HISTOLOGIA DO SISTEMA DIGESTÓRIO DE SAGÜIRU, Steindachnerina notonota (MIRANDA RIBEIRO, 1937) (PISCES, CURIMATIDAE), DO RIO CEARÁ MIRIM, RIO GRANDE DO NORTE, BRASIL Naisandra Bezerra da SILVA ; Hélio de Castro Bezerra GURGEL 1; Márcia Dantas SANTANA 2 1, 3 RESUMO No trabalho são observados aspectos histomorfológicos do tubo digestório de Steindachnerina notonota, popularmente conhecida como sagüiru, fornecendo, assim, subsídios para a compreensão do seu regime alimentar e ampliação das informações sobre a espécie. Para o estudo foram selecionados segmentos do esôfago, estômago e intestino de 12 exemplares de sagüiru, com comprimento padrão médio de 9,4 cm, provenientes do Rio Ceará Mirim, coletados em outubro e novembro de 2001. Métodos anatômicos e histológicos (Hematoxilina-eosina e Periodic acidSchiff) foram empregados nas análises. A partir dos resultados obtidos constata-se a semelhança do tubo digestório do sagüiru com aquele das espécies iliófagas, sendo constituído de esôfago curto, estômago mecânico, com formato de moela, e intestino longo e enovelado, com comprimento aproximadamente 9,5 vezes maior que o comprimento do peixe. Através das análises histológicas pode-se observar que o esôfago apresenta epitélio estratificado com predominância de células secretoras e submucosa rica em células adiposas; o estômago é formado por três regiões distintas - cárdica, com muitas glândulas gástricas tubulosas; média, com fossetas gástricas profundas e poucas glândulas gástricas; e região pilórica, aglandular e com camada muscular bem desenvolvida; os cecos pilóricos apresentam morfologia semelhante à do intestino, contudo com pregas maiores e mais longas na mucosa; e o intestino possui parede bastante delicada e a mucosa mais desenvolvida que a muscular. O tubo digestório é revestido, em sua totalidade, por túnica serosa. Palavras-chave: Steindachnerina notonota; Rio Ceará Mirim/RN; histologia; tubo digestório HISTOLOGICAL ASPECTS OF THE DIGESTIVE TUBE OF THE SAGÜIRU, Steindachnerina notonota (MIRANDA RIBEIRO, 1937) (PISCES, CURIMATIDAE), OF CEARÁ MIRIM RIVER, RIO GRANDE DO NORTE, BRASIL ABSTRACT In the work, histomorphological aspects of the digestive tube of the sagüiru, Steindachnerina notonota, are observed, providing subsidies to the understanding of its alimentary habits and also adding informations about the species. Segments of the esophagus, stomach and intestine of twelve sagüiru specimens with 9.4 cm of average standard length, from the Ceará Mirim River, were collected in October and November 2001. Anatomical and histological methods were used, as Hematoxilineosin and Periodic acid-Schiff. The results show that the digestive tube of the sagüiru is similar to that found in ilyophagous species, being constituted of a short esophagus, a mechanical gizzardlike stomach; and a winded and long intestine, which is approximately 9.5 times longer than the fish. The following histological aspects are worth of pointing out: the esophagus has a bistratified epithelium, with predominance of PAS positive and neutral secreting cells, and a submucosa, rich in adipose cells; the stomach presents three distinct regions - the cardiac region, containing many tubular gastric glands, the middle region, with deep gastric crypts and few glands, and the pyloric region, devoided of gastric glands and with a well developed muscle layer; the caeca has a morphology similar to that of the intestine, however with bigger and longer folds in the mucosa; the intestine has a thin wall, with a mucosal layer more developed than the muscle one. All the digestive tube is covered by a serous tunic. Key words: Steindachnerina notonota; Ceará Mirim River/RN; histology; digestive tube Artigo Científico: Recebido em 12/04/2004 - Aprovada em 15/04/2005 Pós Graduação em Bioecologia Aquática Professor Doutor / Departamento de Fisiologia - Universidade Federal do Rio Grande do Norte 3 Endereço/Address: UFRN - Departamento de Fisiologia, Caixa Postal 1511 - Natal/RN - CEP: 59078-400 1 2 B. Inst. Pesca, São Paulo, 31(1): 1 - 8, 2005 2 SILVA et al. INTRODUÇÃO O sistema digestório dos peixes, além de realizar funções inerentes ao trato gastrintestinal, possui alguns de seus órgãos especializados em outras funções. Nesse sentido, Humbert et al. (1984), apud RIBEIRO e FANTA (2000), demonstraram, através de estudos histológicos e histoquímicos, o envolvimento do epitélio do esôfago de alguns peixes marinhos e continentais na função de osmorregulação. O estômago de algumas espécies de Loricaridae ( GODINHO , 1970) e o intestino de Hoplosternum littorale (GIAMAS et al., 2000) auxiliam na respiração. Diversos autores, dentre os quais AL-HUSSAINI (1949), GODINHO (1967, 1970) e GIAMAS et al. (2000), estudaram a morfologia do aparelho digestório e sua relação com os hábitos alimentares dos peixes. Dessa forma tornou-se possível conhecer o regime alimentar de uma espécie a partir de diferenças anatomofisiológicas do tubo digestório, o que fica evidenciado quando se observam os formatos variados do estômago ou os diferentes comprimentos do intestino dos peixes, conforme sejam herbívoros, carnívoros, onívoros ou iliófagos (GODINHO, 1970). Estudos com espécies iliófagas (HONDA, 1997) e detritívoras ( FUGI e HAHN , 1991) destacam o importante papel dessas espécies na bioecologia dos ecossistemas em que vivem, acelerando a reciclagem de nutrientes orgânicos presentes no lodo, contribuindo para a depuração da água sujeita a poluição orgânica e aumentando a produção secundária dos corpos d’água. O sagüiru, Curimatus elegans, atualmente denominado Steindachnerina notonota, pode ser encontrado em diversos corpos d’água distribuídos nos Estados do Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte (AZEVEDO et al., 1938). Em recente revisão do grupo, VARI (1991) inclui o gênero Steindachnerina Fowler, 1906 como unidade monofilética da família Curimatidae, ordem Characiformes, mencionando 21 espécies distribuídas geograficamente ao longo da América do Sul. GURGEL et al. (1995) citam a ocorrência da espécie em açudes do semi-árido norteriograndense. AMORIM-TEIXEIRA (2002) estudou aspectos da dinâmica da nutrição e alimentação natural dessa espécie no Açude de Riacho da Cruz/RN. Steindachnerina notonota figura entre as espécies que ocorrem no Rio Ceará Mirim e, apesar de seu porte reduzido e pouco valor comercial, tem grande B. Inst. Pesca, São Paulo, 31(1): 1 - 8, 2005 importância como elo na cadeia alimentar desse ecossistema (AMORIM-TEIXEIRA e GURGEL, 2004). Diante do exposto e tendo em vista as poucas informações existentes sobre S. notonota, o presente estudo visa conhecer características histológicas do sistema digestório da espécie, e, conseqüentemente, fornecer subsídios para a compreensão de seu regime alimentar. MATERIAL E MÉTODOS O material utilizado na pesquisa é proveniente do Rio Ceará Mirim, em Umari/distrito de Taipu/Rio Grande do Norte (5°37’ S; 35°39’ W), através de capturas mensais, no período de setembro de 2000 a maio de 2002. Os tubos digestórios de 12 exemplares, destinados a estudos histológicos, foram fixados em formalina 10% imediatamente após a captura. Em média, os espécimes capturados pesavam 10,7 ± 3,36 g e apresentavam 9,4 ± 1,46 cm de comprimento padrão. O maior exemplar tinha 12 cm de comprimento padrão, e o menor, 7,2 centímetros. Após 24 horas de fixação, fragmentos do esôfago, estômago e intestino foram submetidos a técnicas histológicas de rotina (desidratação, diafanização e inclusão em parafina) e cortados em microseções de 5 µm de espessura para confecção de lâminas histológicas. Nesse estudo utilizaram-se fragmentos da região anterior do esôfago, da região de transição do esôfago para o estômago e das regiões anterior (cárdica), média e posterior (pilórica) do estômago, assim como porções transversais dos cecos pilóricos e do intestino, que, por ser enovelado, foi seccionado medialmente, de forma a se obterem cortes transversais do intestino delgado e grosso. Protocolos histológicos convencionais de HE – Hematoxilina de Harris, Eosina (MAIA, 1979) e PAS – Ácido Periódico Schiff (BEHMER et al., 1976) foram aplicados aos cortes obtidos, com algumas adaptações. RESULTADOS E DISCUSSÃO Esôfago O esôfago do sagüiru, Steindachnerina notonota, é cilíndrico, de pequeno diâmetro, curto, com comprimento de aproximadamente 0,9 cm em um exemplar de 10,3 cm de comprimento padrão. Sua parede se apresenta pouco espessa, a superfície interna possui pequenas pregas longitudinais paralelas entre si, contínuas ao longo do órgão. Não há esfíncter no limite entre esôfago e estômago, Histologia do sistema digestório de sagüiru,... contudo macroscopicamente existe uma constrição e mudança da coloração, que de amarelada, no esôfago, passa a vermelha, no estômago. Microscopicamente verifica-se uma brusca substituição do epitélio estratificado do esôfago pelo epitélio cilíndrico simples do estômago (Figura 1D). Histologicamente, a mucosa que forma as pregas do esôfago é constituída por epitélio biestratificado e lâmina própria contínua à submucosa, sendo esta aglandular e rica em células adiposas. Não foi evidenciada camada muscular da mucosa (Figura 1A). O epitélio do esôfago é composto de células superficiais, pavimentosas ou cúbicas, em sua maioria, e de inúmeras células secretoras. As células secretoras estão situadas abaixo das células superficiais, são grandes e claras ao HE e têm núcleos achatados, algumas vezes deslocados para uma posição lateral, próximo ao limite entre duas células, ou para a região basal da célula, enquanto que na região apical há um poro que se abre entre as células superficiais (Figura 1B). Estas células reagem irregularmente ao PAS. GODINHO et al. (1970) destaca que as células secretoras do esôfago, que apresentam respostas irregulares ao PAS, produzem muco para facilitar a passagem do alimento após a deglutição, concorrendo, possivelmente, para a proteção das brânquias contra corpúsculos estranhos ingeridos. CHAVES e VAZZOLER (1984) verificaram em Semaprochilodus insignis que o esôfago apresenta duas regiões microscopicamente distintas: a anterior, revestida por epitélio estratificado pavimentoso, e a posterior, por epitélio cilíndrico simples. Em S. notonota, o revestimento epitelial do esôfago possui características semelhantes àquelas do epitélio do esôfago de Oreochromis niloticus L. (MORRISON e WRIGHT JR. , 1999) e de Pimelodus maculatus (GODINHO et al., 1970) e àquelas do epitélio da região posterior do esôfago de Semaprochilodus insignis (CHAVES e VAZZOLER, 1984). A camada muscular do esôfago, no terço superior, é formada por duas subcamadas musculares, uma interna, longitudinal, e outra externa, circular. Em ambas as subcamadas predominam fibras estriadas esqueléticas, encontrando-se também fibras musculares lisas (Figura 1C). Na região de transição do esôfago para o estômago, as fibras esqueléticas dão lugar a, apenas, fibras musculares lisas. MORRISON e WRIGHT JR. (1999), GODINHO (1967) e STOSKOPF (1993) relatam, em seus estudos, que a camada muscular do esôfago é constituída de uma subcamada 3 interna, longitudinal, e de uma externa, circular, semelhante ao que é observado em S notonota, mas diferente do que ocorre em mamíferos. Externamente, o esôfago é envolvido por uma serosa, constituída de tecido conjuntivo frouxo com alguns feixes nervosos e pequenos vasos e delimitada pelo mesotélio. Estômago O estômago de S. notonota apresenta três regiões: a primeira, ligada diretamente ao esôfago, tem paredes delgadas e aparência saculiforme e é denominada estômago cárdico ou químico, sendo responsável pelo início da digestão ácida dos alimentos; a segunda, com paredes bastante espessas e rígidas e certa semelhança com uma moela, é denominada estômago mecânico ou pilórico, estando envolvida, possivelmente, na trituração dos alimentos. Ligando as duas regiões há uma estrutura curva, semelhante a um joelho, referida neste trabalho como região média do estômago. No final do órgão está presente o esfíncter pilórico. Histologicamente, o revestimento epitelial em toda a extensão do estômago de S. notonota é do tipo prismático simples mucossecretor. Células secretoras cilíndricas são predominantes e homogeneamente distribuídas por toda a superfície epitelial do órgão, equivalendo-se em forma e tamanho. São PAS positivas, com grânulos de secreção bem visíveis situados na porção mediano-apical, e possuem núcleo esférico ou ovalado, localizado na porção média da célula. Criptas ou fossetas gástricas estão dispostas regularmente por toda a mucosa do estômago, diferenciando-se em número, tamanho e profundidade, dependendo da região considerada. Diversos autores citados por FRANCO (1994) levam em conta a localização da região do estômago, a presença, orientação e espessura de pregas na mucosa ou distribuição de glândulas gástricas, para dividir o estômago em três regiões: cárdica, fúndica e pilórica. As glândulas gástricas, quando presentes, situamse sempre na lâmina própria; nunca ocupam a submucosa. Neste trabalho, as células que compõem as glândulas gástricas ainda não foram determinadas, por não se terem usado colorações mais específicas. STOSKOPF (1993) relata que as glândulas gástricas não são constituídas de células principais ou parietais, como no estômago de mamíferos; nelas existem células oxintopépticas, secretoras de ácido clorídrico e enzimas digestivas, e células enteroendócrinas, produtoras de hormônio (FRANCO, 1994). B. Inst. Pesca, São Paulo, 31(1): 1 - 8, 2005 4 SILVA et al. Figura 1. Esôfago de Steindachnerina notonota. A – Túnicas do esôfago (escala 4 mm – HE): (a) prega do esôfago; (b) submucosa; (c) muscular; (d) feixe nervoso envolvido pela serosa. B – Epitélio estratificado (escala 20 mm – HE): (*) poros de células secretoras; (f) células superficiais; (g) célula secretora. C – Camada muscular do esôfago (escala 20 mm – HE): (j) muscular longitudinal interna; (i) muscular circular externa; (h) vaso na serosa. D – Transição do epitélio do esôfago para o epitélio do estômago [escala 8 mm – PAS (seta)] Cada região do estômago apresenta organização histomorfológica diferenciada, porque cada uma desenvolve funções características. Desse modo, cada região é descrita separadamente, como segue. à presença de submucosa bastante delgada e aglandular, a muscular da mucosa encontra-se bem próximo à muscular circular. MORAIS et al. (1997), estudando Prochilodus lineatus (espécie iliófaga), registrou a ocorrência de grande número de glândulas tubulosas gástricas na região cárdica e ausência dessa glândula nas outras regiões, como também ausência de muscular da mucosa. Segundo CHAVES e VAZZOLER (1984), o epitélio glandular da primeira região do estômago sintetiza e elimina para a luz do órgão os produtos digestivos que atuarão sobre o alimento. A presença da camada muscular da mucosa deve estar relacionada ao movimento de pressão sobre as glândulas, para eliminação de seus produtos. A muscular longitudinal apresenta-se menos espessa que a circular, e recobrindo-a está a camada serosa. Região cárdica (Figura 2A) - Possui mucosa bem desenvolvida, com inúmeras fossetas gástricas de pequena profundidade e glândulas tubulares gástricas longas ocupando toda a lâmina própria. Devido Região média (Figura 2B) - Células mucossecretoras do epitélio da região média mostram-se muito reativas ao PAS, a ponto de se formar uma camada de muco bastante espessa revestindo internamente esta A muscular da mucosa e a submucosa do estômago de S. notonota são pouco desenvolvidas, não sendo evidenciadas em algumas regiões desse órgão. A camada muscular do estômago, ao contrário do observado no esôfago, apresenta uma camada interna, com fibras musculares lisas orientadas circularmente, e outra externa, com fibras orientadas longitudinalmente, sendo a circular sempre mais desenvolvida. Externamente à camada muscular situa-se a serosa, formada por uma fina camada de tecido conjuntivo, quase imperceptível, e o mesotélio. B. Inst. Pesca, São Paulo, 31(1): 1 - 8, 2005 Histologia do sistema digestório de sagüiru,... região, o que não acontece na região cárdica, onde o muco ocorre em pequena quantidade. Essa camada de muco se torna mais espessa no estômago pilórico. De acordo com STOSKOPF (1993), essa camada de muco é uma grossa camada de polissacarídeos, que desenvolve função semelhante à da queratina. Sugerese, assim, que esse muco proteja o epitélio contra o atrito dos grãos de areia presentes no conteúdo alimentar. 5 Nesta região, as fossetas encontram-se mais profundas, enquanto as glândulas gástricas são mais curtas, sendo ambas menos numerosas que na região cárdica. Não foram visualizadas separadamente: muscular da mucosa, submucosa, nem muscular longitudinal, contudo é bem evidente a muscular circular, que é bastante desenvolvida. A camada muscular segue desenvolvimento gradativo da região cárdica à pilórica, onde assume formato de moela. Figura 2. Estômago de Steindachnerina notonota. A - Região cárdica (escala 8 mm – HE): (a) epitélio cilíndrico simples; (b) fosseta gástrica curta; (c) glândula tubular longa; (d) muscular da mucosa; (e) camada muscular. B – Região média (escala 8 mm – PAS): (f) camada espessa de muco; (g) fosseta gástrica profunda; (h) pequena quantidade de glândulas gástricas; (i) muscular circular muito desenvolvida Região pilórica (Figura 3) – Apresenta, cobrindo a superfície interna (junto ao lume), uma camada de muco excepcionalmente mais desenvolvida que aquela das regiões anteriores. A mucosa desta região, em conjunto com a submucosa e a muscular circular, formam aproximadamente seis grandes pregas longitudinais, que tornam reduzida a luz do órgão. O epitélio de revestimento recobre pequenas pregas filiformes secundárias e não origina criptas. Não há muscular da mucosa, sendo difícil a delimitação entre mucosa e submucosa, já que ambas são pouco desenvolvidas e aglandulares, observando-se apenas o conjuntivo da lâmina própria contendo alguns vasos e originando pequenas pregas secundárias. A camada muscular é bem espessa, correspondendo a, aproximadamente, três quartos da parede do estômago pilórico, e formada predominantemente por fibras musculares lisas dispostas circularmente, sendo a camada longitudinal não evidenciada. Recobre o órgão uma serosa bastante delgada. Anatomicamente, o estômago de S. notonota é semelhante ao descrito por FUGI e HAHN (1991), que denominam “curvatura” o que neste trabalho é chamado de região média. Já, CHAVES e VAZZOLER (1984) chamam a referida região média de “alça de união”. Neste trabalho, a região média é assim chamada devido à sua localização e às características histológicas intermediárias, como espessura da muscular e quantidade de glândulas gástricas. FRANCO (1994), estudando a espécie iliófaga, Hypostomus commersonii, observou estômago grande, cheio de ar, com paredes finas e translúcidas, totalmente desprovido de glândulas gástricas e com função digestivo-respiratória. Em S. notonota ocorre o contrário, pois o estômago é pequeno, sempre contém alimento, apresenta paredes grossas e opacas e muitas glândulas estomacais, as quais ocorrem em grande quantidade na região cárdica, são poucas na região média e estão ausentes na pilórica. As características estruturais do estômago, evidenciadas em S. notonota, sugerem que o estômago dessa espécie é especializado na digestão mecânica do lodo ingerido. B. Inst. Pesca, São Paulo, 31(1): 1 - 8, 2005 6 SILVA et al. Figura 3– Região pilórica. A: Túnicas estomacais. Escala 1 mm - PAS. (a) Luz, (b) Camada de muco, (c) Prega longitudinal, (d) Muscular circular; B: Escala 4 mm - PAS. (e) Epitélio cilíndrico simples, (f) Prega secundária, (g) Lâmina própria contendo vasos; C: Escala 8 mm – PAS. (h) Camada de muco, (i) Epitélio cilíndrico simples mucossecretor, (j) Prega secundária, (l) Vaso na lâmina própria, (m) Muscular; D: Escala 20 mm – PAS. (n) Célula cilíndrica mucossecretora do epitélio apresentando grânulos médio-apicais e núcleo esférico na porção média da célula, (o) Vaso, (p) Muscular Cecos Pilóricos (Figura 4) Apresentam-se longos e em pequena quantidade. Estão situados logo após o esfíncter pilórico, no limite entre estômago e intestino. Esta localização é a mesma verificada por CHAVES e VAZZOLER (1984) e FUGI e HAHN (1991) em seus estudos. A função dos cecos pilóricos é ainda muito discutida. Para muitos autores, essas estruturas ampliam a superfície interna do intestino, aumentando a absorção dos nutrientes. Histologicamente, os cecos pilóricos apresentam mucosa com longas pregas, semelhantes a vilosidades, compostas de epitélio cilíndrico simples e lâmina própria de tecido conjuntivo frouxo, aparentemente rico em leucócitos. O PAS evidencia no epitélio células prismáticas, também chamadas absortivas ou enterócitos, intervaladas por células caliciformes. Sugere-se que essas células estejam envolvidas, respectivamente, na absorção de nutrientes e na lubrificação do epitélio intestinal. Não há muscular B. Inst. Pesca, São Paulo, 31(1): 1 - 8, 2005 da mucosa, de forma que a lâmina própria da mucosa se une à submucosa. Tanto a mucosa quanto a submucosa são aglandulares. Constituindo a penúltima camada externa existe uma camada de muscular circular muito delgada. A última camada é caracterizada como serosa. Intestino (Figura 5) O intestino é típico de peixe iliófago, muito longo e fino, formando uma espiral em torno do estômago, com as circunvoluções unidas por tecido adiposo. Nos espécimes analisados, o comprimento do intestino correspondeu a aproximadamente 9,5 vezes o do corpo. Estas características também foram observadas por AZEVEDO et al. (1938), para a mesma espécie, por FUGI e HAHN (1991), para P. scrofa e C. insculpta, e por MORAIS et al. (1997), para P. lineatus, os quais fazem referência ao grande comprimento do intestino, correlacionando-o ao tempo necessário para a difícil digestão de material como areia, lodo e celulose. Histologia do sistema digestório de sagüiru,... A análise histológica do intestino demonstra a existência de dois tipos de cortes de intestino, uns apresentando-se estruturalmente semelhantes aos cecos pilóricos, contudo com menores pregas e maior quantidade de células caliciformes, e outros, sem pregas na mucosa e com parede constituída, basicamente, de epitélio cilíndrico simples, com poucas células caliciformes e situado sobre delgada camada de músculo liso, disposta circularmente, sendo a londitudinal tão fina, que às vezes é imperceptível. Invaginações de fibras musculares são vistas facilmente na lâmina própria. Todos os cortes de intestino são envolvidos por uma túnica serosa. Histologicamente, os cortes de intestino que se apresentaram pregueados no interior (junto à luz) e com grande quantidade de células e leucócitos na lâmina própria podem ser considerados como pertencentes à porção inicial (anterior) do intestino, 7 correspondente ao duodeno. GODINHO et al. (1970) encontraram no intestino de P. maculatus pregas em maior número e pronunciadas no duodeno e reto. STOSKOPF (1993) explica que o intestino grosso é de difícil identificação, no entanto, algumas vezes, o relevo de sua mucosa é um pouco mais simples que aquele da mucosa do intestino delgado. No presente trabalho verificou-se que os cortes de intestino apresentando tecido pouco pregueado junto à luz correspondem à porção média, equivalente ao intestino grosso. Para a distinção entre as diferentes regiões do intestino de Steindachnerina notonota, são ainda necessários estudos mais elaborados, como os histofisiológicos e os histoquímicos, que podem permitir a diferenciação, com total clareza, entre as áreas de absorção de gorduras (duodeno), de absorção de proteínas (intestino grosso) e de absorção de água e íons (reto). Figura 4. Cecos pilóricos de Steindachnerina notonota. A (escala 0,8 mm – PAS): (a) luz do ceco; (b) prega longa. B (escala 4 mm – PAS): (c) epitélio cilíndrico simples; (d) lâmina própria, rica em células de tecido conjuntivo frouxo; (e) muscular circular Figura 5. Intestino de Steindachnerina notonota. A (escala 1 mm – PAS): (a) luz do intestino em um corte sem pregas; (b) corte de intestino com pregas. B (escala 4 mm – PAS): (c) epitélio cilíndrico simples, com células caliciformes; (d) lâmina própria que constitui prega; (e) camada muscular; (f) fibras musculares entrando na lâmina própria B. Inst. Pesca, São Paulo, 31(1): 1 - 8, 2005 8 SILVA et al. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AL-HUSSAINI, A.H. 1949 On the functional morphology of the alimentary tract of some fish in relation to differences in their feeding habits. II – Cytology and Physiology. Quart. Jour. Microsc. Soc., London, 90: 323-354. AMORIM-TEIXEIRA, J.L. 2002 Variação sazonal e lunar no comportamento alimentar de Steindachnerina notonota (Miranda-Ribeiro, 1937) (Pisces, Curimatidae) no Açude de Riacho da Cruz, Rio Grande do Norte, Brasil. Natal. 58p. (Dissertação de Mestrado. Universidade do Rio Grande do Norte). AMORIM-TEIXEIRA, J.L. de e GURGEL, H.C.B. 2004 Dinâmica da nutrição e alimentação natural de Steindachnerina notonota (Miranda-Ribeiro, 1937) (Pisces, Curimatidae), Açude de Riacho da Cruz, Rio Grande do Norte, Brasil. Rev. Bras. Zôo., Juiz de Fora, 6(1): 19-28. AZEVEDO, P.; DIAS, M.V.; VIEIRA, B.B. 1938 Biologia do Saguiru (Characidae, Curimatinae). Mem. Inst. Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 33(4): 481-553. 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