Adaptações Cardíacas em Atletas: Estudo Comparativo. Tema Livre

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Tema Livre
Adaptações Cardíacas em Atletas: Estudo Comparativo.
Castanheira J., Pereira T., Conde J.
Departamento de Ciências Imagiológicas e Bio-Sinais, Sector de
Cardiopneumologia Escola Superior de Tecnologia da Saúde de
Coimbra, Portugal.
Introdução
A Síndrome do coração de atleta constitui actualmente um tema de grande interesse, pela dificuldade
em se estabelecerem parâmetros fiéis de distinção entre as alterações cardiovasculares fisiológicas e
as de causa patológica. Por outro lado, a ocorrência de morte súbita em atletas jovens tem um
impacto importante na sociedade em geral, obrigando ao aprofundamento do conhecimento das
características específicas do coração do atleta [1].
Os atletas constituem um grupo de indivíduos submetidos a intensa exposição ao exercício físico, ao
qual respondem com inúmeras alterações morfo-fisiológicas e funcionais. Estas alterações a nível
cardiovascular ocorrem tanto a nível central como periférico, manifestando-se primariamente pela
diminuição da frequência cardíaca, tanto em repouso como em esforço, bem como pelo aumento das
dimensões cardíacas, nomeadamente o aumento das dimensões telediastólicas do VE (consequência
da sobrecarga de volume) e a hipertrofia ventricular esquerda (aumento da massa do VE) [2,3,7,6].
Um atleta pode impor dois tipos de carga ao coração, dependendo do tipo de desporto que pratica isotónico (dinâmico) ou isométrico (estático).
No exercício dinâmico existe um grande número de músculos em carga, sendo portanto necessários
maiores consumos de oxigénio, o que pressupõe um aumento do Débito Cardíaco. Desta forma,
ocorre uma sobrecarga de volume no VE, da qual resulta um alargamento e hipertrofia ventricular
esquerda. No exercício estático, a necessidade energética é essencialmente anaeróbia, impondo-se
essencialmente uma sobrecarga de pressão ao coração, da qual decorre um aumento da massa
muscular sem necessidades de aumento de volumes. Na prática, quase todos os desportos contêm os
dois tipos de exercício, daí que se obtenha um aumento das dimensões das estruturas cardíacas
acompanhado de hipertrofia simétrica. Todas estas adaptações são reversíveis com a descontinuidade
do exercício [4,9].
No evoluir da prática desportiva são trabalhados e consequentemente desenvolvidos os sistemas
energéticos de que o organismo se pode apoiar para o fornecimento de energia necessária a todo o
conjunto de movimentos que uma actividade física pressupõe [5].
As adaptações cardiovasculares manifestam-se nos atletas em vários graus, sendo estas influenciadas
por inúmeros factores tais como a pressão arterial, o nível e intensidade do treino, a idade, o género,
entre outras.
A ecocardiografia é um método não invasivo, de grande utilidade na caracterização e estudo do
coração de atleta, permitindo analisar directamente e em tempo real as estruturas cardíacas,
fornecendo uma informação fiável das dimensões e das várias funções cardíacas. A ecocardiografia
tem, cada vez mais, um papel essencial no diagnóstico do coração de atleta e no diagnóstico
diferencial entre o coração de atleta e patologias estruturais cardíacas de aspecto semelhante [6,10].
O diagnóstico diferencial deve centrar-se no estudo da etiologia das alterações cardíacas no sentido
de confirmar com clareza a ausência de patologia e eventual risco de eventos cardíacos [7,11].
Objectivo
O desporto actualmente assume-se como uma área de interesse para a população em geral, não só
pelo aumento de praticantes, como pela ocorrência de mortes súbitas em atletas jovens. O coração
dos atletas, estando sujeito a exercício físico intenso e continuado desenvolve adaptações que lhe
permitem optimizar a sua função. Nesse sentido, o objectivo do presente trabalho foi estudar as
alterações mais frequentemente encontradas no ecocardiograma dos atletas.
Métodos
Uma amostra de 225 sujeitos do género masculino, 109 atletas (jogadores de futebol) e 116 nãoatletas (grupo de controlo), foram avaliados num estudo transversal. A média de idades foi de 16,30
anos (amplitude 7-42 anos). Os grupos considerados (atletas e controlo) eram homogéneos em
termos sociodemográficos. O número médio de horas de treino semanal no grupo dos atletas foi de
6,2±1,3 horas.
Todos foram sujeitos a avaliação ecocardiográfica, tendo-se extraído dados relativos ao estudo
morfológico das câmaras cardíacas, nomeadamente diâmetros sistólico e diastólico do ventrículo
esquerdo (VE), diâmetro da aurícula esquerda (AE), espessura do septo interventricular e da parede
posterior do VE, fracção de encurtamento, raiz da aorta e diâmetro do ventrículo direito. A massa do
VE foi calculada com base na fórmula de Devereaux, e corrigida à área de superfície corporal (IMVE).
Resultados
A avaliação da existência de relação entre as várias dimensões cardíacas e a progressão dos atletas
nos escalões desportivos (tabela I) revelou correlações estatisticamente significativas e positivas, ou
seja, quanto mais elevado é o escalão desportivo a que o atleta pertence maiores são as várias
dimensões cardíacas do mesmo.
Tabela I: Relação entre as várias dimensões cardíacas e o escalão
desportivo.
Numa análise comparativa, verificamos que existem diferenças médias estatisticamente significativas
do Diâmetro da Aurícula Esquerda entre o grupo de controlo e os futebolistas amadores, sendo
superiores neste último grupo, tabela II. Quanto ao Diâmetro Diastólico do Ventrículo Esquerdo
(Dd_VE), Septo interventricular em diástole, Massa Ventricular Esquerda e Índice de Massa
Ventricular Esquerda, encontraram-se diferenças estatisticamente significativas entre os grupos, no
que concerne ao Septo interventricular e Índice de massa Ventricular Esquerda (p<0,05) tabela III.
Tabela II: Relação entre as diferenças médias do diâmetro da Aurícula Esquerda entre o
grupo de controlo e os atletas.
Tabela III: Relação entre as diferenças médias do Dd_VE, SIV_d, MVE, ASC, IMVE existentes
entre o grupo de controlo e os atletas.
A título exploratório conduziu-se à comparação dos futebolistas amadores com o grupo de controlo
em função do escalão desportivo, ou equivalente ao escalão desportivo no grupo de controlo, no que
diz respeito ao IMVE, como se pode observar na tabela IV. Verificamos ausência de diferenças
estatisticamente significativas para os escalões mais jovens, verificando-se diferenças
estatisticamente significativas apenas na comparação dos seniores e equivalente do grupo de controlo
onde se demarca claramente um maior IMVE nos atletas.
Tabela IV: Relação de comparação entre os atletas e o grupo de controlo em função do
escalão desportivo ou equivalente do grupo de controlo.
A análise do aumento das dimensões cardíacas de acordo com o número de horas de treino semanal,
está representada pela tabela V, onde podemos observar que não existem correlações
estatisticamente significativas entre todas as dimensões cardíacas e o número de horas de treino
semanal.
Tabela V:Relação das várias dimensões cardíacas de acordo com o número de horas de
treino semanal.
A análise de relação entre o Índice de Massa Ventricular Esquerda e o Diâmetro Diastólico do
Ventrículo Esquerdo, representado na tabela VI revelou uma correlação significativa positiva, com um
coeficiente de correlação linear de 0,821 e um coeficiente de determinação de 67,4%.
Tabela VI: Diferenças das dimensões cardíacas nos vários escalões
desportivos.
Conclusão
Os atletas estão sujeitos a esforços intensos e de longa duração, que originam adaptações a nível
orgânico, nomeadamente a nível do sistema cardiovascular no intuito de o tornar mais eficaz na
resposta aos exercícios que lhe são incutidos. O sistema cardiovascular adapta-se a vários níveis,
sendo estas adaptações o objecto central do nosso estudo.
A observação de incrementos nas dimensões cardíacas em função do escalão está de acordo com os
estudos de Pellicia et al [8] e Faggard [6], verificando-se um aumento nas dimensões cardíacas em
função dos escalões desportivos.
Para além do aumento das dimensões cardíacas, o coração do atleta sofre um grau de hipertrofia de
acordo com o tipo e horas de desporto praticado, sendo esta quantificada no nosso estudo pelo IMVE.
Através da análise feita na nossa amostra, percebemos que quanto maior é o número de horas de
treino maior é o IMVE. Adicionalmente, o IMVE também revelou um aumento progressivo em relação
ao escalão desportivo a que os atletas pertencem, sendo portanto de presumir que as adaptações
cardíacas observadas decorram da intensidade, durabilidade e nível de exercício físico praticado.
Constatámos ainda que o IMVE se relacionava de forma linear com o Dd_VE. Sharma et al [9] e Maron
[10] referem que o coração do atleta apresenta aumento das espessuras das paredes ventriculares
mas que estas se dão em proporção com o aumento do diâmetro ventricular. Esta alteração não se
verifica geralmente nos doentes com Miocardiopatia Hipertrófica, que apresentam apenas hipertrofias
assimétricas ou simétricas marcadas das paredes, sem que esta seja acompanhada de alargamento
do VE, sendo portanto um dado de importante valor diagnóstico. Também Pelliccia et al [8], Faggard
[6] e Costa [1] reforçam esta ideia, tendo constatado diâmetros do VE consideráveis em ciclistas, mas
em que este aumento era proporcionalmente acompanhado com o aumento da espessura das paredes
ventriculares.
Com base nos referidos autores e nos resultados obtidos com a nossa amostra, em que todos os
atletas apresentaram proporção entre o aumento dimensional do IMVE e Dd_VE, constatamos que
todos eles possuem uma hipertrofia fisiológica, adaptativa, estando por isso fora da zona de risco
(área cinzenta).
Em termos comparativos, constatamos diferenças significativas quanto ao diâmetro da AE, à
espessura do SIV e ao IMVE, apresentando-se estas superiores nos atletas., tendo-se verificado
também valores médios do Dd_VE superiores nos atletas, mas sem atingir significado estatístico.
Estes resultados são semelhantes aos de Devereux [11] e Faggard [6], que documentaram maiores
dimensões cardíacas em praticantes de desporto comparativamente com não-atletas.
Os resultados revelam a existência de adaptações cardiovasculares marcadas dependentes da prática
desportiva, caracterizando-se em termos cardíacos por um aumento das dimensões cardíacas e da
espessura das paredes do VE. Este aumento dimensional cardíaco depende dos anos de prática, sendo
legítimo presumir que as alterações cardiovasculares decorrentes da prática desportiva variem em
função da duração, regularidade e intensidade do treino.
É de realçar o importante contributo da ecocardiografia no diagnóstico diferencial entre o coração de
atleta e entidades clínicas patológicas.
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Publicação: Outubro de 2007
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Atualização: 12-Oct-2007
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