ALERGIA A VENENO DE HIMENÓPTEROS HYMENOPTERA VENOM ALLERGY Alexandra RODRIGUES1, Joana RIBEIRO2 RESUMO ABSTRACT Inúmeros insetos podem provocar reações locais mas uma picada de himenópteros (abelhas e vespas) pode ser fatal. A picada de himenópteros tem de ser tratada de forma atempada e correta tanto em meio pré hospitalar como hospitalar. No entanto se for feito um correto diagnóstico pode ser prevenida e tratada. A presente revisão pretende alertar para os riscos destas picadas e orientar sobre o seu tratamento. Palavras-chave: Alergia, himenópteros, reações à picada, tratamento. Many insects cause local reactions after a bite sting hurt, but in same people, they could be fatal. Hymenoptera stings must be correctly identified on time in order to establish an effective treatment, both in a hospital as in pre-hospital environment. However, a correct diagnosis can prevent and treated a dramatic situation. The aim of this review is to alert for the risks and treatment of this insect stings. Keywords: Venom allergy, hymenoptera, sting reactions, treatment INTRODUÇÃO ENTOMOLOGIA De entre as muitas espécies de insetos que podem provocar reações alérgicas, são as abelhas e vespas as responsáveis pelas reações de maior gravidade. As manifestações orgânicas são variadas, podendo ser apenas locais ou de maior gravidade originando-se uma reação sistémica. A reação anafilática pode representar, para um pequeno número de pacientes, um risco fatal, e ocorre devido ao desenvolvimento de IgE específica contra os componentes do veneno 1,2. As abelhas e as vespas (vespa de terra e vespa do papel) são insetos pertencentes à ordem dos hymenoptera (himenópteros) existindo várias famílias relacionadas 5 (figura 1) , que abundam em toda a Europa nomeadamente no nosso país. Em geral, as picadas de insetos produzem uma reação local, existindo situações potencialmente mortais. Os insetos da ordem hymenoptera são habituais causadores de picadas acidentais 2. Os himenópteros são uma ordem de insetos com metamorfose completa, dois pares de asas solidárias durante o voo e cuja larva não pode sobreviver sozinha, contando com mais de 100000 espécies. Nestas espécies constam as abelhas e as vespas6. A abelha (Apis mellifera) é um inseto social herbívoro que vive em colmeias e produz mel e cera. As abelhas, mais concretamente as obreiras, possuem no final do abdómen um aguilhão venenoso utilizado para defesa da colmeia, também conhecido como ferrão, que apresenta um extremo dentado que impede a sua saída, pelo que o inseto morre por evisceração após a picada7. Já as vespas (Vespa sp., Vespula sp. e Polistes sp.) são também animais sociais, de abdómen anelado de cor amarela e negra. De hábito carnívoro, as vespas fêmeas são providas tal como as abelhas obreiras de um aguilhão venenoso, mas que não fica inserido na vítima picada. A espécie Vespa frequentemente INCIDÊNCIA A prevalência na Europa de pessoas alérgicas ao veneno de himenópteros é de 20%, podendo existir reações locais ou sistémicas. Nos apicultores a prevalência pode variar entre 15% a 43%, sendo as reações sistémicas graves mais raras nas crianças2,3. Bilò et al. estimam a incidência de casos fatais na Europa entre 0,009 e 0,45 por milhão de habitantes por ano, resultando em cerca de 100 mortes/ano 4 . Em 1993 a Academia Europeia de Alergologia e Imunologia Clínica (EAACI) publica as primeiras recomendações relativamente à administração de imunoterapia específica com veneno de himenópteros. Cinco anos depois, em 1998 a OMS em colaboração com as Academias Europeia e Americana de Alergologia e Imunologia Clínica (EAACI e AAAAI) publica um artigo de opinião conjunto sobre a eficácia da vacina 2. 1.ENFERMEIRA A DESEMPENHAR FUNÇÕES NO SERVIÇO DE URGÊNCIA DA ULSCB, EPE 2.ESTUDANTE DE 4º ANO DA LICENCIATURA EM ENFERMAGEM DA ESCOLA SUPERIOR DE SAÚDE DR. LOPES DIAS 19 REVISTA DE SAÚDE AMATO LUSITANO 2013; 32:19-24 Figura 1- Classificação taxonómica dos insetos himenópteros mais relevantes desde o ponto de alergia na Península Ibérica (adaptado de Krishna et al.)5 situa os seus ninhos nos ocos dos troncos e no solo, enquanto que os da espécie Vespula sp. costumam ser aéreos, predominando em ambientes rurais 7. Quanto às vespas do papel (Polistes sp.), também carnívoras, podem alimentar-se de néctar das flores. Distinguem-se das outras espécies pelo seu abdómen fusiforme. De carácter predominantemente urbano, formam colónias habitando em característicos ninhos de papel 6,7 (figuras 2 a 6). A potencial gravidade das reações de hipersensibilidade a picadas ocorre em pessoas com anticorpos IgE específicos contra o veneno destes insetos, desenvolvidos diretamente através da exposição a picadas prévias 3. O desenvolvimento de IgE específica contra os componentes do veneno presente no aguilhão de alguns himenópteros pode causar imediatamente após a picada dois tipos de reações alérgicas: reações locais e reações sistémicas ou generalizadas1. As reações locais exuberantes recebem este nome quando o edema no local da picada tem um diâmetro superior a 10 cm de diâmetro e podem demorar entre 24 horas e uma semana até a sua total resolução. Quando a picada acontece na cabeça ou na face, a sintomatologia é de maior gravidade, pois para além do edema local, há ocasiões em que pode aparecer edema laríngeo, com a consequente obstrução das vias aéreas superiores. Perante esta situação o doente deverá ser vigiado em meio hospitalar. As reações sistémicas ou anafiláticas são mais frequentes no grupo etário dos 20 anos, e aparecem caracteristicamente CLASSIFICAÇÃO DAS REACÇÕES À PICADA O veneno presente no aguilhão é composto por diversas substâncias, segundo as espécies, assim o veneno da abelha é constituído por fosfolipase A2, hialuronidase, melitina, fosfatase ácida, apamina e péptido 401, no entanto o veneno de vespa (Vespula e polistes) contém fosfolipase A1, hialuronidase, fosfatase ácida, antigénio 5 (neurotoxina) e quinina, capazes de produzir uma reação alérgica 2. Por outro lado, existem outros compostos comuns a eles tais como a histamina, dopamina, noradrenalina e proteases, causadores de dor, edema e leve inflamação local 1. Figura 2 - Abelha (Apis mellifera) Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Abelha-europeia 20 REVISTA DE SAÚDE AMATO LUSITANO 2013; 32:19-24 tação brusca de grandes quantidades de veneno de múltiplas picadas em simultâneo destes insetos (cerca de 50 picadas nas crianças e mais de 100 no adulto), e que uma vez ter sido instaurado tratamento urgente no local, o doente deve ficar em observação e fazer terapêutica em meio hospitalar (anti-histamínicos, corticóides e antibiótico) 6 . No entanto, há casos documentados de diversas reações raras (vasculites, doença do soro, glomerulonefrite, etc.) de escassa frequência de aparição 8. DIAGNÓSTICO DE ALERGIA AO VENENO DE HIMENÓPTEROS Figura 6 - Dolichovespula sylvestris Fonte: http://www.uknature.co.uk/D.sylvestris-info.html entre os 15 a 20 minutos após a picada, embora em alguns casos o seu tempo de latência pode chegar até as 72 horas. A sintomatologia deste tipo de reações compreende manifestações sistémicas: cutâneas (urticária/angioedema), gastrointestinais, respiratórias (broncospasmo) e cardiovasculares (hipotensão, angina e até o shock distributivo) podendo ser classificadas em graus em função da gravidade clínica, de acordo com a escala de Müller (Tabela 1)8. Por outro lado, também existem as reações tóxicas, resultado da liber- O diagnóstico de alergia ao veneno de himenópteros baseia-se na história clínica de reação local exuberante ou sistémica a uma picada e na demonstração da existência de IgE específica para o veneno do inseto agressor, através da realização de provas cutâneas e ou testes in vitro para doseamento sérico da IgE específica 9,7 . Para elaborar a história clínica é impreterível avaliar a reação à picada, percebendo se é alérgica ou não, determinando a sua gravidade e optando pelo tratamento a seguir 5,10. Certos dados devem constar na história clínica, nomeadamente qual o inseto causador da picada, identificação que nem sempre é fácil para o utente. Determinadas características diferenciam alguns insetos, como referido anteriormente, nomeadamente sabendo que a abelha deixa um ferrão fixo na pele, enquanto as vespas (Vespa, Vespula e Polistes) não. Tabela 1 - Classificação das reações à picada segundo Müller Fonte: Adaptado de Pedro M.E., Tavares B. 8 21 REVISTA DE SAÚDE AMATO LUSITANO 2013; 32:219-24 No entanto, ainda que a identificação do inseto não seja imediatamente conseguida, são fundamentais dados como o número de picadas, época do ano em que ocorreu, local e características da lesão (se apresenta ou não ferrão) 2,9,7. Os testes cutâneos devem realizar-se quando o utente sofreu uma reação sistémica e quando se considera a imunoterapia específica como tratamento adequado. Através dos testes cutâneos os mastócitos são estimulados com estrato de veneno. Perante a dificuldade frequente de identificar o himenóptero causador da reação, estas provas realizam-se com todos os extratos disponíveis, tendo em conta os dados presentes na história clínica. As provas não devem ser realizadas nas duas semanas que se seguem à picada para evitar falsos negativos. No entanto, alguns autores recomendam a realização das provas imediatamente após a reação e algumas semanas mais tarde, conseguindo-se melhores resultados, já que alguns pacientes só demonstram sensibilização na primeira semana após a picada 7. Ainda assim, cerca de um terço dos doentes com história de reação sistémica grave com picada de himenóptero têm testes negativos. Ocorrem ainda casos fatais de anafilaxia em que estudos in vitro revelam níveis muito baixos de IgE. Por este motivo, consideram-se os seguintes critérios de diagnóstico de alergia a veneno de himenópteros em doentes inclusivamente com testes diagnósticos de resultado negativo 9 : 1.História de anafilaxia induzida pela picada de himenóptero; 2.Testes cutâneos intradérmicos negativos com veneno Figura 3 - Vespa (Vespula sp.) Fonte: http://es.wikipedia.org/wiki/Avispa puro; 3.Testes in vitro negativos para todos os venenos; 4.Ausência de imunoterapia com veneno de himenóptero, prévia ou atual; 5.Reação anafilática numa nova picada. No entanto poderá ser feita imunoterapia específica com veneno de himenópteros em adultos e crianças com história de reação sistémica onde tenha havido comprometimento respiratório, cardiovascular, angioedema e urticária de modo a manter a qualidade de vida dos doentes. Existem estudos que nos referem que cerca de 80% de doentes com alergia a veneno de himenópteros ficam protegidos com este tipo de tratamento11. A imunoterapia específica deverá ser feita em meio hospitalar com administrações mensais durante um período que pode ir dos 3 aos 5 anos8. A atuação dos profissionais de saúde (médicos e enfermeiros) perante a picada de himenópteros é de grande importância tanto na área pré-hospitalar (primeiros cuidados) como no serviço de urgência (estabilização e tratamento sintomático) como posteriormente com o encaminhamento para a consulta da especialidade (tratamento específico, prevenção e capacitação do utente). No serviço de urgência a observação é um instrumento de grande importância de modo a identificar os principais sintomas das reações graves á picada, o profissional deverá manter o doente calmo e colaborante durante o tratamento. TRATAMENTO O tratamento de urgência efetua-se de acordo com o tipo de reação que o paciente apresenta 2. Perante uma reação local e presença de ferrão, este Figura 4 - Vespa do papel (Polistes dominulus) Fonte: http://fr.wikipedia.org/wiki/Polistes_dominula 22 REVISTA DE SAÚDE AMATO LUSITANO 2013; 32:19-24 Fig. 7 - Anapen Adulto® (0,3 mg) e Anapen Júnior® (0,15 mg) Fonte: http://www.emergencyresponse.com.au/anaphylaxis.html deve ser removido imediatamente, sem ser comprimido para não haver libertação adicional de veneno. A colocação de frio sobre o local ajuda a reduzir a dor e o edema. Deve ser realizada lavagem do local com água e sabão, desinfetando-se posteriormente com iodopovidona de forma a prevenir a infeção, assim como a utilização de antihistamínicos 2. Por outro lado, perante uma reação sistémica, o tratamento de eleição imediato é a administração de adrenalina pela sua rapidez de ação e potência, sendo a via intramuscular a via de administração preferencial 5,10,12. Independentemente da resposta ao tratamento imediato, da presença de sintomas potencialmente mortais e da necessidade de observação prolongada, a pessoa picada deve ser encaminhada imediatamente para o hospital. Pode ser também importante o tratamento da anafilaxia através da adoção de outras medidas como a reposição rápida de fluidos por via intravenosa. Por vezes, a administração de anti-histamínicos e corticosteroides podem aliviar a presença de sintomas cutâneos1,2. Caso a reação sistémica não ceda ao tratamento imediato deve-se: 1.Administrar novamente adrenalina IM; 2.Puncionar veia periférica para administração de terapêutica 3.Administrar anti-histamínicos, corticosteroides; 4.Monitorizar o doente; 5.Colocar oxigénio por máscara facial; 6.No caso de broncospasmo, realizar nebulização com Salbutamol 1,8. Os utentes com risco de reação à picada de himenópteros devem ser portadores de um estojo de emergência que contenha uma caneta-seringa para auto-injecção13, denominado por ANAPEN®, com uma dose única de adrenalina2. Em Portugal está disponível nas farmácias mediante prescrição médica, no caso dos adultos a dosagem é de 0,3 mg de adrenalina e nas crianças de 0,15 mg de adrenalina (figura 7) que deverá ser administrado na face externa da coxa durante cerca de 10 segundos8. REPICADURA O risco de desenvolver uma nova reação sistémica depois de uma repicadura ronda os 20% para utentes que sofreram uma reação generalizada prévia de carácter leve, e os 50% para aqueles que sofreram uma reação mais grave. Estes dados sugerem que o grau de gravidade da reação é um fator essencial para determinar o risco de reexposição. A repicadura intra-hospitalar com himenópteros vivos é um método utilizado, principalmente, para avaliar a eficácia da imunoterapia com veneno puro. Também se utiliza para fins de investigação para conhecer os mecanismos da anafilaxia 14. Em Portugal esta prova de provocação com himenópteros vivos não é utilizada 8. CUIDADOS A TER DE MODO A EVITAR A PICADA Existem diversas medidas de prevenção a ter em conta de modo a prevenir a picada de himenópteros 8,9, princi23 REVISTA DE SAÚDE AMATO LUSITANO 2013; 32:19-24 palmente quando se é alérgico ao veneno. Referimos essencialmente: 1.Evitar roupa colorida e perfumes; 2.Evitar estender roupa ao ar livre; 3.Evitar comer ao ar livre ou mexer em fruta ou comida; 4.Evitar mexer nos contentores do lixo; 5.Evitar a proximidade de colmeias; 6.Evita o uso de perfumes ou ambientadores; 7.Em casa coloque redes de proteção nas portas e janelas; 8.Evitar atividades ao ar livre (jardinagem, cortar relva ou andar descalço na relva); 9.Não se aproximar de zonas arbustivas, árvores de fruto ou caixotes de lixo, colmeias ou ninhos de vespa; 10.Evite correr, montar a cavalo, andar em bicicleta ou mota em zonas de campo de modo a evitar a colisão com estes animais; 11.Manter-se vigilante em zonas com piscina; 12.Manter as janelas do automóvel fechadas, quando em viagem; 13.Evitar movimentos bruscos quando uma abelha/ vespa se aproxima. 7.Nevot Falcó, S.; Guilarte Clavero, M. Hipersensibilidad a veneno de himenópteros in Protocolos de Inmunología Clínica y Alergología. 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Acedido a 12 de Novembro de 2011 em http:/ /www.jano.es/ficheros/sumarios/1/0/1601/39/ 1v0n1601a13086722pdf001.pdf 2.Pedro, M. E. Alergia ao veneno de himenópteros, Rev Port Imunoalergol. 1999 (7) 3, 191-194 3.Comité Nacional de Alergia (2010). Guía de Práctica Clínica – Alergia a picadura de himenópteros en pediatria, Sociedad Argentina de Pediatría. (108-3), 266-276 4.Bilò, B. M., Rueff, F., Mosbech, H et Al. Diagnosis of Hymenoptera venom allergy Allergy 2005: 60: 1339–1349. 5.Krishna M. T., Ewan P. W., Diwakar L., Durham S. R., Frew A. J., Leech S. C. and Nasser S. M.. Diagnosis and management of hymenoptera venom allergy: British Society for Allergy and Clinical Immunology (BSACI) guidelines. Clinical & Experimental Allergy, 2011 (41) 1201– 1220. 6.Oliveira, L. (1997). Nova Enciclopédia Larousse. Lisboa: Círculo de Leitores, Lda. Figura 5 - Vespula sp. Fonte: http://es.wikipedia.org/wiki/Vespidae 24 REVISTA DE SAÚDE AMATO LUSITANO 2013; 32:19-24