1 RESFRIAMENTO ARTIFICIAL NO CONTROLE DE INSETOS EM SEMENTES ARMAZENADAS. Flavio Antonio Lazzari1 Sonia Maria Noemberg Lazzari2 1 Pesquisador/Consultor Internacional. E-mail: [email protected] Professora-Pesquisadora. Departamento de Zoologia, Universidade Federal do Paraná. Caixa Postal 19020, 81531-980 Curitiba-PR, Brasil. E-mail: [email protected] (Bolsista do CNPq). 2 Sementes, em geral, estão sujeitas à redução em sua qualidade fisiológica (vigor e germinação) desde a maturação, ainda no campo, durante o armazenamento e até mesmo horas antes do plantio. Essas alterações na qualidade das sementes são causadas, normalmente, por excesso de umidade, temperaturas elevadas, fungos, insetos e manuseio inadequado durante a colheita, recebimento, secagem, armazenamento, beneficiamento e transporte. Na semente, a redução na germinação e vigor resultam em prejuízos financeiros aos sementeiros e agricultores. É importante considerar também a qualidade nutricional, uma vez que o consumo de sementes tem crescido na alimentação humana, como brotos de leguminosas, produtos da culinária oriental, produtos orgânicos certificados e outros A primeira e mais importante medida de manejo que a semente deve receber imediatamente após a colheita é a secagem e/ou o resfriamento artificial, até níveis de umidade ou de temperatura que não permitam a infecção fúngica e outros danos à semente. No caso dos fungos, é uma corrida contra o tempo, pois esses organismos necessitam de água, temperatura e tempo em horas ou dias para que a infecção ocorra em sementes individuais. Uma vez ocorrida a infecção e/ou infestação da semente, a atividade fúngica e/ou do inseto causam a morte ou consumo do embrião e, consequentemente, a redução na germinação. Convém lembrar que fungos e insetos de sementes armazenadas estão sempre associados e se beneficiam mutuamente da atividade um do outro. Neste artigo daremos ênfase ao uso do resfriamento artificial em sementes armazenadas como medida para a preservação da qualidade e para o controle de insetos. Diversas espécies de insetos atacam as sementes armazenadas de cereais (arroz, aveia, cevada, milho, trigo, sorgo, milheto) e de feijões. Em sementes de cereais o embrião é consumido pelos insetos causando redução drástica na germinação das mesmas. Em sementes de feijão a semente toda é perfurada, com danos no endosperma e embrião. Já, a semente de soja é pouco sujeita ao ataque de insetos de armazenamento. 2 As principais pragas de sementes armazenadas são os coleópteros (besouros): Sitophilus oryzae (Linnaeus, 1763) e Sitophilus zeamais Motschulsky, 1855 (Curculionidae), conhecidos como gorgulhos; os besourinhos dos cereais Rhyzopertha dominica (Fabricius, 1792) (Bostrichidae), Cryptolestes ferrugineus (Stephens, 1831) (Cucujidae), Oryzaephilus surinamensis (Linnaeus, 1758) (Silvanidae); o besouro-das-farinhas Tribolium castaneum (Herbst, 1797) (Tenebrionidae); os carunchos-do-feijão Achantocelides obtectus (Say, 1831) e Zabrotes subfasciatus Boheman, 1833 (Bruchidae). Também os lepidópteros, ou traças dos cereais, podem consumir o embrião das sementes armazenadas, destacando-se a Sitotroga cerealella (Olivier, 1819) (Gelechiidae) e Plodia interpunctella (Hübner, 1813) (Pyralidae). Figs. 1 e 2. RESFRIAMENTO ARTIFICIAL NO CONTROLE DE INSETOS EM SEMENTES ARMAZENADAS Flavio Antonio Lazzari & Sonia Maria Noemberg Lazzari2 A C B D Pragas primárias (atacam sementes íntegras): A. Sitophilus oryzae, em milho; B. Rhyzopertha dominica, em arroz; C. Acanthoscelides obtectus, em feijão; D. Sitotroga cerealella, em arroz. 3 RESFRIAMENTO ARTIFICIAL NO CONTROLE DE INSETOS EM SEMENTES ARMAZENADAS Flavio Antonio Lazzari & Sonia Maria Noemberg Lazzari A B 2 C Pragas secundárias: A. Tribolium castaneum; B. Oryzaephilus surinamensis; C. Cryptolestes ferrugineus. Estas espécies consomem principalmente o embrião; atingem grandes infestações em temperaturas mais elevadas (32 a 35ºC). A infestação de sementes por insetos depende, basicamente, da temperatura da massa de sementes (Tabela 1). Portanto, controlando a temperatura reduz-se a multiplicação dos insetos o que resulta no controle de suas populações, reduzindo os danos. Temperaturas mais baixas, geralmente abaixo de 15ºC reduzem a atividade dos insetos e outros organismos, prolongando a vida útil das sementes, mantendo sua qualidade física (aparência, cor), vigor e o poder germinativo, até por alguns anos. O efeito positivo do resfriamento artificial na manutenção das características fisiológicas de todos os tipos de sementes (oleaginosas, cereais, espécies florestais, pastagens, hortaliças, ornamentais e outras) tem sido comprovado pela experiência e pela pesquisa há muitos anos. 4 Tabela 1. Temperatura da massa de sementes armazenadas e o desenvolvimento de insetos. Resposta dos insetos de sementes armazenadas à variação de temperatura Zona Temperatura Efeito ºC Letal Sub-ótima 49-60 Morte em minutos 43-46 Morte em horas 35-37.8 33-35 Parada no desenvolvimento Desenvolvimento lento Ótima 23.9-32.2 Taxa máxima de desenvolvimento Sub-ótima 18.3-21.1 Desenvolvimento lento 12.8-15.6 Parada no desenvolvimento Letal 1.7-7.2 Morte em semanas -10 a -5 Perda dos movimentos e morte em dias Fonte: Adaptado de Fields 1992 e Subramanyam 2006. A temperatura ótima para o desenvolvimento da maioria das espécies de insetos de produtos armazenados situao o se em torno de 24-32 C. A utilização de temperatura fria na faixa de 14-16 C ou abaixo representa uma estratégia para reduzir o desenvolvimento dos insetos, alem de contribuir com a armazenabilidade da semente. A redução da o temperatura de 20 para 14 C, mediante a insuflação de ar frio, reduz a taxa de desenvolvimento populacional da maioria das espécies de insetos e fungos de armazenamento, aumentando a mortalidade, especialmente dos estágios imaturos dos insetos (larvas e pupas) e impedindo a germinação de esporos e o crescimento de hifas de fungos (Tabela 2). Assim, a massa de sementes recém-colhida com conteúdo de água de 16-18% base úmida (bu) pode ter sua o temperatura reduzida para uma faixa entre 12-15 C, inibindo o desenvolvimento de insetos e fungos e evitando redução na de germinação e vigor das sementes. Tabela 2. Efeito de cinco níveis de temperatura na duração do ciclo de vida total (em dias), dos principais insetos de produtos armazenados. 5 Temperatura (ºC) Espécie 17,5 20 25 30 35 Ephestia cautella 109 77 45 34 32 Plodia interpunctella 151 99 48 35 49 Sitophilus oryzae --- 53 36 27 29 Rhyzopertha dominica --- --- 59 42 31 Oryzaephilus surinamensis --- --- 36 22 21 Tribolium castaneum --- --- 42 28 23 Cryptolestes ferrugineus --- --- 37 23 19 Fonte: Adaptado de diversos autores. Observa-se na Tabela 3 que a maioria dos insetos de produtos armazenados tem uma faixa ótima de desenvolvimento e, com a diminuição de 5-10ºC nesta temperatura, altera-se drasticamente o seu ciclo de vida. Por exemplo: R. dominica tem um ciclo de vida de 31 dias na temperatura de 35ºC, mas reduzindo-se a temperatura para 20ºC o inseto não consegue completar seu ciclo de desenvolvimento. Com o manejo da temperatura da massa de sementes, isto é, baixando-se a mesma em 15ºC, de 35ºC para 20ºC, é possível controlar esta espécie e até suprimi-la com temperaturas mais baixas. Tabela 3. Porcentagem de dano no germe de trigo causado por diferentes espécies de insetos de produtos armazenados em dois níveis de umidade. Espécies Dano no germe em dois teores de umidade (%) 9 17 Cryptolestes ferrugineus 97 92,5 Oryzaephilus surinamensis 100 100 Rhyzopertha dominica 29 19,4 Sitophilus granarius 65 19,2 Tribolium castaneum 99 98,4 Fonte: Surtees 1964 in Fundamentals of Stored-Product Entomology. Observa-se a intensidade do dano causado no germe (embrião) do grão de trigo por insetos definidos como secundários que têm seu ciclo de vida realizado fora do grão: O. surinamensis foi de 100%; T. castaneum 99% e 98,4% e C. ferrugineus 97% e 92,5%. Enquanto que os insetos primários R. dominica 29% e 19,4% e S. granarius 65% e 19,2%, respectivamente, nos dois teores de umidade 9 e 17%. O resfriamento artificial da massa de sementes visando ao controle de insetos pode ser feito de forma estática e/ou dinâmica. Define-se como resfriamento estático a insuflação de ar frio através da massa de sementes armazenadas em 6 silos de 100 a 300 t. Resfriamento dinâmico é o resfriamento da massa de sementes em movimento dentro de um silo resfriador (caixa resfriadora). Recomenda-se o resfriamento das sementes o mais breve possível após a colheita e/ou a secagem para evitar a oviposição pelos insetos migrantes e/ou residentes. Define-se como insetos migrantes os que vêm de fora da unidade e/ou das instalações e os insetos residentes são os que vivem permanentemente dentro das instalações/estrutura em frestas, trincas, elevadores, caixas, vigas Us, túneis, moegas, sacaria com semente velha e em descartes de sementes. o Tecnicamente, o resfriamento artificial consiste na insuflação de grandes volumes de ar frio na faixa de 10-12 C com umidade relativa ao redor de 70% produzido por um equipamento de refrigeração de grande porte . (Fig. 3 a 5). RESFRIAMENTO ARTIFICIAL NO CONTROLE DE INSETOS EM SEMENTES ARMAZENADAS 2. Flavio Antonio Lazzari & Sonia Maria Noemberg Lazzari 18ºC Resfriament o Artificial 16ºC 14ºC Esquema do resfriamento artificial para o controle de insetos em grãos e sementes. 7 RESFRIAMENTO ARTIFICIAL NO CONTROLE DE INSETOS EM SEMENTES ARMAZENADAS Flavio Antonio Lazzari & Sonia Maria Noemberg Lazzari2 Fig. 4 Modelo de resfriador para sementes. Resfriamento de sementes a granel. 8 O ar frio é insuflado através da massa de sementes, a baixa velocidade, pelo sistema de aeração dos silos (resfriamento estático) ou por um silo resfriador ou caixa resfriadora (resfriamento dinâmico). O ar frio, produzido artificialmente, ao passar através de uma massa de sementes e em contacto com sementes individuais realiza a troca de calor, umidade e gases. Quando o ar frio passa por uma massa de sementes quentes, o ar vai primeiro equilibrar sua umidade com a umidade das sementes, e depois aceitará calor da semente, resfriando a primeira camada com a qual entra em contato. Uma vez que o ar frio atinge a umidade e temperatura de equilíbrio com a massa de sementes, não continuará mais a resfriar as sementes. É importante não interromper o processo de resfriamento antes que o mesmo tenha resfriado toda a massa, pois, se uma camada de sementes permanecer quente, poderá sustentar uma população de insetos dentro da mesma, apesar da grande parte estar resfriada. Convém lembrar que a semente é um excelente isolante térmico, portanto, requer atenção para que bolsões de calor não permaneçam dentro da massa de sementes. A tecnologia do resfriamento pode ser utilizada em todas as regiões produtoras de sementes ou não. O frio permite driblar as adversidades climáticas das regiões menos propícias a produção de sementes ou de clima quente. Por se tratar de uma medida física de controle, a tecnologia de resfriamento artificial pode ser aplicada em ambientes e produtos aonde não se tolera a presença de resíduos de ingredientes ativos de inseticidas, como as sementes especiais e orgânicas. Nas regiões produtoras de sementes de clima quente, a aeração com ar natural por si só não é suficiente para controlar as infestações, requerendo, normalmente, a aplicação de controle químico. Em regiões frias, o resfriamento pode ser feito através da aeração com ar natural aproveitando o ar frio ambiente trazido pelas frentes frias. Convém mencionar que no Brasil predominam regiões aonde as condições do ar ambiente não são suficientes para resfriar a semente a uma temperatura desejável. O uso da aeração com ar resfriado possibilita o armazenamento seguro de sementes nestas regiões de clima quente, a redução do uso de inseticidas químicos, manutenção da qualidade fisiológica e aumento na segurança alimentar, em se tratando de sementes que serão consumidas. O resfriamento da massa de sementes, mediante a insuflação de ar condicionado frio, apresenta a vantagem de poder ser aplicado com maior eficiência em larga escala, pois não depende das condições ambientais externas. O resfriamento feito imediatamente após a colheita e/ou secagem representa uma ferramenta valiosa no controle de populações de insetos e manutenção da qualidade da semente. (Fig. 6). 9 Vantagens da aeração com ar resfriado artificialmente em sementes: • Independe das condições climáticas • Sementes com TU (%) + elevados • Inibe o desenvolvimento de insetos e fungos • Mantém vigor, germinação e qualidade • Reduz quebras técnicas (sobre-secagem, acidez, perda de peso) Fluxo de Ar Frio (10-12ºC) Concluindo, o manejo de populações de insetos de sementes armazenadas com ar resfriado artificialmente promove a manutenção da qualidade física (aparência, cor, odor, sabor), fisiológica (germinação e vigor) e nutricional (segurança alimentar) das sementes.