A Artigo de Revisão Rezende PF & Gomes FS Obesidade infantil como fator de risco para câncer na vida adulta: evidências atuais Childhood obesity as a risk factor for cancer in adult life: current evidences Patricia Filgueiras Rezende1 Fabio da Silva Gomes2 Unitermos: Peso ao nascer. Aleitamento materno. Obesidade. Key words: Birth weight. Breast feeding. Obesity. Endereço para correspondência: Patrícia Filgueiras Rezende Caixa Postal 7101, Rio de Janeiro, RJ, Brasil – CEP: 20230-972 E-mail: [email protected] Submissão 5 de outubro de 2011 Aceito para publicação 21 de janeiro de 2012 1. 2. RESUMO Introdução: A obesidade tem alcançado proporções epidêmicas, configurando-se como um grave e crescente problema de saúde pública. A obesidade infantil constitui, ainda, um fator preditivo para a obesidade no adulto que, por conseguinte, eleva o risco de uma série de doenças, como o câncer. Essas doenças resultam da interação de múltiplos fatores, alguns atuando ainda na vida intrauterina nos períodos perinatal, pós-natal, infância e adolescência. Este trabalho teve como objetivo revisar na literatura a relação da obesidade infantil como fator de risco para câncer na fase adulta. Método: Realizou-se para isso uma revisão da literatura dos últimos 2 anos em revistas indexadas. Resultados: O peso ao nascer e o aleitamento materno são importantes fatores que contribuem para a obesidade infantil. Segundo os estudos revisados, tanto o baixo quanto o elevado peso ao nascer aumentam o risco de excesso de peso na infância e a exposição intrauterina ao diabetes pode levar à obesidade infantil, independentemente do peso ao nascer. Por outro lado, o aleitamento materno e sua duração parecem proteger contra a ocorrência de obesidade na infância, uma vez que previnem o ganho de peso excessivo em lactentes. Conclusão: Um peso ao nascer adequado, bem como a amamentação, tornam-se, portanto, fundamentais para prevenção do excesso de peso infantil e tardio. Assim, uma quantidade substancial de trabalhos vem constatando que o excesso de peso é a principal causa de morbidades como o câncer e tem explorado os mecanismos biológicos que ligam o sobrepeso e a obesidade a essas doenças. ABSTRACT Introduction: Obesity has reached epidemic proportions, constituting itself as a serious and growing public health problem. Childhood obesity is also a predictor for adult obesity which therefore increases the risk of a number of diseases like cancer. These diseases result from the interaction of multiple factors, some still serving in intrauterine life, during perinatal, postnatal, childhood and adolescence. This paper aims to review literature on the relationship of childhood obesity as a risk factor for cancer in adulthood. Methods: Held it for a review of the literature of the last two years in refereed journals. Results: Birth weight and breastfeeding are important factors contributing to childhood obesity. According to the studies reviewed, both the low and high birth weight increases the risk of overweight in childhood and in utero exposure to diabetes can lead to childhood obesity, regardless of birth weight. Moreover, breastfeeding and its duration appear to protect against the occurrence of childhood obesity since that prevent excessive weight gain in infants. Conclusion: A birth weight appropriate, and breastfeeding becomes therefore essential for prevention of childhood overweight and late. Thus, a substantial amount of work are finding that being overweight is a major cause of morbidity such as cancer and have explored the biological mechanisms that link overweight and obesity in these diseases. Aluna do curso de especialização em nutrição oncológica / Instituto Nacional de Câncer – Rio de Janeiro - Ministério da Saúde, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Mestre em Estudos Populacionais e Pesquisa Sociais, Analista de Programas Nacionais para Controle do Câncer/ Instituto Nacional de Câncer – Rio de Janeiro – Ministério da Saúde, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Rev Bras Nutr Clin 2012; 27 (2): 124-31 124 Obesidade infantil como fator de risco para câncer na vida adulta: evidências atuais MÉTODO INTRODUÇÃO A obesidade tem alcançado proporções epidêmicas, com mais de um bilhão de adultos com excesso de peso no mundo, dos quais, pelo menos 300.000 encontram-se obesos1. Estima-se que, em 2015, aproximadamente 2,3 bilhões de adultos apresentarão sobrepeso e que mais de 700 milhões serão obesos2. Segundo os inquéritos nacionais realizados no Brasil, em 1974-1975, pelo Estudo Nacional da Despesa Familiar (ENDEF), em 1989, pela Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição (PNSN) e, em 2008-2009, pela Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), a prevalência de excesso de peso entre meninos era de 10,9% em 1974-1975, aumentou para 15,0% em 1989 e alcançou 34,8% em 2008-2009. Padrão semelhante foi observado em meninas: 8,6%, 11,9%, 32,0%3. O excesso de peso é considerado uma epidemia global e sua prevalência entre crianças vem aumentando nas últimas décadas, nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, provocando alto impacto negativo para a saúde pública. A obesidade em crianças constitui, ainda, um fator preditivo para a obesidade no adulto4, que, por conseguinte, eleva o risco de uma série de doenças, entre elas o câncer de pâncreas, cólon e reto, rim e estômago5-9. O câncer, assim como o excesso de peso, configura-se como um grave e crescente problema de saúde pública. Em 2008, a International Agency for Research on Cancer (IARC) e a World Health Organization (WHO) estimaram que ocorreriam 12,4 milhões de casos novos e 7,6 milhões de óbitos por câncer no mundo. No Brasil, as estimativas para o biênio 2010 - 2011 apontavam para a ocorrência de 489.270 casos novos de câncer, por ano10. Diversos estudos têm investigado a ocorrência de doenças crônicas não transmissíveis, como a obesidade e certos tipos de câncer, e suas origens precoces a partir das primeiras fases do ciclo da vida. Essas doenças resultam da interação de múltiplos fatores, alguns dos quais atuam ainda na vida intrauterina, podendo ocorrer também nos períodos perinatal e pós-natal, durante a infância e a adolescência11. O peso ao nascer e o aleitamento materno figuram como um dos primeiros acontecimentos pós-natais que marcam uma predisposição a obesidade e outras doenças crônicas. Paralelamente, a relação entre a obesidade na idade adulta e o desenvolvimento de câncer também tem sido amplamente explorada. No entanto, é escassa na literatura a abordagem que integra o ciclo da vida com os fatores de risco que interligam obesidade na infância e o câncer na vida adulta. Por essa razão, este trabalho pretende revisar de forma integrada essa relação, apresentando as evidências mais atuais sobre o tema, sob a ótica do ciclo de vida. Para a realização desta revisão bibliográfica, foi utilizada pesquisa em base de dados com as seguintes palavras-chave: birth weight, childhood obesity, breastfeeding, obesity risk adulthood, obesity cancer risk. Foram encontrados um total de 58 artigos e selecionados 23, sendo um estudo encontrado tanto na pesquisa com a palavra birth weight quanto com breastfeeding, associadas a childhood obesity, totalizando, portanto, 57 estudos distintos. Vinte e dois artigos atendiam aos critérios de inclusão, que foram: publicação nos últimos dois anos, em língua inglesa, portuguesa e espanhola, e realizados em humanos. A pesquisa foi realizada em 4 etapas: primeiro as palavras-chave birth weight e childhood obesity foram associadas, obtendo-se um total de 17 artigos, dos quais cinco foram selecionados. Depois, breastfeeding associada com childhood obesity, obtendo-se 15 estudos e sendo incluídos apenas 8. Quanto a essas duas etapas, só foram utilizados os trabalhos que tratassem de peso ao nascer e amamentação como fatores de risco para obesidade infantil. Posteriormente, associando as palavras-chave childhood obesity e obesity risk adulthood foram encontrados 14 artigos, dos quais somente foram incluídos aqueles que tratavam da associação da obesidade infantil com obesidade na vida adulta, três atenderam a esses critérios. Por fim, com a palavra-chave obesity cancer risk, um total de 12 artigos foi encontrado, entre os quais só foram incluídos aqueles que tratavam da obesidade como fator de risco para câncer, ou seja, sete deles. Devido à grande quantidade de artigos relacionando obesidade com o câncer nesta última pesquisa, só foram pesquisados e incluídos os estudos do tipo meta-análise. As referências bibliográficas incluem também artigos que não foram selecionados a partir dos critérios estabelecidos, sendo estes citados com o intuito de respaldar os achados epidemiológicos e os mecanismos biológicos. FATORES DE RISCO PARA OBESIDADE NA INFÂNCIA Peso ao nascer A importância das exposições intrauterinas para as doenças crônicas tornou-se evidente após os resultados de gestações que ocorreram durante o Dutch famine, período de setembro de 1944 a maio de 1945, em que a população do oeste da Holanda, incluindo gestantes, sofreu uma restrição de ingestão calórica diária de 500 a 750 kcal. Décadas após, foi constatado que os indivíduos expostos in utero à desnutrição materna apresentaram alta incidência de obesidade. Para as mães que foram expostas a essa escassez de alimentos no primeiro ou segundo trimestre gestacional, o risco de obesidade de seus filhos na fase adulta foi 50% maior em relação aos que nasceram antes do período de privação alimentar citado anteriormente12. Rev Bras Nutr Clin 2012; 27 (2): 124-31 125 Rezende PF & Gomes FS Esses achados coincidem com observações feitas posteriormente por Barker13, no Reino Unido. Segundo o autor, os neonatos com muito baixo peso ao nascer tinham um risco aumentado para doenças cardiovasculares no futuro, com isso ele hipotetizou que a desnutrição materna leva à inanição do feto, promovendo a reprogramação do metabolismo fetal. De acordo com essa hipótese, essa reprogramação se mantém após o nascimento e predispõe a criança a desordens metabólicas, como a obesidade, na vida futura. Mais recentemente, tanto o baixo quanto o elevado peso ao nascer têm sido associados à obesidade na infância. Em um estudo longitudinal com 1.178 crianças acompanhadas desde o nascimento, foi constatado que tamanho maior para idade gestacional, que é marcador de crescimento intrauterino, estava associado a maior índice de massa corporal (IMC) na infância. Apesar da criança que nasce com peso elevado apresentar ganho ponderal menor no seu primeiro ano de vida, ela continua em alto risco para IMC elevado na infância14. Em um estudo com índios Pima, verificou-se que as crianças expostas ao diabetes no período intrauterino apresentavam maior peso ao nascer, ganho de peso mais lento no primeiro ano de vida e, subsequentemente, maiores taxas de obesidade na infância15. Outra pesquisa sugere que a exposição intrauterina ao diabetes pode levar à obesidade na infância, mesmo na ausência de peso ao nascer acima do que é considerado adequado, devido aos efeitos de reprogramação que ocorrem ainda na fase pré-natal16. Segundo Bouchard17, prevalência maior de obesidade pode ser observada entre crianças que apresentaram peso ao nascer muito baixo ou muito elevado. Essa relação persiste entre os lactentes nascidos a termo ou quando os dados são ajustados para idade gestacional. Além dos fatores genéticos e da duração da gestação, muitas influências familiares estão associadas ao crescimento fetal, a maioria das quais maternas. As correlações mais fortes associadas ao crescimento, em particular a adiposidade fetal, são a obesidade materna pré-gravídica e o diabetes17,18. Neonatos, filhos de mulheres obesas com tolerância à glicose normal apresentam peso ao nascer maior que neonatos filhos de mulheres com peso adequado, devido à grande quantidade de gordura corporal encontrada nessas mães18. Os descendentes de mulheres obesas apresentaram uma chance duas vezes maior de apresentar IMC > percentil 95 aos 2-4 anos de idade, quando comparados a crianças filhas de mulheres com peso adequado no início da gestação, em um estudo com 8.400 crianças nascidas de mães obesas19. Recentemente, a literatura tem evidenciado que a obesidade é uma condição inflamatória que aumenta o risco de resistência à insulina20. Há, também, evidências de que a gestação é uma condição inflamatória21. Os decréscimos na sensibilidade à insulina estão fortemente correlacionados com as mudanças na circulação de citocinas22, muitas das quais são produzidas pela placenta23. Devido à inflamação aumentada e redução associada da sensibilidade à insulina, as gestantes obesas, mesmo com tolerância normal à glicose, apresentam maior resistência à insulina do que as mulheres magras ou com peso adequado24. Essas alterações na sensibilidade à insulina em gestantes obesas resultam em maior disponibilidade de nutrientes, como glicose e lipídios, que são fontes energéticas preferenciais e substratos para o crescimento feto-placentário25. Associações significativas entre peso ao nascer e sobrepeso na infância também foram encontradas por Olson & Strawderman26, acompanhando uma coorte de 208 mães com seus respectivos filhos, desde o início da gestação até as crianças completarem três anos de idade. Nessa pesquisa, as mulheres com sobrepeso, que durante a gestação não ganharam peso além do recomendado, conceberam filhos com peso ao nascer acima da média da amostra estudada, que, por conseguinte, estava significativamente associado à ocorrência de sobrepeso aos três anos de idade. Amamentação A hipótese de que a amamentação poderia reduzir o risco de sobrepeso e obesidade na infância vem sendo amplamente analisada nos últimos 30 anos. A literatura reflete os resultados de estudos observacionais, a maioria do tipo transversal e poucos do tipo coorte. Assim como todas as pesquisas observacionais, esses estudos são acompanhados de possíveis erros sistemáticos e variáveis de confusão. Muitas metanálises avaliaram criticamente esses estudos e produziram conclusões conflitantes. Independentemente dos potenciais viéses e variáveis de confusão, as magnitudes relatadas quanto aos efeitos da amamentação poderiam ser padronizadas em relação ao sobrepeso, à obesidade ou ao IMC, se fossem confirmadas em ensaios randomizados27. Porém, a amamentação não pode ser randomizada, porque não é possível definir dentre os lactentes saudáveis, os que serão amamentados e os que receberão fórmulas artificiais por razões práticas e éticas27,28. Contudo, Ruckinger & Kries, por meio de um estudo randomizado de intervenção para promoção do aleitamento materno com uma amostra de 8.000 crianças, não foram capazes de avaliar a associação entre amamentação e obesidade na infância, concluindo que esse tipo de estudo não necessariamente reflete o melhor ajuste para as variáveis de confusão e erros sistemáticos quando comparados aos estudos observacionais. Rev Bras Nutr Clin 2012; 27 (2): 124-31 126 Obesidade infantil como fator de risco para câncer na vida adulta: evidências atuais Assim sendo, Koletzko et al.28, por meio de uma meta-análise realizada com estudos observacionais, constataram que o risco de obesidade na idade escolar foi reduzido em 15-25% com a amamentação, quando comparado ao uso de fórmulas lácteas. Os autores propuseram que o aleitamento materno protege contra a obesidade tardia, reduzindo a ocorrência de ganho de peso elevado em lactentes, e que um fator causal desse ganho ponderal excessivo é o alto conteúdo de proteína da maioria das fórmulas em relação ao do leite humano. Esta hipótese está sendo testada por esses autores no European Childhood Obesity Project, um ensaio clínico randomizado duplo-cego que inclui mais de 1.000 lactentes de cinco países (Bélgica, Alemanha, Itália, Polônia e Espanha). Esses autores definiram que lactentes saudáveis nascidos a termo receberiam no primeiro ano de vida fórmula infantil e, após esse período, fórmulas com conteúdo de proteínas elevado e baixo. Os dados obtidos aos 2 anos de idade indicam que a fórmula com teor protéico reduzido normaliza o crescimento precoce em relação ao grupo amamentado e ao padrão de crescimento da World Health Organization, o que pode tornar essas fórmulas uma alternativa quando a amamentação for inviável28. De acordo com Koletzko et al.28, o aleitamento materno e o uso de fórmulas artificiais oferecidas através da mamadeira para lactentes diferem em inúmeros aspectos. Por exemplo, quanto ao conteúdo de nutrientes, modo de sucção e interação entre mãe e filho. Assim sendo, o número de hipóteses que podem explicar o efeito protetor da amamentação contra a obesidade tardia vem aumentando. As crianças alimentadas artificialmente apresentam padrão de sucção diferente, mamam com menos frequência e fazem intervalos mais longos entre as mamadas quando comparadas àquelas amamentadas29. Além disso, enquanto as fórmulas lácteas mostram estabilidade na composição e nas propriedades organolépticas, o leite humano varia de um dia para o outro e até entre horários diferentes quanto ao conteúdo de nutrientes, assim como em relação ao sabor e ao cheiro dependendo da duração da lactação, da dieta materna, do estado metabólico da mãe e do volume de leite consumido pelo lactente30. Tem sido proposto, também, que a exposição precoce a cheiros e sabores pode aumentar a aceitação e o consumo de alimentos com propriedades similares, futuramente31. Esta exposição a uma grande variedade de sabores pode levar os lactentes à seleção de diferentes alimentos e a hábitos alimentares distintos na vida futura, quando comparados com as crianças que receberam fórmula artificial28. Apesar das fórmulas infantis não serem iguais ao leite humano, a composição delas pode ser bastante semelhante à do leite materno. Porém, as diferenças entre os substratos do leite humano e da fórmula infantil podem desempenhar papel no risco para obesidade. Um ganho de peso maior em lactentes alimentados com fórmulas quando comparados àqueles que estão em aleitamento materno é causado, pelo menos em parte, pelas ingestões diferentes de proteína metabolizável32. Em geral, as fórmulas destinadas aos lactentes são mais ricas em proteínas e também apresentam maior densidade energética do que o leite materno33. A alta ingestão de proteínas, acima dos requerimentos metabólicos, pode aumentar a secreção de insulina e de fator de crescimento semelhante à insulina (IGF1). Crianças alimentadas com fórmulas à base de proteína do leite de vaca apresentam concentrações pós-prandiais mais elevadas de insulina em relação aos neonatos amamentados. Os níveis aumentados de insulina e de IGF-1 podem acelerar o crescimento nos primeiros 2 anos de vida34, bem como a atividade adipogênica e a diferenciação de adipócitos35. Além disso, a ingestão elevada de proteínas pode reduzir a secreção do hormônio do crescimento e, consequentemente, reduzir a lipólise36. Portanto, a alta ingestão protéica por meio das fórmulas infantis, quando comparada ao suprimento de proteínas através de leite materno, pode predispor os neonatos a maior risco de obesidade no futuro37. Muitos estudos têm demonstrado que os lactentes que já foram amamentados estão em menor risco para obesidade na infância em relação àqueles que nunca receberam leite materno38. Outros mostram, ainda, que a duração aumentada da amamentação está associada a taxas mais baixas de obesidade39. É o que mostra o estudo realizado por Li et al.40, com 1896 mães, que teve como objetivo verificar se os lactentes que foram amamentados com maior intensidade durante os primeiros 6 meses de vida teriam menor probabilidade de apresentar excesso de peso após esse período. Os autores concluíram que o risco para excesso de peso após o primeiro semestre de vida estava negativamente associado à intensidade da amamentação, que foi analisada como percentual de ingestão em relação à participação de outros tipos de leite e/ou fórmulas infantis, mas positivamente associada com a introdução de qualquer outro tipo de leite e/ou fórmulas que não fosse leite humano durante o primeiro ano. RELAÇÃO DA OBESIDADE NA INFÂNCIA COM OBESIDADE NA VIDA ADULTA O principal fator de risco para obesidade em qualquer fase da vida é ter sido obeso previamente. Este simples fato tem implicações importantes, porque demonstra como é difícil perder peso ou mesmo prevenir o ganho de peso mais tarde. Entender como se desenvolve a obesidade é fundamental quando se busca medidas de prevenção da mesma41. A infância é um estágio crucial para esse problema ser contornado, pois crianças obesas apresentam alto risco de tornarem-se adultos obesos, ou seja, sem intervenção, uma criança obesa tende a se tornar um adulto obeso e está em maior risco para uma série de doenças, como o câncer41. Os resultados de um estudo de coorte, recentemente publicado, revelaram a existência de uma relação significativa entre IMC de crianças e adolescentes e maiores despesas com saúde na fase adulta42. Rev Bras Nutr Clin 2012; 27 (2): 124-31 127 Rezende PF & Gomes FS Contudo, estudos realizados com indivíduos da mesma família e com irmãos gêmeos têm mostrado que diferenças genéticas individuais também ajudam a explicar as principais variações no IMC. Assim, fatores genéticos são importantes para explicar a persistência de IMC elevado, apesar dos fatores ambientais apresentarem fundamental importância, especialmente na infância43. A propaganda de alimentos para crianças tem sido reconhecida como o principal fator para a promoção do ambiente obesogênico. Segundo revisões sistemáticas, as propagandas geram crenças em relação aos alimentos anunciados que influenciam as compras, o consumo e as preferências alimentares das crianças44. Evidências provenientes de estudos realizados na área de psicologia indicam que as crianças não são completamente, e em alguns casos não são nada, cientes do poder persuasivo das propagandas de alimentos e tendem a aceitar os anúncios como verdades. E, apesar das crianças mais velhas entenderem que as propagandas têm a intenção de vender produtos, elas podem não interpretar as mensagens criticamente44. Kelly et al.44, com o objetivo de comparar propagandas de alimentos assistidas por crianças em diferentes países, constataram que os anúncios sobre alimentos corresponderam de 11% a 29% das propagandas. Os alimentos de alta densidade energética destacaram-se com 53% a 87% dos comerciais sobre alimentos e essas propagandas foram mais frequentes nos horários em que a maioria das crianças assistia à televisão. Os autores concluíram que, nos diferentes países, as crianças são expostas a grande volume de propagandas de alimentos que não são saudáveis e com técnicas de alto poder persuasivo e que a influência das propagandas sobre as preferências e o consumo apóiam a necessidade de regulamentação dos comerciais sobre alimentos expostos nos horários em que a maioria das crianças assiste à televisão. O ambiente, então, mostra uma contribuição importante para as variações do IMC durante a infância. Por outro lado, os fatores genéticos começam a afetá-lo durante o período de crescimento e essas correlações ainda são altas entre o IMC no início das fases infantil e adulta. Em uma revisão sistemática, os estudos investigados mostraram que há forte influência genética quanto à continuidade do IMC do início da infância até o começo da idade adulta. Os autores desse trabalho concluem, então, que ainda se sabe pouco sobre os genes que afetam essas variações de IMC, porém fatores ambientais e genéticos, provavelmente, não agem de modo independente e futuros estudos são necessários para explorar e revelar a interação entre os desenvolvimentos natural e comportamental com a obesidade43. Em outro estudo de revisão, Lee45 afirmou que, em crianças com sobrepeso, esse excesso de peso provavelmente irá perdurar até a vida adulta, e um dos trabalhos revisados revelou que 43% das crianças obesas persistiram com obesidade e outros 29% apresentaram sobrepeso quando adultos46. OBESIDADE E RISCO DE CÂNCER O excesso de peso na infância pode se estender até a vida adulta e a obesidade nessa fase aumenta o risco para sérios problemas de saúde, incluindo alguns tipos de câncer18, como o de rim, que é a terceira malignidade mais comum do sistema geniturinário, correspondendo a 2-3% de todos os tipos de câncer que ocorrem em indivíduos do sexo masculino no mundo e a 2% de todos os tipos de câncer que acometem os indivíduos do sexo feminino7,8, os de cólon e reto, que se configuram como a terceira causa mais comum de câncer no mundo, em ambos os sexos, o de estômago, que constitui a quarta causa mais comum e a segunda causa de óbitos por câncer47, o de pâncreas, que é responsável por cerca de 227.000 mortes por ano no mundo5 e, por fim, o de mama, que é o segundo tipo de câncer mais frequente no mundo e o mais comum entre as mulheres. O câncer de rim, que apresenta incidência de 130.000 casos novos e 63.000 mortes anualmente no mundo, vem aumentando devido ao aumento dos fatores de risco e às melhorias para o diagnóstico. O tabagismo, a hipertensão e a obesidade são fatores de risco bem estabelecidos para o câncer de rim. A prevalência de obesidade tem aumentado nas últimas décadas e isso provavelmente pode explicar a incidência elevada desse tipo de tumor. Em uma metanálise com 27 estudos (13 coortes e 14 do tipo caso-controle), que forneceram dados sobre o risco de câncer de rim de acordo com o IMC em homens entre os anos de 1992 e 2008, Ildaphonse et al.8 confirmaram que o risco de câncer renal aumenta com o IMC elevado e com a obesidade em homens, podendo estes dois serem, pelo menos em parte, responsáveis pelo aumento das taxas de incidência dessa doença. Entre as mulheres, o carcinoma renal vem apresentando 80.000 casos novos e 39.000 mortes por essa razão, anualmente. Assim como nos homens, as taxas de incidência e mortalidade por essa doença, particularmente por carcinomas de célula renal, vêm aumentando entre as mulheres no mundo todo, exceto em alguns países da Europa. O aumento na incidência não é completamente explicado por melhores técnicas de diagnóstico. De acordo com estudos, os fatores de risco estabelecidos, como o tabagismo e a obesidade, diferem entre homens e mulheres. O risco em mulheres é mais alto devido à obesidade, que é mais prevalente nesse sexo. Mattew et al.7, por meio de uma revisão sistemática 28 estudos (15 coortes e 13 do tipo caso-controle), com informações relacionadas ao IMC e risco de câncer renal em mulheres, publicados de 1992 a 2008, concluíram que o risco de tumor em rins é ligeiramente mais alto no sexo feminino do que no masculino e que essa prevalência elevada da obesidade entre as mulheres pode ser responsável pelo aumento das taxas de incidência nessa população. Rev Bras Nutr Clin 2012; 27 (2): 124-31 128 Obesidade infantil como fator de risco para câncer na vida adulta: evidências atuais No caso do adenocarcinoma pancreático, esse é responsável por 2% de todos os tipos de câncer diagnosticados e por 4% do total de mortes por essa doença, no Brasil48. Devido à falta de testes efetivos para o câncer pancreático, este é quase sempre diagnosticado em estádio avançado, contribuindo em cinco anos para uma sobrevivência menor que 5%. O tabagismo, o diabetes mellitus e a história familiar de câncer pancreático são fatores de risco bem conhecidos para essa malignidade. Porém, a obesidade e o IMC elevado têm sido propostos como fatores adicionais para essa morbidade. Arslan et al.5 com o objetivo de investigar a associação entre IMC, outros fatores antropométricos e risco de câncer pancreático, analisaram estudos do tipo caso-controle com 2.170 casos. Os resultados desse estudo forneceram evidência adicional de que a obesidade está associada a aumento do risco de câncer pancreático. Além disso, a associação entre o perímetro da cintura e risco dessa doença, especialmente em mulheres, sugere possível associação com a distribuição de gordura corporal. Além desses, o câncer gástrico constitui uma das principais preocupações para a saúde devido a sua combinação de alta incidência com baixa sobrevivência. O número de casos novos de câncer de estômago estimado para o Brasil no ano de 2010 foi de 13.820, entre homens, e de 7.680, nas mulheres. Esses valores correspondem a um risco estimado de 14 casos novos a cada 100 mil homens e 8 para cada 100 mil mulheres.47 Em uma meta-análise com estudos de coorte publicados Yang et al.9, com o objetivo de avaliar a associação entre excesso de peso e risco de câncer gástrico, os autores concluí­ram que o sobrepeso e a obesidade estão associados a aumento do risco de câncer de estômago e, além disso, que a força dessa associação aumenta com o aumento do IMC. Outro tipo de câncer que tem sido associado ao excesso de peso é o colorretal. O número de casos novos de câncer de cólon e reto estimado para o Brasil, no ano de 2010, foi de 13.310 casos em homens e de 14.800 em mulheres, correspondendo a um risco estimado de 14 casos novos a cada 100 mil homens e 15 para cada 100 mil mulheres47. Em 2001, a International Agency for Research on Cancer incluiu essa malignidade em sua lista de cânceres relacionados à obesidade. Os modos de vida podem contribuir para a etiologia dessa doença e, como é um fator modificável, torna-se importante para a prevenção dessa morbidade. Harriss et al.6, por meio da análise de 28 artigos, incluindo um total de 67.361 casos, constataram que o IMC elevado está associado a cânceres de cólon e de reto, em homens, e com o de cólon, em mulheres. Encontraram, ainda, que as associações foram mais fortes em homens que em mulheres para essas duas malignidades e concluíram que o aumento do IMC está relacionado a modesta elevação do risco de desenvolvimento desses tipos de tumores. Finalmente, o câncer de mama é o segundo tipo de câncer mais frequente no mundo e o mais comum entre as mulheres. O número de casos novos dessa malignidade esperados para o Brasil em 2010 era de 49.240, com um risco estimado de 49 casos a cada 100 mil mulheres47. MECANISMOS QUE LIGAM OBESIDADE E CÂNCER A obesidade pode aumentar o risco de vários tipos de câncer por diversos mecanismos, incluindo o aumento dos hormônios sexuais e metabólicos, e de inflamação. Porém, os mecanismos biológicos e fisiopatológicos ainda estão começando a ser desvendados49. Insulina e IGF-1 Na obesidade, a liberação aumentada de ácidos graxos livres, fator de necrose tumoral-α (TNF- α) e resistina pelo tecido adiposo e secreção reduzida de adiponectina levam ao desenvolvimento de resistência à insulina e hiperinsulinemia crônica compensatória50. Os níveis aumentados de insulina levam à redução da síntese hepática e níveis sanguíneos reduzidos de proteína 1 de ligação do fator de crescimento semelhante à insulina (insulin-like growth factor binding protein 1 - IGFBP1), e provavelmente reduz a sua síntese em outros tecidos. No jejum prolongado, os níveis plasmáticos de insulina são geralmente também associados a níveis reduzidos de IGFBP2 no sangue. Isso resulta em aumento da biodisponibilidade de IGF-151. A insulina e o IGF-1 sinalizam através de receptores de insulina e de IGF-1, respectivamente, a promoção da proliferação celular e inibição de apoptose em muitos tecidos. Esses efeitos podem contribuir para a gênese do tumor52. Hormônios Sexuais Endógenos O tecido adiposo expressa uma variedade de enzimas que metabolizam os esteroides sexuais, como a aromatase e a 17 β-hidroxiesteroide desidrogenase (17 β-HSD). O tecido adiposo também é o principal local de produção de estrógenos em homens e em mulheres após a menopausa. Assim, em indivíduos obesos, há conversão aumentada de andrógenos e de testosterona para estrona e estradiol, respectivamente, pela aromatase. A 17 β-HSD converte os hormônios biologicamente menos ativos, andrógenos e estrona, em hormônios mais ativos, testosterona e estradiol, respectivamente53. Em paralelo, a obesidade leva à hiperinsulinemia, que causa redução na síntese hepática e nos níveis circulantes de globulinas de ligação de hormônios sexuais (sex hormone-binding globulin - SHBG). O efeito combinado da formação aumentada de estrona e testosterona com níveis reduzidos de SHBG leva a aumento da biodisponibilidade de estradiol e testosterona, que podem chegar às células-alvo onde se ligam aos receptores de estrógeno e andrógeno54. Os efeitos da ligação dos esteroides sexuais aos seus receptores podem variar, dependendo do tipo de tecido, mas em alguns Rev Bras Nutr Clin 2012; 27 (2): 124-31 129 Rezende PF & Gomes FS (mama e endométrio, por exemplo) promovem proliferação celular e inibem a apoptose52. Inflamação e Estresse Oxidativo A obesidade está relacionada a uma situação de inflamação crônica, caracterizada por produção anormal de citocinas inflamatórias com efeitos locais (fator de necrose tumoral alfa - TNF-α) ou sistêmicos (interleucina-6 - IL-6), que podem contribuir para o desenvolvimento de doença maligna55. A inflamação crônica induzida pela obesidade pode afetar a formação e a progressão do tumor. Muitos mecanismos têm sido propostos para explicar os efeitos carcinogênicos da inflamação crônica e dos marcadores inflamatórios. Primeiro, espécies reativas de oxigênio são quase sempre formadas por células inflamatórias e citocinas para destruir agentes patogênicos na resposta de defesa aguda. Porém, como demonstrado in vivo e in vitro56, a obesidade causa uma produção crônica e excessiva de espécies reativas de oxigênio que podem induzir alterações mutagênicas e danificar as proteínas de reparação do DNA, contribuindo para o desenvolvimento do câncer57. Adicionalmente, as adipocinas pró-inflamatórias podem aumentar a resistência à insulina. O processo que relaciona obesidade e o desenvolvimento do câncer é multifatorial e envolve uma rede fatores metabólicos e imunológicos. O papel diferencial dos mecanismos biológicos nos diferentes locais de desenvolvimento do câncer tem sido definido e os mecanismos relacionados ao desequilíbrio de adiponectinas pela obesidade necessitam ser melhor elucidados em pesquisas futuras. Além disso, a interação do peso corporal com os modos de vida, os fatores ambientais e os genéticos e a determinação da incidência de câncer, sobrevivência e mortalidade deve ser investigada nos diferentes contextos culturais. Essas investigações podem permitir intervir nos grupos mais suscetíveis58. CONCLUSÃO O peso ao nascer e o aleitamento materno são importantes fatores que contribuem para a obesidade infantil. Segundo os estudos revisados, tanto o baixo quanto o elevado peso ao nascer aumentam o risco de excesso de peso na infância e a exposição intrauterina ao diabetes pode levar à obesidade infantil, independentemente do peso ao nascer. Por outro lado, o aleitamento materno, bem como sua duração, parecem proteger contra a ocorrência de obesidade na infância, uma vez que previnem o ganho de peso excessivo em lactentes, além de exercer outros efeitos protetores. Um peso ao nascer adequado, bem como a amamentação, tornam-se, portanto, fundamentais para prevenção do excesso de peso infantil e tardio, pois as crianças obesas apresentam risco elevado para obesidade na fase adulta, aumentando o risco para uma série de morbidades, entre elas o câncer. Assim sendo, uma quantidade substancial de trabalhos vem constatando que o excesso de peso é a principal causa dessas morbidades e tem explorado os mecanismos biológicos que ligam sobrepeso e obesidade a essas doenças. 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