Carcinogenese e nutrigenética PROF. RENATA TORRES ABIB BERTACCO FACULDADE DE NUTRIÇÃO - UFPEL Plano de aula: Conceito; Crescimento Celular; Carcinogênese; Atividade 1. Nutrigenética do câncer; Atividade 2. O que é câncer? Como desenvolvemos câncer? Quais fatores estão envolvidos na formação do câncer? Por que há metástases? Por que o indivíduo pode morrer de câncer? Como a nutrigenética pode beneficiar no tratamento do câncer? O que é cancer? Câncer ou tumor maligno: Conjunto de + de 100 doenças, que têm em comum o crescimento desordenado de células; perda do controle da divisão celular; Tendem a invadir tecidos e órgãos vizinhos (metástases). A OMS estimou, para 2030, 27 milhões de novos casos de câncer e 75 milhões de pessoas vivendo com a doença. Tumor benigno Neoplasias benignas ou tumores benignos : crescimento organizado, geralmente lento, com limites bem nítidos, células semelhantes ao seu tecido original. Apesar de não invadirem tecidos vizinhos, podem comprimir órgãos e tecidos adjacentes. Ex: lipoma (tecido gorduroso), mioma (tecido muscular liso) e adenoma (glândulas) Células normais: crescem, multiplicam-se e morrem de maneira ordenada (a proliferação celular não implica necessariamente presença de malignidade Tipos de crescimento Controlado: Aumento localizado e autolimitado do nº de células, causado por estímulos fisiológicos ou patológicos. O efeito é reversível após o término dos estímulos que o provocaram. Ex: hiperplasia (proliferação fisiológica), metaplasia (conversão de tipo celular) e a displasia (maturação anormal). Não controlado: Massa anormal de tecido, cujo crescimento é quase autônomo, persistindo dessa maneira excessiva após o término dos estímulos que o provocaram. Ex: neoplasias (na prática denominadas tumores). Tipo de tumor Não invasivo ou in situ: Invasivo - 1º estágio em que o câncer pode ser classificado. - invadem outras camadas celulares do órgão - Células cancerosas estão somente na camada de tecido na qual se desenvolveram e ainda não se espalharam para outras camadas do órgão de origem. - ganham a corrente sanguínea ou linfática e têm a capacidade de se disseminar para outras partes do corpo metástases. - Maioria curável se for tratada antes de progredir para a fase invasiva. Tipos mais incidentes no Brasil Câncer de próstata Câncer de mama Câncer de pulmão Câncer de cólon e reto (intestino) Câncer de estômago Câncer do colo do útero Câncer da cavidade oral (boca) Câncer de esôfago Leucemias Câncer de pele não melanoma Câncer de pele do tipo melanoma Tipos por faixa etária O câncer apresenta um padrão biológico diferente quando ocorre em crianças e em adultos: Adultos envolve predominantemente tecido epitelial (por ser de alta proliferação e assim mais suscetível à mutações) Crianças e adolescentes maior suscetibilidade a mutações em tecidos em crescimento, como ósseo, muscular, sistema nervoso, medula, sistema linfocitário. Por que vem aumentando os números de casos no Brasil? Maior exposição a agentes cancerígenos industrialização, alimentação, agrotóxicos, fatores ambientais (agentes químicos, físicos e biológicos) Prolongamento da expectativa de vida (envelhecimento pop.); Aprimoramento dos métodos para diagnosticar o câncer. Melhoria da qualidade e do registro da informação. Tipos de cancer x condições socioeconômicas ↑ incidência de cânceres associados ao melhor nível socioeconômico – mama, próstata e cólon e reto ↑ incidência de tumores associados a condições sociais menos favorecidas – colo do útero, estômago, cabeça e pescoço. Carcinogênese O mecanismo de carcinogênese é resultado de diversas alterações nos genes que atuam direta ou indiretamente no controle do ciclo celular: Oncogenes e supressores de tumor Controlam diretamente a proliferação celular; Genes de Reparo Controlam as taxas de mutações (ex: p53 – apoptose celular); Carcinogênese Acontece lentamente, podendo levar vários anos para que uma célula cancerosa se prolifere e dê origem a um tumor visível. Determinada pela exposição a agentes cancerígenos, em uma dada frequência e período de tempo, e pela interação entre eles. Devem ser consideradas, no entanto, as características individuais, que facilitam ou dificultam a instalação do dano celular. Esse processo é composto por três estágios: Iniciação Promoção Progressão Iniciação É o primeiro estágio da carcinogênese. As células sofrem o efeito dos agentes cancerígenos ou carcinógenos que provocam modificações em alguns de seus genes. As células se encontram geneticamente alteradas, porém ainda não é possível se detectar um tumor clinicamente. Encontram-se "preparadas", ou seja, "iniciadas" para a ação de um segundo grupo de agentes que atuará no próximo estágio. Iniciação Agente oncoiniciador - é capaz de provocar diretamente o dano genético das células, iniciando o processo de carcinogênese. Exemplo: benzopireno, um dos componentes da fumaça do cigarro e alguns vírus oncogênicos, entre outros. Agente oncopromotor - atua sobre as células iniciadas, transformando-as em malignas. Agente oncoacelerador - caracteriza-se pela multiplicação descontrolada e irreversível das células alteradas. Atua no estágio final do processo. Promoção É o segundo estágio da carcinogênese. As células geneticamente alteradas, ou seja, "iniciadas", sofrem o efeito dos agentes . A célula iniciada é transformada em célula maligna, de forma lenta e gradual. Para que ocorra essa transformação, é necessário um longo e continuado contato com o agente cancerígeno promotor. A suspensão do contato com agentes promotores muitas vezes interrompe o processo nesse estágio. Progressão É o terceiro e último estágio e se caracteriza pela multiplicação descontrolada e irreversível das células alteradas. Nesse estágio o câncer já está instalado, evoluindo até o surgimento das primeiras manifestações clínicas da doença. O fumo é um agente carcinógeno completo, pois possui componentes que atuam nos três estágios da carcinogênese. Evolução do tumor A evolução do tumor maligno depende: Da velocidade do crescimento tumoral. Do órgão onde o tumor está localizado. De fatores constitucionais de cada pessoa. De fatores ambientais etc. Os tumores podem ser detectados em diferentes fases: Fase pré-neoplásica (antes da doença se desenvolver). Fase pré-clínica ou microscópica (quando ainda não há sintomas). Fase clínica (apresentação de sintomas). Fatores Epigenéticos Hormônios; Poluição; Vírus; radiação(Raios X, raios gama, radiação ionizante e ultravioleta(UV)); Substâncias químicas (bromouracila, acridina, brometo de etídio, benzopireno...); Tabaco... Aflatoxina Aminas aromáticas (produção de corantes orgânicos) Tricloroetileno (desengordurar peças metálicas) Arsênio e cádmio Benzopireno (fumaça de cigarro) Carbamatos (pesticidas, espumas, fármaco utilizado na Doença de Alzheimer) Naftilamina (fumaça de cigarro e indústria de corantes) Atividade 1: Qual a diferença entre tumor maligno e benigno? Por que mesmo o tumor benigno deve ser tratado na maioria dos casos? Como ocorre, resumidamente o processo de carcinogênese Identifiquem, individualmente, a quais fatores epigenéticos você está exposto diariamente. Nutrigenética Introdução A maioria dos cânceres (90%) está relacionada às mutações somáticas e fatores ambientais. Novas tecnologias (genômica, a proteômica e a nanotecnologia), permitem monitorar milhares de moléculas envolvidas em vias-chave e avaliar a influência de certos nutrientes e alimentos sobre este processo A atividade e expressão de algumas células do sistema imunológico, que tem função de reconhecimento e destruição de células malignas, como linfócitos, macrófagos e células destruidoras naturais (natural killer) podem ser moduladas por fatores nutricionais. Alterações epigenéticas Alterações epigenéticas que contribuem para “defeitos” celulares: silenciação de enzimas de detoxificação genes supressores de tumor reguladores do ciclo celular genes de reparo do DNA indutores de apoptose, receptore nucleares, fatores de transcrição modificação de histonas e acetilação ou metilação de proteínas não histonas como a p53, NF-kB, e a chaperona HSP90 Nutrição x epigenética Embora a Nutrição tenha tido avanços significativos nesta área, ainda pouco se sabe sobre a influência dos nutrientes sobre o desenvolvimento do câncer. Muitos fatores podem influenciar neste processo, por exemplo, o perfil genético de cada indivíduo, fatores epigenéticos, como a metilação do DNA e modificações em histonas (acetilação, metilação, fosforilação, ubiquitinação...) Tópicos a serem abordados Recapitulação de conceitos em genética Estresse oxidativo Nutrigenética Atividade Recapitulação de conceitos Célula humana: 23 pares de cromossomos homólogos (1 da mãe e 1 do pai) Gene: unidade funcional do cromossomo Expressão gênica: síntese proteica a partir do gene (transcrição tradução) Introns: regiõs que não devem ser traduzidas, removidas através de splicing. Éxons: regiões que permanecem. Mecanismos epigenéticos acetilação e metilação de DNA (controle da expressão gênica) Conceitos Nutrigenômica: Nutrientes e CBAs: estuda os efeitos dos nutrientes e compostos bioativos de alimentos (CBA) sobre a expressão gênica. ligação direta a fatores de transcrição (receptores) ativação de vias de sinalização celular; modificações epigenéticas (metilação e acetilação de histonas). SNP: polimorfismo de um único nucleotídeos (uma mudança de base) Estresse oxidativo Espécies reativas que reagem com DNA e RNA envelhecimento, DCV e câncer. Antioxidantes endógenos e exógenos Compostos antioxidantes da dieta Polimorfismos nos genes que codificam as enzimas antioxidantes Variações genéticas absorção, metabolismo, distribuição e eliminação de antioxidantes exógenos Nutrientes Nutrientes e CBA atuam em diversas vias de sinalização que estão desreguladas no processo carcinogênico, interferindo na metabolização de carcinógenos, nas vias de reapro do DNA, na progressão do ciclo celular e apoptose. Vitaminas, folato, selênio, zinco, w-3 e w-6... Vitamina C Absorvida no instestino delgado através do transportador tipo 1, codificado pelo gene SLC23A1, expresso em túbulos renais. O transportador tipo 2, codificado pelo gene SLC23A2 é encontrados em vários tecidos (cérebro, pulmão, fígado e músculo). Polimorfismos no gene SLC23A1 foram encontrados na população, e isso pode explicar as diferentes concentrações de vitamina C circulante entre indivíduos em resposta a vitamina C da dieta e com isso maior sucetibilidade a determinados tipos de câncer. Em metanálise recente foi mostrado que quanto maior a concentração de vitamina C, menor o risco de câncer de esôfago. Association between dietary vitamin C intake and risk of esophageal cancer: A dose–response metaanalysis, 2016 Vitamina E Grande variãção nos níveis de vitamina E circulante entre indivíduos. Há uma correlação fraca entre ingestão e concentrações circulantes. Aproximadamente 22% da variabilidade encontrada se deve a genes-chave. Uma mutação no gene TTPA está associada a deficiência de Vitamina E. Estudo dessas variações podem identificar quem melhor se beneficiaria de uma suplementação. Em crianças com leucemia, a suplementação de vitamina E associada a Nacetilcisteina reduziu complicações hematológicas. A suplementação com vitamina E também mostrou-se eficaz contra o câncer gástrico. Vitamin intake reduce the risk of gastric cancer: meta-analysis and systematic review of randomized and observational studies, 2014. Vitamina D Sintetizada na pele (sol) ou adquirida pela dieta. No fígado é convertida a 25(OH)D3, que por sua vez é convertida a calcitriol no rim (regula transporte de cálcio e mineralização óssea) O calcitriol exerce sua atividade por meio da modulação da transcrição gênica pela ligação com o receptor de vitamina D, formando um dímero. Este complexo migra para o núcleo e liga-se na região promotora de genes específicos. Principais polimorfismos do receptor: FokI e BsmI maior risco de desenvolvimento de câncer (mama e próstata) Folato baixa ingestão de folato pode aumentar o risco de câncer diminuição no número de grupamentos metila, causando a incorporação de uracila ao DNA. A deficiência de nucleotídeos adequados compromete o sistema de reparo do DNA. Indivíduos com deficiência de folato tem maior chance de desenvolver câncer. Polimorfismo no gene MTHFR C677T está associado ao câncer de pulmão. Folate pathway gene MTHFR C677T polymorphism and risk of lung cancer in Asian populations, 2014 Folato Sabe-se que existem de 50 a 100 genes envolvidos direta ou indiretamente no metabolismo do folato, incluindo os de receptores, de proteínas ligantes e de enzimas. O polimorfismo na metilenetertrahidrolato redutase (MTHFR), que substitui C por T no nucleotídeo 677, é o mais comum nas vias metabólicas do folato. Este polimorfismo, que ocorre em 5-20% da população, resulta na redução nos níveis de folato circulante no plasma, e consequentemente no aumento do risco de câncer. Selênio Cofator da GPx (manutenção do estado redox); Indivíduos que tiveram sua dieta suplementada com selênio apresentaram menor incidência de câncer de pulmão, cólon e próstata. Metilselenol, produto do seu metabolismo, é sugerido como principal responsável pelo efeito anticarcinogênico. Em células de câncer de mama, o tratamento com ácido metilselenínico, causou inibição da proliferação celular ao diminuir a expressão de genes relacionados a progressão do ciclo (cdk4 e ciclina A e B), e aumentar a expressão de GADD153 (induz apoptose). Selênio Revisão recente sobre selênio e câncer de próstata sugere que este efeito esteja relacionado à dependência da GPX a este mineral. Ao analisar a frequência de polimorfismos do gene da GPX (leucina ou prolina no códon 198), verificou-se que o alelo que continha leucina é menos responsivo à suplementação de selênio. polimorfismos no gene da p53 e da glutationa S transferase (GSTP1) predispõe o indivíduo a maior risco de câncer de esôfago, principalmente aos que tem baixo consumo deste mineral. Estudos populacionais indicam que a maior concentração de Se a menor incidência de câncer epiteliais. Zinco Perda da homeostase desse nutrientes tem sido relacionada ao desenvolvimento e progressão de alguns tipos de câncer. Compõe a enzima SOD (manutenção do estado redox). Liga-se também ao fator de transcrição MTF-1, induzindo a expressão de metalotioneína, responsável por detoxificar radicais livres. Altos níveis séricos pode ser protetor para câncer gástrico. Dietary intake of Zinc, serum levels of Zinc and risk of gastric cancer: A review of studies, 2015. Ômega 3 e 6 O ômega 3 apresenta papel crucial nas fases de iniciação, progressão e metástase do câncer, por modular a replicação, controle de ciclo e morte celular. Sua propriedade anti-inflamatória controlam a expressão de genes de receptores inflamatórios, como os PPARs, e genes da ciclo-oxigenase-2. Em associação com o zinco, o DHA aumenta desacetilação, metilação e fosforilação de histonas. A utilização de w-3 tem sido associado a efeitos benéficos na terapêutica de diversos tipos de câncer, incluindo câncer de pele não melanoma. Lembrando do balanço que deve existir entre w-3 e w-6 (4:1). Potential Benefits of Omega-3 Fatty Acids in NonMelanoma Skin Cancer. 2016. Probióticos Os probióticos, prebióticos e simbióticos também têm sido apontados como possíveis fatores protetores contra o câncer de colon. Uma revisão publicada recentemente descreve a ação de alguns metabólitos da microbiota intestinal, como ácidos orgânicos, bacteriocinas e peptídeos sobre a regulação da proliferação e diferenciação celular, apoptose, inflamação, angiogênese e metástases, e considera estas interações alvos promissores na prevenção do câncer de colon. Conclusão Ainda há pouca evidências com base populacional. Para o futuro, espera-se que a suplementação e a ingestão dietética adequada possam ser baseadas no genótipo individual, e que esta possa servir como tratamento e prevenção de vários tipos de câncer. Alimentos e câncer: atualidades Atividade de fixação Como a nutrigenética pode auxiliar na prevenção do cancer futuramente? Como um nutriente pode prevenir a carcinogênese? Faça uma tabela resumida com os alimentos ou nutrientes, gene alvo e tipo de cancer que já se tenha alguma associação. Referências BRASIL. Ministério da Saúde. Departamento de Informática do SUS. Estimativa 2012: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA, 2011. 118p. Disponível em: http://www1.inca.gov.br/estimativa/2012 ABC do Câncer – INCA Livro: Garófolo, A. Nutrição clínica, funcional e preventiva aplicada à oncologi. 2012. Ed Rubio. Livro: Dal Bosco, S.M. , Genro, J.P. Nutrigenética e |Implicações na Saúde Humana. Ed Atheneu, 2014. [email protected] Aula e materiais complementares disponíveis em: http://wp.ufpel.edu.br/renataabib/ Obrigada!