a civilização árabe muçulmana (parte I).

HISTÓRIA MEDIEVAL
Aula VIII
Objetivo: a civilização árabe muçulmana (parte I).
A) Os árabes antes do Islã.
Não existem muitos textos originalmente árabes tratando da realidade da península
arábica antes do século IV. As referencias mais antigas a região e a população que ali
habitava são de origem mesopotâmica e datam do século IX a. c.. Nesses textos, e em
outros posteriores, de origens diversas, seria enfatizado o nomadismo, como principal
característica dos habitantes da região. Contudo, o estilo de vida e a economia
dependiam das características topográficas que cada sub-região. Variando entre as
regiões desérticas do centro e do norte, os oásis e o extremo sul e o leste da península,
região montanhosa com chuvas regulares, portanto, agriculturável.
A maior parte da população falava o árabe, língua de origem semita. Uma tradição
acreditava que a península arábica era o berço de todos os idiomas semitas, incluindo aí
o hebreu, o etíope, e vários idiomas falados na região da Mesopotâmia. Contudo, não há
certeza sobre isso. No entanto, o árabe possui uma estrutura perfeita em relação à língua
semita. Etnicamente se dividiam em árabes do norte e árabes do sul ambos acreditando,
a partir da tradição possuir descendência em Ismael, filho de Abraão. Essa tradição foi
reforçada pelos escritos dos historiadores da época islâmica.
Na Arábia do sul surgiram, ao longo do milênio que antecedeu a era cristã, vários
estados monárquicos (Ma’in, Qataban, Hadramawt, Awsan) de característica teocrática,
governados por reis-sacerdotes, intitulados mukarrib, onde se destacou o reino de Sabá.
Conseguiram resistir a ofensiva romana na época de Augusto, e se dedicavam a
agricultura e ao comercio de artigos de luxo, como perfumes e especiarias trazidos do
extremo oriente, da Pérsia e da África Oriental, que eram fornecidos aos povos
mediterrânicos, através de caravanas que cruzavam a península.
A grande prosperidade do reino de Sabá, sob o reinado de Shammar, gerou a
cobiça dos etíopes que conquistaram a região no século IV. Neste período surgiria a
presença tanto do cristianismo quanto do judaísmo, mas ainda predominava uma religião
astral politeísta, onde as principais divindades eram Athtar (Vênus) e Shams (Sol).
Após a expulsão dos etíopes houve uma aproximação com os persas sassânicos,
que estabeleceram na região um protetorado que durou do século VI ao surgimento do
Islã.
Na Arábia central e do norte a realidade era muito diferente. Não existiam estados
constituídos. A base da organização social eram os clãs beduínos, e a partir deles se
organizava a vida econômica e politica. Eram pastores nômades ou caravaneiros. Nas
poucas cidades que existiam, assim como fora delas, não existiam leis válidas para todos,
nem justiça. Tudo estava relacionado ao pertencimento aos clãs, que nestes espaços se
relacionavam. Duas ideias eram chaves, a vingança (thâr), realizada quando o sangue era
derramado (em função disso as mortes eram evitadas, mesmo na pilhagem), e a
hospitalidade.
Nesta sociedade o homem exercia o papel determinante, com suas proezas
contadas em versos. O principal líder era o sayyid, o líder do clã. Geralmente um homem
idoso, com grande prestígio pessoal.
A religião era politeísta, astral e animista. Entre os vários deuses adorados estava
Alá (o Deus) uma divindade suprema e criadora. Os centros urbanos possuíam também a
função de locais de peregrinação e culto. No inicio do primeiro milênio da era cristã,
influências externas surgiram nas cidades, como foi o caso do cristianismo entre os
pobres e os escravos, na cidade de Meca, e o judaísmo entre agricultores e artesãos no
oásis de Yathrib.
No estremo norte da península os povos beduínos migravam naturalmente para a
região de Síria e da Jordânia, onde através de influência tanto do império romano do
oriente, quanto dos persas sassânidas surgiram reinos mais sofisticados politicamente,
que sofreram influência dessas duas grandes civilizações. Contudo, existia uma grande
efemeridade nestes reinos, em função dos interesses e dos conflitos dos impérios
vizinhos. Foi nesta região que se desenvolveu a versão final do idioma árabe, que depois
se propagou por toda a península.
Por volta do século VI o árabe era o idioma falado nas grandes cidades mercantis
como Meca e Yathrib. Esses centros urbanos haviam se fortalecido com o
enfraquecimento dos reinos do sul, em função do surgimento de rotas de acessos aos
produtos do oriente, que dispensavam a península arábica. Comandadas pelo malâ,
conselho de poderosos da cidade, esses centros comercializavam a produção agrícola, e
centralizavam as caravanas que se direcionavam ao mediterrâneo.
O grande lucro do comércio fortalecia os grandes mercadores e enfraquecia os
laços clânicos, fazendo surgir nessas cidades um grupo de pobres, tratados com
desprezo pelos mais ricos.
Para alguns historiadores, essa mudança de mentalidade, com o enfraquecimento
das relações clânicas, favoreceu a rápida expansão do islã, no século seguinte.
B) o surgimento do Islã e a expansão árabe.
Pouco se sabe sobre a vida do profeta Maomé (Muhammad, em árabe), antes do
inicio da sua pregação, e mesmo dos primeiros anos dela. Além do que está escrito no
Corão (recitação, em árabe), o que se sabe veio dos hadith, forma literária que retroagia
ao período do profeta. Os hadith não eram uma fonte confiável, e por isso muitos foram
considerados falsos pelos próprios muçulmanos.
Maomé era originário da cidade de Meca, onde teve infância pobre. Na vida adulta
alcançou uma posição estável ao casar-se com uma viúva rica. É possível que tivesse
algum conhecimento prévio do judaísmo e do cristianismo, religiões conhecida nas
camadas mais pobres das cidades. Contudo, não parece ter tido uma leitura da bíblia,
pois a tradição o coloca como uma pessoa iletrada.
A tradição afirma que por volta dos seus 40 anos Maomé recebeu uma revelação
do arcanjo Gabriel, memorizada, recitada e registrada no Corão. Islã significa submissão
total a Alá (o Deus), o único deus verdadeiro. Os homens deveriam abandonar a idolatria
e se preparar para o juízo final iminente. Incorporava a tradição judaico-cristã ao colocar
Abraão, Moises e Jesus como profetas maiores, antecessores do próprio Maomé, que
seria o ultimo e portador da versão definitiva da mensagem.
Os primeiros seguidores de Maomé foram os pobres. De início a sua pregação não
incomodou, porem, com o crescimento do número de seguidores, inicia-se uma
perseguição que obriga os muçulmanos a fugirem da cidade, em 622. Maomé e seus
seguidores se refugiam em Yathrib, que passa a ser conhecida com a cidade (madina, em
árabe) do profeta. Esta peregrinação, a hégira, marca o início do calendário muçulmano.
Em Medina, como passou a ser conhecida, a nova religião se desenvolveu, e
fortalecido, Maomé retorna a Meca em 630, conquistando a cidade.
A força unificadora do Islã na península Arábica se apoiava em dois elementos. A
revelação era recitada, e posteriormente escrita, em árabe, idioma comum, utilizado ao
lado das várias tradições linguísticas locais. O Corão não ficava restrito, portanto, a um
determinado grupo étnico, ou mesmo, a qualquer região ou clã. Junto a isso havia a
noção de que todos os crentes formavam uma única comunidade solidária e fraterna, a
umma. Perto da sua morte, em 632, Maomé estendeu conceito de umma, para os povos
não árabes.
O Califa (sucessor) Abû Bakr (632-634), primeiro governante árabe, apesar do
curto reinado, foi o responsável por consolidar o controle da península e por iniciar a
expansão externa.
Ainda no tempo de Maomé foram enviados pregadores para as terras além dos
limites arábicos, porem sem muito resultado. Inicia-se então uma expansão militar que
conjugava a necessidade de expansão da fé com as ambições das tribos árabes no butim
proporcionado pelas incursões em terras inimigas (as razias).
O sucesso da expansão deve ser entendido sob a perspectiva dessas duas
motivações, a muçulmana (expansão da fé) e a árabe (interesse no butim).
O primeiro alvo da expansão muçulmana foi o Império Bizantino, que teve as
regiões da Palestina e da Síria conquistadas. Apesar de pressionarem a parte central do
império e fazer o cerco a Constantinopla, em 668 e 718, não conseguiram conquistar o
centro do império. Nas áreas conquistadas celebravam acordos que garantiam a
sobrevivência e a liberdade de culto, em troca do pagamento de tributos.
Paralelo à expansão sobre os bizantinos se deu até o final do século VI a conquista
do Império Persa Sassânida. Conquistaram o Turquestão, mas foram impedidos pelo
exercito chinês de prosseguir. Ainda a leste, conquistaram a região da foz do Rio Indo e o
Pundjab, mas foram barrados pelos indianos e não penetraram na península indiana.
A expansão muçulmana ocorreu em várias direções ao mesmo tempo. Desta forma
enquanto atacavam os bizantinos e se expandiam sobre o Império Sassânida, iniciaram a
expansão sobre o norte da África, conquistando o Egito, o “celeiro do mediterrâneo”, e
alcançando a região do Magrebe (extremo noroeste da África), que no início do século VIII
estaria definitivamente conquistada.
A partir do Magrebe, os berberes islamizados, liderados Djabal Tarik penetram, em
711, na Península Ibérica, através do promontório rochoso, que depois levaria o nome do
conquistador, Gibraltar. Com o sucesso da investida de Tarik, o governador árabe da
região, Musâ ibn Nusayr, se junta à invasão do reino visigodo, conquistado em pouco
mais de dois anos, ficando os cristãos isolados na região montanhosa do norte da
península. Os muçulmanos partem então em direção ao reino Franco, onde foram
barrados por Carlos Martel, em 732, na batalha de Poitiers.
Em meados do século VIII a rápida expansão muçulmana estava concluída. Se por
um lado trazia riquezas, na forma dos tributos, por outro trazia a grande dificuldade de
administrar um território tão vasto e diversificado em várias etnias, línguas e religiões
diferentes. Os problemas acarretados por isso marcariam a evolução do Império Árabe.