1 A FONOAUDIOLOGIA E A CIRURGIA ORTOGNÁTICA

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A FONOAUDIOLOGIA E A CIRURGIA ORTOGNÁTICA
Irene Queiroz Marchesan
Esther Mandelbaum Gonçalves Bianchini
INTRODUÇÃO
A fonoaudiologia é a ciência que trabalha com comunicação oral e ou escrita. No
Brasil, o primeiro curso oficial, surgiu em 1961 na USP e em 1962 na PUC-SP, como se pode
observar, esta é uma profissão bastante jovem. Mais recentemente foram oficializadas as
seguintes áreas de especialização; Voz, Motricidade Oral, Linguagem e Audiologia. Cada área
está dividida em sub áreas. Na área de Motricidade Oral, a Fonoaudiologia tem como objetivo
maior o restabelecimento das funções estomatognáticas - respiração, mastigação, deglutição e
fala visando o equilíbrio miofuncional, não importando se estes desequilíbrios estão ocorrendo
em pacientes com ou sem alterações anatômicas e ou funcionais. Este trabalho pode ser para
prevenir, reabilitar ou habilitar estas funções.
Sabemos que pequenas ou grandes alterações ósseas e ou dentárias podem interferir
nas funções de mastigar, deglutir, falar e respirar. A saúde oral, a ATM e a digestão também
podem estar comprometidas assim como a própria aparência do indivíduo. Os primeiros
trabalhos relacionados à reabilitação de função visando a melhoria e ou a manutenção da forma,
foram realizados por fonoaudiólogos americanos, e datam da década de 60. Anteriormente,
este trabalho era realizado pelos próprios dentistas que após o exame e a constatação de
interferência muscular já indicavam e ou aplicavam exercícios musculares. Portanto, os
diagnósticos de alterações mio funcionais eram feitos pelo médico e ou dentista, e ao
fonoaudiólogo cabia apenas o tratamento. Neste tratamento utilizavam-se exercícios para a
reabilitação dos músculos. Os exercícios eram na sua grande maioria, idealizados pela
odontologia. Sempre houve controvérsia a respeito da necessidade do trabalho complementar
fonoaudiológico na área da odontologia. Apesar das controvérsias, este trabalho vem sendo
realizado em maior ou menor escala quase sempre a pedido de um dentista. A grande
diferença, é que hoje, o fonoaudiólogo também participa da equipe diagnóstica, contribuindo
com seus conhecimentos nas áreas de anátomo - fisiologia dos órgãos fono articulatórios.
A fonoaudiologia tem atuado com maior frequência, no campo da reabilitação das
funções orais, em associação a trabalhos realizados pela ortodontia. Os ortodontistas ao
corrigir problemas de alteração de oclusão e ou mordida, na intenção de obter maior
estabilidade ao trabalho realizado, solicitam do paciente que faça determinados exercícios ou
que se encaminhem para um profissional da área, no caso o fonoaudiólogo, para avaliação e
tratamento das estruturas orais.
Nas desproporções maxilo mandibulares, sabemos que a ortodontia sozinha, pode não
resolver de forma satisfatória a problemática do paciente. Nestes casos, indicam-se cirurgias
ortognáticas. Nestas cirurgias há a necessidade de trabalho muito próximo do cirurgião e do
ortodontista. O ortodontista é responsável por reposicionar os dentes e o cirurgião por
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reposicionar as bases ósseas maxila e mandíbula. O dentista será responsável por manter a
saúde oral, antes durante e depois do tratamento cirúrgico e ortodôntico. É fundamental que o
paciente seja informado que a ortodontia ocorrerá pré e pós cirurgia e que para ficar totalmente
bom levará alguns meses, sendo que, somente após este tempo terá todos os benefícios
propiciados por este tratamento. Mais recentemente alguns fonoaudiólogos em suas clínicas
particulares ou mesmo em serviços ligados à hospitais e ou escolas de odontologia, tem
reabilitado funções de pacientes, que irão fazer ou já fizeram cirurgia ortognática.
Qual seria o papel do fonoaudiólogo neste processo se sabemos que adaptações
funcionais são frequentes durante todo este período?
É importante ressaltar, que raramente, pacientes com desproporções maxilomandibulares vem primeiramente ao fonoaudiólogo. Isto costuma ocorrer em duas situações
específicas. A primeira é quando um problema de fala está associado e a segunda é quando
alguém comenta com o paciente da possibilidade de melhora da função respiratória e ou de
deglutição com um trabalho fonoaudiológico. Quando o paciente chega, após anamnese e
avaliação, mostramos que sem a cirurgia ou pelo menos a ortodontia, ficará bastante difícil
corrigir a função que está em desequilíbrio. Apesar de insistirmos na ortodontia e ou cirurgia,
sabemos que existem casos de alterações neuro - musculares onde a terapêutica
fonoaudiológica apesar de encontrar grandes limitações anatômicas, consegue melhores
adaptações funcionais. Procuramos garantir que se façam outros tratamentos pois os
procedimentos fonoaudiológicos ficam sempre mais dificultados na medida que existam sérios
comprometimentos oclusais e especialmente desproporções maxilo-mandibulares.
A íntima correlação entre tecidos moles e tecidos duros, assim como a necessidade das
funções estomatognáticas para nossa sobrevivência, levam a que ocorram adaptações
funcionais no sentido de viabilizar estas funções, independente das alterações existentes. Assim
sendo, temos observado grandes adaptações miofuncionais principalmente em indivíduos nos
quais a relação esquelética está bastante alterada.
O reposicionamento das bases ósseas conseguido por meio da cirurgia ortognática, em
muitos casos, modifica a musculatura orofacial induzindo novas respostas adaptativas, em sua
maioria benéficas.(1)
Entretanto, algumas questões ainda ficam pendentes, tais como: a alteração muscular
pode trazer efeitos prejudiciais à cirurgia? Apesar da modificação da forma, a musculatura
pode, de alguma maneira, forçar as estruturas recém - operadas? O esquema proprioceptivo
pode se adaptar rapidamente ou a manutenção dos padrões funcionais antigos tendem a se
manter?
Observamos que existem casos, onde mesmo após o reposicionamento das bases
ósseas, não há a modificação muscular que se esperaria. Nestas circunstâncias o trabalho
fonoaudiológico consiste fundamentalmente na reeducação funcional, buscando direcionar a
musculatura através da utilização das funções estomatognáticas dentro das novas possibilidades
do indivíduo.
Outro ponto que nos parece significativo diz respeito ao esquema proprioceptivo
previamente internalizado.
As funções estomatognáticas, por serem automáticas, ocorrem abaixo do nível da
consciência, por exemplo, nunca pensamos em como é o movimento de língua durante a
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mastigação ou deglutição, simplesmente mastigamos e engolimos utilizando um conhecido e
automático mecanismo que depende da propriocepção das estruturas de tecidos duros e moles,
assim como dos espaços orgânicos.
Com a repentina mudança destas estruturas, um novo esquema proprioceptivo deve ser
adquirido para que as estruturas de tecido mole possam executar satisfatoriamente suas
funções. Notamos que para alguns pacientes esta é uma etapa difícil ou, gradativa, sendo que
outros padrões adaptativos não pertinentes podem se instalar. Apesar destas adaptações
inadequadas serem, de forma geral, a minoria, podem no contexto maior interferir
negativamente e não serem observadas.
Em pacientes com desproporções maxilo-mandibulares, tanto a forma do esqueleto
quanto as funções estomatognáticas devem ser corrigidas, uma vez que tecidos moles e duros
tem uma intrigante inter - relação. Observamos que nem sempre após a cirurgia as
modificações musculares já estão presentes mas se seguirmos estes pacientes durante um
tempo maior verificamos que existe uma modificação que ocorre lentamente e mais tardiamente.
Desde um precoce estágio embriológico já existe grande relação morfo -funcional entre os
elementos musculares e os componentes esqueléticos. ( 1 Bell )
Apesar das grandes adequações funcionais espontâneas após as cirurgias ortognáticas,
a avaliação fonoaudiológica pode ser um importante fator contribuinte para um melhor
prognóstico. Quando falamos em avaliação isto não significa obrigatoriamente tratamento.
Ao avaliarmos antes da cirurgia ortognática verificamos quais são os padrões funcionais
utilizados, documentado-os através de filmagens e ou fotos. Após a cirurgia com nova
reavaliação constatamos quais mudanças ocorreram, se estas estão adequadas, se é necessário
algum tipo de orientação ou de um tratamento.
Características: o que observar?
Como dissemos anteriormente, raramente o paciente com desproporções esqueléticas
vem em primeiro lugar ao fonoaudiólogo. Isso tem ocorrido com maior frequência quando o
indivíduo adulto tem queixas claras em relação à articulação da fala. As vezes a queixa é
simplesmente por que o padrão de fala não o agrada, outras vezes porque interfere em seu
trabalho ou mesmo em seu convívio social. Quando isto acontece, e o fonoaudiólogo entende
que estas alterações de fala são consequência de alterações nas bases ósseas, o paciente é
encaminhado ao cirurgião para que este forneça seu parecer e conduta. Informamos ao
paciente que a correção da fala muitas vezes não será possível ou não alcançará os resultados
desejados sem a correção da forma.
Na maior parte das vezes, o paciente com desproporções maxilo-mandibulares chega
ao fonoaudiólogo encaminhado pelo ortodontista ou cirurgião, já com o diagnóstico e
procedimentos definidos. Na verdade a grande maioria dos casos avaliados e tratados pela
fonoaudiologia são pacientes pós cirúrgicos, em geral encaminhados por recidivas.
Previamente à cirurgia, quando necessário a avaliação fonoaudiológica, consiste em
relacionar as características crânio faciais e suas correspondentes adaptações funcionais, assim
como a qualidade neuro muscular.
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Esta avaliação inicial parece-nos importante no sentido de verificar a atual situação
miofuncional e prever as possibilidades de adequação espontânea ou necessidade de
reavaliação pós cirúrgica. Dentre as características funcionais observadas, preocupa-nos
principalmente a respiração e o posicionamento mandibular, dos lábios e cervical. A postura de
língua, variável de indivíduo para indivíduo, sofre a influência da postura mandibular e cervical e
da passagem aérea já que estas são interrelacionadas (Simões 2).
Claramente, nos casos de desproporções esqueléticas, se constata uma nítida alteração
da musculatura dos lábios, bochechas, do mento e até língua, cuja função e postura de repouso
depende, em grande parte da posição da sínfise mentoniana.
Passaremos agora a descrição dos problemas mais frequentes da clínica
fonoaudiológica: face longa, retrognatismo e prognatismo onde são comuns queixas em relação
à fala com ou sem desvio de mandíbula, dificuldades com o processo mastigatório e
respiratório. O odontólogo também encaminha estes pacientes preocupado com as alterações
das funções orais e as assimetrias faciais.
As características miofuncionais orais observadas são no geral, peculiares ao tipo de
desproporção.
FACE LONGA
Na face longa, onde exista excesso vertical da maxila (1, 4, 5, 6), observamos déficit
de vedação labial, com significativa distância interlabial e excessiva exposição dos incisivos
superiores com lábio superior em hipofunção ou utilização excessiva do músculo mentoniano
acompanhado de eversão de lábio inferior e hiperfunção do lábio superior na tentativa de obter
selamento labial. Alguns casos mostram uma depressão na ponta do nariz ou movimento
excessivo desta concomitante ao movimento do lábio superior especialmente na fala, pela ação
do músculo depressor do septo nasal (1) e fibras oblíquas do músculo orbicular dos lábios.
O sorriso expõe as gengivas, já que existe excesso vertical da maxila. A postura de
repouso lingual é variável. Depende principalmente do padrão respiratório e da posição
mandibular. Na ocorrência de rotação póstero-inferior da mandíbula, a parte anterior da língua
encontra-se mais baixa e o dorso alto devido à redução do espaço funcional póstero - anterior.
Durante a função, aparece predomínio de movimento de anteriorização da língua tanto em
mastigação como deglutição e fala, especialmente nos casos de mordidas abertas anteriores.
A articulação da fala encontra-se prejudicada quanto ao ponto de articulação,
especialmente nos fonemas plosivos bilabiais (/p/, /b/ e /m/) onde o lábio inferior oclui com os
incisivos superiores. Os fonemas línguo - alveolares, ( /t/, /d/, /l/, /n/, /s/ e /z/ ) são realizados
com interposição lingual entre os incisivos ou com elevação da parte média da língua
redirecionando o fluxo aéreo.
Observamos que a mastigação nestes indivíduos caracteriza-se principalmente pelo
déficit de vedamento labial, com reduzida utilização do orbicular dos lábios e bucinador
acompanhado de movimento de lateralização da língua que controla a posição e
posteriorização do alimento. Este modo de mastigar interfere na deglutição que comumente
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apresenta movimento póstero-anterior de língua, com interposição dental, especialmente
quando existe mordida aberta anterior.
A contração excessiva da musculatura peri-oral demonstra ainda a tentativa de
vedamento e compensações durante a deglutição, sendo estas adaptadas à alteração das bases
ósseas.
Alguns estudos eletromiográficos mostram a ocorrência de diminuição da atividade
eletromiográfica, com redução da força mastigatória em sujeitos com excesso vertical da
maxila, quando comparados com sujeitos sem esta desproporção, sugerindo menor eficiência
do sistema neuro muscular nestes indivíduos(1,16,17).
RETROGNATISMO
Nos casos onde exista retrognatia, a caracterização funcional mais evidente é o
vedamento anterior, efetuado com lábio inferior ocluindo com os incisivos superiores e
hiperfunção do músculo mentoniano.
Na articulação da fala, o ponto articulatório utilizado para realização dos fonemas
bilabiais /p/,/b/ e /m/ é o mesmo que o utilizado para o vedamento anterior. Os fonemas
sibilantes
( /s/ e /z/ ) apresentam-se distorcidos, acompanhados por deslize
mandibular anterior.
Em repouso, a língua costuma permanecer com ponta baixa e dorso elevado devido à
redução do espaço póstero anterior. Isto tem se confirmado por meio das telerradiografias em
norma lateral utilizadas por nós em nossa clínica diária, onde observamos que há uma elevação
da parte posterior da língua tocando no palato mole, interferindo em sua posição, elevando-o.
A mastigação em geral, é rápido, com redução do número de ciclos mastigatórios e
consequente comprometimento da deglutição. A deglutição apresenta deslize mandibular
anterior acompanhado de movimento póstero-anterior de língua e hiperfunção da musculatura
peri-oral forçando o vedamento bucal anterior. É comum ainda a ocorrência de sinais de
alteração da articulação têmporo - mandibular, tais como estalos e/ou dor durante a
mastigação.
PROGNATISMO
Na ocorrência de prognatismo, sendo a mandíbula maior e mais profunda, a língua
ocupa o espaço inferior estando plana no soalho da boca(13) com hipotonia de sua base.
Estando sua base mais baixa e sem contatar o palato mole este apresenta-se em
telerradiografias laterais, mais verticalizado. O vedamento labial pode não ocorrer
satisfatoriamente, especialmente quando associado a aumento do terço inferior da face,
aparecendo hipotonicidade de lábio inferior e hipertonia do músculo mentoniano
compensatoriamente.
Observamos a prevalência do uso de lábio superior, especialmente na fala em fonemas
bilabiais e fricativos /f/ e /v/ ocorrendo inversão do movimento labial, ou seja, o lábio superior
oclui com os incisivos inferiores. Nos linguo - alveolares e sibilantes, aparece utilização da parte
média da língua e interposição dental anterior.
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A mastigação é uma das funções mais alteradas, prevalecendo movimentos
mandibulares verticalizados com grande utilização de dorso de língua esmagando o alimento
contra o palato e pouca ou nenhuma ação dos músculos bucinadores (13) devido à
discrepância das bases ósseas e alterações oclusais consequentes que se apresentam. Alguns
estudos (7) citam redução da força de mordida e necessidade de maior número de ciclos
mastigatórios para triturar o alimento. Colocam como principal razão para realização da
cirurgia, a melhora da função mastigatória.
Apesar de encontrarmos com frequência a deglutição destes pacientes com
interposição lingual anterior, esta característica não é o que mais nos preocupa uma vez que
esta maneira de deglutir não agrava e nem compromete mais o quadro. Além disto, este
posicionamento de língua não é possível de ser modificado e estabilizado, a não ser pela
cirurgia ortognática em que ocorra a mudança da posição da sínfise mentoniana.
ASSIMETRIAS
Em assimetrias faciais ósseas, a característica funcional mais frequente por nós
observada, é a presença de mastigação unilateral. A musculatura encontra-se mais alongada do
lado maior mesmo após a cirurgia. Verificamos ainda que apesar da tentativa do paciente
mastigar bilateralmente, predominam movimentos mandibulares unilaterais.
Durante a articulação da fala, os movimentos mandibulares protrusivos são substituídos
por movimentos de lateralidade, acompanhados por maior contração muscular na região da
comissura labial do mesmo lado.
Quando há a inclinação lateral da cabeça aparece compensação da cintura escapular
com elevação do ombro.
EM RESUMO:
Apesar de considerarmos estas características miofuncionais adaptativas à discrepância
das bases ósseas, existem casos nos quais a qualidade neuro-muscular está aquém do
esperado, principalmente com relação ao tônus. Nestes pacientes, as características
observadas podem sugerir dificuldades em se readaptar à nova forma, especialmente nas
situações em que o procedimento cirúrgico envolve redução do espaço intra-bucal. Esta
redução pode implicar em maior pressão anterior de língua nas estruturas operadas.
Quando a posição mandibular é modificada, também o osso hióide e a língua mudam
de posição no repouso, na deglutição e articulação da fala. Isso relaciona-se tanto à mudança
espacial da musculatura quanto ao mecanismo de defesa compensatório para manter os
espaços adequados à passagem de ar (3,9). Estas mudanças pós-cirúrgicas tendem a se
estabilizar com o passar do tempo, uma vez que os tecidos moles vão se readaptando aos
novos espaços. Verificamos entretanto, que em alguns casos, tanto a fala como mastigação e
deglutição mostram-se pouco satisfatórias, mesmo após um ano da cirurgia. Muitos pacientes
relatam que a forma de falar e ou mastigar é “estranha” e também observam que mesmo um
longo tempo após a cirurgia estas características permanecem. Durante o processo terapêutico
fonoaudiológico destes pacientes percebemos que muitos deles conseguem modificar de fato as
funções e outros apenas a incorporam, sendo isto por nós considerado como satisfatório.
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EXAME FONOAUDIOLÓGICO
A anamnese é o ponto de partida de nosso exame. A observação do paciente é
fundamental principalmente enquanto ele não se sente examinado. Neste momento ele estará
mais a vontade e já o estaremos examinando de uma forma um pouco mais natural. A queixa
que o trouxe é a chave do tratamento. Sabendo se o paciente está compreendendo o motivo
por que ele está ali e o que de fato ele espera deste e dos outros tratamentos, poderá nos dar
o caminho da terapia evitando que cometamos o engano de tratar daquilo que não se quer ou
não é possível ser tratado. Será importante diferenciar a queixa dele, da queixa do dentista e ou
do cirurgião. Deixar que o paciente fale livremente de seus medos, suas necessidades e
principalmente o que o trouxe até nós e o que ele espera que possamos fazer por ele é
fundamental para o sucesso terapêutico. As perguntas pertinentes à própria patologia em
questão devem ser feitas de forma a nos dar uma visão aprofundada do problema em questão
sem perder de vista o que circunda a queixa inicial. Isto quer dizer que a verticalidade e a
horizontalidade dos assuntos pesquisados devem ser sempre equilibradas.
Após a anamnese, vamos examinar o paciente tendo em mente as características
esperadas em cada desproporção maxilo-mandibular. Não podemos no entanto, olhar para o
paciente esperando encontrar apenas as características citadas anteriormente, pois como já nos
referimos antes, estas características são apenas o que é mais comumente encontrado ou
mesmo o previsível. É fundamental que o clínico examine sem preconceitos, procurando ao
máximo, compreender que tipos de adaptações cada paciente fez, como as utiliza e quanto de
incômodo e ou interferência estas adaptações estão causando.
Iniciar observando o paciente de frente e de perfil. Observar com detalhes quais são as
assimetrias de face e de corpo que o paciente apresenta. Lembrar que a postura corporal é
fundamental para que as funções possam ocorrer de forma adequada. Tentar compreender já
neste primeiro exame quais foram as compensações criadas pelo paciente. Examinar as
estruturas duras e moles separadamente descrevendo-as para depois relacioná-las. Ao analisar
as funções de mastigação, deglutição, fala, voz, respiração e funcionamento da ATM analisá-las
em separado e sequencialmente. Nenhum órgão está determinado para a realização de uma só
função. Cada função quando considerada individualmente será diferente do que quando
integrada com outras. Quando as funções ocorrem sequencialmente a complexidade hierárquica
aumenta consideravelmente.
Ao analisarmos em separado as partes duras poderemos de certa forma prever como
será o posicionamento e comportamento das partes moles. O mesmo princípio não é aplicado
a análise separada das funções. Nosso objetivo é verificar como o paciente faz a função que
está sendo avaliada, sob comando e isoladamente. Sabemos que inconscientemente e em
sequência, a função poderá ser realizada de maneira diferente daquela realizada isoladamente.
É importante saber quais são as possibilidades que cada estrutura tem de fazer a mesma função
das duas formas. Esta distinção já nos dirige em relação ao plano terapêutico. A partir desta
análise saberemos quais serão as nossas exigências dentro das possibilidades daquele
indivíduo.
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A avaliação do paciente após a cirurgia ortognática deve levar em consideração a etapa
em que o paciente se encontra, em razão das dificuldades que possa apresentar em decorrência
dos próprios procedimentos cirúrgicos, da presença de edemas, do tempo de bloqueio intermaxilar ao qual foi submetido e de alteração da sensibilidade que pode estar presente.
Os movimentos mandibulares: abertura, protrusão e lateralidade apresentam-se
reduzidos após a retirada do bloqueio inter-maxilar. Parece-nos importante ressaltar que esta
mobilidade será gradativamente restabelecida pelo uso das estruturas e musculatura
mastigatória.
Apesar de que alguns trabalhos mostram a utilização de exercícios, acreditamos que
esta hipomobilidade mandibular inicial pode inclusive auxiliar na acomodação dos tecidos
moles, evitando a busca por movimentos mandibulares estereotipados existentes previamente à
cirurgia. Não faz parte de nossa orientação qualquer tipo de exercício que force a abertura
bucal, ou que traga sensação de dor ou desconforto ao paciente. Entendemos que esta
limitação seja temporária e reversível espontaneamente. A retomada da alimentação pastosa e
sólida gradativa, os movimentos utilizados durante a articulação da fala e a própria exploração
pelo paciente se incumbem de reverter a “atrofia” muscular e restabelecer a amplitude dos
movimentos. Devemos ter isto em mente durante a nossa avaliação.
Dependendo do procedimento cirúrgico, após osteotomias mandibulares, podem
ocorrer alterações de sensibilidade na região mentoniana, região dento-alveolar inferior e lábio
inferior. Estas alterações, caracterizadas por redução ou perda da sensibilidade nestas regiões
são normalmente reversíveis, porém observam-se casos onde a demora neste restabelecimento
é responsável por dificuldades funcionais como controle de saliva, alteração dos pontos
articulatórios na fala e adaptações inadequadas quanto à mastigação e à deglutição
especialmente de líquidos. Além do desconforto, a falta de sensibilidade significa uma grande
perda proprioceptiva, indispensável para a reorganização funcional. Estes dados justificam a
importância da avaliação proprioceptiva.
A TERAPIA FONOAUDIOLÓGICA
Uma vez reposicionadas as bases ósseas, o fonoaudiólogo tem condições de
restabelecer as funções estomatognáticas, dentro dos limites individuais, caso este equilíbrio
não tenha sido alcançado espontaneamente.
A fonoaudiologia conta com duas formas de trabalho para modificações musculares:
mioterapia e terapia miofuncional. Na mioterapia ocorre a atuação específica no músculo que
se quer modificar, utilizando-se exercícios isotônicos e ou isométricos. Na terapia miofuncional
trabalha-se diretamente com as funções que se quer modificar atingindo com isto a modificação
muscular. Apesar de preferirmos usar a terapia miofuncional que nos parece mais rápida e
eficiente sabemos da importância de exercícios específicos em determinados momentos.
Quando bem diagnosticado e houver um bom planejamento terapêutico, com certeza usaremos
a metodologia adequada para cada tipo de problema.
As etapas do trabalho fonoaudiológico dependem da equipe interdisciplinar que está
atendendo o paciente, uma vez que o encaminhamento pode ser efetuado antes ou após a
realização da cirurgia.
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Se o paciente é encaminhado antes da cirurgia, além da avaliação, o fonoaudiólogo
pode realizar algumas orientações prévias que serão úteis ao paciente, inclusive durante o
bloqueio inter-maxilar tais como: dieta alimentar, higiene bucal e relaxamentos da região facial e
cervical, geralmente tensionadas pelo desconforto do bloqueio. Tais orientações são
normalmente efetuadas pelo cirurgião. Em equipes interdisciplinares estas orientações tem sido
realizadas pelo fonoaudiólogo. Isto tem possibilitado que o paciente possa expor suas dúvidas
e ansiedades uma vez que os encontros com o fonoaudiólogo são sistemáticos criando inclusive
um maior vínculo entre o terapeuta e o paciente.
Caso o encaminhamento seja feito pouco tempo após a liberação do bloqueio, o
trabalho fonoaudiológico inicia-se direcionando as adaptações que vão ocorrendo
espontaneamente. Nestes casos a redução da amplitude de movimentos mandibulares e da
força mastigatória ainda podem ser observadas. A musculatura deve ser analisada
cuidadosamente devido a possibilidade de edemas ainda presentes. Nesta fase, a evolução é
rápida e os padrões funcionais adequados à nova forma são direcionados através da
sistematização de seu uso, dentro dos limites da recuperação de cada paciente. Caso sejam
necessários, apenas exercícios de mobilidade e tonicidade de língua podem ser utilizados.
Uma terceira opção é o encaminhamento tardio do paciente. Este normalmente ocorre
por alguma característica de recidiva ou à apresentação de funções atípicas. A situação de
recidiva deve ser observada também com relação aos aspectos ortodônticos e possíveis
limitações cirúrgicas, já que nem sempre são de causa unicamente funcional. Existindo
realmente situações atípicas, estas são mais difíceis de serem trabalhadas tardiamente, uma vez
que este novo padrão inadequado encontra-se agora internalizado.
Após o exame fonoaudiológico, a terapia fonoaudiológica costuma ser indicada ao se
constatar a manutenção de padrões adaptativos prévios que não são mais condizentes à nova
forma, ou quando existam dificuldades referentes à estabilidade de respiração e vedamento
labial, de mastigação, deglutição e articulação da fala, devido a presença de alterações neuromusculares.
A base de todo o trabalho é a ênfase no esquema proprioceptivo para que o indivíduo
tenha consciência do reposicionamento das bases ósseas e consequente modificação dos
espaços funcionais. À partir da percepção de suas novas possibilidades é solicitado ao paciente
a observação e descrição daquilo que consegue executar, tornando possível a escolha
direcionada da postura de repouso bucal e funções.
Casos onde exista a persistência do déficit sensitivo, as adaptações devem ser
orientadas para que o paciente utilize outras pistas proprioceptivas compensatoriamente (13).
O treino funcional é realizado durante a terapia e orientado para que seja utilizado em
todas as atividades diárias. A mastigação costuma ser a principal função a ser trabalhada,
utilizando-se sempre alimentos.
ASPECTO PSICO-SOCIAL
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O paciente que será submetido à cirurgia ortognática costuma apresentar um perfil
característico.
Em muitos casos, o indivíduo é surpreendido com a necessidade da cirurgia quando sua
principal queixa dizia respeito ao reposicionamento dentário ou dificuldades de mastigação e
fala. Esta surpresa transforma-se, por vezes, em apreensão referente aos procedimentos aos
quais será submetido, cabendo ao cirurgião fornecer as informações pertinentes para que este
sinta-se seguro e confiante durante todo o processo.
Entretanto, alguns pacientes passam a ter expectativas fabulosas, superestimando os
resultados. Ocorrem associações com outras dificuldades, as quais não apresentam relação
com o problema. Estes pacientes, apesar de apresentarem ótima disposição para os trabalhos,
costumam apresentar maiores queixas no pós- cirúrgico e observar novos defeitos.
Na situação de terapia, o paciente sente-se à vontade para narrar suas dificuldades com
o processo e eventualmente demonstra dificuldade em sua identificação pessoal justamente
porque a modificação facial é evidente.
Quando se trata de cirurgia ortognática inúmeros trabalhos relatam a notória
modificação óssea e sua consequência nos tecidos moles. Estes trabalhos entretanto ressaltam
principalmente a parte estética do resultado obtido geralmente sob a óptica dos profissionais
envolvidos. É fato que a cirurgia ortognática tem objetivos tanto funcionais quanto estéticos,
porém a funcionalidade do sistema estomatognático nos parece pouco enfatizada especialmente
quanto a manutenção de padrões adaptativos anteriores assim como não há pesquisas
suficientes referindo-se a como o paciente se sentiu e se viu após a cirurgia.
Existem predições referentes às respostas dos tecidos moles, mas estas dizem respeito
apenas a postura de repouso. Seria interessante, até para dar respostas melhores e mais
precisas aos pacientes, que houvessem maiores estudos e pesquisas sobre as outras funções,
como por exemplo, a deglutição, a mastigação, a fala, etc. Isto só será possível aumentando e
valorizando a conscientização dos pacientes sobre como eles sentem e funcionam antes e
depois das cirurgias. Aprenderemos muito mais por meio deles, que são as pessoas que de fato
sentiram o que acontece. Se valorizarmos suas colocações e os incentivarmos a descreverem
estas percepções com certeza conheceremos com maior precisão as modificações
reconhecendo as favoráveis e as indesejadas.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1- ADAMIS, S.: Hyoid bone position in Am. J. Orthod. Dentofac. Orthop., V. 101, N.4 :
308-312, 1992
2- 2- BAILEY, L. J.; COLLIE, F.; WHITE, R.P. : Long term soft tissue change after
orthognathic surgery in Adult Orthod. and Orthog. Surg., V.11, N.1 : 07-18, 1996
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