O longo adeus a Plutão

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O longo adeus a Plutão
(Expresso: 02-09-2006)
A saída de Plutão da selecta lista de planetas não é um acto arbitrário dos
astrónomos, é o resultado de uma descoberta que se soma a outras
OS PLAETAS e planetas anões do sistema solar, segundo a nova
classificação adoptada pela IAU
Raramente um debate científico terá sido tão dramaticamente seguido pelo
público. Ao longo de semanas, vinha-se anunciando a possibilidade de Plutão ser
relegado para uma classe menor do sistema solar. Mas o mais provável parecia ser o
alargamento da lista de planetas. E a proposta primeiramente apresentada à assembleia
da União Astronómica Internacional (IAU) salvaguardava o estatuto de Plutão, esse
mítico nono planeta, jamais visitado e apenas entrevisto pelos melhores telescópios.
A meio do longo encontro da IAU em Praga, começou a perceber-se que os
astrónomos estavam divididos e que era provável que, ao invés de ser aumentada, a lista
de planetas fosse reduzida. E assim aconteceu de facto nessa tarde de 24 de Agosto. De
braço no ar, os astrónomos reunidos em Praga aprovaram uma nova definição, que
reduz para oito os astros considerados planetas.
Se formos ao início dos inícios, à astronomia da Antiguidade Clássica,
reconhecemos planeta como sendo um astro errante que não segue o movimento
uniforme das estrelas. O vocábulo, aliás, tem origem no grego planétes, que significava
errante ou vagabundo. Errantes eram Mercúrio, Vénus, Marte, Júpiter e Saturno, assim
como o Sol e a Lua. Os planetas eram sete. A Terra não estava incluída. Só com
Copérnico, Galileu e Kepler, se entende inequivocamente o sistema solar com o Sol no
centro e astros a orbitá-lo. O Sol e a Lua deixaram de ser considerados planetas,
juntando-se a Terra a este distinto grupo.
Com
a
invenção
do
telescópio
vão-se
descobrindo novos planetas: Úrano, em 1781, e Neptuno,
em 1846. Entretanto, em 1801, descobre-se um astro em
órbita entre Marte e Júpiter, que veio a ser chamado
Ceres. A princípio, suspeitou-se tratar-se de um cometa,
depois de um planeta. Mas, quando se descobriram
muitos outros pequenos astros na mesma órbita,
colocou-se um dilema: devia Ceres ser considerado um
planeta, e portanto muitas dezenas de outros (mais tarde,
outra escala, os corpos
menores comparados com
a Terra e Lua
centenas) também? Ou deviam Ceres e seus companheiros serem considerados planetas
menores? Como se sabe, foi esta última ideia que vingou, com a designação de
«asteróides».
Plutão só foi descoberto em 1930, depois de uma pesquisa épica. Durante
décadas nada se passou. Até que, nos fins do século XX, começaram a descobrir-se
astros que tinham uma órbita para lá de Neptuno, tal como Plutão, e confirmou-se que
estes faziam todos parte de uma larga cintura, chamada de Kuiper, em honra ao
astrónomo que postulara a sua existência. O dilema de Ceres repetiu-se: sendo Plutão
apenas o primeiro astro conhecido dessa cintura, será que muitos outros de dimensão
semelhante iriam ser descobertos?
Em 2002, descobriu-se Quaoar, com um diâmetro de 1.200 km. No ano seguinte,
descobriu-se Sedna, com um diâmetro de quase 1.800 km. São dimensões muito
inferiores às da Terra, que tem quase 13.000 km de diâmetro, ou mesmo da Lua, que
tem 3.476 km. Mas são dimensões comparáveis às de Plutão, que tem 2.390 km. A
descoberta mais séria foi depois feita por Michael Brown. Foi a de um astro que este
designou por Xena (2003 UB313), e que há cerca de um ano se verificou ter um
diâmetro que é vez e meia o de Plutão.
Manter Plutão na classe de planetas obrigaria a aí incluir também Xena tal como,
possivelmente, Quaoar e Sedna. E tal como, seguramente, muitos outros que entretanto
virão a ser descobertos.
Os astrónomos agora reunidos em Praga definiram planeta como sendo um astro
que orbita o Sol, que tem massa suficiente para a sua gravidade o obrigar a assumir
forma aproximadamente esférica e que consegue dominar gravitacionalmente a região
da sua órbita. Plutão não cumpre este terceiro critério, a sua órbita cruza-se com a de
Neptuno. Ficou classificado como «planeta anão».
Curiosamente, há cerca de um ano, em 4 de Agosto de 2005, noticiámos a
descoberta de Xena com uma crónica intitulada «Descoberto menos um planeta». Tal
foi de facto o efeito dessa descoberta: obrigar a uma redefinição de planeta. E essa
redefinição, como era já então plausível, obrigou a despromover aquele astro que era,
até há dias, o nono planeta do sistema solar.
Feito o balanço, o sistema solar não passou a ter menos astros. A reclassificação
dos satélites do Sol é o resultado de grandes descobertas astronómicas. É o resultado do
progresso da ciência.
uno Crato
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