que a sociabilidade capitalista se reinventa, submetendo todos os territórios à sua lógica de acumulação, porém possibilitando a eclosão de formas novas de resistência e embate dos trabalhadores e trabalhadoras rurais e camponesas, pela sua recriação e pela vida. Uma dessas formas é a ampliação da produção agrícola paralela à criação e/ou resgate de sistemas produtivos sustentáveis, como é o caso dos BSCs. O Polo Sindical da Borborema agrega 16 municípios do Agreste da Paraíba, através dos Sindicatos e Associações de Trabalhadores Rurais. Os trabalhadores do Polo adotam estratégias de convivência com o Semiárido respeitando os conhecimentos tradicionais de práticas sustentáveis de plantio, defesa de pragas, manejo de solo e, especificamente, de armazenamento de sementes e espécies animais nativas. A agroecologia, da maneira como é difundida pelo Polo, e utilizada pelos camponeses e trabalhadores rurais, está envolta em um embate político frente a práticas que colocam em risco a Soberania Alimentar do povo brasileiro, como é a permissão da transgenia na agricultura. Todavia, órgãos públicos nacionais vinculados a este setor têm apresentado uma postura pouco restritiva quanto à pesquisa de desenvolvimento e comercialização de Organismos Geneticamente Modificados (OGM), ou simplesmente transgênicos, principalmente monopolizadas, venda e pesquisa, por grandes corporações que detêm o comércio mundial de sementes transgênicas. Os efeitos em longo prazo para a saúde e o meio ambiente, do uso comercial de sementes modificadas geneticamente, são incertos e tais 2165 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO práticas entram em conflito com o princípio de precaução, cujo conceito equivale ao Art. 225 da Constituição Federal. A escolha pela agricultura baseada em sementes modificadas geneticamente representa também a inevitável dilapidação da biodiversidade, configurando a privatização da vida. Tal ameaça tem se agravado por toda a América Latina, comprometendo práticas tradicionais de agricultura, mas também os povos têm reagido, construindo legislações específicas em zonas e territórios livres de transgênicos. Projeto que a Rede de Sementes da Articulação do Semiárido Paraibano (ASA-PB), junto ao Polo da Borborema, tem possibilitado em diferentes áreas do Agreste Paraibano. 2. O Brasil e a América Latina como terreno fértil para a transgenia da agrobiodiversidade A partir do ano de 1995, com a aprovação da primeira Lei de Biossegurança, Lei n. 8.974, e com o início do funcionamento da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), a discussão sobre alimentos transgênicos ganhou maior repercussão (SALAZAR, 2011). No âmbito federal nota-se uma forte tendência à opção pela agricultura com utilização maciça de agrotóxicos, adubos químicos e transgênicos. Os anos de 2003 e 2004 representam um marco importante com relação a esta opção pelo fato de o Governo Federal ter liberado a produção, em escala comercial, de variedades da soja transgênica da Monsanto2, sementes estas resistentes ao glifosato3 (SAUER, 2010). Esta decisão e as que a sucederam têm suscitado intensos debates a partir da contestação de diversos setores da sociedade, inclusive por cientistas que têm trabalhado de maneira independente e denunciado as “relações perigosas” entre a pesquisa científica e os interesses comerciais. Porém, de acordo com o perfil desenvolvimentista que o Brasil assume ao incentivar sua agricultura baseada no agronegócio, tais cientistas são taxados de anti-científicos, e enfrentam grandes dificuldades para publicar oficialmente suas pesquisas, o que trás para a sociedade um questionamento preocupante: a quem 2 Gigante transnacional sediada nos Estados Unidos, do ramo de insumos agrícolas e líder mundial do comércio de sementes transgênicas. 3 “Princípio ativo” do herbicida Roundup (da Monsanto), agrotóxico mais utilizado do mundo. 2166 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO serve a pesquisa científica, principalmente as realizadas pelos importantes espaços públicos de pesquisa? Esta verdadeira perseguição aos cientistas que denunciam os malefícios de agrotóxicos e transgênicos tem ocorrido em toda parte do mundo, e um bom exemplo desta verdadeira batalha vivenciada por estes cientistas é o caso do pesquisador argentino Andrés Carrasco, que no ano de 2009, em que era chefe do Laboratório de Embriologia Molecular da Universidade de Buenos Aires, divulgou dados que indicavam os efeitos do glifosato em embriões de anfíbios – cujos efeitos seriam comparáveis aos de embriões humanos (ARANDA, 2010). Na época, o cientista teve uma conferência organizada pelo CONICET (Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Tecnológicas) vetada, poucos meses depois de divulgados dados da pesquisa, o que configurou verdadeiro boicote ao seu trabalho, dado valor de denúncia que o mesmo representava. A América Latina, principalmente o Cone Sul, é a região onde mais crescem os cultivos transgênicos a nível mundial. “A produção conjunta de Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Bolívia cobre uma área de pouco mais de 48 milhões de hectares, e a soja transgênica com resistência ao glifosato é o cultivo dominante.” (MANZUR, 2014, p. 8). Trata-se de um modelo de agricultura altamente concentrador, mecanizado e tecnológico, inclusive com avançados estudos em engenharia genética, que substitui a mão de obra, influenciando no deslocamento de inúmeros trabalhadores para as cidades. Cabe questionar de onde virão os alimentos que sustentam as populações do campo e da cidade, uma vez que a agricultura aí cultivada tem como objetivo a produção de commodities para fins de exportação, e não de alimentos, estes, por sua vez, garantidos pela produção de base familar. As experiências de produção de base agroecológica realizadas pelo Polo Sindical da Borborema, que fundamenta nossa pesquisa, surge em um momento em que a necessidade de mudança de paradigma da produção de alimentos se estabelece de maneira irrefutável, tendo como pano de fundo duas dimensões da crise da sociabilidade do capital em curso: a agrária e a ambiental. O desafio de resgate de sistemas produtivos sustentáveis se impõe (SAUER; BALESTRO, 2013), especialmente em um país como o Brasil, um dos maiores consumidores mundiais 2167 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO de agrotóxicos. Muitas das sementes utilizadas de forma massiva na agricultura brasileira são geneticamente modificadas para resistir exatamente a esses agrotóxicos. 3. Conhecimento popular como referência para Soberania Alimentar Na Paraíba, as sementes crioulas são chamadas de “Sementes da Paixão”, refletindo a luta por soberania alimentar, em que “complexas estratégias desenvolvidas pelas famílias dos agricultores visam preservar e perpetuar um patrimônio genético do qual são verdadeiros depositários” (ALMEIDA e FREIRE, 2003, p. 280). A preservação destas sementes, as atividades agrícolas de base agroecológica, a forma como os trabalhadores se organizam, tudo isto está relacionado aos conhecimentos tradicionais passados de geração em geração e que têm garantido o sustento das famílias que participam do Polo e a convivência com o Semiárido. Uma estratégia fundamental para a agricultura de base ecológica diz respeito ao resgate e defesa das sementes crioulas frente à ameaça crescente do agronegócio, tendo a agricultura familiar e a produção agroecológica como referenciais para o fortalecimento de tal estratégia. Podemos afirmar que a agroecologia está no cerne da soberania alimentar e as práticas tradicionais de agricultura, pautadas pela agroecologia, têm no camponês a sua base. O termo soberania alimentar surgiu na década de 1990, a partir do embate dos movimentos sociais do campo, vinculados à Via Campesina, às políticas neoliberais impostas, em vários países, por organismos internacionais, como Organização Mundial do Comércio – OMC e Banco Mundial (CAMPOS e CAMPOS, 2014). Neste ínterim, cabe mencionarmos, ainda que brevemente, uma importante diferenciação apresentada pela Via Campesina a respeito dos termos “segurança alimentar” e “soberania alimentar”. De acordo com a Organização das Nações Unidades para Agricultura e Alimentação – FAO, segurança alimentar está relacionada à garantia diária de alimento suficiente a cada mulher e a cada homem. Porém, de acordo com este entendimento, não fica clara a procedência deste alimento, de que forma ele foi produzido, e também sua qualidade, e esta indefinição vem a favorecer o agronegócio. Para a Via Campesina, soberania alimentar é entendida como: 2168 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO O direito dos povos de definir suas próprias estratégias sustentáveis de produção, distribuição e consumo de alimentos que garantam o direito à alimentação para toda a população com base na pequena e média produção, respeitando suas próprias culturas e diversidade de modos camponeses, pesqueiros e indígenas de produção agropecuário, de comercialização e de gestão dos espaços rurais, nos quais a mulher desempenha um papel fundamental. A soberania alimentar favorece a soberania econômica, política e cultural dos povos. Defender a soberania alimentar é reconhecer uma agricultura com camponeses, indígenas e comunidades pesqueiras, vinculadas ao território; prioritariamente orientada à satisfação das necessidades dos mercados locais e nacionais. (FÓRUM MUNDIAL DE SOBERANIA ALIMENTAR 2001, apud CAMPOS, 2006). No tocante à estratégia que representam os BSCs organizados pelo Polo, configura-se, além de um importante meio de proteção das sementes nativas, um dos elementos responsáveis pela garantia de permanência na terra, por parte dos trabalhadores do campo, dando-lhes condições de resistência frente às limitações de ordem climática e tecnológica, se comparadas com a agricultura “científica” do agronegócio, bem como às investidas do mesmo. Através dos BSCs, o manejo adequado da agrobiodiversidade do semiárido paraibano vem a atender às necessidades dos camponeses, além de diminuir a vulnerabilidade das lavouras quanto à escassez de chuva, além de pragas e doenças. Depreende-se disto que, do ponto de vista da rede de solidariedade que se estabelece no semiárido paraibano, os BSCs favorecem a autonomia dos trabalhadores que participam do Polo Sindical, em relação à dependência das ações muitas vezes ineficientes do Estado com relação à convivência com o semiárido. Referências ALMEIDA, Paula; FREIRE, Adriana Galvão. Conservando as Sementes da Paixão: duas histórias de vida, duas sementes para a agricultura sustentável na Paraíba. In: CARVALHO, Horácio Martins de. (Org.). Sementes: Patrimônio do povo a serviço da humanidade. São Paulo: Expressão Popular, 2003. CAMPOS, C. S. S. Campesinato autônomo – uma nova tendência gestada pelos movimentos sociais do campo. Revista Lutas & Resistências, número 1, pg. 146162, UEL/Gepal, Londrina, setembro de 2006. 2169 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO CAMPOS, C. S. S.; CAMPOS, R. S. Soberania alimentar como alternativa ao agronegócio no Brasil. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografia y Ciencias Sociales. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 ago 2007, vol. XI, núm. 245 (68). Disponível em: <http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-24568.htm>. Acesso em: 15 ago 2014. ARANDA, Darío. La Chemical Research in Toxicology publico un trabajo sobre los efectos em anfíbios y humanos que puede generar el glifosato. Página/12, 17 ago 2010. Disponível em: < http://www.pagina12.com.ar/diario/elpais/1-151480-2010-0817.html>. Acesso em: 05 jul. 2015. BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 35 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. HARVEY, David. O enigma do capital: e as crises do capitalismo. São Paulo, SP: Boitempo, 2011. MANZUR, María Isabel; CÁRCAMO, María Isabel. (Org.). América Latina: La transgénesis de um continente. Visión crítica de una expansión descontrolada. 2 ed. Santiago de Chile: Ediciones Böll, 2014. SALAZAR, Andréa Lazzarini. A informação sobre alimentos transgênicos no Brasil. In: ZANONI, Magda (Org.). Transgênicos para quem? Agricultura, Ciência e Sociedade. Brasília: MDA, 2011. SAUER, S. Terra e modernidade: a reinvenção do campo brasileiro. 1. Ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010. SAUER, S. BALESTRO, M. V. (Orgs.). Agroecologia e os desafios da transição agroecológica. 2 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2013. THOMAZ JÚNIOR, Antônio. Trabalho, Reforma Agrária e Soberania Alimentar: elementos para recolocar o debate da luta de classes no Brasil. Scripta Nova: revista electrónica de geografia y ciencias sociales. 2007, vol. 11. <http://www.raco.cat/index.php/ScriptaNova/article/view/74072> Consulta: 16-04-15. 2170