1 Propagação em sistemas rádio móveis Para se chegar a expressões de atenuação de propagação que melhor descrevam as situações reais encontradas, vai-se acrescentando complexidade ao problema inicial (espaço livre), obtendo expressões teóricas que retratam os novos mecanismos considerados. O primeiro procedimento, e o mais intuitivo, é o de se considerar a influência da superfície da Terra na propagação. A faixa de freqüências aqui enfatizada (UHF) e as distâncias envolvidas (nos sistemas atuais, tipicamente menores que 15 km) permitem que a Terra seja considerada plana na maior parte das regiões sem a introdução de erros significativos, para efeito de reflexão no solo. Freqüências UHF 300 MHz a 3000 MHz Mecanismos de propagação Propagação em visibilidade; difração; tropodifusão (ondas espaciais) Tabela 1: Tabela Efeitos Aspectos Tipos da atmosfera de de e do terreno sistema serviço Efeitos; Antenas Yagi Fixo terrestre; de refração e (dipolos radar móvel multipercursos; múltiplos), terrestre e por difração e helicoidais satélite; dutos e de abertura; celular e (faixa alta); sistemas rádiodifusão obstrução de média e TV; pelo relevo e alta capacidade Durante a propagação do sinal, os raios oriundos da antena transmissora sofrem, em geral, inúmeras reflexões até chegarem à antena receptora. O tratamento inicial dado à questão da reflexão considera a Terra Plana. Isso pode ser feito pela análise da solução de Norton para este problema. A Figura 1ilustra os mecanismos de propagação que dão origem à solução de Norton. Pela solução de Norton chegam três ondas ao receptor: Figura 1: Mecanismos de propagação. 1 onda do raio direto, onda do raio refletido na Terra Plana e a onda de superfície. É importante ressaltar que essa solução é válida apenas quando a distância horizontal entre transmissor e receptor é muito maior que o comprimento de onda “λ”, e quando o índice de refração1 da Terra (k1 ) é muito maior que o índice de refração no espaço livre (k0 ). A expressão da solução de Norton é a seguinte: 2 Pr λ 2 = Gt Gr | 1 + Rej∆φ + (1 − R)F (ω)ej∆φ | ; d >> λ, k1 >> k0 . (1) Pt 4πd O primeiro termo da expressão é referente ao raio direto, correspondendo à Fórmula de Friis vista na propagação em espaço livre. Esse resultado é esperado, uma vez que na propagação em espaço livre, a onda que chega ao receptor é de um raio direto (propagação sem intervenção de nenhum obstáculo), exatamente como representado no primeiro termo da expressão de Norton. O segundo termo é referente ao raio refletido em Terra Plana. O coeficiente de reflexão “R” é dependente do ângulo θi e da relação entre k1 e k0 ; e a fase “∆φ” é proporcional à diferença de percurso entre o raio direto e o raio refletido. O terceiro termo da expressão de Norton representa a onda de superfície ou onda terrestre que é provocada pelo sinal absorvido pela terra. A proporção do sinal absorvido é (1 − R), correspondendo ao sinal não refletido vezes um fator de atenuação F (ω). A função F (ω) é a função de atenuação da onda de superfície e é ela que define sua intensidade. Essa função diminui de intensidade com o aumento da freqüência e com o afastamento do ponto de observação (recepção) em relação ao transmissor. Na faixa de freqüências tratada (UHF), o efeito da onda de superfície pode ser desprezado. Então, se simplificarmos a expressão através da supressão do termo de onda de superfície e se a distância “d” for muito maior que “hT + hR ” (soma das alturas da antena transmissora e receptora, respectivamente), a potência recebida pode ser obtida da seguinte maneira. Diferença de fase entre raio direto (R1 ) e todo o percurso de reflexão (R2 ): 2π 2π (R2 − R1 ) = ∆R. (2) λ λ A expressão, acima, é geral e independe das condições assumidas no parágrafo anterior). ∆φ = Pode-se demonstrar que, se a condição de d >> (hT + hR ) é atendida: 4πhT hR (3) λd Com as condições assumidas e algum tratamento algébrico, a expressão toma a seguinte forma: 2 Pr λ ∆φ 2 =4 Gt Gr sin . (4) Pt 4πd 2 Substituindo obtém-se: 2 Pr ∼ λ 2πhT hR 2 Gt Gr sin . (5) =4 Pt 4πd λd ∆φ = 1 Relação entre a velocidade da luz em um determinado meio e a velocidade da luz no vácuo (c), κ = vc . 2 E a expressão de potência recebida fica: 2 2πh h λ T R 2 Pr ∼ Gt Gr sin . = 4Pt 4πd λd O gráfico referente à expressão é apresentado na Figura 2 a seguir. (6) Figura 2: Gráfico de atenuação por terra plana – 2 raios. A expressão pode sofrer uma outra simplificação se, além das condições já impostas, ∆φ ∼ ∆φ garantirmos que sin 2 = 2 . Esta situação ocorre quando a incidência é de tal maneira rasante que a diferença de percurso, e portanto de fase, entre o raio direto e o raio refletido é muito pequena. Essa aproximação é válida a partir de determinada distância em relação ao transmissor, como será apresentado adiante. Através da aproximação: ∆φ ∼ ∆φ sin . (7) = 2 2 e como, pela expressão, ∆φ 2πhT hR =. (8) 2 λd 2 pode-se escrever, sin2 2πhλdT hR ∼ = 2πhλdT hR , para 2πhλdT hR < 0.3 radianos (aproximadamente). Inserindo o resultado é obtido: 2 2 2 2πhT hR 1 hT hR λ 2 ∼ Pr = 4Pt Gt Gr sin = Pt Gt Gr . (9) πd λd d d 3 Ou Pr ∼ = Pt Gt Gr hT hR d2 2 [W atts]. (10) Essa é a expressão de potência recebida na propagação em Terra Plana, usada quando são válidas as aproximações feitas. A expressão de atenuação de propagação L correspondente é expressa do seguinte modo. 2 Pr hT hR L= = Gt Gr (11) Pt d2 Em decibéis :L[dB] = 40 log(d)[m] − 20 log(hT )[m] − 20 log(hR )[m] − Gt [dBi] − Gr [dBi]. A expressão fornece a atenuação de propagação de Terra Plana, que se aproxima do valor exato quando as condições assumidas nas aproximações são satisfeitas. Pode-se demonstrar que a distância d a partir da qual é válida a aplicação é: d= 4hT hR λ (12) Essa distância corresponde ao último máximo do gráfico da Figura anterior, que ocorre na distância aproximada de 6 km. A partir desse ponto, a queda do campo com a distância se aproxima a d14 . É interessante observar na expressão de atenuação em Terra Plana é a sua independência com a freqüência e a dependência com a distância através de um fator 4 (10 log(d4 )), em contraste com a dependência através de um fator 2 (10 log(d2 )) encontrada na propagação em espaço livre (onde o único mecanismo é o de visibilidade). Uma expressão para o campo elétrico induzido na antena receptora pode ser utilizada a seguinte expressão (RAPPAPORT, 1995) Etotal Etotal ≈ = ELOS + Eg 2Eo do 2πhT hR [V olts/metro] d λd (13) em que, Etotal é o resultado da soma do campo elétrico de visada direta (ELOS ) e do campo elétrico refletido (Eg ). Eo é o campo elétrico no espaço livre e do uma distância de referência do transmissor. 1.1 Superfície refletora não lisa A expressão obtida para a potência recebida tem aplicação limitada a regiões de relevo relativamente plano e com poucas construções (espaços amplos e abertos, típicos de regiões rurais). A análise da reflexão em Terra Plana, acima realizada, considera a superfície refletora como sendo lisa. A reflexão é dita especular, e a direção da onda refletida é única e bem definida pelo ângulo entre a onda incidente e a normal à superfície refletora, através da Lei de Snell da reflexão. Se a superfície refletora não é lisa, a onda refletida não possuirá direção única. O que ocorre é um espalhamento (difusão) da energia incidente, em várias direções, causado pela irregularidade (rugosidade) da superfície refletora. A Figura 4 Figura 3: Superfície rugosa. 3 ilustra o espalhamento de uma frente de onda plana (representada pelos raios incidentes paralelos) refletida em uma superfície rugosa. Observa-se na figura que, embora a lei de reflexão continue válida (ângulo de incidência igual ao ângulo de reflexão), como a superfície é irregular, haverá inúmeros ângulos de incidência, distribuídos de maneira desordenada, dando origem a inúmeros ângulos de reflexão. Isso constitui o espalhamento da energia. O efeito prático da reflexão assim gerada (reflexão difusa) é que menos energia será acoplada ao receptor. Foi desenvolvido um critério prático para a avaliação da rugosidade de uma superfície. Seja a Figura 4 a seguir. Figura 4: Diferença de fase entre raios refletidos em superfície rugosa. Demonstra-se que a diferença de comprimento entre os dois percursos, (AB + BC) e (A0 B 0 + B 0 C 0 ) é dada por: d [1 − cos(2Ψ)] = 2d sin ψ (14) sin Ψ A diferença de fase entre os percursos será, então: 2π 4πd ∆l = sin ψ (15) ∆ϕ = λ λ Se d << λ , ∆ϕ é pequeno e pode-se considerar a superfície como sendo lisa. O critério prático consiste em assumir que a superfície é rugosa quando ∆ϕ ≥ π2 , o que leva a: ∆l = d≥ λ , 8 sin Ψ 5 (16) conhecido por critério de Rayleigh. Ou, se Ψ é suficientemente pequeno, pode assumir que sin Ψ = Ψ, que leva o critério a ser expresso por λ , (17) 8Ψ A rugosidade é, portanto, determinada pela diferença de fase entre raios que atingem diferentes pontos da superfície (com elevações distintas), conforme a figura ilustra. Dessa forma, o espalhamento da energia está sendo analisado através da diferença de fase entre raios. Quanto menor a diferença (determinada pela relação entre o desnível d e o comprimento de onda λ), mais lisa é a superfície e menor será o espalhamento por ela causado. O que ocorre na prática é que, pela característica irregular do perfil das rugosidades, o desnível d é tratado como uma variável aleatória e o seu desvio padrão σh passa a ser a medida de quão acentuada é a rugosidade da superfície. Substituindo d por σh em 15, obtém-se. 4πσh sin Ψ, (18) C= λ definido como o índice de rugosidade. Para Ψ pequeno: 4πσh Ψ, (19) C= λ Um critério usual é o seguinte: d≥ • C < 0, 1 → superfície lisa; • C > 10 → superfície muito rugosa, de forma que o espalhamento é tão grande que pode-se desconsiderar a componente refletida, pois é desprezível a energia acoplada ao receptor através de reflexão. C2 Para valores de C entre 0,1 e 10, é definido o coeficiente de espalhamento: Ce = e− 2 , obtido empiricamente. O coeficiente de reflexão especular é então corrigido pelo coeficiente de espalhamento, resultando no coeficiente de reflexão especular a ser usado : | R0 |= Ce | R | (20) Exercício 1. Um móvel está localizado a 5Km de uma estação base e usa uma antena monopolo vertical de λ4 com um ganho de 2, 55dB. O campo elétrico a 1km do transmissor tem magnitude de 10−3 V /m. A frequência da portadora é 900 MHz. (a) Determine o comprimento e a abertura efetiva da antena receptora; (b) Encontre a potência recebida pelo móvel utilizando o modelo de 2 raios. Considere que a altura da antena transmissora é de 50m e a antena receptora esta a 1, 5m acima da terra. 6