Homilia Semana Caritas 1 de Março de 2015 Num só coração, uma só família humana. É o tema para a semana Caritas. É bonito, actual e está de acordo com o sonho de crentes e descrentes. Sonho que Deus põe no coração de cada pessoa. Se Deus é Pai e Criador de todos, então todos os homens são irmãos e chamados a ser uma só família. Esta é a razão última, donde brotam variadas tentativas, estratégias e anseios de fazer da humanidade uma só família. Mas então porque tantas guerras, ódios e injustiças? Porque tanta indiferença de pessoas e povos diante do sofrimento alheio? Porque tanta gente marginalizada? Porque tantas tentativas falhadas de reunir a todos? Porque em nome de Deus há tantas perseguições e ódios? Qualquer sociólogo ou politólogo tem explicações e importantes. Mas o problema é mais profundo. A dificuldade de construir a família humana vem da dificuldade de aceitar Deus como Pai e de aceitar os outros como irmãos ou como pessoas com a mesma dignidade; vem da dificuldade de destruir o pecado do egoísmo que isola de Deus, que faz a cada um de nós o centro do mundo e nos divide em ilhas. Pecado donde brota a incapacidade para compreender, admirar, acolher e integrar plenamente o pobre e para partilhar mesmo aquilo que nos faz falta. Caros irmãos e irmãs. Construir a comunhão é belo mas mete medo. Medo de que o outro nos roube o lugar. Medo de emagrecer o 'ego' demasiado gordo. Medo de romper com a indiferença que separa do outro e que cria muros de indiferença e suspeita do outro, em vez de pontes e de elos de comunhão. Os discípulos de Jesus também tiveram o sonho do Reino que Jesus anunciava e fazia presente, o sonho dum mundo fraterno vivido no espírito das bem-aventuranças. Mas ao verem que o mestre era incompreendido e ao ouvirem Jesus dizer-lhes que para ser Seu discípulo era preciso tomar a Sua cruz, negar-se a si mesmo e segui-Lo, vacilaram e começaram a ter medo de O seguir. Jesus, compadecido, transfigurou-se, como ouvimos no evangelho, para os confirmar na fé do Seu seguimento. Exortou-os a não terem medo de deixar tudo para O seguir, pois que o seguimento de Jesus na morte levaria à partilha da Sua ressurreição. E para fortalecer esta visão, o Pai de Jesus disse-lhes: Este é o meu filho muito amado, ouvi-O. Amigos O sonho de seguir Cristo, de anunciar o Reino de Deus, de fazer do mundo uma só família, de vencer a fome e o mal seduz-nos. Mas temos medo. E temo-lo porque percebemos que para isso é preciso criar leis mais justas e partidos apaixonados pela dignificação de cada pessoa; é preciso formar políticos empenhados no bem comum, é preciso conhecer, dar a conhecer e praticar o ensinamento social da Igreja... Mas é preciso algo mais difícil: criar em nós um coração que acolha Deus; um coração convertido a Cristo que nos faça ver no outro um irmão que nos eleva; um coração que nos faça sentir as alegrias e dores do outro como nossas e que nos aproxime do pobre para o integrar plenamente; um coração humilde capaz de criar comunhão em toda a parte e capaz de morrer para que o outro viva; um coração verdadeiramente convertido a Jesus Cristo. Quem tem este coração convertido? Onde encontrar força para esta conversão? Jesus responde convidando-nos a contemplar a Sua transfiguração como fez com os apóstolos. E não só nos fortalece a fé pela graça da Sua transfiguração, mas também na Eucaristia de cada domingo nos convida a celebrar a Sua morte e ressurreição para O seguir até ao fim. A Eucaristia semanal é graça onde Cristo nos diz que quem O segue no acolhimento do amor do Pai, no serviço do amor aos pobres e na construção da comunhão na verdade, na justiça, no amor e na liberdade, esse viverá para sempre com Ele. E, nela, não só nos dá esta certeza como nos oferece em alimento o Seu Corpo para fazer de nós Seus discípulos apaixonados, para fazer de nós - que somos muitos - um só corpo e uma só família e para fazer de nós ser fermento de comunhão. Como é grande a graça e o desafio da Eucaristia? Como o acolhes, irmão? Que Maria, Mãe da Igreja nos ajude a abrir o coração a Cristo de par em par; que Ela nos ensine a ouvir Jesus como o Pai mandou; que Ela nos ensine a dar ao Senhor o melhor de nós mesmos como fez Abraão; que nos ensine a dizer com Paulo: se Deus está por nós quem pode estar contra nós? Que Ela nos ensine a seguir Cristo radicalmente, para sermos construtores da Igreja comunhão e instrumento de comunhão com Deus e dos homens entre si. +Gilberto, Bispo de Setúbal