A história oral como arcabouço para o estudo das memórias do

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A HISTÓRIA ORAL COMO ARCABOUÇO PARA O ESTUDO DAS
MEMÓRIAS DO EDIFÍCIO ARTHUR DA SILVA BERNARDES DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA.
Luiz Fernando Reis
Doutor em Arquitetura – PROARQ – UFRJ
Departamento de Arquitetura e Urbanismo
(Universidade Federal de Viçosa)
E-mail: [email protected]
Arthur Zanuti Franklin
Graduando em Arquitetura e Urbanismo
(Universidade Federal de Viçosa)
E-mail: [email protected]
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RESUMO
O presente artigo apresenta os resultados da pesquisa que teve por objetivo resgatar
as memórias ligadas ao Edifício Arthur da Silva Bernardes, pertencente à
Universidade Federal de Viçosa. A edificação possui características arquitetônicas
notáveis e além do mais, sempre possuiu um uso intenso no dia-a-dia da universidade
em que se insere, fazendo com que alunos, professores, funcionários e visitantes
construíssem memórias sobre ela, ou seja, momentos de uma universidade que está
em constante mutação e que muitos não conhecem sua história na totalidade nesses
90 anos. Para isso investigou-se as memórias que foram construídas em relação ao
Edifício Arthur da Silva Bernardes, cujo recorte temporal abarcou o período de 1926
até o tempo presente, a partir de uma abordagem que considerou de um lado os
documentos oficiais e os eventos relacionados à história do Edifício (memória oficial) e
de outro, as histórias orais, estruturadoras das memórias individuais e coletivas dos
grupos que tiveram ou têm ligação com o edifício. A pesquisa foi estruturada em três
partes: primeiramente foi realizado o levantamento de dados bibliográficos sobre
conceitos tratados na pesquisa, principalmente aqueles relacionados à memória
coletiva e à história oral. Após isso, levantou-se os dados relacionados ao Edifício
Arthur da Silva Bernardes e à Universidade Federal de Viçosa (história oficial). A
terceira parte do trabalho consistiu na pesquisa de campo acerca das memórias e
relações de servidores da Universidade (ativos e inativos) acerca do edifício. Para tal
finalidade, utilizou-se procedimentos relativos à história oral, mais especificamente a
realização de entrevistas temáticas junto aos atores que tiveram ou ainda tem alguma
relação com o edifício. Como resultado, verificou-se então que o Edifício Arthur
Bernardes exerce o papel de elemento da identidade da universidade desde sua
construção até os tempos atuais, constituindo-se na maior referência da instituição.
Palavras-chave: Memória; patrimônio cultural; arquitetura
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ABSTRACT
This article presents the results of the academic research with the objective to
rescue the memories about the Building Arthur da Silva Bernardes, located in Federal
University of Viçosa. The construction has some notable architectural characteristics
and it always had some intense use in the routine of the university, being a constructor
of memories of students, teachers, employees and visitors about the college, this
memories are moments of the university that is always in changing, making lots of
people unknowing all its history in 90 years of existence. For that It was investigated
the memories that have been built over the building Arthur da Silva Bernardes, whose
time frame covered the period from 1926 to the present time, from an approach that
considered the one hand the official documents and events related to story building
(official memory) and other, oral histories, structuring of individual and collective
memories of social groups. The research was structured in three parts: first was
conducted the survey of bibliographic data on concepts covered in the survey,
especially those related to collective memory and oral history, before that, it was
studied the data related to Arthur da Silva Bernardes Building and the Federal
University of Viçosa (official story). The third part consisted of field research about the
memories of employees from the University (active and inactive) on the building. For
this purpose, it was used procedures related to oral history, specifically to the
realization of thematic interviews with people who had or has any relationship with the
building. It was found that the Arthur Bernardes plays the role of identity element, since
the construction to the present day, being the major reference of all people that has
contact with the university.
Keywords: memory; cultural heritage; architecture
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1 INTRODUÇÃO
O campus da Universidade Federal de Viçosa, fundada em 1926, tem como
marco inicial o Edifício Arthur da Silva Bernardes. Sua presença testemunha os
principais eventos que ocorreram na construção da história da instituição. Por isso
estabelece, com os grupos sociais, uma relação de identidade.
O presente artigo aborda os resultados da pesquisa sobre o Edifício Arthur da
Silva Bernardes, conhecido também como EAB, “Bernardão” ou “Prédio Principal” que
é o marco inicial do “campus” da Universidade Federal de Viçosa, em Minas Gerais.
Ele está presente em toda a história desta Instituição como local de rememoração e
comemoração.
Além
de
elemento
identificador
da
instituição,
consolidou
sua
representatividade expandindo esse valor na ideia de pertencimento ao próprio
citadino viçosense, em virtude da carência de objetos arquitetônicos que
resguardassem a própria memória da cidade, vítima da destruição da maior parte do
seu patrimônio eclético face ao acelerado processo da especulação imobiliária que
expandiu significativamente seu crescimento.
Dessa forma, sendo um ícone em nível local, pressupõe-se que carregue
consigo um profundo significado para todos os grupos sociais que com ele se
relacionem. E para entende-los é necessário identificar, na memória coletiva, como
eles são construídos. Crê-se que essa reflexão demonstra a importância da
arquitetura como um espaço de representação da memória coletiva, neste caso em
especial, relativamente às memórias que convergem para um determinado espaço
arquitetônico.
Assim, diante dessas premissas, as questões que nortearam a pesquisa
foram a priori:
a) Quais os grupos sociais que estão relacionados ao Edifício Arthur da Silva
Bernardes?
b) Quais são as memórias desses grupos sociais, estabelecidas ao longo da
existência dessa edificação?
c) Quais são os elementos de convergência e oposição entre as memórias
desses grupos sociais?
d) O que define o edifício como local de comemoração e rememoração?
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e) Quais são as representações do edifício para esses grupos sociais?
E essas questões definiram também os objetivos da pesquisa, fundamentais
para a escolha dos procedimentos adotados. Dessa forma foi necessário investigar, a
partir de uma abordagem que considerasse de um lado os documentos oficiais e os
eventos relacionados à história do edifício (memória oficial) e de outro as histórias
orais, estruturadoras das memórias individuais e coletivas dos grupos sociais - as
convergências e divergências existentes entre as duas memórias.
Para sua realização, a pesquisa foi estruturada em três eixos. No primeiro,
buscou-se, nos conceitos de memória coletiva e da história oral as bases para os
procedimentos metodológicos da reflexão objetivada pelo estudo.
O segundo eixo teve, na pesquisa dos documentos oficiais, a construção do
histórico do edifício. Esse procedimento permitiu elaborar um breve relato da história
da instituição, tendo por objetivo descrever e contextualizar o vetor do estudo e
também realizar comparações entre convergências e divergências entre memória
oficial e clandestina.
O terceiro eixo foi a realização das entrevistas temáticas, que permitiu que
fossem coletadas as memórias construídas pelos grupos a ele relacionados.
A reflexão entre o histórico do edifício e as memórias ali construídas mostra e
reforça a importância da arquitetura como um espaço de representação da memória
coletiva, neste caso em especial, relativamente às memórias de grupos diversos que
convergem para um determinado espaço arquitetônico.
Ao longo deste artigo, serão mostrados os procedimentos de cada um dos
eixos que nortearam a realização da pesquisa.
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2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A MEMÓRIA COLETIVA E HISTÓRIA ORAL
A pesquisa bibliográfica sobre os conceitos de memória coletiva e história oral,
que deram subsídio às entrevistas temáticas realizadas para o levantamento das
memórias dos entrevistados e o levantamento de documentos oficiais acerca da
Universidade Federal de Viçosa e do Edifício Arthur Bernardes foram de fundamental
importância para subsidiar a comparação entre memória presente nesses documentos
e aquelas construídas pelos usuários do edifício.
2.1 MEMÓRIA COLETIVA
Para Le Goff (1990), o registro das memórias é essencial para a
compreensão dos processos que ocorrem ao longo da história e nos espaços
habitados por grupos e pelo fato em si. São as memórias que dão sentido aos lugares
e a dinâmica de sua existência.
Por sua vez, Pollak (1992, p. 203) ainda divide a memória em dois grupos:
oficial e clandestina. A memória oficial é aquela construída pelas classes dominantes e
que posteriormente é registrada em documentos oficiais e livros, enquanto que a
clandestina, quase sempre é construída pela classe dominada e se perde.
Já Maurice Halbwachs, define memória individual como o testemunho que
utilizamos para recordar eventos vistos e não vistos. Estes últimos são aqueles sobre
os quais, no passado, a partir do testemunho de outras pessoas, tenha se formado
uma opinião. Portanto, segundo o autor, não há como distinguir memória individual e
coletiva.
A presença de uma pessoa não é necessária no compartilhamento de suas
lembranças. O fato de já termos convivido com essa pessoa permite que se evoque
um evento a partir de suas lembranças. Isto porque, “nossas lembranças permanecem
coletivas e nos são lembradas por outros, ainda que trate de eventos que somente nós
estivemos envolvidos e objetos que somente nós vimos (Halbwachs, 2006, p. 30).”
Ainda na concepção desse autor, existe uma interação das memórias
coletivas e individuais. Para cada experiência apresentada observa-se que o interesse
desperto, a perspectiva sob a qual se vivencia o momento estabelece analogias com
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pontos de vista de outras memórias, cada uma na sua especificidade, com seu
conhecimento.
Em todos esses momentos, em todas essas circunstâncias, não
posso dizer que estivesse sozinho, pois em pensamento eu me
situava neste ou naquele grupo, o que compunha com o arquiteto e
com as pessoas a que ele servia de intérprete junto a mim, ou com o
pintor (e seu grupo), com o geômetra que desenhou o mapa, com o
romancista. (HALBWACHS, 2006, p. 31)
Portanto, retomar os registros da memória coletiva de um local significa
reviver seu passado, eternizar seu presente e garantir ao futuro um lastro de memória
fundamental para a sua identidade de forma a abarcar vários grupos mesmo sem
recolher a memória individual de cada um, escolhendo o individuo que possui em sua
memória individual, as lembranças dos grupos que compõe.
2.2 A HISTÓRIA ORAL ENQUANTO PROCEDIMENTO METODOLÓGICO
A utilização história oral, por meio das entrevistas temáticas, enquanto
procedimento metodológico, foi a forma de apreender as memórias coletivas e assim
mostrar diferentes visões acerca do Edifício Arthur Bernardes. O uso desse
instrumento possibilitou o conhecimento e a compreensão de detalhes, pois os
entrevistados ampliaram suas narrativas além do roteiro proposto. Dessa forma,
observou-se que as respostas não estiveram restritas a questões preestabelecidas, o
que enriqueceu os resultados verificados. Segundo Alberti, a escolha da história oral
“[...] deve ser importante, diante do tema e das questões que o pesquisador se coloca,
estudar as versões que os entrevistados fornecem acerca do objeto de análise”.
(ALBERTI, s/d, p. 30)
Considerando-se o objeto da pesquisa, a definição dos grupos de
entrevistados foi determinada pela relação com o edifício. Dessa forma, foram
abordados três grupos: servidores docentes, servidores administrativos e estudantes.
Dentre os representantes dos grupos, encontram-se pessoas que possuem ou
possuíram relações com o “Bernardão” em diferentes situações em diferentes épocas.
Foram estudantes da UFV, tornaram-se professores e atualmente são aposentados.
Outros, não foram estudantes na instituição, mas são professores. Integram também
os entrevistados, os que são estudantes. E há ainda aqueles que trabalham no
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edifício, exercendo função administrativa. Enfim, dentre as três categorias de
entrevistados foi possível colher diferentes lembranças, em situações e épocas
distintas. É importante salientar que o procedimento adotado é qualitativo. É
fundamental que o entrevistado possua relação com o tema de estudo.
A escolha dos entrevistados não deve ser predominantemente orientada por
critérios quantitativos, por uma preocupação com amostragens, e sim a partir
da posição do entrevistado no grupo, do significado de sua experiência.
(ALBERTI, s/d, p. 31)
Assim, a limitação do número de entrevistados é definida no momento em
que as narrativas não mais apresentam fatos analíticos relevantes a serem
considerados. O que na visão de Alberti é o momento de saturação e que a realização
de novas entrevistas não resultará mais em informações relevantes à pesquisa.
A presença de um narrador e um entrevistador é de grande importância, já
que o primeiro constitui o meio para se atingir o fim, a história oral, enquanto que o
segundo conduz a ação da narrativa para adentrar ao tema desejado.
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A UFV E O EDIFÍCIO ARTHUR DA SILVA BERNARDES
3.1 O CONTEXTO DO EDIFÍCIO ARTHUR BERNARDES: UM BREVE HISTÓRICO
DA UFV
Em 1921, Peter Henry Rolfs, proeminente agrônomo americano foi contratado
pelo então governador de Minas Gerais, Arthur da Silva Bernardes para “fundar,
organizar e dirigir uma Escola Agrícola Moderna” em Viçosa (BORGES, 2000, p. 5).
A UFV foi inicialmente denominada Escola Superior de Agricultura e
Veterinária (ESAV), tendo seu nome alterado na década de 40 para Universidade
Rural do Estado de Minas Gerais (UREMG) e em 1969, foi federalizada recebendo
sua atual denominação, Universidade Federal de Viçosa (UFV).
A antiga ESAV foi criada dentro do modelo dos “Land Grant Colleges” tendo
como base, segundo BORGES, et ali (2000, p. 6), três pilares: ensino, pesquisa e
extensão. O plano inicial para a concepção física da então ESAV consistia em dois
eixos principais, a Avenida Peter Henry Rolfs (Reta Principal), que conecta a
instituição à cidade de Viçosa, que posteriormente cresceu em direção a Universidade
e hoje é o principal eixo viário do munícipio e a Avenida da Agronomia (Figura 01).
Fig. 01 - Vista parcial do “campus” na década de 1930 com destaque para o Edifício Arthur
Bernardes (Prédio Principal) (1), o Dormitório (Alojamento Velho) (2), a Avenida Principal (3), e
a Avenida da Agronomia, (4), ambas já arborizadas. Fonte: UFV 70 anos.
O Edifício Arthur da Silva Bernardes, foi a primeira grande obra da instituição,
erigido como edifício de salas de aula e laboratórios, além de salões de festividade.
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Após ser transformada em UREMG, ocorreu a primeira ampliação da
instituição, com a construção de novos prédios ao longo da Avenida Peter Henry
Rolfs, a criação da Vila Gianneti, para moradia de professores, e a Avenida Purdue.
Nesse momento já se destacava uma influência modernista em sua concepção com
“todos os edifícios são alinhados paralelamente ao eixo das avenidas e mantém-se um
gabarito baixo com, no máximo, dois pavimentos. ” (CARVALHO, 2006).
A partir da década de 1970 com o expressivo aumento do número de cursos,
o “campus” da UFV começa a crescer para outros espaços dos terrenos federais, com
abertura de mais vias, novos acessos, distanciando-se do núcleo gerador, mas
sempre preservando o início da Universidade (Figuras 02 e 03).
Fig. 02 - Vista parcial do “campus” década de
1960. Acesso Principal (Quatro Pilastras) (1), Vila
Gianetti (2), Edifício Arthur Bernardes e
Alojamento Velho (3), além da Avenida Principal
(4). Fonte: UFV 70 anos.
Fig. 03 – Vista parcial do campus, 2010.
Fonte: acervo do autor.
3.2 O EDIFÍCIO
A construção do Edifício Arthur da Silva Bernardes ocorreu entre os anos de
1922 e 1926 e constitui, junto com o Edifício Bello Lisboa construído para ser o
primeiro alojamento de alunos (Alojamento Velho), o núcleo gerador da Universidade
Federal de Viçosa. Em sua construção, a edificação foi pensada para conter as salas
de aulas e a administração da então Escola Superior de Agronomia e Veterinária.
Com o crescimento da Universidade, ocorreu a necessidade de novos
edifícios para abrigar as salas de aula e laboratórios, além do aumento dos cargos
administrativos. Logo, a partir de sua transformação em UREMG, o mesmo passou a
servir apenas como edificação administrativa da Universidade.
Em 2001, ocorreu seu tombamento a nível municipal, onde se detalhou suas
características arquitetônicas (Figura 04).
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O edifício, de planta retangular medindo 87,60 m x 26,00 m, apresenta cinco
corpos, três salientes — os dois extremos e o central, o mais importante - e
dois reentrantes; possui dois pavimentos de pé direito igual a 5,00 m e um
porão habitável de altura variável, entre 2,60 m e 3,20 m. (...) As fachadas
frontal e posterior do edifício apesentam composição simétrica obedecendo à
divisão em cinco corpos. Na fachada principal, o corpo central e mais
importante é marcado pela escadaria de acesso, pelos pares de colunas
adossadas que enfatizam a entrada e que delimitam a sacada do Salão
Nobre, e pelo frontão que coroa todo o conjunto. A construção é arrematada
superiormente por platibanda com balaustrada que percorre todo seu
perímetro, escondendo o telhado. A ornamentação é austera, de caráter
classicizante (...). As grandes janelas retangulares que vazam as fachadas
segundo ritmo regular, junto com o desenho geometrizado da ornamentação
caracterizam o estilo da composição como eclético modernizado. (Dôssie de
Tombamento, p. 12)
Com o tombamento edifício, em junho de 2001, foi definida a área de
proteção do seu entorno como forma de se preservar parte do conjunto que
caracteriza o núcleo gerador do “campus”, composto pelo Edifício Arthur da Silva
Bernardes e o Edifício da Reitoria, antiga residência do seu primeiro diretor, Peter
Henry Rolfs (Figura 05). Além da edificação em si, foram incluídas em seu
tombamento, a calçada, original de sua construção e suas palmeiras, plantadas em
1927, que “continuam crescendo e dão especial imponência ao Edifício”. (UFV 70
anos, p. 12)
Fig. 04 - Fachada Leste/Principal. Fonte:
acervo do autor.
Fig. 05 - Área de proteção do entorno do Edifício
Arthur da Silva Bernardes, limitada pelo perímetro
definido pelos pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, e 10.
Fonte: Dossiê de Tombamento do EAB.
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AS ENTREVISTAS E AS MEMÓRIAS
4.1 OS ENTREVISTADOS
A considerar-se o objeto da pesquisa – as memórias do Edifício Arthur da
Silva Bernardes – foi definido, conforme já mencionado, os grupos que seriam
entrevistados e o procedimento metodológico adotado – história oral/entrevistas
temáticas.
Especificamente, na definição dos entrevistados, optou-se por aquelas
pessoas que apresentassem maior relação com o edifício. Os grupos abrangeram,
conforme já citado, servidores (professores ou técnicos e alunos). Dentre os
servidores, a faixa etária escolhida foi variável. Dentre os alunos, foram entrevistados
aqueles que já estão na UFV há pelo menos quatro anos, a escolha recaiu também na
condição de uma maior convivência com o EAB. Neste aspecto, o entrevistado mais
jovem possuía a idade de vinte e um anos, enquanto que o entrevistado mais idoso,
setenta e quatro anos. Essa diferença entre as idades dos entrevistados propiciou
uma visão mais abrangentes das memórias construídas sobre o objeto da pesquisa.
Foram entrevistados um total de 25 pessoas, dentre esses três grupos, cujos
integrantes eram professores e ex-professores da instituição, profissionais técnicoadministrativos e estudantes.
Do total de entrevistados, dez são ou foram docentes da Universidade, cinco
são ou foram técnico-administrativos e dez são alunos.
No grupo dos servidores professores, escolheu-se profissionais que
trabalharam em diferentes tempos da Universidade, desde a década de 60 até os dias
atuais. Dos dez docentes, sete deles ministraram aulas no “Bernardão”, possuindo
uma forte relação com o edifício. Dentre os servidores técnico-administrativos, buscouse, na escolha, aqueles que exercem alguma função no edifício.
Entre os estudantes, ocorreu a predileção por estudantes do curso de
Arquitetura e Urbanismo devido a proximidade dos pesquisadores com os mesmos,
facilitando os encontros e também devido ao já conhecimento do método de história
oral e aos conceitos de memória, que são abarcados nas disciplinas da área de
Patrimônio Cultural.
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O período de realização das entrevistas foi compreendido entre abril de 2014
e abril de 2016. Ao finalizar a fase de entrevistas, passou-se à transcrição e tabulação.
4.2
AS MEMÓRIAS
O tema mais recorrente nas entrevistas é a referência que o Edifício Arthur da
Silva Bernardes tem como monumento histórico dentro da Universidade. Um
percentual expressivo dos entrevistados, 84%, é explícito nessa consideração. Apenas
um entrevistado considerou o edifício como um elemento secundário. Para o mesmo,
atualmente exercendo a função docente, o edifício é um ícone de um período
passado, de uma ideia de instituição que ela não tem certeza de que ainda existe.
Foi perceptível que a partir do momento em que havia um distanciamento
entre o entrevistado e o edifício, ou seja, a mesma não fazia parte do cotidiano do
entrevistado, ela não possuiu tanta significação em sua memória. Enquanto os
entrevistados com mais idade, que possuíram aulas no “Bernardão” e posteriormente
trabalharam nele possuem mais sentimentos ligados, com entrevistas maiores e uma
“paixão” característica na narrativa, os atuais estudantes que o utilizam pouco, apenas
para resolver pendências acadêmicas ou fazer solicitações à administração, mesmo
reconhecendo que a Edificação é um marco e é um Patrimônio com grande valor
arquitetônico, não possuem um sentimento tão forte ligado a ele, provavelmente por
conta da falta de momentos vividos ali.
Com isso, conclui-se que o Edifício Arthur Bernardes é um ícone da
Universidade, representando não só um passado grandioso da mesma, em que o
edifício era utilizado como salas de aula, sedes de departamentos e das
comemorações realizadas no salão nobre e setor administrativo da Universidade, mas
também o presente dela, já que o mesmo até hoje mantém parte da administração da
Universidade.
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O “Prédio Principal” possui um estilo arquitetônico considerado ecletismo
“neoclassicizante”. Segundo Carlos Lemos
Construções
neoclássicas
na
primeira
intenção,
no
partido
arquitetônico, mas comprometidas principalmente pela ornamentação
renascentista - é composto de obras bem elaboradas buscando
soluções de composição em fontes classicizantes diversas, mas
organizadas com bom gosto e construídas com o que houvesse de
melhor no mercado de materiais importados – eram em geral obras
de autor. (LEMOS, 1987, p. 209)
Um dos princípios do classicismo é a ideia de perenidade, grandeza e
permanência, em que oito entrevistados, entre o grupo dos professores e técnicoadministrativos, destacam essas características. Com isso, é passível de afirmação
que o que foi proposto para a antiga Escola Superior de Agricultura e Veterinária foi
cumprido: a ideia de que ela seria uma grande obra, que duraria anos e possivelmente
séculos.
Com a ampliação da Universidade na década de 70, período em que foi
federalizada, o Edifício Arthur Bernardes “ganhou um vizinho” considerado polêmico:
O Edifício do Centro de Vivência, que difere do Arthur Bernardes por sua arquitetura
“brutalista”. As opiniões dos entrevistados divergem quanto à presença de um edifício
cuja forma é díspar do EAB. Há uma discordância de opiniões, em que alguns
concordam com a implantação do edifício, enquanto outros acham que o mesmo
perturba a imagem do EAB.
Na área posterior ao “Prédio Principal”, há uma construção mais recente, o
“Espaço Multiuso”, que funciona como restaurante e espaço de festas e cerimônias
oficiais da Universidade. Entretanto, quando o mesmo é citado, todos concordam que
esse edifício é uma afronta ao espaço do Edifício Arthur Bernardes, invadindo o que
se considera sua implantação. Outro assunto em que os entrevistados abordaram é o
desrespeito com o Edifício Arthur Bernardes, contando que mesmo após seu
tombamento, o edifício e seu entorno sofreram depredações.
Seu tombamento a nível municipal também chega a ser questionado, já que a
Edificação está em território federal, logo, segundo alguns entrevistados, somente a
Federação poderia pedir seu tombamento.
Dos entrevistados, quatorze deles já exerceram alguma função no edifício.
Essa vivência estabelece nessas pessoas um vínculo permanente com o edifício. Ali
são construídas amizades, são tomadas decisões que afetam a vida de muitas
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pessoas. Desde o primeiro contato, seja como aluno, seja como servidor, o
“Bernardão” estabelece uma marca indelével na memória dessas pessoas.
Considerando que durante décadas nesse edifício funcionavam as salas de aula, os
laboratórios, e a maioria dos órgãos administrativos, a vida da instituição orbitava em
torno do EAB. Mesmo depois que a universidade foi ampliada, principalmente na
década de 1970, permaneceu no edifício parte das atividades acadêmicas.
Há também o reconhecimento claro por parte das pessoas que não há como
tratar da história da Universidade sem entrar também na história do “Prédio Principal”,
sendo o mesmo uma importante forma de preservação da história e memória da
Instituição e possuindo vital importância aos ex-alunos.
Os eventos ali realizados também são memoráveis: os antigos bailes,
apresentações no Salão Nobre, as cantatas de final de ano, que se tornaram tradição
e são realizadas no início de dezembro utilizando a fachada como parte do palco e do
espetáculo, que envolve luzes e atores em suas janelas e a gravação de um especial
da Rede Globo que foi transmitido nacionalmente e que foi filmado em sua frente
(Figuras 06 e 07).
Fig. 06 – Foto da apresentação da Orquestra
Sinfônica Brasileira em apresentação do Projeto
Aquarius em 1984. Fonte: UFV 70 anos e CCS UFV.
Fig. 07 – Cantata de Natal de 2014,
palco junto à fachada do Edifício Arthur
Bernardes. Fonte: acervo do autor.
Logo, devido a fatos históricos importantes, registrados em documentos
oficiais e principalmente nas memórias dos entrevistados e por consequência, no
Edifício Arthur da Silva Bernardes, os 90 anos de Universidade Federal de Viçosa são
impossíveis de serem contados sem entrar no “Bernardão”, que mesmo não estando
mais no cotidiano de todos da instituição, é respeitado por visitantes, estudantes,
docentes e servidores.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme já mencionado, o tombamento do Edifício Arthur Bernardes foi o
fato que oficializou a sua condição de “monumento histórico”. Seu valor para a história
da instituição e da cidade foi de suma importância para sua proteção através de
dispositivo legal. Para o entendimento do significado de “monumento histórico”,
Françoise Choay contrapõe-se justamente ao conceito de monumento. Ela então
sublinha as diferenças entre as noções objetivando a extinção dos prováveis
equívocos, em se considerar que, “monumento” e “monumento histórico” se
enquadram em único conceito. A primeira diferença estaria na própria ideia geral
contida no conceito de “monumento”: presente em todas as épocas e todos os
lugares; e que “monumento histórico” seria uma ideia criada no Ocidente a partir da
segunda metade do século XIX.
Outro aspecto realçado pela autora, diz respeito à intencionalidade do
monumento, que criado com uma finalidade específica de rememoração.
(...) chamar-se-á monumento tudo o que for edificado por uma
comunidade de indivíduos para rememorar ou fazer que outras
gerações de pessoas rememorem acontecimentos, sacrifícios, ritos
ou crenças. A especificidade do monumento deve-se precisamente
ao seu modo de atuação sobre a memória. (CHOAY, 2001, p.17).
Quer dizer, o monumento histórico é selecionado independentemente de sua
função original.
Não é possível ignorar as memórias ali
encerradas. Ele concretiza, por exemplo, o sonho de
todo calouro em participar da foto dos formandos (Figura
08), fato marcante desde a primeira turma de estudantes
da antiga ESAV, na década de 1930. A concretização
desse sonho é uma memória de um grupo que possui
uma identidade construída ao longo dos anos que
estudaram na universidade. E essa identidade comum é
representada pelo edifício, cuja permanência lhe dá o
sentido de perenidade.
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Fig. 08 - Formandos da UFV,
turma de janeiro de 2010. Fonte:
Coordenadoria de Comunicação
Social da UFV.
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Apesar de nesta pesquisa ter sido feito um recorte dos atores que
construíram suas memorias em torno do Edifício, os grupos sociais que se relacionam
ao “campus” da Universidade Federal de Viçosa extrapolam aos servidores técnicoadministrativos e professores, estendendo-se aos cidadãos viçosenses que, por
diversas razões, possuem memórias ligadas a esses espaços.
Sejam quais forem as memórias de quais forem os grupos sociais, elas estão
relacionadas a algum espaço do “campus” da UFV. É o espaço, arquitetônico,
representado pelo icônico Edifício Arthur da Silva Bernardes, grande marco da
instituição ou urbanístico, representado pelo “campus” como um todo. São, enquanto
espaços da memória, refúgios onde possam ser armazenadas, recicladas e
dinamizadas as memórias coletivas, antes que sejam perdidas.
E nesse trabalho, a utilização de uma metodologia que privilegia os relatos
orais, demostrou ser capaz de expor esse caráter identitário que faz da arquitetura um
espaço de memórias.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
A Universidade Federal de Viçosa no século XX / Editores: José Marcondes Borges,
Gustavo Soares Sabioni, Gilson Postsch Magalhães. Viçosa: UFV; Impr. Univ.,
2000.
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