Economia e Vida

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Economia e Vida (II): Deus e ídolos na economia
Jung Mo Sung *
No artigo anterior, eu tratei da "materialidade da vida", que é um dos aspectos fundamentais
do tema da CF deste ano: "Economia e vida". Neste artigo, eu quero continuar a reflexão
abordando um segundo aspecto, "o aspecto teológico-espiritual da economia".
À primeira vista, falar em aspecto teológico-espiritual da economia soa estranho para a
maioria da população. Pois a economia trataria das questões materiais e a teologia e a
espiritualidade, das questões imateriais. Esta visão que separa e opõe a economia da teologia
e espiritualidade é uma característica do mundo moderno, que separou os campos da vida
social (por ex, o campo econômico e o religioso) de uma forma que os vê como independentes
e autônomos. E, estranhamente, muitos dos grupos religiosos que se opõem ao mundo
moderno assumem essa separação moderna como algo "natural" ou "divino".
A afirmação de Jesus, "Ninguém pode servir a dois senhores... Não podeis servir a Deus e ao
Dinheiro." (Mt 6,24), mostra que na tradição cristã, e nas sociedades antigas, há uma relação
entre a economia e teologia. E aqui é preciso prestar atenção: não é relação entre economia e
ética ou entre a economia e a doutrina social da Igreja, mas sim entre economia e teologia!
Jesus coloca uma disjuntiva: servir a Deus ou a Dinheiro. Isto é, Jesus mostra que dinheiro
pode ser e foi colocado no mesmo nível de Deus. Por isso, há relações de seres humanos com
o dinheiro que se tornam uma questão teológica, uma questão de discernimento entre o Deus
verdadeiro e o deus falso, ou ídolo.
O que as Igrejas cristãs fazem normalmente, quando tratam das questões econômicas, é
propor uma doutrina social, que costuma não ter o mesmo status de teologia. É como se fosse
uma aplicação derivada da teologia aos problemas do mundo social, uma aplicação que não
faria parte da essência da reflexão teológica e da evangelização. Entretanto, Jesus, ao colocar a
oposição entre o "servir ao Dinheiro" e o "servir a Deus", eleva a questão econômica ao
coração da teologia e da evangelização.
Porém, é preciso tomar outro cuidado. Jesus não condena dinheiro ou economia de uma
forma geral. O que ele condena é a transformação do dinheiro no sentido último da vida, no
critério máximo para decidir o que é bom ou mal, quem deve viver ou morrer. Na Teologia da
Libertação, essa discussão foi desenvolvida especialmente pela "escola do DEI" (Departamento
Ecuménico de Investigaciones, em Costa Rica, com nomes como Franz Hinkelammert e Hugo
Assmann), que cunhou a expressão "a idolatria do mercado". A economia de hoje é muito
diferente do tempo de Jesus, por isso, a melhor forma de criticar a idolatria que ocorre na ou
via economia é a do mercado, e não mais a do dinheiro. Porém, é preciso lembrar que
Assmann e Hinkelammert também criticam o fazer do mercado algo absoluto, o último critério
para as decisões sobre a vida e a morte na sociedade (idolatria); mas não o mercado como tal.
Pois, não é possível organizar a economia e a sociedade hoje sem mercado.
Servir a um "deus falso", ídolo, deus que exige sacrifícios de vidas humanas, é um tema da
teologia, mas também da espiritualidade. Pois "servir" a Deus ou ídolo implica em dedicar uma
vida, em encontrar o sentido da vida e a motivação para viver nesse serviço. A questão central
hoje, em termos de evangelização, não é anunciar a Deus a um mundo não-crente. Mas a de
discernir entre uma espiritualidade e teologia que nos leva a Deus que se revelou na vida,
morte e ressurreição de Jesus; e a outra que nos leva ao ídolo, que sempre se mostra como um
deus poderoso, radiante e glorioso no mundo.
Esta breve reflexão nos mostra que há, pelo menos, dois níveis na discussão da economia. A
tarefa teológica da crítica da idolatria - que pertence ao coração da tradição bíblica - que
ocorre na economia e da proposição de uma nova noção de Deus como fundamento de uma
nova economia. (Max Weber chega a dizer que as ciências sociais devem desvelar os deuses
impessoais que estão por detrás das ações na economia e na sociedade, mas não propõe uma
crítica a esses deuses.) Outro nível é o do campo técnico-operacional da economia. A discussão
sobre a melhor forma de combater a inflação, de aumentar o nível de emprego ou melhorar a
distribuição de renda, não é do campo da teologia, mas sim das ciências econômicas. Isto é,
não podemos tirar da Bíblia, da teologia, ou até mesmo da doutrina social da Igreja, críticas ou
propostas no campo operacional da economia.
É preciso fazer uso das "mediações", como sempre insistiu a Teologia da Libertação. Da análise
da economia, desvelar os seus fundamentos teológicos e econômicos; da reflexão teológicobíblica, dialogar com as ciências econômicas, sociais, políticas e antropológicas para ver quais
as diretrizes que melhor expressam os valores da fé. Diretrizes essas que não podem ser
confundidas com "receitas" ou práticas econômicas concretas, pois esse é o campo da
discussão e de resultados sempre provisórios. Devemos evitar a tentação de absolutizar as
"nossas" propostas econômicas, negando diálogo e debate com grupos que, mesmo tendo
valores convergentes, pensam de modo diferente os caminhos concretos da economia.
Por tudo isso, para uma boa reflexão teológica socialmente relevante hoje, é fundamental
estudarmos as interfaces entre a teologia e economia.
[1] Professor de pós-graduação em Ciências da Religião. Autor de "Cristianismo de Libertação:
espiritualidade e luta social".
Publicado por Adital [www.adital.com.br] em 12/02/2010
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