Matemática do cotidiano: conexões produzindo sentido Barreto, Maria de Fátima Teixeira Ribeiro, Gabriela Felix, Wanderson RESUMO: Porque eu tenho que aprender isso? Para que isso serve? Estas são questões que nos professores ouvimos com certa freqüência. A linguagem matemática, tida como complexa e distante do aluno e o conteúdo cheio de símbolos, termos e fórmulas que exigem memória e pouco induz a reflexão, fomentam o mito de que a matemática é para poucos. A ausência de relação entre a matemática escolar e a matemática da vida cotidiana é apontada como fator de grande influencia na elaboração do conhecimento escolar. Partindo de estudos que compararam testes formais e informais, os resultados mostram uma decisiva influência do contexto sobre a solução de problemas de matemática. Diante disto, apostamos na vivência matemática em sala de aula, como uma forma de aproximar as diferentes atividades escolares com a realidade extra-escolar. A nossa proposta foi desenvolver atividades em que o cotidiano fosse ponto de partida para a discussão de algum conteúdo de matemática. Observando as relações e reflexões estabelecidas pelos alunos entre a Matemática escolarizada com a matemática do cotidiano, e contribuir para uma re-elaboração da sua compreensão do que é a matemática. Introdução Este relato tem como objetivo apresentar vivências em que a matemática própria do cotidiano extraescolar é discutida nas aulas de matemática e a partir de tais vivências, refletir a respeito da utilização de tal encaminhamento para a aprendizagem da matemática. As atividades relatadas foram desenvolvidas junto ao projeto de extensão “Vivenciando a Matemática com alunos da escola fundamental” coordenado pela prof. Dr. Maria de Fátima Teixeira Barreto. Foram convidados para o projeto 20 alunos, sendo 10 do CEPAE e 10 de escola pública da região, indicados por seus professores, por apresentarem dificuldades de aprendizagem da Matemática em sala de aula. Entretanto, freqüentaram quinze crianças na faixa etária entre 10 e 15 anos, sendo oriundas do 3ª ano (1), 5º ano (11) e 6º ano (3). Tivemos como proposta desenvolver atividades em que o cotidiano fosse ponto de partida para a discussão de algum conteúdo de matemática. A intenção era observar as relações e reflexões estabelecidas pelos alunos entre a Matemática escolarizada com a matemática do cotidiano, e contribuir para uma re-elaboração da sua compreensão do que é a matemática. Apontamentos Teóricos O ensino de Matemática vai mal, comenta olhar superficial a mídia. Tida como a mais difícil do currículo, ensinar e aprender matemática é visto por muitos como algo pra lá de difícil. Além do mais, a linguagem é tida como complexa e distante do aluno. O conteúdo se torna mais abstrato e desgastante devido aos seus símbolos, seus termos e fórmulas que exigem memória e pouco induz a reflexão. A maioria dos estudantes, mesmos os considerados “bons” em matemática, utiliza como estratégia para a sobrevivência escolar a memorização. Não é de se estranhar que a reprodução seja algo tão comum na sala de aula, afinal, quanto mais for exata a reprodução do que está sendo ensinado, mais certo estará o trabalho do aluno. Por esta atitude, banalizada ao longo de sua vida escolar, vai se constituindo uma relação vazia com o saber. Alguns estudos relacionados a aprendizagem matemática, mostram que os resultados em testes formais e informais, indicaram uma decisiva influência do contexto sobre a solução de problemas de matemática. Diante disto, indicamos a vivência em sala de aula, como uma forma de dramatizar uma situação vivida em seu dia-a-dia e levar os alunos a fazer uma reflexão integrando as diferentes atividades escolares com a realidade extra-escolar. Relato de experiência Visando tornar o estudo da matemática mais próxima possível do aluno possibilitando-lhe habitar o processo de aprender, promovemos aulas de matemática em que situações cotidianas foram problematizadas para estimular o interesse dos alunos, favorecendo a abertura para a aprendizagem. Nas realizações das dinâmicas levamos em consideração fatores como comportamento e conhecimentos prévios dos alunos, de modo que as situações fossem o menos artificial possível tentando minimizar a resistência ou até mesmo a ausência da relação entre conhecimento cotidiano e conhecimento escolar. A primeira dinâmica Atividade cotidiana: produção de laranjinhas Conteúdo matemático: medidas de capacidades Desenvolvimento da dinâmica: Foi proposto aos alunos a confecção de laranjinhas e para tal foi apresentado a elas os materiais necessários para executar a tarefa, quais sejam: o pó para suco, jarra, colher, seringas milimetradas (sem agulha), saquinho plástico. Após a apresentação do material necessário, apresentamos um manual de trabalho, este cotinha o modo de preparo do suco igual ao ilustrado no envelope do pó, a quantidade de laranjinha a ser fabricada e o volume que cada uma tinha que ter. Entregamos os pacotinhos de suco em pó e realizamos a leitura do modo de preparar. Nesta leitura fomos destacando elementos de matemática como litro, um litro e meio. Após desenvolvida a receita, com o suco já pronto, solicitamos aos alunos, em grupos de 4, que preenchessem uma certa quantidade de saquinhos plásticos com o suco preparado por eles mesmos com um certo volume pré-estabelecido. No momento de distribuir o líquido nos saquinhos surge um problema: a seringa milimetrada tinha a capacidade máxima de 20ml, e o saquinho comportava 100 ml. Como fazer para preencher o saquinho? Os alunos, com entusiasmo, seguiram o manual de trabalho, mesmo sendo uma tarefa fácil, apresentaram dificuldade em preencher o saquinho com o volume superior a capacidade da seringa, foi nesse momento que descobriram que deveriam encher varias vezes a seringa pra completar o saquinho até o volume pedido. Avaliação e reflexões Na primeira vivência fizemos um bate papo com os alunos para que pensassem em que contexto se encaixava as unidades de volumes que seriam trabalhadas associadas aos números decimais. No desenvolver da atividade o espírito de grupo permitiu que a atividade se desenrolasse de forma harmônica. Naturalmente se ajudavam com o manuseio dos instrumentos, e para que todo o grupo pudesse participar do processo de aplicação da teoria, alternadamente trocavam de função no grupo (sugestão nossa). Por terem trabalhado de maneira diferente a matemática com algo que faz parte do cotidiano, o envolvimento era total, surgiram outras dificuldades a serem destacadas, por exemplo: A dificuldade nas operações básicas, o pouco conhecimento sobre unidades de medidas. Notamos que o aluno de posse da seringa milimetrada sempre desenvolvia de forma mental o calculo algébrico da quantidade a ser inserida no saquinho e que, quanto este não conseguia fazê-lo, utilizava de partes do seu corpo (no caso as mãos) para auxiliar. Embora às vezes emitisse resultados considerados errado pelos integrantes do grupo estes o ajudavam, como pode ser observado nas falas: Situação: Produzir uma laranjinha com 65ml de suco. Aluno P: “Sessenta e cinto? Então...uma, duas, três... (contando nos dedos) “Ai fica faltando que tanto? Trê veis vinte dá sessenta i...” Aluno R: “Uê! Cê puxa até o cinco que dá sessenta e cinco” Observamos que o aluno “R” na vez seguinte conseguiu assimilar a idéia. Este, por solicitação nossa, produziu uma laranjinha com seguinte quantidade: Professor: “Como você faria uma laranjinha com 83ml?” (O aluno pensou um pouco) Aluno R: “Eu pegaria a seringa cheia quatro vezes, e depois completava com mais uma de três. O calculo mental foi utilizado por todos os integrantes dos grupos. Percebe-se então que neste momento, trouxemos para a sala uma reflexão e sistematização da soma e da decomposição dos números o que mostra que sabem pensar a adição. A Segunda Dinâmica Atividade cotidiana: Mini-supermercado Conteúdo matemático: Números decimais Desenvolvimento da dinâmica: A segunda vivencia, teve como missão realizar uma compra em dois supermercados ambientalizados dentro da sala de aula. Entregamos aos alunos uma lista que solicitava a compra de um item na quantidade determinada e cinco itens de livre escolha. As compras seriam realizadas uma com quantidade de dinheiro fictício entregue aos grupos. No primeiro momento, os alunos deram nomes aos supermercados para que fosse estabelecida a concorrência. Cada grupo escolheu os itens que iriam comprar e de forma autônoma realizaram uma pesquisa e comparação de preços nos dois supermercados. Em seguida realizaram os cálculos no papel, contabilizando quanto iriam gastar e quanto iria sobrar de troco. No segundo momento, já com os cálculos prontos, fornecemos calculadoras para que pudessem conferir seus cálculos e ao final dessa dinâmica, junto aos grupos, fizemos uma reflexão sobre o assunto tratado. Avaliação e reflexões A segunda vivência nos proporcionou trabalhar os números decimais, em outro contexto, a do supermercado. A observação da abstração matemática de longe foi a mais rica, não só pelo fato de ter um registro escrito do raciocínio utilizado por eles na sistematização da adição e multiplicação, mas também por nos proporcionar uma visão dinâmica da oralidade e escrita. A diferença entre o que o se fala e se escreve constitui certa distância que muitas vezes não é percebida pelo falante. Como observado no diálogo abaixo. 1ª Situação: Munido de uma calculadora, verificar se os cálculos estavam corretos. Aluno A: “Professor, Ta certo?” Professor: “o que você está tentando fazer?” Aluno A: “Eu tô somando dois número pequeno e ta dando um número grande, e eu já fiz isso duas vezes...” Professor: “Quais valores você está somando?” Aluno A: “Aqui ô, um e dezenove mais um e dezenove, olha o tanto que dá!” (O aluno digitava cento e dezenove e lia um e dezenove) Professor: “Não está faltando alguma coisa aí não?” Aluno A: “A é! O pontinho né fessor?” Uma possível interpretação para esta situação é que o aluno estava dando outro significado ao numeral “um e dezenove”. Ao ler um e dezenove escrevia tal qual como se ouvia, mas sua escrita simbolizava para outros, cento e dezenove. 2ª Situação: Na reflexão da dinâmica o aluno deveria escolher um produto e comparar os preços nos dois supermercados. Aluna C: “Professor eu não entendi a pergunta!”. Professor: “Vamos ler juntos?” Juntos: “Qual a diferença de preço dos produtos nos dois supermercados?” (Pausa). Professor: “Me conta o que você entendeu.” Aluna C: “Eu tenho que tirar o menor?” Professor: “Isso mesmo! Ele está perguntando quanto um custa a mais que o outro.” Aluna C: “É isso aqui” (Mostrando o resultado feito na calculadora. A conta era: 1,55 menos 1,40). Professor: “Quanto deu?” Aluna C: “Não sei.” Professor: “Quanto é um real e cinquenta e cinco centavos menos um real e quarenta centavos?” Aluna C: “Quinze centavos.” Aqui, vemos que o aluno não teve uma compreensão do resultado, ele não entendeu o significado do símbolo 0,15. O aluno conseguiu verbalmente expressar significado da operação realizada por ele mentalmente, mas não consegui dar esse significado ao escrever a operação na calculadora. Considerações finais Observamos que em sua maioria, os alunos tinham facilidade em desenvolver as atividades (até certo ponto) propostas. O lúdico contribuiu para uma aproximação entre o cotidiano daqueles alunos e idéias mate- máticas abstraídas das atividades. Não que eles não soubessem que há uma matemática no supermercado, mas é que eles puderam interagir com essa idéia como atores no processo e não como expectadores. A satisfação do aluno em trabalhar a matemática contextualizada nos leva a crer que a aula de matemática na escola se torna rica e motivadora quando se trata do trabalho em grupo, e com atividades que envolvam situações autênticas trazidas do cotidiano do próprio aluno tornando a experiência na escola significativa. A defesa da necessidade de se considerar a experiência de vida dos alunos parte da constatação que em muitas situações, o individuo já apresenta o domínio de um determinado conteúdo em suas atividades cotidianas. Diante da necessária consideração da matemática desenvolvida no cotidiano escolar, a ausência de relação entre a matemática escolar e a matemática da vida cotidiana é apontada como fator de grande influencia na elaboração do conhecimento escolar. A problematizarão de uma situação próxima do aluno, e vivenciável por ele permite ao professor o levantamento das incompreensões apresentadas pelos alunos para que, a partir delas ele possa realizar o seu planejamento de aulas. A situação problematizada pode então ser ponto de partida para o trabalho com um conteúdo e a vida, seja no âmbito escolar como extra-escolar, o ponto de chegada. Uma certeza é que com as experiências nas vivências com os alunos é que ambos ganharam em conhecimento e prática da matemática, nos por encontrar na vivência um momento de diagnóstico das dificuldades dos alunos e estes por terem uma nova visão sobre a matemática. Concluindo que, quando a experiência diária é combinada com a experiência escolar os resultados são melhores. Referência Bibliografica ARANTES, P. Artigo: Revista Educação e Matemática nº23. Titulo : Pode-se aprender na escola a usar a Matemática com problemas da vida real?. Publicação 1992. GIARDINETTO, J R. B. 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