1 SOCIEDADE BRASILEIRA DE TERAPIA INTENSIVA - SOBRATI MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM TERAPIA INTENSIVA VINICIUS JOSÉ GOMES FORMIGA BARROS AS NOVAS TENDÊNCIAS DA ANESTESIOLOGIA EM UTI JOÃO PESSOA 2011 2 VINICIUS JOSÉ GOMES FORMIGA BARROS AS NOVAS TENDÊNCIAS DA ANESTESIOLOGIA EM UTI Dissertação apresentada por Vinícius, ao Mestrado de Terapia Intensiva, promovido pela Sociedade Brasileira de Terapia Intensiva, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre. Orientador: Dr. João Bezerra Junior JOÃO PESSOA 2011 3 SOCIEDADE BRASILEIRA DE TERAPIA INTENSIVA - SOBRATI MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM TERAPIA INTENSIVA AVALIAÇÃO DE DISSERTAÇÃO Comunicamos à Coordenação do Curso de Mestrado Profissionalizante em Terapia Intensiva, que a dissertação de Vinícius José Gomes Formiga Barros, intitulada: As novas tendências da anestesiologia em UTI, foi submetida à apreciação da Comissão Examinadora composta pelos seguintes professores: (orientador), (examinador) e (examinador), no dia ____ de __________ de ______ . A monografia foi __________________ pela Comissão Examinadora e obteve nota ( ___________________ ) Reformulações sugeridas: Sim ( ) Não ( ) Atenciosamente, __________________________________________ Dr. João bezerra Junior Orientador __________________________________________ Examinador __________________________________________ Examinador 4 “À medida que aumenta o conhecimento sobre as células e a turbulência química em seu interior, torna-se evidente que o aparente caos de nossos tecidos tem um forte propósito - a sobrevivência”. Sherwin B. Nuland 5 A minha esposa e filhos sempre juntos na minha caminhada. 6 AGRADECIMENTOS A Deus, fonte de criação e sabedoria; Aos meus familiares que sempre compreenderam a ausência durante os estudos; Especialmente ao meu orientador pela paciência, dedicação, compreensão e brilhantismo em suas orientações; A todos os professores do curso pela competência e zelo na transmissão do conhecimento; Aos amigos e colegas de curso, pela força e conselhos; A todos que contribuíram direta ou indiretamente para a realização deste trabalho. 7 LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Anestesia pelo éter........................................................................................... 15 Figura 2 – Consequências da dor.................................................................................... 16 Figura 3 – Anestesia Geral........................................................................................... 19 Figura 4 – Anestesia Geral inalatória.............................................................................. 20 Figura 5 – Anestesia Regional.......................................................................................... 20 Figura 6 – Anestesia Peridural........................................................................................ 21 Figura 7 – Agentes α2-agonistas...................................................................................... 28 Figura 8 - Agentes α2-agonistas adrenérgicos.................................................................35 Figura 9 – Unidade de Terapia Intensiva....................................................................... 37 Figura 10 – Drogas mais utilizadas na UTI.................................................................... 38 8 LISTA DE ABREVEATURAS ACh - Acetilcolina AINH - Anti-inflamatórios não hormonais BMN - Bloqueadores neuromusculares ED50 - European Datum 1950 EDTA - Ácido etilenodiamino tetra-acético FC – Frequência Cardíaca GABA - Ácido gama-aminobutírico IAM - infarto do miocárdio MAC - Sigla inglesa que traduz a mínima concentração alveolar que corresponde mais ou menos à ED50 para os fármacos intravenosos NMDA - N-metil-D-aspartato NT - Neurotransmissor PA – Pressão arterial REM - Sono UTI – Unidade de Terapia Intensiva VM – Ventilação mecânica 9 Vinicius José Gomes Formiga, Barros. As novas tendências da anestesiologia em UTI. 2011. 42fls. Dissertação (Mestrado profissionalizante em Terapia Intensiva) – Sociedade Brasileira de Terapia Intensiva – SOBRATI, São Paulo. RESUMO A presente dissertação teve como objetivo apontar as novas tendências da anestesiologia em UTI. Através da pesquisa bibliográfica, utilizando referências importantes como Manica, Moritz, Terzi e Amaral entre outros, se discorreu sobre a história, conceito e evolução da anestesia e se apontou os anestésicos atuais mais utilizados nos diferentes circunstâncias relacionadas à dor. Desde a antiguidade a medicina vinha tentando combater a dor. Para tanto, diversos meios foram testados para o seu alívio e hoje já se dispõe de diversos e diferentes fármacos que tratam do quadro dolor em suas várias e distintas intensidades. No tratamento da dor em UTI, os consensos para a sedoanalgesia indicam como fármacos sedativos o midazolam e o propofol e como analgésicos os opióides. Nos últimos anos novos fármacos têm sido adicionados a esse arsenal terapêutico, tais como a cetamina e a dexmedetomidina. O fentanil é indicado para a analgesia em UTI, principalmente de pacientes instáveis hemodinamicamente. Contudo, as melhoras do processo anestésico atualmente têm suas raízes em diversos fatores: qualificação dos médicos anestesistas; avanços tecnológicos aplicados na medicina, que disponibiliza aparelhos cada vez mais precisos de monitoramento de funções vitais e instrumentos de aplicação; drogas mais seguras; melhor preparo dos pacientes e, principalmente, a instituição da consulta pré-anestésica. Palavras-Chave: Anestesiologia. Farmacologia. UTI. 10 Vinicius José Gomes Formiga, Barros. New trends in anesthesiology in the ICU. 2011. 42fls. Disertation (Mestrado profissionalizante em Terapia Intensiva) – Sociedade Brasileira de Terapia Intensiva – SOBRATI, São Paulo. ABSTRACT This dissertation aimed to point out the new trends in anesthesiology in the ICU. Through literature search, using references as important Manica, Moritz, Terzi and Amaral among others, have talked about the history, concept and evolution of anesthesia and pointed to the anesthetics commonly used today in different conditions related to pain. Since ancient medicine had been trying to combat the pain. To this end, various means were tested for their relief and today it has several different drugs that treat the painful in its various and different intensities. In the treatment of pain in the ICU, the consensus to indicate how sedoanalgesia sedative midazolam and propofol and opioids as analgesics. In recent years new drugs have been added to the therapeutic armamentarium, such as ketamine and dexmedetomidine. Fentanyl is indicated for analgesia in ICU, particularly in hemodynamically unstable patients. However, the improvements of the anesthetic process today have their roots in several factors: qualification of anesthesiologists; applied technological advances in medicine, equipment that provides more accurate monitoring of vital functions and enforcement tools; safer drugs, better preparation of patients, and especially the institution of pre-anesthetic. Key-words: Anesthesiology. Pharmacology. ICU. 11 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO...............................................................................................................12 1.1 OBJETIVOS................................................................................................................. 13 1.2 MÉTODO DE ABORDAGEM..................................................................................... 13 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA................................................................................. 15 2.1 A DOR E SEUS EFEITOS............................................................................................ 15 2.2 ANESTESIA: ASPECTOS CONCEITUAIS................................................................ 19 2.3 A MEDICINA ANTES E APÓS DA ANESTESIA..................................................... 22 2.4 IMPORTÂNCIA DA ANESTESIA PARA A MEDICINA......................................... 24 2.5 A ANESTESIOLOGIA ATUALMENTE..................................................................... 26 2.5.1 Sedação...................................................................................................................... 26 2.5.2 Analgesia.................................................................................................................... 29 2.5.3 Bloqueadores neuromusculates............................................................................... 36 2.6 A ANESTESIOLOGIA EM UTI.................................................................................. 37 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................... 41 REFERÊNCIAS................................................................................................................ 42 12 1 INTRODUÇÃO A Unidade de Terapia Intensiva (UTI) é o local onde se concentra a maior tecnologia dentro de um hospital e uma das áreas mais importantes em uma instituição de alta complexidade. É responsável pela assistência a pacientes em fase crítica de sua doença, e em decorrência de acidentes ou procedimentos como uma cirurgia de maior risco. Por essa razão conta com uma equipe multidisciplinar de profissionais da área de saúde, para prestarem serviços intensivos conforme suas especialidades. Dentre esses serviços encontra-se a anestesiologia, a qual tem como finalidade amenizar um dos processos mais desagradáveis do paciente em UTI: a dor. Na realidade a dor sempre foi e sempre será o maior algoz do homem e que as vêzes, em um período mais remoto, acreditava ser um desígnio divino, um castigo, já que ele não possuía recursos para combatê-la. Desde a antiguidade a medicina tentou contornar a dor e diversos meios foram testados para o seu alívio. Das primeiras experiências até os dias atuais, a evolução da anestesiologia se deu de forma contínua e inovadora, onde novos anestésicos foram descobertos e introduzidos na prática anestésica, sendo atualmente realizada por modernos aparelhos e drogas sofisticadas, consolidando a anestesiologia como uma especialidade médica imprescindível no âmbito hospitalar e especialmente na UTI. Nessa perspectiva, a presente dissertação busca traçar uma linha do tempo na história e evolução da anestesia, dentro do seu projeto de ser uma área específica da prática médica, hoje a anestesiologia, colocando em evidência os primeiros passos da ciência médica no combate a dor ao atual estágio em que se encontra e como atua para esse fim em um ambiente de alta complexidade como é a UTI. A relevância desse estudo está no fato de que a anestesia está entre as especialidades médicas, para não dizer as ciências mundiais, que mais tem evoluído ao longo dos últimos anos, buscando sempre aperfeiçoar as técnicas, tornar as drogas mais eficientes e, sobretudo, assegurar ao paciente um combate e alívio à dor com menos risco e maior qualidade durante e após o pós-operatório, principalmente quando o paciente se encontra na UTI, dependendo de todo um conjunto de procedimento para sair do quadro de risco de morte. 13 1.1 OBJETIVOS Geral: Apontar as novas tendências da anestesiologia em UTI. Específicos: Discorrer sobre a história da anestesia; Descrever sobre a evolução do conceito de anestesia; Apontar os anestésicos atuais mais utilizados nos diferentes circunstâncias relacionadas à dor. 1.2 MÉTODO DE ABORDAGEM De acordo com a natureza do trabalho de pesquisa desenvolvida, o método de abordagem utilizado é o dedutivo. Segundo Lakatos e Marconi (2001, p. 25): A dedução é o caminho das consequências, ou seja, do geral para o particular, leva à conclusão. Segundo esse método, partindo-se de teorias e leis legais, pode-se chegar à determinação ou previsão de fenômenos ou fato particular. O percurso da mesma fazse causa para o efeito. Quanto aos procedimentos metodológicos, foi utilizado o método monográfico. De acordo com Lakatos e Marconi (2001, p. 84), o método monográfico “consiste na observação de determinados indivíduos, profissões, instituições, grupos ou comunidades, com a finalidade de obter generalizações”. Do ponto de vista dos procedimentos e objetivos da pesquisa, quanto ao objeto, foi utilizada a pesquisa bibliográfica. Segundo Lakatos e Marconi (2001), este tipo de pesquisa pode-se constituir em um procedimento preparatório para a realização de outra pesquisa. Assim, a pesquisa bibliográfica tem os seguintes objetivos: Elaborar um trabalho acadêmico através da delimitação de um tema; 14 Proporcionar conhecimentos para a participação de eventos de caráter científico; Fornecer subsídios para a pesquisa de campo. No processo de trajetória da pesquisa bibliográfica, foram executadas as seguintes etapas: Escolha do objeto da pesquisa; Formulação do problema; Identificação das fontes primárias e secundárias; Pesquisa de obras; Análise do material; Redação do texto. 15 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1 A DOR E SEUS EFEITOS Desde a antiguidade a medicina vinha tentando combater a dor. Para tanto, diversos meios foram testados para o seu alívio, como beberagens de várias plantas, o álcool. Porém constantemente com essas tentativas de combater a dor os profissionais da medicina eram barrados pela população, pela igreja como sendo um herege. Um médico inglês pelo ano de 1700 e pouco conseguiu fazer uma operação sem dor com o paciente inalando éter. Esse médico quase foi morto pela população da cidade quando se descobriu sobre o que ele estava fazendo. Quando nos Estados Unidos da América Tomas Grimm Moer descobriu a anestesia pelo éter e demonstrou na escola de medicina de Massachuster, foi uma inovação. Imaginam como era a medicina só podendo realizar amputação, abertura de abscesso e retirada de um corpo estranho sem anestesia. Era feito com indivíduos amarrados, às outras operações nem pensar. Até então a cirurgia tinha como obstáculo à dor. Nessa demonstração de Tomas uma cirurgia foi realizada com a retirada de um tumor no pescoço do paciente (Figura 1). O paciente atingiu o plano de anestesia com o éter e posteriormente recuperou os sentidos. Como o éter tem uma analgesia longa o doente retorna os sentidos, mas ainda continua analgesiado (COLLINS, 19179). Figura 1 – Anestesia pelo éter 16 Enquanto os americanos desenvolviam a anestesia pelo éter, os europeus desenvolviam pelo clorofórmio e assim foi pro um longo tempo. Mas a cirurgia evoluiu tanto que a anestesiologia se tornou especialidade médica. A primeira anestesia realizada no Brasil foi com éter, em 1847, no Hospital Militar do Rio de Janeiro pelo médico Roberto Jorge Haddock Lobo. A anestesia com o clorofórmio chegaria ao Brasil no ano seguinte, em 1848, sendo realizada na Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, pelo médico Manuel Feliciano Pereira de Carvalho. A anestesia para aliviar a dor durante os procedimentos invasivos continuava a ser um tema que despertava o interesse dos médicos até bem depois disso (GUÉRIOS, 2004). O estudo da dor de 1960 para cá foi que realmente a medicina começou a compreender os mecanismos da dor e começou a ver a importância. Muita das vezes se opera um indivíduo, terminada a operação, terminada a anestesia o paciente fica num pós-operatório durante dias sentindo fortes dores. Sobre a dor sabe-se que esta se apresenta de dois tipos: aguda e crônica, mas são completamente diferentes, mas ambas levando a um grande sofrimento, com consequências (Figura 2) que pode levar a morte (TEIXEIRA, 1994). Figura 2 – Consequências da dor A dor aguda é aquela que tem como consequência um traumatismo imediato, uma pancada, uma queimadura, um corte. Já a dor crônica é aquela que se instala lentamente e vai cronificando; é uma dor que dura mais de duas semanas. 17 Define-se então a dor como sendo uma sensação desagradável pela conscientização de uma agressão tissular. Por exemplo, quando se encosta um cigarro no pé provoca uma lesão tissular pela queimadura isso desencadeia um influxo nervoso e quando a consciência tomar ciência daquela agressão sente-se a dor. Se não se está consciente, se o indivíduo está em coma profundo ele não sente a dor, e não conscientiza aquele estímulo então ele não sente aquela dor. Então, é preciso que ocorra um estímulo nóxio (do latim quer dizer nocivo) para agredir o tecido, nesse tecido existem receptores de fibras sensitivas que são chamados transceptores nociceptivos. Então tem o agente nóxio que pode ser queimadura, trauma, químico, mas podem ser também e principalmente agentes elaborados pelo próprio tecido que foi agredido. Surge aqui uma cadeia de reações que constituem o que se chama de inflamação; pela liberação de prostaglandinas, bradicininas. Uma vez ativada a fibra nervosa duas classes de fibras são muito importantes na transmissão da dor. São as fibras chamadas a-delta e a fibra C, elas são responsáveis por estes estímulos que vão desencadear a dor. Essas fibras agora caminham pelo nervo vão até o gânglio dorsal que existe junto à medula. Por exemplo, a fibra que inerva o casco de uma girafa ela vai desde ali do casco sobe pela perna da girafa e o corpo do neurônio está lá em cima perto da espinha do animal. Então junto da espinha tem um gânglio vertebral posterior desse gânglio sai um prolongamento aferente que vai ao corno posterior da medula. No corno posterior, essa fibra vai fazer conexão com neurônios internunciais que se distribuem no corno posterior, formando varias conexões entre si chamado de lâminas. Então essas lâminas são designadas pelas letras romanas I, II, III, IV entre outros; mas as lâminas envolvidas no processo de transmissão da dor são as lâminas I, II e V (MANICA, 2004). Daqui partem conexões que podem ter vários destinos, ou elas passam ao lado contrário, ou elas seguem para o corno anterior. O anterior da medula que é chamado corno motor é o corno sensitivo (posterior). Nesse “motor” a medula faz conexão com um outro neurônio e agora vai permitir a fibra que vai aos músculos da região agredida. Então mesmo que se corte a medula e ocorra uma queimadura no pé do animal forma-se um arco reflexo que vem via posterior e esse impulso passa direto dessas lâminas ao corno anterior e provoca uma contratura. As fibras que passam pela comissura anterior e chegam a uma estrutura lateral vai constituir o feixe espino-talâmico. Então os feixes espino-talâmico sobem pela parte contraria da medula e vão às direções ao encéfalo, vão às direções ao sistema reticular fazendo várias 18 conexões que vão terminar no córtex sensitiva do lado oposto. Surge então à conscientização daquela agressão, a conscientização da intensidade da agressão, a localização da agressão. O organismo precisa da dor como um sinal de alerta e ela é muito importante para a sobrevivência. Mas também não precisa que a dor se transforme num desconforto extremo, a dor tem que funcionar só como um sinal de alerta (TEIXEIRA, 1994). O organismo possui mecanismos de moderação dessa dor, então o cérebro produz substancias que funcionem como verdadeiros analgésicos são as endorfinas. Então o próprio cérebro produz seu analgésico; próprio analgésico que são as endorfinas e mediante reflexo em cursos descendentes impulsos descendentes vão até a medula e criam barreiras, vão criar modulação aos influxos que estão subindo pelo feixe espino-talâmico. Então uma série de reações química bloqueia os receptores dos transmissores nervosos a nível medular a fim de que um mínimo possível de impulsos dolorosos passe. O corpo, ele próprio, toma providencias para que a dor não seja tão violenta. Para tanto, hoje se tem substâncias que atuam em diversos locais bloqueando todos esses mecanismos citados (MORGAN, MURRAY, MIKHAIL, 2010). Nas superfícies das células existem receptores sensíveis aos neurotransmissores e as fibras nervosas que transmitem o impulso. Tem também suas vesículas armazenadoras de neurotransmissoras. Assim, foi possível encontrar substâncias que bloqueiam esses receptores pós-sinápticos e não deixam o neuroreceptor ativar o neurônio pós-sinápticos impedindo que o impulso nervoso passe ali. Dessa forma, foram descobertas substâncias que bloqueiam esses mecanismos pré-sinápticos e impedem a liberação do NT. Através desses mecanismos pré e pós sinápticos pode-se manter o paciente sem dor. Com essa evolução se permitiu dividir a anestesia em 2 classes, aquela anestesia que bloqueia a transmissão até o neuro eixo, bloqueando a condução e a anestesia que bloqueia a conscientização da dor. Quando se bloqueia a transmissão do influxo nóxio está se realizando uma anestesia do tipo condutiva, ou anestesia de bloqueio. Assim, a anestesia pode ser de 2 tipos, ou condutiva quando ela impede influxo nervoso de caminhar pelas vias sensitivas e não deixa esse influxo chegar ao cérebro é anestesia condutiva ou de bloqueio. A outra forma de anestesia é a anestesia geral que também é chamada de narcose. Na condutiva o paciente não perde a consciência, mas não sente dor (GUÉRIOS, 2006). A diferença entre dormir e a narcose é que no dormir tem só inconsciência, já a narcose tem o dormir mais a analgesia, é um plano mais profundo. Caso o paciente não esteja em estado de analgesia o seu corpo mesmo que esteja dormindo vai perceber a reação respondendo com a atividade adrenérgica, causando taquicardia, sudorese, aumento da 19 frequência cardíaca entre outros. A liberação das catecolaminas pelo sistema adrenérgico é que prepara os seres para lutar ou fugir. Por isso as catecolaminas dilatam os brônquios, mobilizam o glicogênio hepático e aumenta o nível de glicose no sangue para fornecer energia para os músculos, aumenta o fluxo sanguíneo nas artérias da musculatura estriada, promove constrição das artérias da pele para direcionar o sangue para o centro. A dor é uma das grandes mobilizadoras do sistema adrenérgico. Anestesia condutiva ou de bloqueio eu bloqueio às vias que conduzem o impulso doloroso e a geral ou narcose promove a inconsciência e leva essa inconsciência a um plano profundo chamado analgesia (MANICA, 2004). 2.2 ANESTESIA: ASPECTOS CONCEITUAIS A anestesia é uma droga que suprime a dor e outras sensações, podendo ser efetuada de três formas distintas: geral, regional e local (GUÉRIOS, 2006). Na anestesia geral a administração de medicamentos mantém o paciente inconsciente, sem dor e imóvel durante todo o procedimento (Figura 2). Figura 3 – Anestesia Geral Está indicada para cirurgias do abdome, tórax, cabeça, pescoço, cirurgias neurológicas e cardíacas. Cirurgias em crianças são realizadas, normalmente com anestesia geral para 20 evitar movimentação brusca durante os procedimentos. A anestesia geral pode ser aplicada por via venosa, inalatória (Figura 4) ou ambas (EBERT, SCHIMID III, 2004). Figura 3 – Anestesia Geral inalatória Figura 4 – Anestesia Geral inalatória Anestesia regional é realizada com a administração de medicamentos em apenas algumas áreas do corpo (Figura 5). Anestesia Regional Figura 5 – Anestesia Regional 21 Este tipo de anestesia inclui: a) Anestesia Raquidiana: Realizada com anestesia local, nas costas, com deposição do anestésico no líquor. O paciente fica com os membros inferiores e parte do abdome completamente anestesiados e imóveis. b) Anestesia Peridural: Realizada pela adição de anestésicos locais nas costas próximos aos nervos que transmitem a sensibilidade dolorosa (Figura 6). Neste caso é possível se realizar o bloqueio de apenas algumas raízes nervosas. Figura 6 – Anestesia Peridural c) Bloqueios de nervos periféricos: Este tipo de anestesia o anestésico é administrado apenas ao redor dos nervos que inervam o local da cirurgia. Por exemplo, cirurgias sobre um dedo da mão podem ser realizadas com bloqueios dos nervos que inervam a mão. d) Anestesia local: Realizada com a infiltração do anestésico em uma determinada área do corpo, sem que ocorra bloqueio de um nervo específico. A anestesia limita-se à área infiltrada, por exemplo: cirurgias plásticas e dermatológicas, extração de corpo estranho superficial, cirurgias odontológicas. Atuando nas sinapses do sistema nervoso, as anestesias 22 impedem a transmissão de impulsos nervosos entre neurônios, causando, portanto, a perda temporária dos sentidos na área desejada. Ressalta-se que o sistema nervoso humano possui cerca de100 bilhões de neurônios, células altamente excitáveis, responsáveis pelas respostas a estímulos. As complexas funções do sistema nervoso ocorrem por meio das interações entre os prolongamentos dessas células. Portanto, inibir essas interações é impedir com que informações cheguem ao cérebro e consequentemente que exista qualquer tipo de dor (MILLER, 2005). Existem três tipos de neurônios: sensitivo, que conduz impulsos do órgão receptor para a medula ou para o encéfalo, motor, que conduz impulsos da medula ou do encéfalo para os músculos ou glândulas, e o misto, que conduz impulsos nervosos em ambos os sentidos. Os anestésicos agem deprimindo a comunicação neuronal atuando principalmente os neurônios sensitivos. Isso se dá em parte pela amplificação dos efeitos do neurotransmissor GABA, uma molécula de sinalização que inibe a excitação das células nervosas. Por ser um neurotransmissor inibitório, ele ajuda a manter o equilíbrio geral do sistema nervoso, deprimindo a capacidade dos neurônios de responder a mensagens excitatórias de outras células. O GABA age respondendo a um impulso elétrico na membrana de um neurônio provoca sua liberação na sinapse, ligando-se aos receptores do neurônio pós-sináptico e abrindo canais iônicos. Isso gera uma hiperpolarização da membrana celular, inibindo a geração de impulso elétrico. O anestésico é responsável pelo prolongamento da abertura desses canais, prolongando assim a inibição nervo-sensitória. Por desempenhar um papel central nas ações dos anestésicos, os GABA é o foco de diversas pesquisas atuais que se concentram no modo de interação dos fármacos com os receptores GABA celulares no bloqueio da atividade neural (MANICA, 2004). 2.3 A MEDICINA ANTES E APÓS DA ANESTESIA Procedimentos cirúrgicos eram raramente realizados antes do advento da anestesia eficaz. De 1821 até 1846 o Hospital Geral de Massachusetts, em Boston, registrou somente 333 cirurgias; menos de um caso por mês. Tais procedimentos invasivos eram somente considerados em situações extremas, já que sem anestesia os pacientes sofriam de dores excruciantes durante e depois da cirurgia. Um físico de Boston comparou os gritos dos pacientes operados ao sofrimento dos perseguidos pela Inquisição Espanhola: berros desesperados que não saíram da sua memória mesmo vários anos após suas participações nas 23 cirurgias. Sabe-se que na Antiguidade procedimentos cirúrgicos eram realizados devido a instrumentos e outras evidências encontradas (COLLINS, 1979). Portanto, pode-se imaginar que civilizações antigas já haviam desenvolvido técnicas para amenizar a dor. Há relatos de que na Grécia Antiga Hipócrates fazia uso de substâncias sedativas e analgésicas provenientes do tubérculo mandrágora embebidas em uma esponja soporífera para poder realizar suas operações, técnica desenvolvida pelo médico Dioscórides. A compressão da carótida para impedir que o sangue chegasse ao cérebro foi uma técnica utilizada pelos Assírios, enquanto nas Américas, a mastigação da folha da coca era o principal anestésico usado pelos Incas e Maias. Os chineses foram os que chegaram mais perto da tão esperada insensibilidade total, utilizando a milenar e eficiente acupuntura. Estas foram todas técnicas desenvolvidas para que procedimentos cirúrgicos pudessem ser realizados com pacientes mais calmos e com menos dor, mas não visavam maior precisão e cuidado por parte dos médicos de então. As plantas medicinais mencionadas e outras como beladona e marijuana não foram tão bem aceitas pelos povos que surgiram e evoluíram: estas não eram completamente confiáveis por serem difíceis de serem administradas. Fallopius, um anatomista e cirurgião italiano dos anos 1500, descreveu o uso das plantas como delicado, jáque quando eram fracas eram inúteis e quando eram fortes acabavam matando o paciente. Além disso, o uso de ervas ou outros compostos para amenizar a dor era interpretado pela Igreja como magia ou bruxaria, resultando em punição de seus usuários e retardando a sua exploração na cultura ocidental. Mesmo que estas fossem as principais ferramentas analgésicas dos povos antigos, seu uso só levou a uma procura maior de outros modos de atingir a analgesia. Com maior desenvoltura cognitiva, médicos, cientistas, pesquisadores e até pessoas comuns começaram a desenvolver e testar novos métodos. Também arcaicos, os procedimentos também eram perigosos, e iam de socos na mandíbula para deixar o paciente inconsciente até o uso do gelo ou neve para congelar a região a ser operada. Esta podia causar necrose dos tecidos e aquele, perda de dentes, sérios edemas, e até deslocamento da mandíbula. Algumas culturas também fizeram o uso de hipnose para atingir um estado psicológico de anestesia ou distrações com agulhas em uma parte do corpo que não estava sendo operada. A religião era muitas vezes fonte de força para aguentar a dor. Aos olhos do cristianismo, por exemplo, o sofrimento era visto como uma punição de Deus para os maus e como purificador da alma para os bons. Como as plantas e substâncias naturais eram proibidas, os doentes tinham que ser amarrados, segurados à força e amordaçados durante as grandes cirurgias da época, como amputações, tamanha era a dor que a fé sozinha não conseguia driblar. Entretanto, aos poucos, 24 substâncias e fórmulas foram sendo descobertas e testadas secretamente, abrindo espaço para o começo da procura pela anestesia perfeita. Dentre todas as técnicas usadas, de plantas alucinógenas ao uso da violência, o álcool e ópio foram considerados os mais eficientes em diminuir a dor durante os procedimentos. Usados com maior frequência a partir de 1846 devido a um maior conhecimento químico, o álcool e ópio tinham também consequências negativas. A grande quantidade de álcool necessária para fazer com que os doentes atingissem o estado de insensibilidade fazia com que o paciente tivesse enjoos, vomitasse e muitas vezes o levava a morte em vez de ao sono. O ópio também tinha muitos efeitos negativos e não era forte o suficiente para evitar por completo a dor causada pelos procedimentos ainda rudimentares (COLLINS, 1979). A curta duração dos anestésicos descritos dificultava o trabalho dos cirurgiões, que tinham poucas ferramentas e técnicas para as cirurgias mais complexas, fazendo com que muitas vezes o efeito da anestesia passasse e a reação do paciente fosse muito pior. Por conta disso, os procedimentos médicos tinham que ser realizados em um curto tempo, e acabavam sendo pouco invasivos e precisos. A falta da anestesia eficaz era um empecilho ao desenvolvimento cirúrgico, que resultava em mais morte do que soluções de problemas. 2.4 IMPORTÂNCIA DA ANESTESIA PARA A MEDICINA O advento da anestesia inaugurou uma nova era na Medicina, permitindo que as cirurgias e outros procedimentos invasivos passassem a ser realizados sem dor e sem pressa o que garantiu melhores prognósticos. Só desenvolvimento da anestesia mudou drasticamente o rumo da medicina, mas em retrospecto não exatamente na velocidade em que se esperava. Analisando sob o ponto de vista atual, esperava-se que logo após a demonstração de 1846 as cirurgias se tornassem mais intrusivas, aprofundadas e elaboradas do que as até então praticadas, como amputações e punções de tórax. Porém, apesar da evolução técnica, necessitou-se ainda ultrapassar uma barreira ideológica: a concepção da época de que a cirurgia servia para retirar a fonte do distúrbio, ao contrario da atual, que se baseia no reparo e restituição das condições fisiológicas e anatômicas preexistentes. A maior inovação do anestésico se deu após a Segunda Guerra Mundial, quando médicos e anestesistas que retornaram desse ambiente em que traumatismos e dores eram uma constante, se dedicaram a criar e aperfeiçoar métodos mais seguros e efetivos de se 25 administrar anestesia. À medida que a prática foi se alastrando, duas grandes mudanças ocorreram na prática médica: a primeira foi a Instituição do Médico Anestesiologista. A administração do éter é de tamanha facilidade que era feita, em sua maioria, por enfermeiras. O avanço tecnológico e a busca por cirurgias mais seguras levaram médicos a se especializarem em Anestesiologia, o que por sua vez beneficiou a prática, visto que seus Conselhos promoviam a pesquisa e a educação. Dessa organização surgiram profissionais cada vez mais competentes, resultando em índices crescentes de sucesso cirúrgico. A segunda mudança, decorrente da primeira, está ligada a crescente popularidade das cirurgias facultativas, em especial as estéticas. Ao escolher operar algo que não oferece malefícios biológicos, o risco de vida é, para muitos, um fator decisivo. Dessa forma, o medo da anestesia freou por anos muitos de realizar cirurgias de mama, rinoplastias, liftingsfaciais entre outras. A anestesia geral, que provoca medo em muitos de ir dormir e não acordar, se torna cada vez mais segura. Drogas mais precisas, com tempo de ação mais previsível e com menos efeitos colaterais, beneficiaram mais ainda esta expansão. Para os que ainda a temem, a anestesia local ou peridural é realizada em muitos dos procedimentos, sob escolha do médico e do paciente (MORGAN, MURRAY, MIKHAIL, 2010). As melhorias acarretadas pelo desenvolvimento de tais drogas tornou-as fundamentais para a medicina, criando uma nova área: a anestesiologia. O dever do médico anestesiologista vai além de aplicar a anestesia no paciente; consiste também em vigiar suas funções vitais para garantir que estas sejam mantidas em níveis normalizados. Como esse equilíbrio é fundamental para o sucesso do procedimento cirúrgico, cabe a esse profissional restabelecê-lo caso essas funções sejam alteradas, sendo também responsável pela hidratação do paciente e, pela indicação e realização de transfusões sanguíneas Com isso, a evolução da medicina após o advento da anestesia torna-se perceptível, o que resultou não só numa maior segurança e conforto para os pacientes, como também ampliou a possibilidade de intervenções cirúrgicas mais complexas. Muitas cirurgias abdominais e faciais, por exemplo, eram antes inviáveis, devido à morte por hemorragia ou dor. O médico anestesiologista ganhou papel vital em cirurgias onde atua não só no período intra-operatório, bem como nos períodos pré e pósoperatórios, acompanhando o paciente nos serviços de recuperação pós-Anestésica na UTI para a realização de cuidados paliativos ((MANICA, 2004). 26 2.5 A ANESTESIOLOGIA ATUALMENTE Hoje em dia estão disponíveis uma série de fármacos com indicação principal para a anestesia. Os barbitúricos foram introduzidos durante a primeira metade do século passado, representado um passo importante na evolução da anestesia geral. Pela injeção intravenosa desses agentes obtém-se uma indução rápida. Alguns anos mais tarde foi introduzido o primeiro anestésico halogenado inalado “Halotano”. Este foi outro grande marco na história da anestesia geral moderna. Um vapor, não explosivo, muito potente com um perfil clínico bastante aceitável ficou disponível. Com concentrações aproximadas de 1 % v/v a maioria dos doentes revelam um estado de anestesia bastante aceitável para um procedimento cirúrgico. Depois do Halotano seguiu-se uma série de outros anestésicos halogenados inalados: Enflurano; Isoflurano e mais recentemente o Desflurano e Sevoflurano. Todos estes vapores são bastante eficazes e seguros. No entanto, a potência destes vapores varia. A potência clínica foi criada em meados dos anos sessenta, pelo professor Ed Eger II, sob o conceito de MAC. MAC é uma sigla inglesa que traduz a mínima concentração alveolar que corresponde mais ou menos à ED50 para os fármacos intravenosos. A Mac representa a concentração de gás necessária para criar um estado de anestesia, sem movimento ou qualquer outro sinal de anestesia insuficiente em 50 % da população (RANG, DALE, 2007). Durante a segunda metade do século XX também foram introduzidos vários analgésicos potentes e seguros. Um dos primeiro foi o Fentanil, um opióide muito potente para administração intravenosa durante a anestesia. Seguiram-se outros opióides sintéticos ou semi-sintéticos para utilização na anestesia ou no pós-operatório. Juntamente com a evolução ao nível da terapia farmacológica também o conhecimento da fisiologia e fitopatologia associada ao trauma cresceu. Todos estes passos são marcos importante para a evolução de uma anestesia moderna cada vez mais segura e eficaz, como se pode ver a seguir. 2.5.1 Sedação No que diz respeito aos sedativos antigos o midazolam e o propofol, que foram introduzidos na prática clínica a partir de 1980, permanecem como os fármacos mais conhecidos e estudados para a sedação de pacientes internados em estudos comparativos entre 27 o midazolam e o propofol mostraram que ambos causam sedação efetiva. O midazolam causa maior estabilidade hemodinâmica enquanto o propofol proporciona uma extubação mais rápida dos pacientes. Esse fármaco causa maior incidência de hipotensão e acarreta maior custo financeiro ao tratamento. Não foi constatada diferença entre o tempo de internação na UTI dos pacientes que recebem midazolam ou propofol. Têm sido relatadas desvantagens com a utilização prolongada do propofol nesses pacientes. Ressaltam-se as complicações inerentes ao uso prolongado de soluções lipídicas, como hipertrigliceridemia e o depósito de lipídios nos pulmões, fígado e outros órgãos. Em pacientes com insuficiência renal não há alteração importante na farmacocinética do propofol. A administração desse fármaco pode estar associada a um maior risco de infecção. Entretanto, não são descritas evidências clínicas relevantes de complicações infecciosas associadas à sua administração em UTI, desde que os cuidados assépticos sejam seguidos. Existem relatos na literatura de que a adição do EDTA ao propofol poderá levar a um menor risco de infecção associado a um menor índice de mortalidade por inibição da formação de radicais livres, inibição do influxo de cálcio com consequente diminuição da apoptose e morte celular (WHITE, 1997). Na tentativa de diminuir os riscos de hipertrigliceridemia em decorrência da administração de propofol a 1% foi disponibilizado no mercado o propofol a 2%. Estudos que avaliaram a efetividade dessa nova formulação mostraram que pacientes que receberam propofol a 2% embora tenham apresentado menos frequentemente hipertrigliceridemia, necessitaram de maior dose desse fármaco, o que foi responsável por um maior custo financeiro do tratamento. Nos últimos anos tem sido descrito que a administração de altas doses de propofol (≥ 5mg/kg/h), por tempo maior que 48 horas pode estar associada à falência cardíaca, rabdomiólise, acidose metabólica grave e insuficiência renal. Esse quadro é conhecido como Síndrome da Infusão do Propofol e está associado ao impedimento da utilização dos ácidos graxos e da atividade mitocondrial, com consequente necrose muscular. Vender e col.(apud CHENG, 2006) publicaram uma revisão através da MedLine, de janeiro de 1996 a junho de 2003 e concluíram que não existe um sedativo ou analgésico preferencial para ser administrado em pacientes submetidos a ventilação mecânica (grau C) e que o propofol promove rápido despertar quando comparado ao midazolam, principalmente nos pacientes sedados por um período prolongado (> 3 dias). Esta metanálise cita outros dois fármacos sedativos: a dexmedetomidina e o etomidato (CHENG, 2006). O etomidato, agente anestésico não barbitúrico, derivado do imidazol, foi descrito como agente ideal para sedação em pacientes sob ventilação mecânica, por não exercer efeitos apreciáveis sobre a função circulatória. Estudos posteriores mostraram que o emprego 28 prolongado dessa droga condicionava aumento da mortalidade nos pacientes internados em UTI, associada a baixos níveis plasmáticos de cortisol. Por esse motivo sua utilização em UTI, em longo prazo, foi desaconselhada. O etomidato pode ser utilizado para procedimentos de curta duração, principalmente em pacientes hipotensos (CHENG, 2006).. Mais recentes são a clonidina e a dexmedetomidina são agentes α2-agonistas cuja principal ação sedativa e analgésica é através da inibição da liberação da noradrenalina. As principais vias noradrenérgicas originam-se no locus coeruleus e a ativação dos receptores α2 dessa área produz supressão de sua atividade, resultando em aumento da atividade do GABA. Esses fármacos também apresentam papel importante na modulação da dor inibindo a condução nervosa através das fibras A δ e C. A clonidina, utilizada na prática clínica há mais de 20 anos, apresenta uma seletividade de 200/1 entre os receptores α2 e α1, enquanto a dexmedetomidina tem cerca de oito vezes mais afinidade pelos α2-adrenoceptores do que a clonidina (Figura 7). Alpha-2 Agonistas H Cl N N N Cl H CH3 N CH3 CH3 Clonidina Dexmedetomidina N Figura 7 – Agentes α2-agonistas Embora seja pouco estudado o uso da clonidina como coadjuvante da sedoanalgesia no paciente crítico, a sua administração em concomitância com os benzodiazepínicos, com o propofol ou com os opióides, pode prevenir tanto a tolerância a essas drogas, quanto os sinais e sintomas de abstinência quando eles forem retirados. 29 A administração da dexmedetomidina em pacientes internados em UTI deve ser mais bem estudada. A rápida administração desse fármaco pode levar a hipertensão, embora seja mais comum que possa causar bradicardia e hipotensão, principalmente após a sua utilização por um tempo prolongado, particularmente em pacientes hipovolêmicos. Existem evidências de que a dexmedetomidina possa ser uma excelente droga para a sedoanalgesia em situações específicas de pacientes internados em UTI tais como o desmame da ventilação mecânica. Embora a cetamina não seja identificada como uma droga frequentemente utilizada para a sedoanalgesia em UTI existem circunstâncias onde a sua administração seria preferencial. Esse fármaco promove uma anestesia dissociativa e possui efeitos analgésicos excelentes. Seu principal mecanismo de ação é o bloqueio competitivo na ativação dos receptores excitatórios N-metil-D-aspartato (NMDA), cujo ligante endógeno é o glutamato. Por causar a inibição da recaptação da noradrenalina, sua utilização pode ser indicada para pacientes com instabilidade hemodinâmica, com ou sem broncoespasmo, já que promove relaxamento da musculatura lisa e antagonismo ao efeito espasmogênico da histamina. Pode levar a alucinações e delírio devendo sua administração estar associada a um benzodiazepínico ou ao propofol. O isômero da cetamina poderia ser de utilidade para a sedoanalgesia de pacientes em estado crítico, hipotensos ou com broncoespasmo importante, por ter maior potência analgésica e por causar menos efeitos psicodélicos. Estudos recentes mostraram que a cetamina, associada ao midazolam, pode ser uma opção terapêutica para o controle da pressão intracraniana e da pressão de perfusão encefálica em pacientes com traumatismo cranioencefálico submetidos à ventilação mecânica (RANG, DALE, 2007). 2.5.2 Analgesia Analgesia é definida como atenuação ou ausência de sensação dolorosa. Paradoxalmente é frequente no âmbito hospitalar, a abordagem inadequada dos quadros álgicos, ignorando-se muitas vezes que todo paciente tem o direito à analgesia e ao manuseio adequado da dor (TERZI AMARAL, 1996). Os principais fármacos utilizados para analgesia de pacientes graves: - Opióides - Esses fármacos têm propriedades semelhantes às do ópio e agem em receptores específicos (Mu, Kappa, Delta e Sigma) no cérebro e na medula. Dentre os opióides a morfina é a mais utilizada para o controle da dor severa de pacientes vítimas de 30 doenças crônicas ou agudas. O fentanil é o mais utilizado para a analgesia contínua em UTI. E dentre os opióides estão: - Morfina: isolada em 1806 e é considerada como fármaco padrão dos opióides. Vantagens: promove analgesia adequada como agente único, com pico de ação entre 45 e 90 minutos. Age por cerca de 4 horas após dose in bolus. Tem baixo custo financeiro. Indicação: analgesia de pacientes com dor moderada a intensa, sem instabilidade hemodinâmica e sem broncopatias. Causa diminuição do retorno venoso no edema pulmonar cardiogênico. Contra-indicações: pacientes com instabilidade hemodinâmica, hipovolemia, asma brônquica e bronquite crônica. Dose de ataque 5 a 10 mg/kg IV ou SC Dose de manutenção: 5 a 10 mg IV ou SC cada 4 a 6 horas Efeitos colaterais e desvantagens: devido à indução de liberação de histamina, há o risco de broncoespasmo, hipotensão severa, prurido, sedação prolongada em pacientes com insuficiência renal, íleo adinâmico, vômitos, retenção urinária e depressão respiratória. Pacientes com insuficiência hepática podem não ter problemas com hipersedação graças a sítios extra-hepáticos de metabolização da morfina. O espasmo de esfíncter de Oddi é menos frequente com o uso de morfina. - Fentanil: um opióide sintético cerca de 100 vezes mais potente que a morfina. Vantagens: é muito lipo solúvel e, portanto cruza a barreira hemato-encefálica com muita rapidez, proporcionando um rápido início de ação (30 seg). Não induz a liberação de histamina podendo ser utilizado em pacientes com instabilidade hemodinâmica e broncoespasmo. Indicação: analgesia potente dos pacientes gravemente enfermos, com instabilidade hemodinâmica. Dose de ataque: 0,5 a 1,5 g/kg Dose de manutenção: 0,5 a 3 g/kg/hora. Estas doses devem ser tituladas conforme a resposta clínica. Concentração comumente utilizada: 50 ml de fentanil+200ml de SG: iniciar 0.1ml/kg/h Efeitos colaterais e desvantagens: Hipotensão, que pode ocorrer em pacientes hipovolêmicos não por depressão miocárdica ou vasodilatação provocada pela droga, mas pela interrupção da resposta adrenérgica provocada pela dor. Bradicardia, por depressão direta do nó sinusal e da condução átrio-ventricular. Tolerância pelo uso prolongado. Outros efeitos 31 indesejáveis são: sedação prolongada em pacientes com insuficiência hepática, íleo adinâmico, vômitos, espasmo do esfíncter de Oddi (3%), elevação da pressão das vias biliares (99%), retenção urinária, depressão respiratória e rigidez da musculatura torácica quando administrado, em altas doses e in bolus. Ressalta-se que a depressão respiratória pode ser um efeito colateral desejável nos pacientes sob VM. - Meperidina: por seus efeitos colaterais, não é indicada a sua utilização, exceto para o controle de tremores, secundários ao ato anestésico. Indicação: controle dos tremores pós anestésicos. Dose: 50 a 100 mg IV em bolus, Efeitos colaterais e desvantagens: em torno de 90% da droga é metabolizada no fígado em normeperidina que é excretada pelo rim. Seu efeito analgésico corresponde a 50% do efeito da meperidina. A normeperidina tem efeito tóxico sobre o sistema nervoso central podendo causar delírio, agitação e convulsões quando utilizada por mais de 48 a 72 horas. A administração da meperidina é associada a grande liberação de histamina, podendo resultar em broncoespasmo e hipotensão. Há similaridade da sua estrutura com a da atropina, o que resulta em taquicardia e aumento da demanda metabólica miocárdica, fato que contraindica a sua administração para a analgesia do paciente com infarto do miocárdio (IAM), excetuando nos casos de IAM de parede inferior. Observa-se também diminuição de contratilidade de miofibrilas cardíacas em estudos, in vitro, com esse fármaco. Outro tipo de analgésico é o Tramadol, apresentando baixa afinidade pelos receptores opióides que tem a sua analgesia parcialmente revertida com o naloxone. Esse fármaco inibe a captação de monoaminas e interfere na transmissão dos impulsos nociceptivos (noradrenalina e serotonina). Vantagens: tão eficaz quanto a morfina (dose equipotente 50 mg de tramadol = 5 mg de morfina) apresentando como vantagem o menor potencial de depressão respiratória. Indicação: analgesia para dor moderada Dose: 50 a 100 mg em bolus. Até 400 mg ao dia, divididas em 3 a 4 aplicações. Efeitos colaterais e desvantagens: vômitos, íleo, sonolência, raramente convulsão. Existem também os Anti-inflamatórios não hormonais (AINH) por seus efeitos colaterais, são fármacos pouco utilizados para a analgesia de pacientes graves. A administração de AINHs diminui o requerimento de opióides, e está indicada em casos 32 bastante específicos como a terapia adjuvante de pacientes pré-selecionados (analgesia no pós-operatório). Esses fármacos devem ser utilizados por no máximo 5 dias. Vantagens: ausência de depressão dos sistemas nervoso, cardiovascular e respiratório, permite reduzir as doses dos opióides Indicação: dor de intensidade moderada quando a prostaglandina está envolvida no fenômeno doloroso. Os anti-inflamatórios não atuam sobre a prostaglandina já liberada mas sim sobre a síntese da prostaglandina. Deste modo, sempre que possível deve-se administrar ao AINH antes da agressão (cirurgia) para que se alcance melhor benefício. Contra-indicações: em pacientes vítimas de queimaduras, naqueles maiores de 65 anos, com história de doença péptica, com doença inflamatória intestinal, diabetes ou fazendo uso de anticoagulantes ou corticoesteróides por aumentarem os riscos de hemorragia gastrointestinal. Nos pacientes do sexo feminino, idosos, hipovolêmicos, em uso de inibidores da enzimas de conversão da angiotensina ou diuréticos por terem maiores chances de ocasionar lesão renal. Efeitos colaterais e desvantagens: hemorragia gastrointestinal, insuficiência renal, distúrbio de coagulação, manifestações alérgicas. Menor potência analgésica que os opióides. Inibidores da COX-2: o benefício do uso destes novos AINHs em terapia intensiva ainda não está bem estabelecido. - Os Antidepressivos: pela permanência prolongada nas UTI, os pacientes tem desenvolvido quadros depressivos e tem sido avaliada a utilização de fármacos antidepressivos para o controle desses quadros. Esses fármacos, particularmente a amitriptilina, tem mostrado efeitos benéficos em uma grande variedade de quadros dolorosos e a sua utilização em pacientes de UTI tem tido um emprego crescente. O efeito dos antidepressivos ocorre em torno de 2 a 4 semanas, o que constitui uma desvantagem da sua utilização em UTI. Pode-se citar como principais efeitos colaterais dos antidepressivos tricíclicos: constipação, retenção urinária e alterações visuais. Outro efeito colateral que pode ser relatado é a sonolência que, em pacientes graves que necessitam de tratamento intensivo, pode ser considerada um efeito benéfico. Os benzodiazepínicos: efeito sedativo, anticonvulsivante, ansiolítico, amnésico, relaxante muscular. Os principais são: 33 - Diazepam: é uma droga pouco hidrossolúvel, mal absorvida quando administrada por via intramuscular, com um T½ farmacologicamente ativos. Nos dias de hoje, sua utilização para a sedação a curto prazo não é aconselhada, por causar sedação excessiva e difícil de ser monitorada quando administrado de forma intermitente e por ter necessidade de grande quantidade de diluente para ser administrado em infusão contínua. - Midazolam: sintetizado na década de 80, possui solubilidade em solução aquosa e T½ curto. Seu pico de ação ocorre 2 a 3 minutos após sua administração endovenosa. Enquanto o T½ aumentado principalmente em pacientes com sepse, insuficiência renal ou hepática, e naqueles com peso acima do ideal. Quanto às interações desse fármaco com outros medicamentos destaca-se que, quando associado ao fentanil, há potencialização da ação de ambas as drogas com hipotensão severa e aumento da incidência de apnéia. - Clonazepam:indicado para transtornos do pânico, fobia social e ansiedade generalizada. Tem efeito sedativo o que é benéfico para pacientes internados em UTI. É bem absorvido por via oral. O seu pico plasmático é atingido em 1 a 3 horas e a sua meia vida é de 20 a 40 horas. Difere dos demais benzodiazepínicos pela sua ação nos receptores serotonínicos. A dose média utilizada é de 1.5mg/dia (0.25mg de clonazepam equivale a 5 mg de diazepam), dada referencialmente à noite. - Propofol - Introduzido, na prática clínica a partir de 1980. É apresentado sob a forma de uma emulsão lipídica à base de óleo de soja, glicerol e lecitina, similar ao intralipid, contendo 1 caloria por ml. É biotransformado principalmente no fígado e, em menor proporção, no pulmão, no tubo digestivo e nos rins. Sua administração causa uma queda da PA, principalmente quando é efetuada in bolus. Têm sido relatadas desvantagens com a utilização prolongada de propofol em UTIs. Ressaltam-se as complicações inerentes ao uso prolongado de soluções lipídicas como hipertrigliceridemia e depósito de lipídios nos pulmões, fígado e outros órgãos. Em pacientes com insuficiência renal não há alteração importante na farmacocinética do propofol. Nos últimos anos tem sido descrito que a administração de altas doses de propofol (5mg/kg/h), por um tempo maior que 48 horas pode estar associada falência cardíaca, rabdiomiólise, acidose metabólica grave e insuficiência renal. Esse quadro é conhecido como Síndrome da Infusão do Propofol e está associado ao impedimento da utilização dos ácidos graxos e da atividade mitocondrial, com consequente necrose muscular. 34 - 2-Agonistas - Esses agentes têm despertado o interesse dos intensivistas devido à propriedade de promoverem ansiólise e hipnose e de serem dotados de propriedades analgésicas. A clonidina e a dexmedetomidina são compostos imidazólicos que ativam os receptores 2-adrenérgicos (Figura 8). A clonidina, utilizada na prática clínica há mais de 20 anos, apresenta uma seletividade de 200/1 entre os receptores 2 e 1, enquanto a dexmedetomidina tem cerca de 8 vezes mais afinidade pelos 2-adrenoceptores do que a clonidina. Trabalhos experimentais realizados com a clonidina e com a dexemedetomidina comprovaram que os seus efeitos hipnóticos e antinoceptivos são mediados pela ativação dos receptores 2, localizados no locus coeruleus. Existem evidências de que os 2 agonistas exercem uma ação GABA-mimética. A clonidina na dose de 40 a 80 gr/kg é forte indutora do sono não REM e interfere no sono REM, efeitos esses, somente parcialmente revertidos, com a administração de antagonistas 2. A analgesia promovida pelos agonistas 2 deve-se à ação dessas drogas ao nível da medula espinhal. Há dados experimentais que sugerem uma interação entre 2-agonistas e agonistas de opióides. A clonidina administrada como prémedicação anestésica pode diminuir a necessidade de opióides, atenuar as respostas adrenérgicas no transoperatório e a liberação de catecolaminas secundária ao trauma cirúrgico, sem causar efeitos colaterais importantes, assim como pode controlar a disfunção autonômica, os sintomas de abstinência ao álcool ou de abstinência e tolerância aos benzodiazepínicos e opióides. Estudos comparativos da clonidina com os opióides demonstram que a clonidina não interfere no trânsito gastrintestinal. Esse fármaco é rapidamente absorvido após sua administração oral, atingindo um pico plasmático entre 60 e 90 minutos. Seu T½ é de 9 a 12 horas sendo a metade da droga metabolizada no fígado, em metabólitos inativos, e a outra metade excretada in natura pelo rim. Após administração prolongada da clonidina, sua suspensão abrupta pode causar um episódio hipertensivo grave. A administração endovenosa de dexmedetomidina tem mostrado efeitos sedativos analgésicos e ansiolíticos em pacientes de pós-operatório internados em UTI e em pacientes sob desmame da ventilação mecânica. A dose que tem mostrado eficácia clínica é de 0.25 a 0.9g/kg/h. Como efeitos colaterais destaca-se a diminuição da pressão arterial e da frequência cardíaca, que devem ser monitoradas quando esses fármacos são administrados. 35 Agonistas Alfa-2 Adrenérgicos Clonidina 2 :1 250 : 1 Dexmedetomidine 2 : 1 1600 : 1 agonista parcial agonista total vida média = 10 horas vida média = 2 horas VO, Epidural, TD IV anti-hipertensivo sedativo/analgésico analgésico adjunto sedativo primário Figura 8 - Agentes α2-agonistas adrenérgicos A prescrição da clonidina para a co-sedoanalgesia de pacientes crônicos poderá ser vantajosa já que esse fármaco, além do seu poder sedoanalgésico, diminui os sintomas de abstinência ou de tolerância aos opióides e benzodiazepínicos. Nesses casos a administração poderá ser subcutânea ou oral, devendo a dose ser manuseada em dependência da FC e da PA dos pacientes. Pode-se prescrever de 1 a 2 comprimidos de 250µg até de 6/6 horas. - Quetamina - É um derivado da fenciclidina que promove um tipo de anestesia designada anestesia dissociativa e causa excelente analgesia em doses subanestésicas. Essa droga cruza a barreira hematoencefálica rapidamente, tem um T½ de cerca de 16 minutos e um T½ de aproximadamente 3 horas. A quetamina promove relaxamento da musculatura lisa das vias aéreas e antagonismo ao efeito espasmogênico da histamina. Causa aumento da FC e da PA e um aumento transitório do índice cardíaco sem alteração do volume sistólico. O principal mecanismo de ação da quetamina, no que concerne à sedação e analgesia, é o bloqueio competitivo na ativação dos receptores N-metil-D-aspartato (NMDA), cujo ligante endógeno é o glutamato. Sendo os receptores NMDA responsáveis pelo processamento de informações sensitivas, inclusive da sensação de dor, é provável que, pelo menos em parte, a analgesia obtida com doses sub-hipnóticas de quetamina seja justificada pelo bloqueio desses receptores. Todavia, uma interação com receptores de opióides não pode ser descartada. A quetamina raramente é utilizada em UTI, por serem comuns seus efeitos colaterais como 36 alucinações, delírios, ou convulsões do tipo pequeno mal. Entretanto, esses efeitos podem ser evitados com a utilização concomitante dos benzodiazepínicos ou do propofol. Seus efeitos respiratórios e cardiovasculares podem justificar a sua indicação em pacientes com doença pulmonar broncoespástica e/ou comprometimento hemodinâmico. Recentemente tem se mostrado promissora, a utilização da quetamina para a sedação e o controle da hipertensão endocraniama de paciente vítimas de traumatismo crânio encefálico. Pode também ser promissora substituição da quetamina racêmica pelo seu isômero, que é mais potente e causa menor efeito psiocodélico. Esse fármaco pode ser utilizado para a sedoanalgesia durante procedimentos dolorosos fora do centro cirúrgico, tais como o curativo de grandes queimados. Etomidato - Agente anestésico não barbitúrico foi descrito como um agente ideal para sedação em pacientes sob ventilação mecânica por não exercer efeitos apreciáveis sobre a função circulatória. Entretanto, o emprego prolongado dessa droga condiciona aumento da mortalidade nos pacientes internados em UTI, associada a baixos níveis plasmáticos de cortisol. Por esse motivo sua utilização em UTI, em longo prazo, é desaconselhada. Essa droga pode ser utilizada para procedimentos de curta duração, como para a sedação de pacientes hipotensos, submetidos à cardioversão elétrica. Pode-se concluir que as principais vantagens do propofol são a possibilidade de promover uma sedação mais superficial, o seu rápido início de ação e a ausência de acúmulo, mesmo quando administrado em doses repetidas ou em infusão contínua, o que proporciona um rápido despertar e facilita o desmame da ventilação mecânica. Em contrapartida, os pontos positivos para o midazolam são a tendência de propiciar uma maior estabilidade cardiovascular e do seu custo financeiro ser menor. 2.5.3 Bloqueadores neuromusculares A necessidade da administração de bloqueadores neuromusculares (BMN) a nível emergencial é pouco frequente e se restringe à facilitação da entubação orotraqueal. Em pacientes submetidos à ventilação mecânica o uso desses fármacos é cada vez mais raro. Sempre deve ser lembrado que é imprescindível a sedação profunda para que o BMN seja administrado. Bloqueio neuromuscular é a designação para as intervenções que interrompem total ou parcialmente a transmissão do impulso nervoso ao nível da placa motora. Esse bloqueio pode ocorrer pela inibição da síntese da acetilcolina (ACh) por inibição da liberação da ACh ou por interferência na atuação pós-sináptica da ACh, sendo esse último o mecanismo 37 de ação dos agentes BMN disponíveis na prática clínica. Os BMNs podem ser classificados como adespolarizantes, quando bloqueiam a atuação da ACh e despolarizantes quando são agonistas dos receptores de ACh. A succinilcolina é o único agente despolarizante de curta duração, que ainda é utilizado na prática clínica. O seu rápido início de ação associado à curta duração do seu efeito faz dessa droga o BMN de escolha para a intubação traqueal. Deve ser ressaltado que esse fármaco pode causar bradicardia ou ritmos juncionais, aumento das pressões intracraniana e intra-ocular, hipertermia maligna e dor muscular secundária às fasciculações. O pancurônio é o BMN mais comumente utilizado em pacientes de UTI. Esse fármaco tem efeito cumulativo e seu efeito é prolongado em pacientes com insuficiência hepática ou renal. Pode levar a taquicardia, aumento da pressão arterial e da contratilidade cardíaca (MORITZ, 2004). 2.6 A ANESTESIOLOGIA EM UTI O conhecimento de que o ambiente das Unidades de Terapia Intensiva (Figura 9) e as particularidades do paciente crítico associadas ao tratamento à que esse paciente é submetido podem influir na evolução do seu quadro clínico, ainda existem falhas no que concerne ao controle da dor e do estresse desses pacientes (BENSEÑOR, CICARELLI, 2003). Pacientes instáveis Pouco colaborativos Sedados (EOT/curares) Nível de consciência Restritos ao leito Afetados emocionalmente Cenário do paciente na UTI Figura 9 – Unidade de Terapia Intensiva 38 Há cerca de 15 anos a literatura médica tenta responder as mesmas perguntas: o quanto se deve sedar o paciente, qual o melhor método para a avaliação dessa sedação, se a sedação contínua é preferível à intermitente, se a utilização de analgésicos deve ser empregada sem a associação com sedativos e, qual o benefício dos efeitos hipnóticos e amnésicos dessas drogas. Entretanto, mesmo em 2005 essas perguntas ainda não foram totalmente respondidas. Surgiram novos fármacos, obteve-se maior experiência com a sedação e a analgesia de pacientes internados em UTI, houve a consciência de que a analgesia adequada é uma peça fundamental no tratamento desses pacientes, mas ainda não foi estabelecido um modelo de sedoanalgesia ideal para os mesmos. A multiplicidade de cenários clínicos observados nas UTI exige que a hipnoanalgesia seja planejada e que a estratégia e o objetivo terapêutico sejam estabelecidos de modo personalizado (MORGAN, MURRAY, MIKHAIL, 2010). Os consensos para a sedoanalgesia em UTI indicam como fármacos sedativos o midazolam e o propofol e como analgésicos os opióides. Nos últimos anos novos fármacos têm sido adicionados a esse arsenal terapêutico, tais como a cetamina e a dexmedetomidina. O controle da dor é primordial. O propofol causa maior risco de hipotensão e que o midazolam promove uma sedação mais prolongada (WHITE, 1997). Destaca-se que o propofol não deve ser administrado em altas doses, por um longo período de tempo. A associação dos fármacos sedativos e analgésicos (co-sedoanalgesia) pode diminuir seus efeitos colaterais (Figura 10). Drogas mais utilizadas Midazolam Propofol Morfina & Fentanil & alfentanil & remifentanil Dexmedetomidina Figura 10 – Drogas mais utilizadas na UTI 39 A administração concomitante da clonidina com o midazolam ou com o propofol pode evitar a tolerância e abstinência a esses fármacos. O uso da dexmedetomidina para a sedoanalgesia de pacientes graves mostra-se promissor. Os fármacos mais utilizados para o controle da dor são os opíóides, sendo a morfina indicada para a analgesia de pacientes crônicos e com estabilidade hemodinâmica. O fentanil é indicado para a analgesia em UTI, principalmente de pacientes instáveis hemodinamicamente. A sedoanalgesia deve ser monitorada e instituída de maneira individualizada. Os bloqueadores neuromusculares (BNM) são pouco utilizados. A succinil colina é indicada para a facilitação da entubação orotraqueal e o pancurônio para uso intermitente e eventual (MANICA, 2004). As melhoras do processo anestésico atualmente têm suas raízes em diversos fatores: qualificação dos médicos anestesistas; avanços tecnológicos aplicados na medicina, que disponibiliza aparelhos cada vez mais precisos de monitoramento de funções vitais e instrumentos de aplicação; drogas mais seguras; melhor preparo dos pacientes e, principalmente, a instituição da consulta pré-anestésica. Hoje em dia, a consulta é realizada sempre antes do ato anestésico e tem como objetivo informar ao anestesista as condições físicas e psicológicas do paciente. É de vital importância à obtenção de informações específicas como a preexistência de doenças, alergias, uso de medicamentos, entre outros. Dessa forma, o anestesista pode escolher a droga mais adequada para o procedimento e para o paciente em questão, evitando ao máximo possíveis complicações relacionadas à anestesia. Dito isso, o procedimento não está, de forma alguma, isento de riscos. Estes podem ocorrer em pessoas com doenças associadas e em casos de emergência, nos quais não é possível, muitas vezes, ter acesso ao histórico clínico do paciente. Pacientes com paralisia cerebral, por exemplo, que possuem juntamente refluxo gastroesofágico, incoordenação orofaríngea e acúmulo de secreção, além de convulsões e incoordenação motora, podem desenvolver complicações respiratórias durante anestesia geral (MORITZ, 2004). Outro fator de risco é a obesidade mórbida, visto que o acesso venoso e o posicionamento do paciente são difíceis e a ventilação deve ser individualizada. No entanto, muitos desses riscos podem ser evitados previamente ou controlados, e a maior parte dos casos fatais decorrem de falhas humanas e de más condições hospitalares. Novas drogas ainda estão sendo desenvolvidas na busca de um anestésico ideal. Este deve induzir a uma anestesia rápida e suave, proporcionar uma recuperação rápida após o término da administração, ter uma alta margem de segurança, ser destituído de efeitos colaterais, não ser inflamável, ter baixo custo e ser prontamente controlável, para que a quantidade suficiente seja administrada 40 conforme o necessário para o procedimento cirúrgico. Quanto aos métodos de aplicação, uma novidade é a utilização do ultrassom para identificar com precisão as estruturas em que o anestésico será injetado. Dessa maneira, evitam-se lesões de veias e artérias, o que torna mais segura a realização de bloqueios anestésicos tanto para procedimentos cirúrgicos quanto para tratamento e controle da dor. Apesar desses esforços, as drogas antigas ainda são utilizadas, não tendo sido criado nenhum substituto eficaz para estas, indicando que o campo da analgesia ainda tem muito a progredir (BENSEÑOR, CICARELLI, 2003). Para a analgesia de pacientes internados em UTI é preconizada a administração dos opióides. A morfina, por apresentar efeito prolongado e por causar hipotensão, deve ser preferencialmente administrada de maneira intermitente, devendo ser evitado o seu uso em pacientes hipotensos. Nesses pacientes o fentanil é o fármaco de escolha, sendo a administração contínua a preferencial. A meperidina, por apresentar metabólitos com características neuroexcitatórias é contraindicada em UTI. O remifentanil, um opióide de ação ultracurta, pode ser benéfico para a analgesia de pacientes que necessitem de avaliação neurológica frequente. Os antiinflamatórios não hormonais e o acetaminofen não são indicados para a analgesia de pacientes críticos (BENSEÑOR, CICARELLI, 2003). 41 CONSIDERAÇÕES FINAIS A simples admissão hospitalar de um paciente é um fator que gera ansiedade (medo do desconhecido) e algumas vezes depressão, estando estes dois sintomas diretamente relacionados à intensidade da dor relatada pelo paciente, estando ou não correlacionada à doença do paciente. Todo o quadro descrito torna-se muito mais intenso quando existe a necessidade da internação em UTI, sendo neste caso a ansiedade do paciente potencializada pela dos familiares. Os pacientes críticos internados em UTI sofrem muitas vezes de síndrome dolorosa caracterizada por dor, privação de sono, delírio, além de alterações cardiovasculares, respiratórias e hormonais. Quando a UTI é responsável também pelo acompanhamento do paciente no período pós-operatório, torna-se mais evidente a necessidade de terapia antálgica eficaz para que o paciente apresente evolução satisfatória, isto porque muitos dos pacientes internados em UTI referem como as piores recordações à dor, o medo e a ansiedade. A importância da dor é muitas vezes minimizada e seu tratamento a base de analgésicos, sedativos e bloqueadores neuromusculares. Os consensos para a sedoanalgesia em UTI indicam como fármacos sedativos o midazolam e o propofol e como analgésicos os opióides. Nos últimos anos novos fármacos têm sido adicionados a esse arsenal terapêutico, tais como a cetamina e a dexmedetomidina. Os fármacos mais utilizados para o controle da dor são os opíóides, sendo a morfina indicada para a analgesia de pacientes crônicos e com estabilidade hemodinâmica. O fentanil é indicado para a analgesia em UTI, principalmente de pacientes instáveis hemodinamicamente. A sedoanalgesia deve ser monitorada e instituída de maneira individualizada. Os bloqueadores neuromusculares (BNM) são pouco utilizados. A succinil colina é indicada para a facilitação da entubação orotraqueal e o pancurônio para uso intermitente e eventual. As melhoras do processo anestésico atualmente têm suas raízes em diversos fatores: qualificação dos médicos anestesistas; avanços tecnológicos aplicados na medicina, que disponibiliza aparelhos cada vez mais precisos de monitoramento de funções vitais e instrumentos de aplicação; drogas mais seguras; melhor preparo dos pacientes e, principalmente, o empenho de toda a equipe multidisciplinar para dar ao paciente que se encontra na UTI toda condição de recuperar o que ele mais anseia: a saúde. 42 REFERÊNCIAS BENSEÑOR, Fábio Ely Martins, CICARELLI, Domingos Dias. Sedação e Analgesia em Terapia Intensiva. Revista Brasileira de Anestesiologia, 2003. CHENG, Victor Y. et. Al. A receptors mediate the amnestic but not sedative-hypnotic effects of the general anesthetic etomidate. Journal of Neuroscience, vol.26, ed.14º, p. 3713-3720, 5 de abril de 2006. COLLINS, Vicent. Historia da anestesiologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1979. EBERT, T.J.; SCHIMID III, P.G. Anestesia inalatória. In BARASH, P.G.; CULLEN, B.F.; STOELTING, R.K. Anestesia Clínica. 4 ed. São Paulo: Manole, 2004. GUÉRIOS, Floriano et al. Anestesia. São Paulo: Saraiva, 2006. LAKATOS, E.M, MARCONI, M. de Andrade. Metodologia de Trabalho Científico. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2001. MANICA, J. Anestesiologia: princípios e técnicas. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2004. MILLER, R.D. Clinical Anesthesis. 6 ed. São Paulo: Elsevier, 2005. MORGAN Jr., G. E.; MURRAY, M. J.; MIKHAIL, M. S. Anestesiologia clínica. 4. ed. Rio de Janeiro: Ravintar, 2010 MORITZ, R.D. Atualização dos fármacos analgésicos, sedativos e bloqueadores neuromusculares utilizados em UTI. In: CLEOVALDO T. S. et al. (Org.). Programa de atualização em Medicina Intensiva. 4 ed. Porto Alegre, 2004: 81-108. RANG, H. P., DALE, M. M. Farmacologia. 5 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007. TEIXEIRA, M.J. et al. Dor: conceitos gerais. São Paulo: Limay, 1994. TERZI, R., AMARAL, J.L.G. Consenso brasileiro sobre analgesia, sedação e bloqueio neuromuscular em terapia intensiva. Clínica Brasileira de Medicina Intensiva, 2:241-254, 1996. WHITE, P.F. Propofol. In: WHITE, P.F ed. Textbook of intravenous anesthesia. Wiiliams & Wilkins, Baltimore, cap. 7, p. 111-152 1997.