Evangelho segundo S. Lucas 2,1-14. Por aqueles dias, saiu um édito da parte de César Augusto para ser recenseada toda a terra. Este recenseamento foi o primeiro que se fez, sendo Quirino governador da Síria. Todos iam recensear-se, cada qual à sua própria cidade. Também José, deixando a cidade de Nazaré, na Galileia, subiu até à Judeia, à cidade de David, chamada Belém, por ser da casa e linhagem de David, a fim de se recensear com Maria, sua esposa, que se encontrava grávida. E, quando eles ali se encontravam, completaram-se os dias de ela dar à luz e teve o seu filho primogénito, que envolveu em panos e recostou numa manjedoura, por não haver lugar para eles na hospedaria. Na mesma região encontravam-se uns pastores que pernoitavam nos campos, guardando os seus rebanhos durante a noite. Um anjo do Senhor apareceu-lhes, e a glória do Senhor refulgiu em volta deles; e tiveram muito medo. O anjo disse-lhes: «Não temais, pois anuncio-vos uma grande alegria, que o será para todo o povo: Hoje, na cidade de David, nasceu-vos um Salvador, que é o Messias Senhor. Isto vos servirá de sinal: encontrareis um menino envolto em panos e deitado numa manjedoura.» De repente, juntouse ao anjo uma multidão do exército celeste, louvando a Deus e dizendo: «Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens do seu agrado.» Julião de Vézelay (cerca 1080-cerca 1160), monge beneditino Primeiro sermão para o Natal “Tu fizeste resplandecer esta noite com os raios da luz verdadeira” (oração do início da missa) “Um profundo silêncio envolvia todas as coisas, e a noite estava no meio do seu curso. Então a tua Palavra omnipotente, Senhor, desceu do teu trono real” (Sab 18,14-15). Este texto da Escritura designa o tempo muito santo em que a Palavra omnipotente de Deus veio até nós para nos falar da nossa salvação. Partindo do âmago do Pai, ela veio ao seio de uma mãe… A Palavra de Deus vem pois a nós do seu trono real; ela abaixa-se para nos elevar; ela empobrece-se para nos enriquecer; ela faz-se homem para nos divinizar. Esta Palavra tinha dito: 'Faça-se o mundo', e mundo foi feito; ela tinha dito: 'Faça-se o homem', e o homem foi feito. Mas aquilo que criou, a Palavra não o recriou assim tão facilmente. Criou por ordem sua, mas recriou pela sua morte. Criou ordenando, mas recriou sofrendo. “Vocês afligiram-me”, disse ela. "O universo, em toda a sua complexidade, não me deu nenhum trabalho para organizar e governar, porque 'estende o seu vigor de uma extremidade à outra e governa todas as coisas com suavidade' (Sab 8,1). Só o homem, violador da minha lei, me afligiu, com os seus pecados. É por isso que, vindo do trono celeste, não recusei encerrar-me no seio de uma virgem e unir-me numa só pessoa com a humanidade corrompida. Desde o meu nascimento sou envolta em cueiros, deitam-me numa manjedoura porque não há lugar na estalagem para o Criador do mundo…" Todas as coisas estavam mergulhadas no meio do silêncio, quer dizer entre os profetas que já não falavam e os apóstolos que falariam mais tarde… Que a Palavra do Senhor venha agora àqueles que fazem silêncio. Escutemos o que o Senhor nos diz no fundo de nós próprios. Que os movimentos e os gritos desastrosos da nossa carne se calem, que as nossas orelhas atentas escutem livremente o que diz o Espírito, para que escutem a voz que está acima do firmamento. São Bernardo (1091-1153), monge cisterciense do séc. XII, doutor da Igreja 5º Sermão para a Vigília de Natal «A glória do Senhor refulgiu em volta deles» Antes de surgir a verdadeira luz, antes do nascimento de Cristo, a noite envolvia o mundo por completo; a noite reinava também em cada um de nós, antes da nossa conversão e regeneração interior. Não era aquela a mais profunda das noites, e aquelas as trevas mais espessas à face da terra, naquele tempo em que nossos pais honravam falsos deuses? [...] E não houve depois em nós uma outra noite tenebrosa, nesse período em que sem Deus vivíamos neste mundo, apenas guiados pelas nossas paixões e por atracções mundanas, fazendo coisas que hoje nos fazem corar, por serem também obras das trevas? [...] Mas agora saístes do vosso sono, santificastes-vos, tornastes-vos filhos da luz, filhos do dia, e já não sois das trevas nem da noite (1 Ts 5,5) [...] «Amanhã vereis a majestade de Deus em vós.» Hoje, por nós, o Filho fez-Se justiça vinda de Deus; amanhã, manifestar-Se-á como vida nossa, para que nos pareçamos com Ele na glória. Hoje nasceu-nos um menino, para nos impedir de viver na vã glória, e para que, ao convertermo-nos, sejamos humildes como crianças (Mt 18,3). Amanhã Ele mostrar-Se-á na sua grandeza para nos incitar ao louvor e para que possamos também ser glorificados e louvados, quando a cada um Deus conceder a sua glória [...] «Seremos semelhantes a Ele, porque O veremos tal como Ele é» (1 Jo 3,2). Hoje, com efeito, não O vemos em Si mesmo, mas como num espelho (1 Co 13,12); hoje Ele recebe aquilo que, dependendo de nós, lhe damos. Mas amanhã vê-Lo-emos em nós, quando nos der o que depende d'Ele, quando Se mostrar tal como é em Si mesmo, e nos tomar para nos elevar até Si. Beato Guerric d’Igny (c.1080-1157), abade cisterciense 1º Sermão para a Natividade «Eis o sinal que vos é dado: um recém-nascido […] deitado numa manjedoura (Lc 2,12)» «Um menino nasceu para nós» (Is 9,5). E o Deus de majestade, aniquilando-se a si próprio (Fl 2,7) tornou-se semelhante ao corpo terrestre dos mortais, nele se assumindo na frágil e tenra idade das crianças […]. Ó santa e doce infância, que restitui ao homem a verdadeira inocência! Por ti todos os homens podem voltar a uma beata infância (Mt 18,3) e ser conformes ao Menino Deus, não pela pequenez dos membros, mas pela humildade do coração e doçura dos hábitos […]. Que te sirva de exemplo: Deus, sendo o maior, quis tornar-se no mais humilde e mais pequeno de todos. Para Ele era ainda bem pouco ficar abaixo dos anjos, ao tomar a condição da natureza mortal; teve pois de fazer-se mais pequeno que os homens, assumindo a idade e a fragilidade de uma criança. Que o homem pio e humilde a isto preste atenção, e em tal encontre motivo de felicidade. Que o homem ímpio e orgulhoso a isto preste atenção, e com tal se espante. Vejam o Deus infinito feito menino, um pequenino que devemos adorar […]. Nesta primeira manifestação aos mortais, Deus prefere mostrar-se com os traços de uma pequena criança, suscitando, nessa aparência, mais amor que temor. E, como vem para salvar e não para julgar, ele demonstra assim o que o amor poderá suscitar, remetendo para depois o que poderá inspirar o temor. Aproximemo-nos portanto com toda a confiança do trono da sua graça (He 4,16), nós que trememos só de pensar nesse trono de glória. Nada de terrível nem de severo há aqui a temer. Pelo contrário, tudo é bondade e doçura, que nos inspiram confiança. Não há, em verdade, coisa mais fácil de pacificar que o coração desta criança; Ele precede-te nas oferendas de paz e de satisfação e é o primeiro a enviar-te mensageiros de paz para te encorajar à reconciliação, a ti, que és culpado. Basta-te querer, e querer com verdade e de forma perfeita. Ele dar-te-á não apenas o perdão, mas cumular-te-á de graça. Mais ainda: certo de não ser ganho pequeno ter encontrado a ovelha perdida, celebrará uma festa com os seus anjos (Lc 15,7). Beato João XXIII (1881-1963), papa Diário da Alma "Deitado numa manjedoura" Amanhã deve ser dia de grande recolhimento e de grande fervor. Jesus está próximo, está mesmo a sair do seio materno. Já faz ouvir a sua voz cheia de amor: “Eis que eu venho!” (Ap 16,15) E eu devo preparar-me com uma atenção especial para a sua vinda, porque dela espero benefícios imensos. Tenho grandes coisas a comunicar-lhe e ele tem enormes e incontáveis presentes para me oferecer. Amanhã, o meu espírito e o meu coração devem ficar calmos durante todo o dia, diante do tabernáculo, transformado nestes dias em estábulo de Belém. “Vem, bom Jesus, vem e não tardes!”… A noite vai avançada, as estrelas cintilam no frio do céu. Chegam aos meus ouvidos as vozes barulhentas e os gritos da cidade. São os que gozam este mundo, os que festejam com excessos a pobreza do Salvador. E eu velo, pensando no mistério de Belém. Vem, Senhor Jesus, estou à tua espera. Maria e José, rejeitados pelos habitantes e sentindo que o momento se aproxima, partem para o campo à procura de um abrigo. Eu sou apenas um pobre pastor, só tenho um pobre estábulo, uma pequena manjedoura e um pouco de palha, Ofereço-vos tudo, tende a bondade de aceitar esta pobre cabana. Apressa-te, Jesus, eis o meu coração para ti. A minha alma é pobre e vazia de virtudes, a palha das minhas muitas imperfeições picar-te-á; mas que queres tu, Senhor? É tudo o que possuo. A tua pobreza comove-me, enternece-me, arranca-me lágrimas. Mas não vejo nada melhor para te oferecer. Jesus, enfeita a minha alma com a tua presença, com as tuas graças, queima a palha e transforma-a em lençol para o teu corpo santíssimo… Jesus, eu te espero… Eles deixam-te gelar; vem para o meu coração. Sou apenas um pobrezinho mas aquecer-te-ei como puder; pelo menos, quero que te alegres com o desejo que tenho de te amar muito. Tomás de Celano (c. 1190-c. 1260), biografia de São Francisco e de Santa Clara Vita prima S. Francisco no primeiro presépio Uma quinzena antes do Natal, Francisco disse: «Quero evocar a memória do Menino que nasceu em Belém e de todos os desagrados que Ele teve de suportar logo na infância. Quero vê-lo com os meus olhos de carne, tal qual estava, deitado numa manjedoura, dormindo sobre palha, entre uma vaca e um burro»... O dia da alegria chegou... Foram convocados os frades de vários conventos das redondezas. Com a alma em festa, os habitantes da região, homens e mulheres, prepararam, cada qual de acordo com as suas possibilidades, tochas e velas para tornarem luminosa essa noite que viu elevar-se a estrela cintilante que ilumina todos os séculos. Ao chegar, o santo viu que tudo estava pronto e alegrou-se muito. Tinham trazido uma manjedoura com feno; tinham trazido um burro e uma vaca. Ali honrava-se verdadeiramente a simplicidade, era o triunfo da pobreza, a melhor lição de humildade. Greccio tornara-se numa nova Belém. A noite fez-se tão luminosa como o dia (Sl 138,12) e tão deliciosa para os animais como para os homens. As multidões acorreram, e esta renovação do mistério reavivou a sua alegria. Os bosques retiniam de cânticos; as montanhas repercutiam-lhes os ecos. Os frades cantavam louvores ao Senhor, e toda a noite foi passada em alegria. O santo passou a noite de pé, diante do presépio, qu ebrado de compaixão, cheio de uma alegria indizível. Por fim, celebrou-se a missa sobre a manjedoura como altar, e o padre experimentou uma piedade nunca até então sentida. Francisco vestiu a dalmática, pois era diácono, e cantou o evangelho em voz sonora... Em seguida, pregou ao povo e achou palavras doces como o mel para falar do nascimento do pobre Rei e da pequena cidade de Belém. Pregador do Papa: Natal, suprema manifestação da «filantropia de Deus» Comentário do Pe. Cantalamessa sobre a liturgia do Natal do Senhor ROMA, segunda-feira, 24 de dezembro de 2007 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do Pe. Raniero Cantalamessa, OFM Cap. – pregador da Casa Pontifícia – sobre a liturgia da meia-noite do Natal do Senhor. *** Natal do Senhor Isaías 9, 2-4.6-7; Tito 2, 11-14; Lucas 2, 1-14 Glória e paz aos homens Um antigo costume prevê para a festa do Natal três missas, chamadas respectivamente «da noite», «da aurora» e «do dia». Em cada uma, através das leituras que variam, apresenta-se um aspecto diferente do mistério, de forma que se tenha dele uma visão por assim dizer tridimensional. O evangelho da Missa da meia-noite se concentra no evento, no fato histórico. Descreve-se com uma desconcertante simplicidade, sem ostentação alguma. Três ou quatro linhas de palavras humildes e normais para descrever o acontecimento, o mais importante na história do mundo: a chegada de Deus à terra. A tarefa de mostrar o significado e o alcance deste acontecimento é confiada pelo evangelista ao canto que os anjos entoam depois de ter dado o anúncio aos pastores: «Glória a Deus no alto do céu e paz na terra aos homens que ama o Senhor». No passado, esta ultima expressão se traduzia de maneira diferente: «Paz na terra aos homens de boa vontade». Com este significado, a expressão entrou no canto do «Glória» e se fez comum na linguagem cristã. Após o Concílio Vaticano II se costuma indicar com ela todos os homens honestos, que buscam a verdade e o bem comum, sejam ou não-crentes. Mas trata-se de uma interpretação inexata e por isso atualmente em desuso. No texto bíblico original, trata-se dos homens aos quais Deus ama, que são objeto da boa vontade divina, não que eles tenham boa vontade. Deste modo, o anúncio é ainda mais consolador. Se a paz se outorgara aos homens por sua boa vontade, então se limitaria a poucos, aos que a merecem; mas como se outorga pela boa vontade de Deus, por graça, oferece-se a todos. O Natal não apela à boa vontade dos homens, mas é anúncio luminoso da boa vontade de Deus para com os homens». A palavra-chave para entender o sentido da proclamação angélica é, portanto, a última, a que fala do «querer», do «amor» de Deus para com os homens, como fonte e origem de tudo o que Deus começou a realizar no Natal. Ele nos predestinou a ser seus filhos adotivos «segundo o beneplácito de sua vontade», escreve o Apóstolo; deu-nos a conhecer o mistério de seu querer, segundo o que havia estabelecido «em sua benevolência» (Ef 1, 5.9). O Natal é a suprema epifania daquele que a Escritura chama de filantropia de Deus, ou seja, seu amor pelos homens: «Manifestou-se a bondade de Deus e seu amor pelos homens» (Tito 3, 4). Só depois de ter contemplado a «boa vontade» de Deus para conosco podemos ocupar-nos também da «boa vontade» dos homens: de nossa resposta ao mistério do Natal. Esta boa vontade deve se expressar mediante a imitação da ação de Deus. Imitar o mistério que celebramos significa abandonar todo pensamento de fazer justiça sozinhos, toda lembrança de ofensas recebidas, suprimir do coração todo ressentimento ainda justo, e isso com respeito a todos. Não admitir voluntariamente nenhum pensamento hostil contra ninguém; nem contra os próximos nem contra os distantes, nem contra os fracos nem contra os fortes, nem contra os pequenos nem contra os grandes da terra, nem contra criatura alguma que existe no mundo. E isso para honrar o Natal do Senhor, porque Deus não guardou rancor, não olhou a ofensa recebida, não esperou a que outro desse o primeiro passo até Ele. Se isso não é possível sempre, durante todo o ano, pelo menos o façamos no tempo do Natal. Assim esta será realmente a festa da bondade. Traduzido por Zenit «Noite de silêncio» Padre Cantalamessa comenta o Evangelho do próximo domingo, Natal do Senhor ROMA, sexta-feira, 23 de dezembro de 2005 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do padre Raniero Cantalamessa OFM Cap --pregador da Casa Pontifícia-- ao Evangelho da segunda Missa do Natal do Senhor, chamada «da aurora». *** Homilia de Bento XVI na missa de Natal CIDADE DO VATICANO, terça-feira, 25 de dezembro de 2007 (ZENIT.org).- Publicamos a homilia que Bento XVI pronunciou na Santa Missa da noite de Natal, na Basílica de São Pedro, no Vaticano. *** Amados irmãos e irmãs, «Chegou o dia de Maria dar à luz, e teve o seu filho primogénito. Envolveu-O em panos e recostou-O numa manjedoura, por não terem lugar na hospedaria» (cf. Lc 2, 6-7). Estas frases não cessam de tocar os nossos corações. Chegou o momento que o Anjo tinha preanunciado em Nazaré: «Hás-de dar à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus. Ele será grande e chamar-Se-á Filho do Altíssimo» (cf. Lc 1, 31-32). Chegou o momento que Israel aguardava há muitos séculos, durante tantas horas sombrias – o momento de algum modo esperado por toda a humanidade, ainda que sob figuras confusas: que Deus viesse cuidar de nós, que saísse do seu esconderijo, que o mundo fosse salvo e tudo se renovasse. Podemos imaginar com quanto cuidado interior, com quanto amor Se preparou Maria para aquela hora. A breve anotação «envolveu-O em panos» deixa-nos intuir algo da santa alegria e do zelo silencioso de tal preparação. Estavam prontos os panos, para que o Menino pudesse ser bem acolhido. Na hospedaria, porém, não havia lugar. De algum modo a humanidade espera Deus, a sua proximidade. Mas quando chega o momento, não tem lugar para Ele. Está tão ocupada consigo mesma, sente necessidade tão imperiosa de todo o espaço e de todo o tempo para as próprias coisas, que não resta nada para o outro: para o próximo, para o pobre, para Deus. E quanto mais ricos se tornam os homens, tanto mais preenchem tudo de si mesmos. Tanto menos pode entrar o outro. João, no seu Evangelho, fixando-se no essencial, aprofundou a breve notícia de São Lucas sobre a situação de Belém: «Veio para o que era Seu, e os Seus não O acolheram» (1, 11). Isto aplica-se antes de mais a Belém: o Filho de David vem à sua cidade, mas tem de nascer num curral, porque, na hospedaria, não há lugar para Ele. Aplica-se depois a Israel: o enviado chega junto dos Seus, mas não O querem. Na realidade aplica-se à humanidade inteira: Aquele por Quem o mundo foi feito, o Verbo criador primordial entra no mundo, mas não é ouvido, não é acolhido. Em última análise, estas palavras aplicam-se a nós, a cada individuo e à sociedade no seu todo. Temos nós tempo para o próximo que necessita da nossa, da minha palavra, do meu afecto? Para o doente que precisa de ajuda? Para o prófugo ou o refugiado que procura asilo? Temos nós tempo e espaço para Deus? Pode Ele entrar na nossa vida? Encontra um espaço em nós, ou temos todos os espaços do nosso pensamento, da nossa acção, da nossa vida ocupados para nós mesmos? Graças a Deus, a notícia negativa não é a única, nem a última que encontramos no Evangelho. Tal como encontramos em Lucas o amor de Maria, a mãe, e a fidelidade de São José, a vigilância dos pastores e a sua grande alegria, tal como encontramos em Mateus a visita dos doutos Magos, vindos de longe, assim também João nos diz: «Mas, a quantos O receberam, deu-lhes poder de se tornarem filhos de Deus» (Jo 1, 12). Existem aqueles que O acolhem e deste modo, a começar do curral, do exterior, cresce silenciosamente a nova casa, a nova cidade, o novo mundo. A mensagem de Natal leva-nos a reconhecer a escuridão dum mundo fechado, e deste modo clarifica sem dúvida uma realidade que vemos diariamente. Mas isto diz-nos também que Deus não Se deixa fechar fora. Ele encontra um espaço, entrando nem que seja para o curral; existem homens que vêem a sua luz e a transmitem. Através da palavra do Evangelho, o Anjo fala-nos também a nós, e, na liturgia sagrada, a luz do Redentor entra na nossa vida. Quer sejamos pastores quer sejamos sábios, a luz e a sua mensagem convidanos para nos pormos a caminho, sairmos da mesquinhez dos nossos desejos e interesses a fim de irmos ao encontro do Senhor e adorá-Lo. Adoramo-Lo abrindo o mundo à verdade, ao bem, a Cristo, ao serviço de quantos vivem marginalizados e nos quais Ele nos espera. Nalgumas representações natalícias da Baixa Idade Média e princípios da Idade Moderna, o curral aparece como um palácio arruinado. Ainda se pode reconhecer a grandeza de outrora, mas agora foi à ruína, as paredes caíram: tornou-se, isso mesmo, um curral. Embora não tendo qualquer base histórica, esta interpretação, no seu aspecto metafórico, exprime contudo algo da verdade que se encerra no mistério do Natal. O trono de David, para o qual estava prometida uma duração eterna, encontra-se vazio. Outros dominam sobre a Terra Santa. José, o descendente de David, é um simples artesão; na realidade, o palácio tornou-se uma cabana. O próprio David começara por ser pastor. Quando Samuel o procurou para a unção, parecia impossível e absurdo que semelhante jovem-pastor pudesse tornar-se o portador da promessa de Israel. No curral de Belém, lá precisamente onde se verificara o ponto de partida, recomeça a realeza davídica de maneira nova: naquele Menino envolvido em panos e recostado numa manjedoura. O novo trono, donde este David atrairá a Si o mundo, é a Cruz. O novo trono – a Cruz – é o termo correlativo ao novo início no curral. Mas é assim mesmo que se constrói o verdadeiro palácio davídico, a verdadeira realeza. Este novo palácio é muito diverso do modo como os homens imaginam um palácio e o poder real: é a comunidade daqueles que se deixam atrair pelo amor de Cristo e, com Ele, se tornam um só corpo, uma humanidade nova. O poder que provém da Cruz, o poder da bondade que se dá: tal é a verdadeira realeza. O curral torna-se palácio: é precisamente a partir deste início que Jesus edifica a grande comunidade nova, cuja palavra-chave os Anjos cantam na hora do seu nascimento: «Glória a Deus nas alturas, e paz na terra aos homens que Ele ama», ou seja, homens que depõem a sua vontade na d’Ele, tornando-se assim homens de Deus, homens novos, mundo novo. Gregório de Nissa, nas suas homilias natalícias, desenvolveu a mesma ideia a partir da mensagem de Natal do Evangelho de João: «Levantou a sua tenda no meio de nós» (Jo 1, 14). Gregório aplica esta imagem da tenda ao nosso corpo, que ficou como tenda consumida e frágil; exposto por todo o lado à dor e ao sofrimento. E aplica-a ao universo inteiro lacerado e desfigurado pelo pecado. E que diria ele, se tivesse visto as condições em que hoje se encontra a terra por causa do abuso das energias e da sua exploração egoísta e sem respeito algum? Uma vez, de maneira quase profética, Anselmo de Cantuária descreveu antecipadamente aquilo que vemos hoje num mundo inquinado e ameaçado no seu futuro: «Tudo estava como que morto, tinha perdido a dignidade para que tinha sido feito, ou seja, para servir aqueles que louvam a Deus. Os elementos do mundo estavam oprimidos, tinham perdido o seu esplendor por causa do abuso de quantos os tornavam servos dos seus ídolos, para o quais não tinham sido criados» (PL 158, 955s). Assim, retomando a perspectiva de Gregório, o curral na mensagem de Natal representa a terra maltratada. Cristo não reconstrói um palácio qualquer. Veio para restituir à criação, ao universo a sua beleza e dignidade: é isto que tem início no Natal e faz rejubilar os Anjos. A terra é posta de novo em ordem pelo facto de ser aberta a Deus, de obter novamente a sua verdadeira luz, e, na sintonia entre querer humano e querer divino, na unificação das alturas com a realidade cá de baixo, recupera a sua beleza, a sua dignidade. Deste modo, o Natal é uma festa da criação reconstruída. É a partir deste contexto que os Padres interpretam o canto dos Anjos na Noite santa: é a expressão da alegria pelo facto de as alturas e a realidade cá de baixo, céu e terra se encontrarem novamente unidos; de o homem estar de novo unido a Deus. Segundo os Padres, faz parte do canto natalício dos Anjos que, agora, Anjos e homens possam cantar juntos e que, deste modo, a beleza do universo se exprima na beleza do canto de louvor. O canto litúrgico – sempre segundo os Padres – possui uma dignidade própria particular pelo facto de ser um cantar juntamente com os coros celestes. É o encontro com Jesus Cristo que nos torna capazes de ouvir o canto dos Anjos, criando assim a verdadeira música que decai quando perdemos este "cantar-com" e "ouvir-com". No curral de Belém, tocam-se céu e terra. O céu veio à terra. Por isso, de lá emana uma luz para todos os tempos; por isso lá se acende a alegria; por isso lá nasce o canto. Quero, no termo da nossa meditação natalícia, citar uma singular afirmação de Santo Agostinho. Ao interpretar a invocação da Oração do Senhor «Pai Nosso que estais nos céus», ele interrogase: O que é isto, o céu? E onde é o céu? Segue-se uma resposta surpreendente: «…que estais nos céus – isto significa: nos santos e nos justos. Temos, é verdade, os céus, os corpos mais elevados do universo, mas sempre corpos são, os quais não podem estar senão num lugar. Na realidade, se se acreditasse que o lugar de Deus seria nos céus enquanto as partes mais altas do mundo, então as aves seriam mais felizardas do que nós, porque viveriam mais perto de Deus. Ora não está escrito: "O Senhor está perto de quantos habitam nas alturas ou nas montanhas", mas sim "O Senhor está perto dos contritos de coração" (Sal 34/33, 19), expressão esta que se refere à humildade. Do mesmo modo que o pecador é chamado "terra", por contraposição também o justo pode ser chamado "céu"» (Serm. in monte II 5, 17). O céu não pertence à geografia do espaço, mas à geografia do coração. E o coração de Deus, na Noite santa, inclinou-Se até ao curral: a humildade de Deus é o céu. E se formos ao encontro desta humildade, então tocamos o céu. Então a própria terra se torna nova. Com a humildade dos pastores, ponhamo-nos a caminho, nesta Noite santa, até junto do Menino no curral! Toquemos a humildade de Deus, o coração de Deus! Então a sua alegria tocar-nos-á a nós e tornará mais luminoso o mundo. Amen. [Tradução do original em italiano distribuída pela Santa Sé © Copyright 2006 - Libreria Editrice Vaticana] Natal do Senhor Isaías 62, 11-12; Tito 3, 4-7; Lucas 2, 15-20 Noite de silêncio O Evangelho da segunda Missa de Natal, chamada «da aurora», mostra-nos com os pastores e com Maria qual deve ser nossa resposta e nossa atitude ante o nascimento de Cristo. Os pastores personificam a resposta de fé ante o anúncio do mistério. Deixam «sem demora» seu rebanho, interrompem seu descanso; tudo passa a ser um segundo plano frente ao convite de Deus; Maria personifica a atitude contemplativa e profunda de quem, em silêncio, contempla e adora o mistério: «Maria, por sua parte, guardava todas estas coisas, e as meditava em seu coração». Existem verdades e acontecimentos que se podem acolher melhor com o canto que com as palavras, e um deles é precisamente o Natal. O canto natalino mais popular na Itália é Tu scendi dalle stelle (Descendo das estrelas. Ndr), composto por Santo Alfonso Maria de Ligório. O Natal aparece-nos nele como a festa do amor que se faz pobre por nós. O rei do céu nasce «em uma gruta no frio e no gelo»; ao criador do mundo «faltam panos e fogo». Esta pobreza comove-nos, sabendo que «te fez amor mais pobre», que foi o amor o que fez pobre o Filho de Deus. Com palavras simples, quase infantis se expressa o significado do Natal que o apóstolo Paulo encerrava nas palavras: «Nosso Senhor Jesus Cristo, sendo rico, por vós fez-se pobre a fim de que vos enriquecêsseis com sua pobreza» (2 Co 8,9). Há infinitas formas de pobreza que, ao menos uma vez ao ano, vale a pena recordar, para não ficarmos sempre na pobreza dos bens materiais. Existe a pobreza de afetos, a pobreza de educação, a pobreza de quem foi privado do que lhe era mais querido no mundo, a pobreza da esposa rejeitada pelo marido ou do marido rejeitado pela esposa; a pobreza dos esposos que não puderam ter filhos, de quem deve depender fisicamente de outros. A pobreza de esperança, de alegria. Finalmente a pior pobreza de todas, que é a pobreza de Deus. Existem pobrezas, próprias e alheias, contra as quais há que lutar com todas as forças, porque são pobrezas más, desumanizadoras, não queridas por Deus, fruto da injustiça dos homens, mas há muitas formas de pobreza que não dependem de nós. Com estas últimas devemos reconciliar-nos, não deixar-nos abalar por elas, mas levá-las com dignidade. Jesus Cristo elegeu a pobreza; há nela um valor e uma esperança. Outro canto natalino, o mais amado em todo o mundo, é Sille Nacht, Noite silenciosa (popularmente entoado também como «Noite de Paz», Ndr). O texto original diz: «Noite de silêncio, noite santa! / Tudo cala, só velam / Os dois esposos santos e piedosos. / Doce e querido Menino / Dorme nesta paz celeste». A mensagem deste canto não está nas idéias que comunica (quase ausentes), mas na atmosfera que cria: uma atmosfera de estupor, de calma e de silêncio, e nós temos uma necessidade vital de silêncio. «A humanidade, disse Kierkegaard, está enferma de estrondo». O Natal poderá ser para alguns a ocasião de redescobrir a beleza de momentos de silêncio, de calma, de diálogo consigo mesmo ou com as pessoas. Um texto da liturgia natalina, procedente do livro da Sabedoria (18, 14-15), diz: «Quando um sossegado silêncio tudo o envolvia, tua Palavra onipotente, oh Senhor, saltou do céu, desde o trono real», e Santo Inácio de Antioquia chama Jesus Cristo de «a Palavra saída do silêncio» (Magn. 8, 2). Também hoje, a palavra de Deus descende ali onde encontra um pouco de silêncio. Maria é o modelo insuperável deste silêncio adorador. Nota-se uma diferença entre sua atitude e a dos pastores. Os pastores põem-se em caminho dizendo: «Vamos até Belém e vejamos o que aconteceu», e voltam glorificando a Deus e relatando a todos aquilo que haviam visto e ouvido. Maria cala. Ela «não tem palavras». Seu silêncio não é um simples calar; é maravilha, estupor, adoração, é um «silêncio religioso», um estar dominado pela grandeza da realidade. Concluo com uma bela lenda natalina que resume toda a mensagem que recolhemos dos dois cantos natalinos: pobreza e silêncio. Entre os pastores que foram na noite de Natal para adorar o Menino havia um tão pobrezinho que não tinha nada que oferecer e se envergonhava muito. Chegados à gruta, todos rivalizavam para oferecer seus presentes. Maria não sabia como fazer para receber todos, ao ter nos braços ao Menino. Então, vendo o pastorzinho com as mãos livres, confiou-lhe por um momento Jesus. Ter as mãos vazias foi sua sorte. É a sorte mais bela que poderia suceder também a nós. Deixar-nos encontrar neste Natal com o coração tão pobre, tão vazio e silencioso que Maria, ao ver-nos possa confiar-nos também seu Menino. [Traduzido por Zenit] ZP05122320 Pregador do Papa: A experiência da salvação de Cristo hoje Quarta pregação de Advento do padre Raniero Cantalamessa OFMCap CIDADE DO VATICANO, sexta-feira, 23 de dezembro de 2005 (ZENIT.org).- Publicamos a quarta e última pregação que, como preparação ao Natal, pronunciou na manhã desta sexta- feira da IV semana do Advento, ante o Santo Padre e seus colaboradores na Cúria, o pregador da Casa Pontifícia, padre Raniero Cantalamessa OFMCap. Na capela «Redemptoris Mater» do Palácio Apostólico, o padre Cantalamessa ofereceu com suas pregações uma série de reflexões sobre o tema «Nós pregamos Cristo Jesus como Senhor (2 Cor 4, 5). A fé em Cristo hoje». A primeira pregação de Advento se publicou em Zenit no dia 2 e 4 de dezembro; a segunda, dia 9 de dezembro; e a terceira, dia 16 de dezembro. *** Quarta pregação à Casa Pontifícia «Hoje nasceu para vós um Salvador» A experiência da salvação de Cristo hoje 1. Que salvador para o homem? Em um dos últimos Natais, assistia à Missa de meia-noite presidida pelo Papa em São Pedro. Chegou o momento do canto da Calenda: «Muitos séculos da criação do mundo... Treze séculos após a caminhada no Egito... No ano 752 da fundação de Roma... No ano 42 do império de César Augusto, Jesus Cristo, Deus eterno e Filho do eterno Pai, havendo sido concebido por obra do Espírito Santo, passados nove meses, nasceu em Belém da Judéia, da Virgem Maria, feito homem». Chegados a estas últimas palavras experimentei o que se chama «a unção da fé»: uma repentina clareza interior pela qual se diz a si mesmo: «É verdade! É tudo verdade! Não são só palavras. Deus veio verdadeiramente a nossa terra». Uma comoção inesperada me atravessou por completo, enquanto só podia dizer: «Obrigado, Santíssima Trindade, e obrigado também a ti, Santa Mãe de Deus!». Esta íntima certeza desejaria compartilhar convosco, veneráveis padres e irmãos, nesta última meditação que tem por tema a experiência da salvação de Cristo hoje. Aparecendo aos pastores na noite de Natal, o anjo disse-lhes: «Anuncio-vos uma grande alegria, que será para todo o povo: hoje vos nasceu na cidade de Davi um salvador, que é o Cristo Senhor» (Lc 2, 10-12). O titulo de Salvador não foi atribuído a Jesus durante sua vida. Não era necessário, sendo o seu conteúdo expresso já, para um judeu, pelo titulo de Messias. Mas apenas a fé cristã se aproxima do mundo pagão, o titulo adquire uma importância decisiva, em parte justamente para opor-se ao costume de chamar assim o imperador ou certas divindades consideradas salvadores, como Esculápio. Isto já no Novo Testamento, era comum entre os apóstolos. Mateus se preocupa em sublinhar que o nome «Jesus» significa, precisamente, «Deus salva» (Mt 1, 21). Paulo já chama Jesus «salvador» (Fl 3, 20); Pedro, nos Atos, precisará que Ele é o único salvador, fora do qual «em nenhum outro há salvação» (At 4, 12) e João colocará na boca dos samaritanos a solene profissão de fé: «Nós mesmos temos ouvido e sabemos que este é verdadeiramente o salvador do mundo» (Jo 4, 42). O conteúdo desta salvação consiste sobretudo na remissão dos pecados, mas não somente. Para Paulo essa abraça a redenção final também de nosso corpo (Fl 3, 20). A salvação operada por Cristo tem um aspecto negativo que consiste na libertação do pecado e das forças do mal e um aspecto positivo que consiste no dom da vida nova, da liberdade dos filhos de Deus, do Espírito Santo e na esperança da vida eterna. A salvação em Cristo não foi, porém, para as primeiras gerações cristãs, só uma verdade acreditada por revelação; foi sobretudo uma realidade experimentada na vida e alegremente proclamada no culto. Graças à Palavra de Deus e à vida sacramental, os fiéis se sentem viver no mistério de salvação operado em Cristo: salvação que se configura, pouco a pouco, como libertação, como iluminação, como resgate, como divinização, etc. É um dado primordial e pacífico que quase nunca os autores sentem a necessidade de demonstrar. Nesta dúplice dimensão –de verdade revelada e de experiência vivida– a idéia da salvação teve um papel decisivo na condução da Igreja à plena verdade sobre Jesus Cristo. A soteriologia foi o arado que traçou o sulco para a cristologia; foi como a hélice que arrasta o avião e impulsiona a nave. Às grandes definições dogmáticas dos concílios se alcançou fazendo uso da experiência de salvação que os fiéis tinham de Cristo. O seu contato, diziam, nos diviniza; portanto, deve ser o próprio Deus. «Nós não seríamos livres do pecado e da maldição, escreve Atanásio, se não fosse pela natureza carne humana que o Verbo assumiu; nem o homem seria divinizado se o Verbo que se torna carne não fosse da mesma natureza do Pai» [1]. A relação entre cristologia e soteriologia é mediada, na época patrística, pela antropologia, pela qual se deve dizer que a uma diversa compreensão do homem corresponde sempre uma diversa apresentação da salvação de Cristo. O Processo se desenvolve através de três grandes perguntas. Primeira pergunta: o que é o homem e onde reside seu mal? Segunda pergunta: qual tipo de salvação é necessária para tal homem? Terceira pergunta: como deve ser feito o Salvador para poder realizar tal salvação? Com base na diferente resposta dada a estas perguntas vemos delinear-se uma diferente compreensão da pessoa de Cristo e da sua salvação. Na escola alexandrina, por exemplo, onde predomina uma visão platônica, o mal do homem, a parte mais necessitada de salvação, é sua carne, e eis aqui então que toda ênfase cairá sobre a encarnação como o momento em que, assumindo a carne, o Verbo de Deus a livra da corrupção e a diviniza. Nesta linha, um deles, Apolinário de Laodicéia, irá tão longe ao ponto de afirmar que o Verbo não assumiu uma alma humana, porque a alma não tem necessidade de ser salva sendo por si mesma uma fagulha do Logos eterno. Em Cristo a alma racional é substituída pelo Logos em pessoa; não há necessidade de que haja uma fagulha do Logos onde está o Logos inteiro. Na escola antioquena, onde predomina mais o pensamento de Aristóteles, ou em todo caso uma visão menos platônica, o mal do homem será visto, ao contrário, justamente na sua alma e em particular na sua vontade rebelde. E eis agora que se insistirá sobre a plena humanidade de Cristo e em seu mistério pascal. É nisso que, com a sua obediência até a morte, Cristo salva o homem. Fazendo a síntese destas duas instâncias, a Igreja, na Calcedônia, chegará a uma idéia completa de Cristo e da sua salvação. A fé cristã não se limita porém a responder às expectativas de salvação do ambiente no qual opera, mas a cria e dilata todas expectativas. Assim vemos que ao dogma platônico e gnóstico da salvação «pela carne», a Igreja opõe com firmeza o dogma da salvação «da carne», pregando a ressurreição dos mortos; a uma vida após a tumba infinitamente mais débil do que a vida presente e devorada pela nostalgia dessa, privada como está de um objetivo e de um centro de atração, a fé cristã opõe a idéia de uma vida futura infinitamente mais plena e duradoura na visão de Deus. 2. Ainda existe a necessidade de um salvador? Dizia na primeira meditação que, em relação à fé em Cristo, em muitos aspectos nós nos tornamos próximos hoje à situação das origens e podemos aprender então como reevangelizar um mundo que volta a ser em grande parte pagão. Devemos também hoje nos fazer aquelas três perguntas: que idéia se tem hoje do homem e do seu mal? Qual tipo de salvação é necessária para tal homem? Como anunciar o Cristo de modo que responda a tais expectativas de salvação? Simplificando ao máximo, como se é obrigado a fazer em uma meditação, podemos individualizar, fora da fé cristã, duas grandes posições nos em relação à salvação: a das religiões e a da ciência. Pelas assim chamadas novas religiões, cujo fundo comum se encontra no movimento New Age, a salvação não vem de fora, mas está potencialmente no homem mesmo; consiste em entrar em sintonia, ou em vibração, com a energia e a vida de todo o cosmos. Não há necessidade portanto de um salvador, mas, no muito, de mestres que ensinem o caminho da auto-realização. Não me detenho sobre esta posição porque essa foi refutada de uma vez por todas pela afirmação de Paulo que comentamos anteriormente: «Todos pecaram e são privados da glória de Deus, mas são justificados gratuitamente pela fé em Cristo». Reflitamos, ao contrário, sobre o desafio que vem à fé em geral e à fé cristã em particular, da ciência não crente. A versão hoje mais em voga do ateísmo é aquela considerada científica que o biólogo francês Jacques Monod tornou popular com seu libro «O acaso e a necessidade». «A antiga aliança está infringida – são as conclusões do autor; o homem finalmente sabe estar só na imensidão do Universo do qual é emerso por acaso. Seu dever, como seu destino, não está escrito em nenhum lugar. Nosso número é saído da roleta». Nesta visão o problema da salvação nem sequer se cria; isso é um resíduo daquela mentalidade «animista», como a chama o autor, que pretende ver objetivos e metas em um universo que avança, ao contrario, na obscuridade, dirigido só pelo acaso e pela necessidade. A única salvação é aquela oferecida pela ciência e consiste no conhecimento de como são as coisas, sem ilusões auto-consoladoras. «As sociedades modernas, escreve, são construídas sobre a ciência. Devem-lhe a sua riqueza, seu poder e a certeza que riquezas e poderes agora mais estarão amanhã acessíveis ao homem, se ele quiser [...]. Providas de todo poder, dotadas de todas as riquezas que a ciência oferece-lhes, as nossas sociedades tentam agora viver e ensinar sistemas de valores, já minados na base pela própria ciência. [2] Minha intenção não é discutir estas teorias, mas só dar uma idéia do contexto cultural em que somos chamados hoje a anunciar a salvação de Cristo. Uma observação porém devemos fazer. Admitamos que «o nosso número saiu da roleta», que a vida é o resultado de uma casual combinação de elementos inanimados. Mas para extrair dos números da roleta, necessita que alguém os tenha colocado ali. Quem proporcionou ao acaso os ingredientes com os quais trabalhar? É uma observação velha e banal, mas à qual nenhum cientista até agora soube dar uma resposta, exceto aquela desculpa que a questão para ele não se põe. Uma coisa é certa e incontroversa: a existência do universo e do homem não se explica sozinha. Podemos renunciar a buscar uma explicação ulterior que não aquela que a ciência pode dar, mas não dizer ter explicado tudo sem a hipótese de Deus. A casualidade explica, no máximo, o como, não o que do universo. Explica que seja assim como é, não o próprio fato que existe. A ciência não crente não elimina o mistério, só troca-lhe o nome: ao invés de Deus, chama-o casualidade. A desmentida mais significativa à tese de Monod creio que venha justamente daquela ciência à qual a humanidade, segundo ele, deve confiar nada mais que o próprio destino. São os próprios cientistas, de fato, a reconhecer hoje que a ciência não está apta a responder sozinha a todas as perguntas e as necessidades do homem, e a buscar o diálogo com a filosofia e a religião, os «sistemas de valores» que Monod considera antagonismos irredutíveis da ciência. Vemo-lo, por fim, com os nossos próprios olhos: aos sucessos extraordinários da ciência e da técnica não segue necessariamente uma convivência humana mais livre e pacífica sobre nosso planeta. O livro de Monod demonstra, a meu ver, que quando um cientista quer tirar conclusões filosóficas de suas análises científicas (seja de biologia ou astrofísica) os resultados não são melhores que quando os filósofos pretendem tirar conclusões científicas de suas análises filosóficas. 3. Cristo nos salva do espaço Como podemos anunciar de modo significativo a salvação de Cristo neste novo contexto cultural? Espaço e tempo, as duas coordenadas dentro das quais se desenrola a vida do homem sobre a terra, tiveram rapidamente uma dilatação e uma aceleração tão brusca que até o fiel fica tomado pela vertigem. Os «sete céus» do homem antigo, cada um um pouco acima do outro, se converteram, entretanto, em 100 bilhões de galáxias, cada uma das quais composta de 100 bilhões de estrelas, distantes uma das outras bilhões de anos luz; os quatro mil anos da criação do mundo da Bíblia se tornam 14 bilhões de anos... Eu creio que a fé em Cristo não só resiste a este choque, mas oferece a quem crê nele a possibilidade de sentir-se na própria casa nas dilatadas dimensões do universo, livre e alegre «como um menino nos braços de sua mãe». A fé em Cristo nos salva antes de tudo na imensidão do espaço. Vivemos em um universo em qual vastidão não conseguimos mais nem imaginar, nem quantificar e cuja expansão continua sem pausa, até perder-se no infinito. Um universo, nos diz a ciência, soberanamente ignorante e indiferente ao que acontece sobre a terra. Mas não é isto que incide mais sobre a consciência das pessoas comuns. É o fato que sobre a própria terra, com o advento da comunicação em massa, o espaço se dilatou de uma só vez em torno do homem, fazendo-o sentir ainda menor e insignificante, como um ator desorientado em um palco imenso. Cinema, televisão, internet, nos colocam diante dos olhos em todo momento aquilo que podemos ser e não somos, aquilo que os outros fazem e nós não fazemos. Nasce para nós um sentido de resignada frustração e aceitação passiva da própria sorte, ou, ao contrario uma necessidade obsessiva de sair do anonimato e impor-se à atenção dos outros. No primeiro caso se vive do reflexo da vida alheia e, como pessoas, nos transformamos em admiradores e fãs de alguém; no segundo se reduz a vida à carreira. A fé em Cristo nos livra da necessidade de fazer-nos adiante, de evadir a qualquer custo nosso limite, para ser alguém; livra-nos também da inveja dos grandes, reconcilia-nos com nós mesmos e com o nosso lugar na vida, nos dá a possibilidade de sermos felizes e plenamente realizados ali onde estamos. «E o Verbo se fez carne e veio habitar entre nós!» (Gv 1, 14). Deus, o infinito, veio e vem continuamente ao seu encontro, ali onde está. A vinda de Cristo na encarnação, mantida viva nos séculos pela Eucaristia, torna todo lugar o primeiro lugar. Com Cristo no coração nos sentimos no centro do mundo ainda que no mais perdido vilarejo da terra. Isto explica porque tantos fiéis, homens e mulheres, podem viver ignorados por todos, fazer o mister mais humilde do mundo e até encerrarem-se em clausura, e sentirem-se, nesta situação, as pessoas mais felizes e realizadas da terra. Uma destas enclausuradas, a Beata Maria de Jesus Crucificado, conhecida com o nome de Pequena Árabe por sua origem palestina e a estatura pequena, voltando ao seu lugar após ter recebido a comunhão, ouvia-se exclamar para si, com baixa voz: «Agora tenho tudo, agora tenho tudo». Hoje adquire para nós um significado novo o fato de que Cristo não tenha vindo em esplendor, força e majestade, mas pequeno, pobre; que tenha escolhido por mãe «uma humilde donzela», que não tinha vivido em uma metrópole daquele tempo, Roma, Alexandria, ou também Jerusalém, mas em um perdido vilarejo da Galiléia, exercendo o humilde ofício de carpinteiro. Naquele momento o centro verdadeiro do mundo não era nem Roma, nem Jerusalém, mas Belém, «a menor cidade da Judéia» e depois essa Nazaré, o vilarejo do qual se dizia que «não podia vir nada de bom». Aquilo que dizíamos da sociedade em geral tem maior razão para nós, pessoas de Igreja. A certeza que Cristo está conosco onde estivermos nos livra do desejo obsessivo de subir, fazer carreira, de ocupar os lugares mais elevados. Ninguém pode dizer estar totalmente isento de provar em si tais sentimentos e desejos naturais (muito menos os pregadores!), mas o pensamento de Cristo nos ajuda pelo menos a reconhecer-lhe e a lutar contra eles para que não se convertam mais no motivo dominante do nosso agir. O fruto maravilhoso disto é a paz. 4. Cristo nos salva do tempo O segundo âmbito no qual se faz experiência da salvação de Cristo é o tempo. Deste ponto de vista, nossa situação não mudou muito daquele dos homens do tempo dos apóstolos. O problema é sempre o mesmo e se chama morte. A salvação de Cristo é comparada por Pedro àquela de Noé no dilúvio que «engoliu todos» (1 Pe 3, 20s) e é por isto que é representada entre os mosaicos desta capela, como momento da história da salvação. Mas há um dilúvio sempre em ação neste mundo: o do tempo que, como a água, como tudo submerge e varre a todos, uma geração depois da outra. Um poeta espanhol do século XIX, Gustavo Adolfo Bécquer, expressou de modo admirável a percepção que o homem tem de si mesmo de fronte à morte. «Onda gigante que o vento / leva e empurra no mar. / E roda e passa, e não sabe / sobre que praia terminará. Luz que em cercos tremulantes / brilha, próxima a expirar, / ignorando qual desses / por último brilhará. Isto sou eu, que ao caso / Cruzo o mundo, sem pensar / de onde venho, nem aonde / Meus passos me levarão» [3] Hoje são psicólogos famosos que vêem na rejeição da morte a verdadeira mola de todo o agir humano, do qual também o instinto sexual, visto por Freud na base de tudo, não seria mais que uma manifestação [4]. O homem bíblico se consolava com a certeza de sobreviver na prole; o homem pagão com aquela de sobreviver na fama: «Non omnis moriar, não morrerei totalmente, dizia Horácio. Exegi monumentum aere perennius», levantei (com a minha poesia) um monumento mais perene que o bronze. Hoje se chega melhor à sobrevivência na espécie. «A sobrevivência de cada indivíduo – escreve Monod – não tem nenhuma importância para afirmação de uma determinada espécie; esta é confiada à capacidade de dar origem a uma descendência abundante por sua vez capaz de sobreviver e reproduzir-se»[5]. Uma variante da visão marxista, baseada, nesta ocasião, na biologia em vez de faze-lo no materialismo dialético, mas em um ou outro caso a esperança de sobreviver na espécie se revelou insuficiente para aplacar a angústia do homem diante da própria morte. O filósofo Miguel de Unamuno (que também era um pensador «leigo»), a um amigo que reprovava, como se fosse orgulho e presunção, sua busca de eternidade, respondia nestes termos: «Eu não digo que mereçamos um mais alem nem que a lógica nos mostre: digo que necessito, mereça-o ou não. E nada mais. Digo que o que passa não me satisfaz, que tenho sede de eternidade, e que sem ela tudo é igual. E sem ela nem há alegria de viver... É muito cômodo isto de dizer: «Tem que se viver!» «Tem que se contentar com a vida!» E nós que não nos contentamos com ela?» [6]. Não é quem deseja a eternidade, dizia o mesmo pensador,, o que mostra não amar a vida, mas quem não a deseja, desde o momento em que se resigna tão facilmente ao pensamento de que essa deva acabar. O que tem a dizer a fé cristã sobre tudo isso? Algo simples e grandioso: que a morte existe, que é o maior de nossos problemas, mas que Cristo venceu a morte! A morte humana já não é a mesma de antes, um fato decisivo interveio. Ela perdeu seu aguilhão, como uma serpente cujo veneno já só é capaz de adormecer à vitima por alguma hora, mas não mataria. A morte já não é um muro diante do qual tudo se rompe: é um passo, isto é, uma Páscoa. É um «passar ao que não passa», diria Agostinho [7]. Jesus, de fato – e aqui está o grande anúncio cristão – não morreu só para si, não nos deixou só um exemplo de morte heróica, como Sócrates. Fez algo bem diferente: «Um morreu por todos» (2 Cor 5, 14), exclamava São Paulo, e também: «Ele experimentou a morte pelo bem de todos» (Hb 2, 9). «Aquele que crê em mim, ainda que morra, viverá» (Jo 11, 25). Afirmações extraordinárias que não nos fazem gritar de alegria só porque não as levamos suficientemente a sério e o bastante ao pé da letra como deveríamos. O cristianismo não abre caminho nas consciências com o medo da morte; abre caminho com a morte de Cristo. Jesus veio para livrar os homens do temor da morte, não para aumenta-lo. O Filho de Deus assumiu carne e sangue como nós, «para aniquilar mediante a morte ao senhor da morte, ou seja, ao diabo, e livrar a quantos, por temor à morte, estavam na vida submetidos à escravidão» (Hb 2, 14s). A prova de que tudo isto não é «ilusão auto-consoladora», alem da ressurreição de Cristo, é o fato de que o fiel experimenta já agora, no momento em que crê, algo desta vitória sobre a morte. No verão passado preguei em uma paróquia anglicana de Londres. A igreja estava cheia de rapazes e moças. Falava da ressurreição de Cristo e em certo momento, depois de haver exposto todos os argumentos para prová-la, tive a inspiração de dirigir aos presentes uma pergunta: «Quantos de vocês consideram poder dizer como o cego de nacimento: “eu estava cego, mas agora vejo”, “eu estava morto, mas agora vivo”?» Um bosque de mãos se levantou ainda antes que acabasse a pergunta. Alguns vinham de anos de droga, de prisão, de vida desesperada e tentativas de suicídio; outros, ao contrario, de carreiras promissoras no campo dos negócios e do espetáculo. Aos íntimos que manifestavam inquietude por seu futuro e suas condições de saúde, alçando a cabeça em sua cadeira de rodas, um dia, no final de sua vida, João Paulo II repetiu surpreendentemente, com voz profunda, a frase de Horacio: Non omnis moriar, não morrerei completamente. Mas em sua boca ela tinha outro significado. 5. Cristo «meu salvador» Não basta, contudo, que eu reconheça a Cristo como «salvador do mundo»; é necessário que lhe reconheça como «meu Salvador». É um momento que já não se esquece aquele que faz essa descoberta e recebe esta iluminação. Compreende-se então o que tentava dizer o Apóstolo com as palavras: «Cristo Jesus veio ao mundo para salvar aos pecadores; e o primeiro deles sou eu» (1 Tm 1, 15). A experiência de salvação que se tem com Cristo está maravilhosamente exemplificada no episódio de Pedro, que afunda no lago. Nós passamos diariamente pela experiência de afundarmos: no pecado, na tibieza, no desalento, na incredulidade, na dúvida, na rotina... A própria fé é um caminhar na borda de um precipício, com a sensação constante de que a cada momento poderíamos perder o equilíbrio e precipitar-nos no vazio. Nestas condições é um imenso consolo descobrir que cada vez a mão de Cristo está disposta a levantar-te, se somente a buscas e a seguras. Pode-se chegar até uma certa alegria íntima ao encontrar-se fracos e pecadores, como a que a liturgia canta, na noite de Pasço no «Exultet»: «O felix culpa quae talem ac tantum meruit habere Redemptorem»! Felizes também nós de possuir tal Salvador. Termino aqui, veneráveis padres e irmãos, minhas reflexões de Advento sobre a fé em Cristo no mundo de hoje. Escrevendo contra os hereges docetistas de seu tempo, que negavam a encarnação do Verbo e sua verdadeira humanidade, Tertuliano proferiu o grito: «Não tireis do mundo sua única esperança», parce unicae spei totius orbis. [8[ É o grito pesaroso que devemos repetir aos homens de hoje, tantados a prescindir de Cristo. É Ele, ainda hoje, a única esperança do mundo. Quando o apóstolo Pedro nos exorta a «dar razão da esperança que está em nós», nos exorta a falar aos homens de Cristo porque é Ele a razão de nossa esperança. Devemos recriar as condições para uma recuperação da fé em Cristo. Reproduzir o impulso de fé do qual nasceu o símbolo de Nicéia. O corpo da Igreja produziu naquela ocasião um esforço supremo, elevando-se, na fé, por cima de todos os sistemas humanos e de todas as resistências da razão. Depois restou o fruto deste esforço, o símbolo de fé. A maré se levantou uma vez a um nível máximo e disso ficou o sinal na rocha. Mas é necessário que se repita o levantamento, não basta o sinal. Não basta repetir o credo de Nicéia; há que se renovar o impulso de fé que se teve então na divindade de Cristo e do qual não houve outro igual nos séculos. Na espera de proclama-lo publicamente, dobrando os joelhos, na noite de Natal, me permito convidar a todos a recitar agora, em latim, o artigo de fé sobre Jesus. É o mais belo presente que podemos fazer a Cristo que vem, o que sempre buscava em vida. Também hoje Ele pergunta a seus mais íntimos colaboradores: «Vós, quem dizeis que eu sou?» E nós, em pé, respondemos: Credo in unum Dominum Jesum Christum, Filium Dei unigenitum. Et ex Patre natum ante omnia saecula. Deum de Deo, lúmen de lumine. Deum verum de Deo vero. Genitum, non factum, consubstantialem Patri: per quem omnia facta sunt. Qui propter nos homines, et propter nostram salutem descendit de coelis. Et incarnatus est de Spiritu Sancto ex Maria Virgine; et homo factus est. [Creio em um só Senhor, Jesus Cristo. Filho unigênito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos; Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao Pai. Por ele todas as coisas foram feitas. E por nós, homens, e para a nossa salvação, ddesceu dos céus: e se encarnou pelo Espírito Santo no seio da Virgem Maria, e se fez homem. n.d.t.] Feliz Natal a todos! ----------------------------------------[1] S. Atanasio, Apologia contra Arianos, I,70. [2] J. Monod, Il caso e la necessità [El azar y la necesidad] , Est Mondadori, Milão, 1970, págs. 136-7. [3] Gustavo A. Bécquer, Obras completas, p. 426. [4] Cf. E. Becker, Il rifiuto della morte [O rechazo da muerte] , Ed. Paoline, Roma 1982. [5] J. Monod, Il caso e la necesita, Milão, 1970. [6] M. de Unamuno, Cartas a J. Ilundain; en Rev. Univ. Buenos Aires, 9, pp. 135. 150. [7] S. Agostinho, Tratados sobre João, 55, 1. [8] Tertuliano, De carne Christi 5, 3 (CC 2, p. 881). [Traduzido do original italiano por Zenit] ZP05122301 «Salve, verdadeiro corpo nascido da Virgem Maria!»: Homilia da Sexta-Feira Santa Do pregador do Papa na celebração da Paixão do Senhor no Vaticano CIDADE DO VATICANO, sexta-feira, 25 de março de 2005 (ZENIT.org).- Publicamos a homilia que o padre Raniero Cantalamessa, pregador da Casa Pontifícia, pronunciou na celebração da Paixão do Senhor esta Sexta-Feira Santa na Basílica de São Pedro, no Vaticano. *** Pregação da Sexta-Feira Santa 2005 P. Raniero Cantalmessa SALVE, VERDADEIRO CORPO NASCIDO DE MARIA VIRGEM Sexta-feira Santa de 2005, ano da Eucaristia! Quanta luz sobre um e outro mistério dessa aproximação! Mas se a Eucaristia é “o memorial da paixão”, como que a Igreja se abstém de celebrá-la justamente na Sexta-feira Santa? (O que estamos assistindo não é, como sabemos, a uma Missa, mas a uma liturgia da Paixão, na qual se recebe o corpo de Cristo consagrada no dia anterior). Há uma profunda razão teológica nisso. Quem se faz presente sobre o altar em toda Eucaristia é o Cristo ressuscitado e vivo, não um morto. A Igreja se abstém, por essa razão de celebrar a Eucaristia nos dois dias em que se recorda o Jesus que jaz morto no sepulcro e a sua alma é separada do corpo (ainda que não da divindade). O fato de hoje não se celebrar a Missa não atenua, portanto, mas reforça, a ligação entre a Sexta-feira Santa e a Eucaristia. A Eucaristia está para a morte de Cristo como o som e a voz estão para a palavra que fazemos ressoar no espaço e chega ao ouvido. *** Há um hino latino, não menos caro que o Adoro te devote à piedade eucarística do católico, que ilumina a ligação entre a Eucaristia e a cruz, o Ave verum. Composto no século XIII para acompanhar a elevação da Hóstia na Missa, ele se presta também para saudar a elevação de Cristo na cruz. São apenas cinco versos, carregados, porém, de muito conteúdo: Salve! Verdadeiro corpo nascido de Maria Virgem! Verdadeiramente sofrido e imolado pelo homem na cruz. De teu lado transpassado brotou água e sangue. Sede por nós o penhor no momento da morte. Ó Jesus doce, ó Jesus piedoso, ó Jesus, filho de Maria! O primeiro verso fornece a chave para compreender todo o restante. Berengario de Tours negou a realidade da presença de Cristo no sinal do pão, reduzindo-o a uma presença simbólica. Para tolher todo pretexto a esta heresia, começou-se a afirmar a identidade total entre o Jesus da Eucaristia e o histórico. O corpo de Cristo presente sobre o altar é definitivamente “verdadeiro” (verum corpus), para distingui-lo de um corpo puramente “simbólico” e também do corpo “místico” que é a Igreja. Todas as expressões que seguiram se referindo ao Jesus terreno: nascido de Maria, paixão, morte, peito transpassado. O autor se prende nesse ponto; abstém-se de mencionar a ressurreição, porque isso poderia fazer pensar, de novo, em um corpo glorificado e espiritual, e, portanto, não suficientemente “real”. A teologia volta-se hoje a uma visão muito equilibrada da identidade entre o corpo histórico e o eucarístico de Cristo e insiste em seu caráter sacramental, não material (embora real e substancial) da presença de Cristo no sacramento do altar. Mas à parte desta diferente acentuação, resta intacta a verdade de fundo afirmada no hino. É o Jesus nascido de Maria em Belém, o mesmo que “passou fazendo o bem a todos” (Atos 10, 38), que morre na cruz e ressuscita no terceiro dia, aquele que está presente hoje no mundo, não como uma vaga presença espiritual, ou, como dizem alguns, a sua “causa”. A Eucaristia é o modo criado por Deus para permanecer para sempre o Emmanuel, o Deus Conosco. Tal presença não é uma garantia e uma proteção só para a Igreja, mas para todo o mundo. “Deus é conosco!” Esta frase que agora causa medo e quase não ousamos pronunciá-la muito. É dado por sua vez a ela um sentido exclusivo: Deus é “conosco”, entende-se não com os outros, ao contrario, é “contra” os outros, contra os nossos inimigos. Mas com o advento de Cristo tudo é transformado em universal. “Deus reconciliou o mundo consigo em Cristo, não imputando aos homens a sua culpa” (2 Cor 5, 19). O mundo inteiro, não uma parte; todos os homens, não só um povo. “Deus é conosco”, ou seja, da parte do homem, seu amigo e aliado contra a força do mal. É o único que personaliza tudo e só a face do bem contra a face do mal. Isto dava força a Dietrich Bonhffer, no cárcere e mesmo na sentença de morte por parte do “poder cativo” de Hitler, de afirmar a vitória do poder bom: Da força amiga a maravilha envolve vamos com calma ao futuro. Deus está conosco de noite e de manhã, Está conosco em tudo o que nasce. Von guten Mächten wunderbar geborgen Erwaten wir getrost, was kommen mag. Gott ist mit uns am Abend und am Morgen Und ganz gewiss an jeden neuen Tag. “Não sabemos, escreveu o papa na Novo millenio ineunte, qual acontecimento que nos reserva o milênio que está iniciando, mas tenhamos a certeza que isso estará firmemente nas mãos de Cristo, o ‘Rei dos reis e Senhor dos senhores’ (Ap 19, 16)” . *** Depois da saudação vem, no hino, a invocação: Esto nobis praegustatum mortis in axemine, Sede por nós, ó Cristo, penhor e garantia de vida eterna na hora da morte. Já o mártir Inácio de Antioquia chamava a Eucaristia “remédio de imortalidade”, isto é, remédio para nossa mortalidade . Na Eucaristia temos “o penhor da glória futura”: ”et futurae gloriae nobis pignus datur”. Uma pesquisa revelou um fato original: que somos, mesmo entre os crentes, pessoas que crêem em Deus, mas não em uma vida após a morte. Mas como se pode pensar uma coisa desta? Cristo, diz a Carta aos Hebreus, morreu para obter “uma redenção eterna” (Hb 9, 12). Não temporária, mas eterna! Faz-se objeção que ninguém retornou do outro lado para assegurar que isso existe verdadeiramente e não é portanto uma pia ilusão. Não é verdade! Há um que hoje em dia volta do outro lado para assegurar e renovar a sua promessa, se soubermos escutá-lo. Aquele verso ao qual somos direcionados que vem ao encontro da Eucaristia para dar uma amostra (praegustatum!) do banquete final do reino. Devemos gritar ao mundo esta esperança para ajudar a nós mesmos e os outros a vencer o horror que causa a morte e reagir ao triste pessimismo que se espalha sobre nossa sociedade. Multiplica-se o diagnóstico desesperado sobre o estado da terra: “um formigueiro que se desmancha”, “um planeta que agoniza”... A ciência traça com sempre maiores detalhes, o possível cenário da dissolução final do cosmo. A terra e os outros planetas se resfriarão, o sol e as outras estrelas se resfriarão, todas as coisas congelarão... Diminuirá a luz e aumentarão no universo os buracos negros... A expansão um dia se exaurirá e começará a contração e ao fim se assistirá ao colapso de toda a matéria e de toda energia existente em uma estrutura compacta de densidade infinita. Acontecerá agora o “Big Crunch”, a grande implosão, e tudo retornará ao vazio e ao silêncio que precedeu a grande explosão, o Big Bang, de quinze bilhões de anos atrás... Ninguém sabe se as coisas acontecerão realmente assim ou de outro modo. A fé porém se assegura que, ainda que assim fosse, não será o fim total. Deus não reconciliou o mundo a si para abandoná-lo ao nada; não prometeu de permanecer conosco até o final do mundo, para depois se retirar, sozinho, no seu céu, no momento em que este fim vier. “Ame-te com amor eterno”, disse Deus ao homem na Bíblia (Jer 31, 3), e as promessas de “amor eterno” de Deus não são como das do homem. Prosseguindo idealmente a meditação do Ave verum, o autor do Dies irae eleva a Cristo uma tocante oração que neste dia podemos torná-la nossa: ”Recordare, Iesu pie, quod sum causa tuae viae: ne me perdas illa die”: Recordai-vos, ó bom Gesus, que por mim subistes a cruz: não permitais que me perca nesse dia. ”Quarens me sedisti lassus, redemisti crucem passus: tantus labor non sit cassus”: “No aproximar-me, sentastes um dia cansado ao poço de Siquém e subiste na cruz para redimir-me: tanta dor não seja em vão”. *** O Ave verum termina com uma exclamação direta à pessoa de Cristo: “O Iesu dulcis, o Iesu pie”. Esta palavra que mostra uma imagem excelentemente evangélica de Cristo: O Jesus “doce e bom”, isto é, clemente, compaixão que não quebra a cana rachada e não extingue a chama fumegante (cf. Mt 12, 20). O Jesus que um dia disse: “Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração” (Mt 11, 29). A Eucaristia prolonga na história a presença desse Jesus. Esse é o sacramento da não violência! A imitação de Cristo não justifica, porém, certamente soará agora muito estranho e odioso, a violência que se registra no confronto de sua pessoa. Foi dito que, com seu sacrifício, Cristo deu fim ao perverso mecanismo do cordeiro expiatório, sofrendo ele mesmo as conseqüências . Necessita ser dito com tristeza que tal perverso mecanismo está novamente agindo em contra a de Cristo, em uma forma até agora desconhecida. Contrariamente a ele se ventila todo o rancor de um certo pensamento leigo pela recente manifestação de aliança entre a violência e o sagrado. Como costuma acontecer no mecanismo do cordeiro expiatório, seleciona-se o elemento mais fraco para aplicar-se em contra disso. “Fraco”, aqui, no sentido em que se pode desfazer impunemente, sem correr algum perigo de represália, havendo os cristãos desse tempo renunciado a defender a própria fé com a força. Não se trata só da pressão para remover o crucifixo dos lugares públicos e o presépio do folclore natalino. São lançados sem parar romances, filmes e espetáculos nos quais se manipula ao bel prazer a figura de Cristo sobre uma quantidade de fantasias e inexistentes novos documentos e descobertas. Está-se criando uma moda, uma espécie de gênero literário. É sempre presente a tendência de revestir Cristo das roupas da própria época ou da própria ideologia. Mas, ao menos no passado, por quanto discutível, havia causas sérias e de grande alcance: O Cristo idealista, socialista, revolucionário... a nossa época, obcecada pelo sexo, não sabe agora representar Jesus se não como um gay ante litteram ou alguém que prega que a salvação vem da união com o princípio feminino e nos dá o exemplo casando-se com Madalena. Eles se apresentam como os cavaleiros da ciência contra a religião: uma reivindicação surpreendente a julgar como é tratada nesse caso a ciência histórica! A história muito fantasiosa e absurda vindo cobrar e beber de muitos como se tratasse de história verdadeira, ao invés disso, da única história finalmente livre da censura eclesiástica e tabu. “O homem que não crê em Deus está pronto a crer em tudo”, disse alguém. Os fatos estão dando razão. Especula-se sobre a ressonância vastíssima que tem o nome de Jesus e sobre o que isso significa para grande parte da humanidade, para assegurar-se uma certa popularidade e boas vendas ou fazer sensacionalismo, com mensagens publicitárias que abusam dos símbolos e imagens evangélicas. (Aconteceu recentemente com a imagem da última ceia). Mas isto é parasitismo literário e artístico! Jesus é vendido de novo por trinta denários, escarnecido e revestido de fantasias como no pretório. (Em um espetáculo transmitido em Janeiro passado em uma televisão estatal européia Cristo aparecia na cruz recoberto com uma fralda de criança!). E depois eles se escandalizam e reclamam da intolerância a da censura se os crentes reagem enviando cartas e telefonemas de protesto aos responsáveis. A intolerância do tempo mudou de campo no Ocidente: da intolerância religiosa passou-se à intolerância da religião! “Ninguém, argumenta-se, tem o monopólio dos símbolos e das imagens de uma religião”. Mais ainda que os símbolos de uma nação --o hino, a bandeira-- são de todos e de ninguém; É por isso que se pode escarnecer e se desfrutar ao bel prazer? O mistério que celebramos neste dia nos proíbe de abandonar-nos a complexos de perseguição e levantar de novo muros ou bastões entre nós e a cultura (ou in-cultura) moderna. Talvez devemos imitar nosso Mestre e dizer simplesmente: «Pai, perdoa-os porque não sabem o que fazem». Perdoa-os e a nós, porque é certamente também por causa de nossos pecados, presentes e passados, que tudo isto sucede e se sabe que freqüentemente é para golpear os cristãos e a Igreja que se golpeia a Cristo. Permitimo-nos só dirigir a nossos contemporâneos, em nosso interesse e no seu, o chamado que Tertuliano fazia em seu tempo aos gnósticos inimigos da humanidade de Cristo: «Parce unicae spei totius orbis»: não tirais do mundo sua única esperança [4]. *** A última invocação do Ave verum evoca a pessoa da mãe: «O Iesu filii Mariae». Duas vezes é recordada, no breve hino, a Virgem: ao princípio e ao final. Pelo demais, todas as exclamações finais do hino são uma reminiscência das últimas palavras da Salve Rainha: «O clemens, o pia, o dulcis virgo Maria», oh clemente, oh pia, oh doce, Virgem Maria. A insistência no vínculo entre Maria e a Eucaristia não responde a uma necessidade só devocional, mas também teológica. Nascer de Maria foi, em tempo dos Padres, o argumento principal contra o docetismo que negava a realidade do corpo de Cristo. Coerentemente, este mesmo nascimento testifica agora a verdade e realidade do corpo de Cristo presente na Eucaristia. João Paulo II conclui uma carta apostólica Mane nobiscum Domine remetendo-se precisamente às palavras do hino: «O Pão eucarístico que recebemos --escreve-- é a carne imaculada do Filho: “Ave verum corpus natum de Maria Virgine”. Que neste Ano de graça, com a ajuda de Maria, a Igreja receba um novo impulso para sua missão e reconheça cada vez mais na Eucaristia a fonte e o cume de toda sua vida» [5]. Aproveitemos a ocasião destas palavras suas para fazer chegar ao Santo Padre o agradecimento pelo dom do ano eucarístico e o desejo de que recupere logo sua saúde. Volta logo, Santo Padre, a Páscoa é muito menos «Páscoa» sem você. Concluamos voltando a nosso hino. O sinal mais claro da unidade entre Eucaristia e mistério da cruz, entre o ano eucarístico e a Sexta-feira Santa, é que nós podemos agora empregar as palavras do Ave verum, sem mudar uma sílaba, para saudar a Cristo, que dentro de pouco será elevado na cruz ante nós. Humildemente, por isso, convido todos os presentes (os que não conhecem o texto latino o podem encontrar no livro que têm na mão) a unir-se a mim e -possivelmente de pé-- proclamar em voz alta, com comovida gratidão e em nome de todos os homens redimidos por Cristo. Ave verum corpus natum de Maria Virgine Vere passum, immolatum in cruce pro homine Cuius latus perforatum fluxit aqua et sanguine Esto nobis praegustatum mortis in examine O Iesu dulcis, o Iesu pie, o Iesu fili Mariae ! --------------------------------------[1] João Paulo II, Novo millennio ineunte, 35. [2] S. Inácio de Antioquia, Carta aos Efésios 20, 2. [3] Cf. R. Girard, Des choses cachées depuis la fondation du monde, Crasset, Paris 1978. [4] Tertuliano, De carne Christi, 5, 3 (CCL 2, p. 881). [5] Mane nobiscum Domine, 31. [Tradução realizada por Zenit] ZP05032501 „Ela deu à luz o seu filho primogênito, que envolveu- o em faixas e deitou numa manjedora“ – Lu 2,7 1. Noite feliz, noite feliz! / O Senhor, Deus de amor / pobrezinho nasceu em Belém, / eis na lapa Jesus, nosso bem! [:Dorme em paz, ó Jesus!:] 2. Noite feliz, noite feliz! / Ó Jesus, Deus da luz /quão afável é teu coração / que quiseste nascer nosso irmão, [:e a nós todos salvar.:] 3. Noite feliz, noite feliz! / Eis que no ar vêm cantar / aos pastores os anjos dos céus / anunciando a chegada de Deus, [: de Jesus Salvador.:] J. Gruber - Cantemos ….. n° 113 „De súbito, juntou-se ao anjo uma multidão dos exércitos celestes“ – Lu 2,13 1. Vinde, cristãos, vinde à porfia / hinos cantemos de louvor / hinos de paz e de alegria / hinos dos anjos do Senhor: [: Glória in excelsis Deo:] 2. Foi nesta noite venturosa / do nascimento do Senhor / que anjos de voz harmoniosa / deram a Deus o seu louvor. 3. Vinde juntar-vos aos pastores / vinde com eles a Belém! / Vinde correndo pressurosos! / O Salvador enfim nos vem! Tradicional - Cantemos ….. n° 93 „Eia! Vamos até Belém e vejamos este aontecimento“ – Lu 2,15 1. Cristãos vinde todos / com alegres cantos. / Oh! vinde, oh! vinde, até Belém. / Vede nascido vosso Rei eterno. [: Oh! vinde adoremos:] Oh! Vinde adoremos o Salvador. 2. Humildes pastores / deixam seu rebanho / e alegres acorrem ao Rei do céu. / Nós igualmente cheios de alegria. 3. O Deus invisível / de eternal grandeza / sob véus de humildade podemos ver. / Deus pequenino Deus envolto em faixas! 4. Nasceu em pobreza / repousando em palhas / o nosso afeto lhe vamos dar. / Tanto amou-nos! Quem não há de amá-lO? Tradicional - Cantemos ….. n° 90 São Maxilimiliano Kolbe (1894-1941), franciscano, mártir Conferência de 26/11/1938 (trad. Villepelée, A missão da Imaculada, Lethielleux 2003, p. 24) «Ao chegar a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher» Sempre que se contempla a Imaculada sente-se no coração a necessidade de nos aproximarmos d'Ela. [...] Aqueles que A amam e aqueles que escrevem sobre Ela param para perceber quem Ela é, mesmo que A não conheçam em profundidade. Quem é Ela em relação a Deus Pai? Ele é o seu criador, certamente; Ela diz de si própria: «Eu sou a serva do Senhor» (Lc 1,38). Mas o que é também? É a preferida do Pai Eterno. Não podemos conceber isto; as palavras humanas não chegam para o expressar. O Pai Celeste quis que a segunda pessoa da Santíssima Trindade, Seu Filho, tivesse por mãe, no tempo, a Imaculada. Ela é verdadeiramente a Mãe do Filho de Deus. Quão difícil de compreender! É necessário estarmos bem unidos à Mãe de Deus para compreendermos mais profundamente este mistério. A Virgem Maria é a Mãe do Filho de Deus, é verdadeiramente Mãe de Deus [...], pelo que não pode ser comparada com os outros santos. Ser criado, ser adoptado por Deus, isso ainda se pode entender. Mas ser realmente a Mãe de Deus, e não apenas a mãe da humanidade de Jesus, ultrapassa a nossa inteligência. É uma verdade de fé. E é Esposa do Espírito Santo. Também isto não é possível conceber! O Espírito Santo uniu-Se de tal maneira à Imaculada, que formou com Ela um só ser. [...] Em tudo isto, a nossa inteligência não é suficiente, pois a Trindade é infinita. E, mesmo que tivéssemos um conhecimento total, há uma distância infinita entre o que nós conhecemos da Santíssima Trindade e o que ela é realmente. Mais tarde, no céu, entenderemos bem melhor este mistério. Mesmo depois de milhares e milhares de anos, este conhecimento permanecerá sempre limitado, sendo necessária a eternidade para atingirmos o conhecimento perfeito. João Paulo II © Libreria Editrice Vaticana O Filho eterno tornado filho de Maria Que significa proclamar Maria “Mãe de Deus”? Significa reconhecer que Jesus, o fruto do seu seio, é o Filho de Deus, consubstancial ao Pai, que o gerou na eternidade (Credo). Um grande mistério, um mistério de amor! Ele, o Filho único do Pai (Jo 1,14), fez-se um entre nós. Desta forma, “a eternidade entrou no tempo” e a sucessão dos anos, dos séculos, dos milénios, não é uma viagem cega para o desconhecido, mas um caminho para Ele, plenitude do tempo (Ga 4,4) e ponto de chegada da história. Honrando a Santíssima Virgem como Mãe de Deus, queremos igualmente sublinhar que Jesus, o Verbo eterno feito carne, é o verdadeiro "filho de Maria”. Ela transmitiu-lhe a plena humanidade, foi sua mãe e sua educadora, comunicando-lhe a doçura, a força delicada do seu temperamento e as riquezas da sua sensibilidade. Maravilhosa troca de dons: Maria que, enquanto criatura, é primeiro que tudo uma discípula de Cristo e ao mesmo tempo resgatada por Ele, foi escolhida como sua mãe para modelar a sua humanidade. Na relação entre Maria e Jesus realiza-se assim de maneira exemplar e sentido profundo do Natal: Deus fez-se semelhante a nós, para que nos tornemos, de certa forma, como Ele. Santa Teresa Benedita da Cruz [Edith Stein] (1891-1942), carmelita, mártir, co-patrona da Europa Meditação para o dia 6 de Janeiro de 1941 «Eis-me aqui, venho para fazer a tua vontade» (He 10,7) Ajoelhamo-nos mais uma vez diante do presépio… Pertinho do Salvador recém-nascido, vemos Santo Estêvão. Que é que valeu este lugar de honra àquele que, primeiro que todos, prestou ao Crucificado o testemunho do seu sangue? Ele cumpriu, no seu ardor juvenil, aquilo que o Senhor declarou ao entrar neste mundo: “Deste-me um corpo. Eis-me aqui, venho para fazer a tua vontade” (He 10,5-7). Praticou a obediência perfeita que mergulha as suas raízes no amor e se exterioriza no amor. Caminhou sobre as pegadas do Senhor naquilo que, por natureza, é talvez para o coração humano o que há de mais difícil, que parece mesmo impossível: tal como o próprio Salvador, ele cumpriu o mandamento do amor dos inimigos. O Menino no presépio, que veio para cumprir a vontade de seu Pai até à morte na cruz (Fil 2,8), vê em espírito diante de si todos os que o seguirão nessa via. Ama este jovem que há-de um dia esperar para colocar primeiro que todos junto do trono do Pai, com uma palma na mão. A sua mãozinha mostra-no-lo como modelo, como se dissesse: “Vede o ouro que espero de vós.” Santo Efrém (cerca de 306 - 373), diácono na Síria, doutor da Igreja Hino "Os pastores... glorificavam e louvavam a Deus por tudo o que tinham ouvido e visto" Vem, Moisés, mostra-nos essa sarça no cimo da montanha cujas chamas dançavam no teu rosto (Ex 3,2): é o filho do Altíssimo que apareceu no seio da Virgem Maria e iluminou o mundo com a sua vinda. Glória a Ele da parte de toda a criatura e feliz aquela que O gerou! Vem, Gedeão, mostra-nos esse velo e esse suave orvalho (Jz 6,37), explica-nos o mistério das tuas palavras: é Maria o velo que recebeu o orvalho, o Verbo de Deus; nela Se manifestou na criação e resgatou o mundo do pecado. Vem, David, mostra-nos a cidade que viste e a planta que dela brotou: a cidade é Maria, a planta que dela saíu é o nosso Salvador, cujo nome é Aurora (Jr 23,5; Za 3,8 LXX). A árvore da vida que era guardada por um querubim com espada de fogo (Gn 3,24), eis que habita em Maria, a Virgem pura; José a guarda. O querubim depos a espada porque o fruto que guardava foi enviado do alto dos céus até aos que estavam exilados no abismo. Comei dele todos, homens mortais, e vivereis. Bendito seja o fruto que a Virgem gerou. Bendito seja Aquele que desceu e habitou em Maria e dela saíu para nos salvar. Bemaventurada Maria, tu que foste julgada digna de ser a mãe do Filho do Altíssimo, tu que geraste o Ancião que tinha criado Adão e Eva. Ele saíu de ti, suave fruto cheio de vida, e por Ele os exilados têm de novo acesso ao paraíso. Santo Amadeu de Lausana (1108-1159), monge cisterciense, depois bispo 4ª homilia mariana "Maria guardava todos estes acontecimentos e meditava-os no seu coração" Quando, pela primeira vez, Maria tomou nos seus braços o seu menino, o Emanuel, Maria discerniu nele uma luz incomparavelmente mais bela do que o sol, sentiu um fogo que nenhuma água teria podido apagar. Recebeu, escondida naquele pequeno corpo que acabava de nascer dela, a luz deslumbrante que ilumina tudo e mereceu suportar nos braços o Verbo de Deus que suporta tudo quanto existe (Hb 1,3). Como não se deixaria invadir pelo conhecimento de Deus, tal como se fossem ondas que transbordassem do mar (Is 11,9)? Como não ficaria extasiada, fora de si mesma, elevada às alturas, numa admirável contemplação? Como não se espantaria de se ver mãe, ela que é virgem, e, cheia de alegria, Mãe de Deus? Maria compreende que nela se cumpriram as promessas feitas aos patriarcas e os oráculos dos profetas, os desejos dos seus antepassados que o esperavam de todo o coração. Ela vê o Filho de Deus que lhe é entregue; alegra-se por lhe ter sido confiada a salvação do mundo. Ouve o Senhor Deus dizer-l he no fundo do seu coração: "Escolhi-te de entre tudo o que criei; abençoei-te entre todas as mulheres (Lc 1,42); entreguei o meu Filho nas tuas mãos; confiei-te o meu Unigénito. Não tenhas medo de amamentar aquele que geraste, nem de levantar do chão aquele que deste à luz. Aprende que Ele não é só o teu Deus mas também o teu filho. É meu Filho e é teu filho, meu Filho pela divindade, teu filho pela humanidade que em ti assumiu". Com que afecto e com que zelo, com que humildade e com que respeito, com que amor e com que devoção não terá Maria respondido a este apelo! Os homens não podem sabê-lo, mas Deus sabe, Ele que perscruta os rins e os corações (Sl 7,10)... Feliz aquela a quem foi dado criar Aquele que tudo protege e alimenta, de segurar nas suas mãos Aquele que segura todo o universo. Evangelho segundo S. Lucas 2,22-40. Quando se cumpriu o tempo da sua purificação, segundo a Lei de Moisés, levaram-no a Jerusalém para o apresentarem ao Senhor, conforme está escrito na Lei do Senhor: «Todo o primogénito varão será consagrado ao Senhor» e para oferecerem em sacrifício, como se diz na Lei do Senhor, duas rolas ou duas pombas. Ora, vivia em Jerusalém um homem chamado Simeão; era justo e piedoso e esperava a consolação de Israel. O Espírito Santo estava nele. Tinha-lhe sido revelado pelo Espírito Santo que não morreria antes de ter visto o Messias do Senhor. Impelido pelo Espírito, veio ao templo, quando os pais trouxeram o menino Jesus, a fim de cumprirem o que ordenava a Lei a seu respeito. Simeão tomou-o nos braços e bendisse a Deus, dizendo: «Agora, Senhor, segundo a tua palavra, deixarás ir em paz o teu servo, porque meus olhos viram a Salvação que ofereceste a todos os povos, Luz para se revelar às nações e glória de Israel, teu povo.» Seu pai e sua mãe estavam admirados com o que se dizia dele. Simeão abençoou os e disse a Maria, sua mãe: «Este menino está aqui para queda e ressurgimento de muitos em Israel e para ser sinal de contradição; uma espada trespassará a tua alma. Assim hão-de revelar-se os pensamentos de muitos corações.» Havia também uma profetisa, Ana, filha de Fanuel, da tribo de Aser, a qual era de idade muito avançada. Depois de ter vivido casada sete anos, após o seu tempo de donzela, ficou viúva até aos oitenta e quatro anos. Não se afastava do templo, participando no culto noite e dia, com jejuns e orações. Aparecendo nessa mesma ocasião, pôs-se a louvar a Deus e a falar do menino a todos os que esperavam a redenção de Jerusalém. Depois de terem cumprido tudo o que a Lei do Senhor determinava, regressaram à Galileia, à sua cidade de Nazaré. Entretanto, o menino crescia e robustecia-se, enchendo-se de sabedoria, e a graça de Deus estava com Ele. São Sofrónio de Jerusalém (?-639), monge, bispo Homilia para a festa das luzes “Eu vim como a luz ao mundo, para que todo aquele que crê em Mim não permaneça nas trevas” (Jo 12, 46) Vamos ao encontro de Cristo, todos nós que veneramos o Seu mistério com fervor, avancemos para Ele de todo o coração. Quando todos, sem excepção, participarem neste encontro, que todos levem as suas luzes. Se os nossos círios dão semelhante luz, é antes de mais para mostrar o esplendor divino Daquele que vem, Daquele que faz resplandecer o universo e o mundo com uma luz eterna, que afasta as trevas do mal. É também, e sobretudo, para manifestar com que esplendor da nossa alma devemos ir ao encontro de Cristo. Com efeito, tal como a Mãe de Deus, a Virgem puríssima, trouxe nos seus braços a luz verdadeira, para ir ao encontro “daqueles que se encontravam nas trevas” (Is 9, 1; Lc 1, 79), assim também nós, iluminados pelos seus raios, e tendo na mão uma luz visível para todos, apressemo-nos a ir ao encontro de Cristo. É evidente que, dado que a luz veio a este mundo (Jo 1, 9), iluminando os que estavam nas trevas, porque nos visitou a “luz do alto” (Lc 1, 78), esse mistério é o nosso mistério. […] Corramos, pois, todos juntos, vamos todos ao encontro de Deus. […] Deixemo-nos iluminar a todos por Ele, meus irmãos, tornemo-nos todos resplandecentes. Que nenhum de nós permaneça afastado desta luz, como se fosse um estrangeiro; que nenhum se obstine em permanecer mergulhado na noite. Pelo contrário, avancemos para a claridade; caminhemos, iluminados, ao seu encontro, e recebamos, com o velho Simeão, esta luz gloriosa e eterna. Com ele exultemos de todo o coração e cantemos um hino de acção de graças a Deus, Pai da luz (Tg 1,17), que nos enviou a claridade verdadeira, para nos tirar das trevas e nos tornar resplandecentes. Graças a Cristo, também nós vimos salvação de Deus, que Ele preparou “em favor de todos os povos”, e que manifestou para “glória de Israel” (Lc 2, 30-32). E também nós fomos libertados da noite do nosso pecado, como Simeão o foi dos laços da vida presente, ao ver Cristo. S. Bernardo (1091-1153), monge cisterciense e doutor da Igreja 1º sermão para a Purificação «De repente entrará no seu templo o Senhor que procurais» (Ml 3,1) Hoje a Virgem Mãe introduz o Senhor do Templo no Templo do Senhor. José também conduz ao Senhor esse filho que não é o seu, mas o Filho bem amado no qual Deus pôs toda a Sua complacência (Mt 3,17). Simeão, o justo, reconhece aquele por quem esperava; Ana, a viúva, louva-o. Uma primeira procissão foi celebrada nesse dia por estas quatro personagens, uma procissão que, a seguir, ia ser celebrada em júbilo, pelo universo inteiro... Não vos espanteis por esta esta procissão ser tão pequena, pois que bem pequeno é também aquele que o templo recebe. Mas neste local, não há pecadores: todos são justos, todos são santos, todos são perfeitos. Só a esses salvarás, Senhor? O teu corpo vai crescer, a tua ternura, também ela, crescerá... Vejo agora uma segunda procissão na qual multidões precedem o Senhor, na qual multidões o seguem; já não é a Virgem que o leva, mas um jumentinho. Ele não menospreza, portanto, ninguém..., se ao menos não lhes faltarem essas vestes dos apóstolos (Mt 21,7): a sua doutrina, os seus costumes, e a caridade que cobre uma quantidade de pecados (1Pd 4,8). Mas irei mais longe e direi que, também a nós, nos reservou um lugar nessa procissão... David, rei e profeta, rejubilou ao ver esse dia. «Ele viu-o e encheu-se de alegria» (Jo 8, 56); Senão teria ele cantado «Recebemos, ó Deus, a tua misericórdia no teu templo» (Sl 47, 8) David recebeu essa misericórdia do Senhor, Simeão recebeu-a, e nós também a recebemos, como todos aqueles que são predestinados à vida, pois que« Cristo é o mesmo ontem, hoje e para sempre» (He 13, 8)... Abracemos, portanto, essa misericórdia que recebemos no meio do templo, e como a bem- aventurada Ana, não nos afastemos dela. Pois «o templo de Deus é santo, e esse templo sois vós» diz o apóstolo Paulo (1Co 3,17). Está perto de vós essa misericórdia; «está perto de vós a palavra de Deus, na vossa boca e no vosso coração» (Rom 10, 8). De fato, Cristo não habita em vossos corações pela fé? (Ef 3, 17) Eis o Seu templo, eis o Seu trono... Sim, é no coração que recebemos a misericórdia, é no coração que habita Cristo, é no coração que Ele murmura palavras de paz ao seu povo, aos seus santos, a todos aqueles que que entram no seu coração. Aelred de Rielvaux (1110-1167), monge cisterciense inglês In Ypapanti Domini (Sermões inéditos p. 51-52) «Simeão tomou o menino nos braços» "Simeão veio ao templo, conduzido pelo Espírito". E tu, se procuraste bem Jesus, por toda a parte, quer dizer, se - como a Esposa do Cântico dos Cânticos (Ct 3,1-3) – o procuraste escondido no teu repouso, quer lendo, quer meditando, se também o procuraste na cidade, interrogando os teus irmãos, falando dele, partilhando acerca dele, se o procuraste nas ruas e nas praças aproveitando as palavras e os exemplos dos outros, se o procuraste junto das sentinelas, isto é, escutando os que atingiram a perfeição, então também tu virás ao templo, “conduzido pelo Espírito”. Certamente que esse é o melhor lugar para o encontro entre o Verbo e a alma: procuramo-lo por toda a parte, encontramo-lo no templo… “Encontrei aquele que a minha alma ama” (Ct 3,4). Procura, pois, por toda a parte, procura em tudo, procura junto de todos, passa e ultrapassa tudo para finalmente entrares na tenda, na morada de Deus, e então encontrá-lo-ás. “Simeão veio ao templo, conduzido pelo Espírito”. Portanto, quando os seus pais levaram o Menino Jesus, também ele o recebeu nas suas mãos: eis o amor que prova pelo consentimento, que se prende pelo abraço, que saboreia pelo afecto. Oh, irmãos, que aqui se cale a língua… Aqui nada é mais desejável do que o silêncio: são os segredos do Esposo e da Esposa…, o estrangeiro não poderia tomar parte neles. “O meu segredo é meu, o meu segredo é meu!” (Is 24,16 Vlg). Onde está, para ti, o teu segredo, Esposa que foste a única a experimentar qual é a doçura que se saboreia quando, num beijo espiritual, o espírito criado e o Espírito incriado vão ao encontro um do outro e se unem um ao outro, a tal ponto que são dois em um, melhor, diria eu, um só, justificante e justificado, santificado e santificante, divinizante e divinizado?... Pudéssemos nós merecer dizer também o que se segue : "Agarrei-te e não mais te largarei" (Ct 3,4). Isso, S. Simeão mereceu-o, ele que disse : "Agora, Senhor, podes deixar o teu servo partir em paz". Quis que o deixassem partir, liberto dos laços da carne, para apertar mais intimamente com o abraço do seu coração Jesus Cristo nosso Senhor, a quem pertence a glória e a honra pelos séculos sem fim. São Romano Músico (?-c. 560), compositor de hinos Hino 25, Maria na cruz “Uma espada trespassará a tua alma” Ovelha contemplando o seu cordeiro levado ao matadouro (Is 53, 7), consumida de dor, Maria segue com as outras mulheres, chorando: “Para onde vais, meu filho? Por que percorres assim depressa o teu caminho? (Sl 18, 6) Há outra boda em Caná, e é para lá eu Te diriges tão depressa, para transformar a água em vinho? Posso acompanhar-te, meu Filho, ou será melhor esperar por Ti? Diz-me uma palavra que seja, Tu que és o Verbo, não passes diante de mim em silêncio […], Tu, que és o meu Filho e o meu Deus. […] “Encaminhas-Te para uma morte injusta e ninguém partilha o Teu sofrimento. Não Te acompanha Pedro, que dizia: ‘Mesmo que tenha de morrer contigo, não Te negarei’ (Mt 26, 35). Abandonou-Te Tomé, que exclamara: ‘Vamos nós também, para morrermos com Ele’ (Jo 11, 16). E os outros, os íntimos, aqueles que hão-de julgar as doze tribos (Mt 19, 28), onde estão eles? Não está cá nenhum; mas Tu, sozinho, meu Filho, Tu morres por todos. É o salário que recebes por teres salvado todos os h omens, por os teres servido, meu Filho e meu Deus.” Voltando-Se para Maria, Aquele que saiu dela exclama: “Por que choras, Mãe? […] Eu, não sofrer, não morrer? Como salvaria Adão? Não habitar o túmulo? Como devolveria então à vida aqueles que moram na mansão dos mortos? Por que choras? Exclama antes: ‘Sofre voluntariamente, o meu Filho e meu Deus.’ Virgem prudente, não te tornes semelhante às insensatas (Mt 25, 1ss.): tu estás no banquete de núpcias, não ajas como se tivesses ficado de fora. […] Não chores, pois, diz antes: ‘Tem piedade de Adão, sê misericordioso com Eva, meu Filho e meu Deus.’ “Descansa, Mãe, serás tu a primeira a ver-me sair do túmulo. Virei mostrar-te de que males resgatei Adão, que suores derramei por ele. Revelarei aos Meus amigos as marcas que trarei nas mãos. Então, verás Eva viva como foi outrora, e exclamarás cheia de alegria: ‘Ele salvou os meus pais, o meu Filho e meu Deus!’” Cardeal John Henry Newman (1801-1890), presbítero, fundador de comunidade religiosa, teólogo PPS 2,10 "Os meus olhos viram a tua salvação" "De repente, entrará no seu Templo o Senhor que vós procurais" (Ml 3,1). Hoje é-nos recordada a acção silenciosa da Providência de Deus. Acontecimentos que tinham sido previstos há muito inserem-se tranquilamente no curso do tempo; as visitas do Senhor permanecem simultaneammente repentinas e misteriosas... Nesta cena, não há verdadeiramente nada de extraordinário nem de impressionante; no mundo, pessoas como os pais desta criança, tão pobres, e dois velhos como estes são olhados sem grande interesse e passa-se à frente. Contudo, o que temos aqui é a realização solene de uma profecia antiga e prodigiosa... A criança que se toma nos braços é o Salvador do mundo, o autêntico herdeiro que vem, sob a aparência de um desconhecido, visitar a sua própria casa. O profeta tinha dito: "Quem poderá suportar o dia da sua vinda?" (Ml 3,2); ei-lo que vem para tomar posse dela. Além disso, o velho Simeão está repleto dos dons do Espírito: alegria, acção de graças, esperança, misteriosamente misturadas com o temor, o susto e a dor. Também Ana se torna profetisa e as testemunhas a quem se dirige são o autêntico Israel que espera com fé a redenção do mundo de acordo com as promessas. "A glória que virá desse Templo ultrapassará a do antigo", tinha anunciado um outro profeta (Ag 2,9). Ei-la agora! , essa glória: um menino com seus pais, dois velhos e uma assembleia sem nome e sem futuro. "A vinda do Reino não se deixa ver" (Lc 17,20). Tal foi sempre a maneira de Deus fazer as suas visitas...: o silêncio, o inesperado, a surpresa aos olhos do mundo, apesar das predições conhecidas de todos, cujo sentido a Igreja verdadeira apreende e espera o cumprimento... Não pode ser de outra forma. Os avisos de Deus são claros mas o mundo continua o seu curso; envolvidos pelas suas actividades, os homens não sabem discernir o sentido da história. Tomam grandes acontecimentos por fatos sem importância e medem o valor das realidades segundo uma perspectiva apenas humana... O mundo permanece cego, mas a Providência oculta de Deus realiza-se dia após dia. Beato João XXIII (1881-1963), papa Diário da Alma, § 1958-1963 “Agora, Senhor, podes deixar partir em paz o teu servo” Depois da minha primeira Missa no túmulo de São Pedro, as mãos do Santo Padre Pio X pousavam na minha cabeça em bênção de augúrio para mim e para a minha vida sacerdotal incipiente; mais de meio século depois (exactamente cinquenta e seis anos), as minhas pobres mãos abrem-se sobre os católicos – e não só sobe os católicos – do mundo inteiro em gesto de paternidade universal, como sucessor do mesmo Pio X proclamado santo, e que sobrevive nesse seu sacerdócio e dos seus antecessores e sucessores, encarregados como São Pedro do governo de toda a Igreja, una, santa, católica e apostólica. São estas palavras sagradas que superam qualquer meu sentimento de inimaginável exaltação pessoal, e me deixam na profundidade do meu nada, elevado à sublimidade de um ministério que ultrapassa em altura toda a minha dignidade humana. Quando, no dia 28 de Outubro de 1958, os cardeais da Santa Igreja romana me designaram para a suprema responsabilidade do governo da grei universal de Cristo Jesus, aos setenta e sete anos de idade, foi geral a convicção de que seria um Papa provisório, de transição. Contudo, aqui estou em vésperas do quarto ano de pontificado, com um vasto programa diante de mim que é preciso realizar diante do mundo inteiro que olha e espera. Quanto a mim, encontro-me como São Martinho: “Nem temo a morte, nem recuso a vida.” Devo estar sempre preparado para morrer, mesmo imediatamente, e para viver o que o Senhor houver por bem deixar-me aqui em baixo. Sim, sempre. Às portas do meu octogésimo aniversário devo estar disposto: a morrer e a viver; em qualquer dos casos, a atender à minha santificação. Tal como em todos os lugares me chamam – Santo Padre – assim devo e quero ser realmente. São Boaventura (1221-1274), franciscano, doutor da Igreja Os sete dons do Espírito Santo “Eis aí a tua mãe” A gloriosa Virgem pagou o nosso resgate como mulher corajosa e amante com amor de compaixão por Cristo. Diz-se no Evangelho de são João: “A mulher, quando está para dar à luz, sente angústia, porque chegou a sua hora” (16, 21). A bem-aventurada Virgem não experimentou as dores que precedem o parto, porque não concebeu em pecado, como Eva contra quem se pronunciou a maldição; a sua dor, veio-lhe depois: ela deu à luz na cruz. As outras mulheres conhecem a dor corporal, ela experimentou a do coração. As outras sofrem uma alteração física; ela, compaixão e caridade. A bem-aventurada Virgem pagou o nosso resgate como mulher corajosa e amante com amor de misericórdia pelo mundo, e sobretudo pelo povo cristão: “Pode a mãe esquecer-se do seu filhinho, pode ela deixar de ter amor pelo filho das suas entranhas?” (Is 49, 15). Isto pode ajudar-nos a compreender que todo o povo cristão saiu das entranhas da Virgem gloriosa. Que Mãe amante a nossa! Imitemos a nossa Mãe e sigamo-la no seu a mor. Ela teve compaixão das almas de tal maneira que tinha em nada qualquer perda material e qualquer sofrimento físico. “Fomos resgatados a alto preço!” (1 Cor 6, 20). Orígenes (cerca de 185-253), presbítero e teólogo Homilia 15 sobre S. Lucas "Ir em paz" Simeão sabia que mais ninguém nos pode fazer sair da prisão do corpo, com esperança numa vida futura, senão aquele que ele tinha nos braços. Por isso lhe diz: “Agora, Senhor, podes deixar o teu servo partir em paz, porque, até ao momento em que peguei em Cristo e o apertei nos meus braços, eu estava como que prisioneiro e não podia libertar-me dos laços que me prendiam.” Note-se que isto não vale apenas para Simeão, mas para todos os homens. Se alguém deixa este mundo e quer ganhar o Reino, que tome Jesus nas suas mãos, que o envolva com os seus braços, que o aperte ao seu peito, e então poderá dirigir-se radioso ao lugar que deseja... “Todos aqueles que o Espírito anima são filhos de Deus” (Ro 8,14). Foi, pois, o Espírito Santo quem conduziu Simeão ao Templo. Se também tu queres pegar em Jesus, apertá-lo nos teus braços e tornar-te digno de sair da prisão, esforça-te por te deixares conduzir pelo Espírito, para chegares ao templo de Deus. Desde já te encontras no templo do Senhor Jesus, isto é, na sua Igreja, no seu templo construido com pedras vivas (1Pe 2,5)... Se, trazido pelo Espírito, vieres até ao Templo, encontrarás o Menino Jesus, tomá-lo-ás nos braços e dir-lhe-ás: “Agora, Senhor, podes deixar o teu servo partir em paz.” Esta libertação e esta partida fazem-se na paz... Quem é que morre em paz, senão quem tem a paz de Deus que ultrapassa toda a inteligência e guarda o coração dos que a possuem? (Fl 4,7) Quem é que se retira em paz deste mundo, senão aquele que compreende que Deus veio em Cristo reconciliar o mundo consigo? B. Guerrico de Igny (c. 1080-1157), abade cisterciense 1º Sermão para a Purificação, 5-5 (SC 166, p. 313s) «Luz para se revelar às nações» Saúdo-Te e louvo-Te, ó cheia de graça; trouxeste ao mundo a Misericórdia que veio sobre nós. Foste Tu quem preparou este círio que hoje recebo em minhas mãos [na liturgia desta festa]. Foste Tu quem deu a cera a esta chama… porque, Mãe sem corrupção, revestiste de carne sem corrupção o Verbo incorruptível. Vamos, irmãos! Vede o círio que hoje arde entre as mãos de Simeão! Vinde buscar nele a luz, vinde acender nele as vossas velas, quero dizer, as lâmpadas que o Senhor quer ver entre as vossas mãos (Lc 12, 35). «Voltai-vos para Ele e ficareis radiantes» (Sl 33, 6). Não tanto por levardes círios nas mãos como por serdes vós mesmos círios que brilham por dentro e por fora, para vosso bem e para o dos outros: … Jesus iluminará a vossa fé, fará brilhar o vosso exemplo, inspirar-vos-á uma palavra de bem, tornará ardente a vossa oração, purificará a vossa intenção… E para ti que possuis interiormente tantas lâmpadas acesas, quando se extinguir a chama desta vida, brilhará a luz da vida que não se extingue. Aparecerá para ti, no ocaso, o esplendor do meio-dia. No momento em que julgues extinguir-te, erguer-te-ás como a estrela da manhã (Jb 11, 17) e as trevas brilharão como a luz em pleno dia (Is 38, 10). Já não haverá sol durante o dia nem a luz da lua te iluminará, mas o Senhor será a tua luz eterna (Is 60,19), porque a lâmpada da nova Jerusalém é o Cordeiro (Ap 21, 23), a Ele a bênção e a glória pelos séculos dos séculos! Amen. S. Proclus de Constantinopla (c. de 390-446), bispo Sermão n° 1 ; PG 65, 682 "Quando foi a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher" (Ga 4,4) Que a natureza estremeça de alegria e que exulte todo o género humano, uma vez que as mulheres também são chamadas a esta honra. Que a humanidade danse em coro...: «Onde o pecado abundou, superabundou a graça» (Rm 5,20). A santa Mãe de Deus reuniu-nos aqui, a Virgem Maria, tesouro puríssimo de virgindade, paraíso espiritual do segundo Adão, ponto de união das duas naturezas, lugar de troca onde se concluíu a nossa salvação, câmara nupcial em que Cristo desposou a nossa carne. Ela é essa sarça ardente que o fogo do parto de um Deus não consumiu, a nuvem ligeira que transportou Aquele que tem o trono acima dos querubins, o velo puríssimo que recebeu o orvalho celeste... Maria, serva e mãe, virgem, céu, ponte única entre Deus e os homens, tear da encarnação em que se achou admiravelmente confeccionada a túnica da união das duas naturezas - e o Espírito Santo foi o tecelão. Não sua bondade, Deus não desdenhou nascer de uma mulher, mesmo se Aquele que dela ia ser formado era Ele mesmo a vida. Mas, se a mãe não tivesse permanecido virgem, esta gestação não teria nada de espantoso; seria simplesmente um homem que teria nascido. Mas, uma vez que ela permaneceu virgem mesmo após o parto, como poderia não se tratar de Deus e de um mistério inexprimível? Nasceu de uma maneira inefável, sem mancha, Aquele que mais tarde entrará sem obstáculo, com todas as portas fechadas, e diante de quem Tomé exclamará, contemplando a união das duas naturezas: «Meu Senhor e meu Deus!» (Jo 20,28) Por nosso amor, Aquele que por natureza era incapaz de sofrer expos-se a numerosos sofrimentos. Cristo não se tornou Deus pouco a pouco; de modo nenhum! Mas, sendo Deus, a sua misericórdia levou-o a tornar-se homem, tal como a fé nos ensina. Não pregamos um homem que se tornou Deus, proclamamos um Deus feito carne. Tomou por mãe a sua serva, Ele que pela sua natureza não conhece mãe e que, sem pai, encarnou no tempo. Santa Teresa de Ávila (1515-1582), carmelita, Doutora da Igreja O Caminho da Perfeição, Cap. 31/33 (trad. OC, Cerf 1995, p. 814) «Simeão tomou-O nos braços» Na oração de quietude, o Senhor começa por nos mostrar que nos ouve e que nos concede o Seu Reino, a fim de que possamos verdadeiramente bendizê-Lo e santificar o Seu nome e de que incitemos todos os homens e mulheres a fazer o mesmo. É qualquer coisa de sobrenatural e que não podemos alcançar pelos nossos esforços, por mais que façamos. Com efeito, aqui, a alma mergulha na paz ou, melhor dito, o Senhor envolve-a nela com a Sua presença, tal como fez com o justo Simeão. Então, todas as potências da alma se apaziguam e ela compreende, com um tipo de compreensão muito diferente daquele que nos vem por meio dos sentidos exteriores, que está muito perto do seu Deus e que, por um pouco, conseguiria chegar a ser, pela união, uma só coisa com Ele. Não que O veja com os olhos do corpo nem com os da alma; o justo Simeão também não viu, exteriormente, mais do que o augusto Pobrezinho e, pelos panos que O envolviam e pelo pequeno número dos que Lhe faziam cortejo, poderia tê-Lo tomado pelo filho de pessoas pobres, mais do que pelo Filho do Pai celeste. Mas a própria Criança o fez perceber Quem era. Aqui, é da mesma maneira que a alma compreende; ainda assim, apreende-o de forma menos clara, porque ainda não percebe como é que compreende. Sabe apenas que se encontra no Reino ou, pelo menos, perto do Rei que deve dar-lho, e é presa de um tão grande respeito, que não ousa pedir-Lhe nada. Adão de Perseigne (? -1221), Abade cisterciense Sermão 4 para a Purificação (trad. Pain de Citeaux 26, pp. 15 rev. Tournay) «Os pais de Jesus foram apresentá-Lo ao Templo» Que a carne se aproxime do verbo encarnado hoje, para com Ele desaprender o que é a carne e com Ele aprender a passar, pouco a pouco, da carne ao Espírito. Portanto que nos aproximemos hoje porque um novo sol brilha mais do que de costume. Até então fechado em Belém na estreiteza de uma manjedoura e conhecido por um pequeno número de pessoas, Ele vem agora a Jerusalém, ao Templo do Senhor; é apresentado a mais do que uma pessoa. Até então, tu, Belém, alegravas-te sozinha com a luz que tinha sido dada a todos; orgulhosa dum privilégio e de uma notícia inaudita, podias rivalizar com o próprio Oriente pela tua luz. Melhor ainda, coisa inacreditável de se dizer, havia em ti, numa manjedoura, mais luz do que a que o sol deste mundo pode espalhar, quando nasce. [...] Mas hoje, o Sol eleva-se para irradiar sobre o mundo. Oferecemos ao Templo de Jerusalém o Senhor do Templo. Como são felizes os que se oferecem a Deus tal como Cristo, como uma pomba, no íntimo de um coração tranquilo! Esses estão preparados para celebrar com Maria o mistério da purificação. [...] Não foi a Mãe de Deus que foi purificada neste dia, porque nunca consentiu no pecado. É o homem, manchado pelo pecado, que hoje é purificado pelo filho que Ela teve e pela sua consagração voluntária. [...] Foi a nossa purificação que, por Maria, foi obtida. [...] Se nos abraçarmos com Fé ao fruto das suas entranhas, se nos oferecermos com Ele no Templo, o mistério que celebramos nos purificará. Beata Teresa de Calcutá (1910-1997), fundadora das Irmãs Missionárias da Caridade Um Caminho Simples «Regressaram à Galileia, à sua cidade de Nazaré» Podeis rezar à Sagrada Família pela vossa família: Pai Nosso, que estás nos céus e que nos deste um modelo de vida na Sagrada Família de Nazaré, Ajuda-nos, Pai Santíssimo, a fazer da nossa família uma nova Nazaré, onde reinem a alegria e a paz. Que ela seja profundamente contemplativa, intensamente eucarística e vibrante de alegria. Ajuda-nos a permanecer unidos na felicidade e nas dores, graças à oração em família. Ensina-nos a reconhecer Jesus em cada membro da nossa família, em particular nos que sofrem. Que o coração eucarístico de Jesus torne o nosso coração manso e humilde como o d'Ele (Mt 11,29). Ajuda-nos a corresponder santamente à nossa vocação familiar. Que sejamos capazes de nos amar uns aos outros como Deus ama cada um de nós, cada dia mais, e de perdoar os pecados uns aos outros como tu nos perdoas os nossos pecados. Ajuda-nos, Pai amantíssimo, a tomar o que nos dás e a dar o que nos tomas com um grande sorriso. Coração Imaculado de Maria, causa da nossa alegria, roga por nós. Santos anjos da guarda, sede sempre a nossa companhia, guiando-nos e protegendo-nos. Amen. Evangelho segundo S. Lucas 2,36-40. Havia também uma profetisa, Ana, filha de Fanuel, da tribo de Aser, a qual era de idade muito avançada. Depois de ter vivido casada sete anos, após o seu tempo de donzela, ficou viúva até aos oitenta e quatro anos. Não se afastava do templo, participando no culto noite e dia, com jejuns e orações. Aparecendo nessa mesma ocasião, pôs-se a louvar a Deus e a falar do menino a todos os que esperavam a redenção de Jerusalém. Depois de terem cumprido tudo o que a Lei do Senhor determinava, regressaram à Galileia, à sua cidade de Nazaré. Entretanto, o menino crescia e robustecia-se, enchendo-se de sabedoria, e a graça de Deus estava com Ele. S. Cipriano (cerca 200-258), bispo de Cartago e mártir Sobre o Pai-Nosso “Servindo a Deus dia e noite” Nas Santas Escrituras, o verdadeiro sol e o verdadeiro dia, é Cristo; é por isso que para os cristãos nenhuma hora é excluída, e sem cessar, e sempre, há que adorar a Deus. Porque estamos em Cristo, quer dizer, na luz verdadeira, estejamos em súplica e em oração ao longo de todo o dia. E quando, segundo o curso do tempo, a noite vem depois do dia, nada nos impeça, nas trevas nocturnas, de orar: para os filhos da luz (1 Tim 5,5), é dia mesmo na noite. Então, quando está sem a luz, quem que tem a luz no seu coração? Então, quando é que falta o sol, quando é que não é mais dia, para a pessoa para a qual Cristo é o Sol e o Dia? Durante a noite não deixemos pois de rezar. Foi assim que Ana, a viúva, obteve o favor de Deus, na oração perseverante e nas vigílias, como está escrito no Evangelho: “Ela não se afastava do Templo, servindo dia e noite com jejuns e orações”… Que a preguiça e o deixar andar não nos impeçam de rezar. Pela misericórdia de Deus, fomos recreados no Espírito e renascemos. Imitemos pois o que seremos. Devemos habitar um reino onde não haverá mais noite, onde brilhará um dia sem ocaso, vigiemos já durante a noite como se fosse dia claro. Chamados à oração e a dar, no céu, graças sem fim a Deus, comecemos já aqui em baixo a rezar e a dar graças sem cessar. Clemente de Alexandria (150 - cerca de 215), teólogo Protréptico O cântico novo: "Ana proclamava os louvores de Deus" Quando o Verbo estava nas alturas, Ele era e é o divino começo de todas as coisas. Mas, agora que recebeu como nome "Aquele-que-foi-consagrado", o nome de "Cristo", eu chamo-lhe "um cântico novo" (Sl 33, 144, 149, etc.). O Verbo fazia-nos existir há muito tempo, porque estava em Deus; por Ele a nossa existência é boa. Ora este Verbo acaba de aparecer aos homens, Ele que é Deus e homem; Ele é para nós a causa de todos os bens. Tendo aprendido com Ele a viver bem, somos por Ele introduzidos na vida eterna. Porque, como nos diz o apóstolo do Senhor, "a graça de Deus, fonte de salvação, apareceu a todos os homens; ela ensina-nos a renunciar à impiedade e às cobiças do mundo e a viver no tempo presente com temperança, justiça e piedade, aguardando com jubilosa esperança, a revelação da glória do grande Deus, Jesus Cristo, nosso Salvador" (Tt 2,11-13). Eis o cântico novo, a aparição do Verbo que existia desde o princípio e que acaba de resplandecer entre nós... Porque Aquele que existia como Salvador desde sempre acaba de aparecer; Aquele que é Deus apareceu como mestre; o Verbo por quem tudo foi criado apareceu. Como criador, Ele dava a vida no princípo; agora, tendo aparecido como mestre, ensina-nos a viver bem, de maneira a que, um dia, nos possa dar, enquanto Deus, a vida eterna. Não foi hoje a primeira vez que Ele teve piedade de nós por andarmos perdidos; foi desde o princípio. Evangelho segundo S. Lucas 2,41-52. Os pais de Jesus iam todos os anos a Jerusalém, pela festa da Páscoa. Quando Ele chegou aos doze anos, subiram até lá, segundo o costume da festa. Terminados esses dias, regressaram a casa e o menino ficou em Jerusalém, sem que os pais o soubessem. Pensando que Ele se encontrava na caravana, fizeram um dia de viagem e começaram a procurá-lo entre os parentes e conhecidos. Não o tendo encontrado, voltaram a Jerusalém, à sua procura. Três dias depois, encontraram-no no templo, sentado entre os doutores, a ouvi-los e a fazer-lhes perguntas. Todos quantos o ouviam, estavam estupefatos com a sua inteligência e as suas respostas. Ao vê-lo, ficaram assombrados e sua mãe disse-lhe: «Filho, porque nos fizeste isto? Olha que teu pai e eu andávamos aflitos à tua procura!» Ele respondeu-lhes: «Porque me procuráveis? Não sabíeis que devia estar em casa de meu Pai?» Mas eles não compreenderam as palavras que lhes disse. Depois desceu com eles, voltou para Nazaré e era-lhes submisso. Sua mãe guardava todas estas coisas no seu coração. E Jesus crescia em sabedoria, em estatura e em graça, diante de Deus e dos homens. „Jesus desceu com eles, veio para Nazaré e era-lhes submisso“ – Lu 2,51 [:Olhando a Sagrada Família / Jesus, Maria e José / saibamos fazer a partilha / dos gestos de amor e de fé:] 1. Maria, mãe santa e esposa exemplar / José, pai zeloso voltado a seu lar / Jesus filho amado em missão de salvar / caminhos distintos, num só caminhar. 2. Maria do sim e do amor doação / José operário a serviço do pão / Jesus ocupado com sua missão / tres vidas distintas, num só coração. 3. Se todas as mães, em Maria se acharem / todos os pais, em José se espelharem / se todos os filhos, em Cristo se olharem / serão mais família, quanto mais se amarem. Cantemos ….. n° 815 1. Por causa de um certo reino / estradas eucaminhei. / Buscando sem ter sossego / o reino que eu vislumbrei. / Brilhava a estrela-d´alva / e eu quase sem dormir [:buscando este certo reino / e a lembrança dele a me perseguir.:] 2. Por causa daquele reino / mil vezes eu me enganei / tomando o caminho errado / errando quando acertei. / Chagava o cair da tarde / e eu quase sem dormir [:buscando este certo reino / e a lembrança dele a me perseguir.:] 3. Um filho de carpinteiro / que veio de Nazaré / mostrou-se tão verdadeiro / pôs vida na minha fé. / Falava de um novo reino / de flores e de pardais [:de gente arrastando a rede / que eu tive sede da sua paz.:] 4. O filho de carpinteiro / falava de um mundo irmão / de um Pai que era companheiro / de amor libertação. / Lançou-me um olhar profundo / gelando meu coração [:depois me falou do mundo / e me deu o selo da vocação. :] 5. Agora quem me conhece / pergunta se eu encontrei / o reino que eu procurava / se é tudo o que eu desejei. / Eu digo pensando nele / no meio de vós está [:o reino que andais buscando / e quem tem amor compreendera.:] 6. Jesus me ensinou de novo / as coisas que eu aprendi / por isso eu amei meu povo / o livro da vida eu li. / Em cada menina-moça / em cada moço e rapaz [:eu sonho que a minha gente / será semente da eterna paz.:] Cantemos ….. n° 822 Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (norte de África) e doutor da Igreja Casamento e concupiscência, 1,11 ; Sermão 51 Um verdadeiro casamento, uma verdadeira família Ao dizer a José : "Não temas e toma contigo Maria, tua esposa" (Mt 1,20), o anjo não se enganava… O título de "mulher" não era nem vão nem mentiroso, porque aquela Virgem fazia a felicidade de seu marido, de uma forma tanto mais perfeita e admirável quanto ela se tornava mãe sem a participação daquele marido, fecunda sem ele mas fiel com ele. É por causa desse casamento autêntico que mereceram ser chamados, um e outro, "pais de Cristo" - não só ela, “sua mãe”, mas ele também “seu pai”, enquanto esposo de sua mãe, pai e esposo segundo o espírito, não segundo a carne. Ambos – ele apenas pelo espírito, ela mesmo na sua carne – são pais da sua humildade, não da sua nobreza, pais da sua fraqueza, não da sua divindade. Vede o que diz o Evangelho que não pode mentir: "A sua mãe disse-lhe: ‘Meu filho, porque nos fizeste isto? Vê como teu pai e eu te procurávamos angustiados?'". Jesus, querendo mostrar que tinha também, para além deles, um Pai que o tinha gerado sem mãe, respondeu-lhes: "Porque me procuráveis? Não sabíeis que devo estar na casa de meu Pai?" E, para que não se pense que falando assim estava a renegar os seus pais, o evangelista acrescenta: “Desceu com eles, regressou a Nazaré e era-lhes submisso"… Porque se submeteria ele aos que eram tão inferiores à sua natureza divina? Porque, “aniquilando-se a si mesmo, tomou uma natureza de servo" (Fil 2,7), segundo a qual eles eram seus pais. Se eles não estivessem unidos por um verdadeiro casamento, não teriam podido os dois ser chamados pais dessa natureza de servo. Santo Amadeu de Lausanne (1108-1159), monge cisterciense, depois bispo Homilia Mariana 4 "Sua mãe guardava todos estes acontecimentos no seu coração" Creio que muitas vezes Maria se há-de ter esquecido de comer e de beber só para velar, para pensar em Cristo, para ver Cristo na sua carne, ela que o amava tão profundamente, que ardia de amor só para o servir. Muitas vezes ela há-de ter feito o que diz o Cântico dos Cânticos: "Eu durmo, mas o meu coração vela" (Ct 5,2). Ela continuava, mesmo enquanto repousava, a sonhar com aquele que enchia os seus pensamentos durante todo o dia. Quer velasse, quer repousasse em paz, vivia sempre nele, ocupada com ele. Onde estava o seu tesouro, estava também o seu coração (Mt 6,21); onde estava a sua glória, estava também o seu espírito. O seu Senhor e o seu Filho, ela o amava com todo o coração, com todo o entendimento, com todas as forças (Mt 22,37). Via com os seus olhos, tocava com as suas mãos o Verbo da Vida (1 Jo 1,1). Feliz Maria, a quem foi dado abraçar aquele que abraça e alimenta todas as coisas! Feliz aquela que carregou no seio aquele que carrega todo o universo (He 1,3), feliz aquela que amamentou um Filho que lhe dá a vida, um Filho que a alimenta, a ela e a todos os seres do mundo inteiro (Sl 144,15). Ao seu colo esteve aquele que é a Sabedoria do Pai, nos seus braços sentou-se aquele que é a força que tudo move. Repousou no seu seio materno aquele que é o repouso das almas (Mt 11,29). Com que doçura ele a segurava com as suas mãos, a olhava tranquilamente, aquele a quem os anjos desejam contemplar (1 Pe 1,12) e a chamava docemente aquele que todo o ser invoca na aflição. Cheia do Espírito Santo, ela o apertava contra o coração...; não se cansava de o ver nem de o ouvir, "àquele que tantos reis e profetas desejaram ver e não viram" (Lc 10,24). Maria crescia assim cada vez mais no amor e o seu espírito unia-se sem cessar à contemplação divina. «Vida humana» – cardeal Eusébio Scheid Arcebispo do Rio de Janeiro (Brasil) RIO DE JANEIRO, domingo, 29 de julho de 2007 (ZENIT.org).- Publicamos artigo do cardeal Eusébio Scheid, arcebispo do Rio de Janeiro (Brasil), que compõe essa semana a seção Voz do Pastor do site de sua arquidiocese. *** VIDA HUMANA A vida humana é muito bonita e quase sempre é um milagre, o que se passa com cada ser humano. Por que nós existimos, nos perguntamos, e a razão não nos responde. Porque Deus tem razões, que nós não conhecemos, e podemos fazer hipótese, forjar idéias, mas realmente Deus tem as suas razões, e parece a razão fundamental ser esta, é que Ele, sendo amor, tende a irradiar este amor, irradiá-lo através dos seres invisíveis e visíveis, os anjos, os homens, todas as outras criaturas que existem são uma expansão, uma difusão do seu próprio amor. A única criatura visível na terra, que foi agraciada com o amor consciente de Deus, foi o ser humano. Deus quis o ser humano feliz, da sua felicidade e para sermos felizes, temos que estar junto D´Ele, em harmonia com Ele. Isto é tão claro, que pela própria razão nós o poderíamos deduzir e é esta companhia, esta presença que o Pai Eterno e o Espírito Santo esperam de nós. Por isso o homem procura a Deus, ele é um eterno itinerante, procurando chegar mais perto de Deus. Porque fomos criados para Ele, e não descansamos enquanto nosso coração não repousa nele, somos inquietos e insatisfeitos (Santo Agostinho). O mundo criado que nos rodeia de todos os lados: em cima, embaixo, por baixo da terra, por baixo do mar, nos mares, nos abismos, como cantam os Salmos, vemos traços, sinais da beleza, da sabedoria, da santidade, da verdade e da liberdade de Deus. Através dessas criaturas, devemos chegar a contemplar, até pela razão natural, a grandiosidade de Deus e chegar até Ele. O Livro da Sabedoria diz assim: “Vocês que viram a beleza das criaturas, se encantaram com a força do vento, o estrugir do fogo, outros grandes fatos, até criaturas extraordinárias que existem na terra, porque se detiveram na lua, no sol, como se fossem deuses? Era preciso que, pela analogia, pela comparação da beleza da criatura vocês chegassem ao Criador. E se não chegaram, se tornaram inescusáveis, sem desculpas”. Atentando bem ao ser humano, sua beleza, capacidades, seus dons, comparado com todas as outras criaturas visíveis, (eu não falo dos anjos que são invisíveis), é uma criatura de beleza extraordinária, uma bondade ilimitada, a que o homem nem sempre dá vazão como poderia. O homem tem sabedoria, capaz de abarcar quase o mundo todo, tem uma liberdade total, liberdade para fazer o bem e o mal, mas, levado pela consciência a fazer o bem. Tudo isto espelha a própria grandeza, a beleza e sabedoria do Deus-Criador. Nós, infelizmente, já no início da história, rompemos o laço de estreita união com Deus. Mas Deus não abandonou o ser humano, não o deixou só nessa triste situação de miséria em que ele se encontrava. Envia arautos, profetas, mensageiros para animá-lo, encorajá-lo, a não destruir sua beleza, embotada sim, estragada em parte, mas não perdida de todo, como dizia Lutero. “Na plenitude dos tempos” o próprio Jesus, o Filho de Deus, desce à terra para vir ao encontro do homem. Fala São Paulo a Tito, um dos seus colaboradores: “Apareceu a bondade de Deus Salvador”. Apareceu para reconquistar o homem definitivamente para o amor de Deus, abandonando de vez o mal. Se olharmos a vida humana nas suas diversas etapas, já nos encantamos com a criança que ainda não nasceu. Aos 14 dias já começa a bater seu coraçãozinho e que maravilha uma criança que nasce... Os pais se extasiam diante de seus filhos, o amor perpetuado em forma de gente, de pessoa humana. A criança nos encanta pela sua pureza, a inocência, a entrega, a alegria, a esperança, a vitalidade que possui, a fragilidade também nos encanta, de certa maneira, e a dependência absoluta dos adultos. Na fase da adolescência, começa outra beleza do próprio ser humano: o adolescente também é uma obra-prima, ele vive no sonho do heroísmo, no entusiasmo, na expectativa, na esperança, no sonho... Quando se torna adulto, o jovem é o que está mais próximo da realização humana mais plena, são as sentinelas da manhã, aqueles que anunciam o despontar de uma nova época. É nos jovens que se baseia o futuro da humanidade e até o presente. O Papa, nas suas jornadas mundiais aos jovens, nos fala coisas maravilhosas, entusiasma os jovens de maneira única: Assemelham-se a grupos de pássaros que gorjeiam, que se encantam, que movimentam a sociedade e quando se tornam adultos, a sua vida se torna ainda mais cheia de sentido. Inicia-se, nesta fase, a experiência única de ser humano: relacionamentos, a participação política, desabrocha a dimensão social, comunitária, que é característica do ser humano amadurecido, experiência consolidada, disponível para a colaboração. Os adultos são os colaboradores mais extraordinários, não desfalecem facilmente, estão sempre disponíveis para a doação em prol do todo, do bem-comum, da sociedade. Assumem qualquer peso de responsabilidade sem queixumes ou titubeios. Existe um autor que diz, que a idade avançada, o entardecer da vida, a “melhor idade”, é a catedral da existência humana. Muita sabedoria, muita paciência, muita recordação, muita saudade e, por vezes, nossos queridos anciãos se sentem solitários. O maior problema, da chamada melhor idade, é a solidão. Temos senhoras que estão aí a passear com seus cachorrinhos, falam com eles porque não tem com quem falar. São pouco ouvidos e atendidos pelos mais jovens. É um absurdo, o absurdo é nosso, dos que não sabem apreciar os idosos, não sabem ouvi-los em toda sua sabedoria e os deixam tombar no triste abandono da solidão. Johann Sebastian Bach, o grande compositor de músicas religiosas, dizia para a sua esposa Anna Magdalena: “Tu tinhas os cabelos louros, da cor do trigo amadurecido, agora tens os cabelos da cor da lua”, é muito mais poético... Tomara que todos pudessem enxergar assim, a sua esposa, companheira no momento em que ela chega a envelhecer. Cada etapa da nossa vida é um encanto, porque se olharmos a criança, olharmos o adolescente, o jovem, o amadurecido, os que já tem a idade avançada, em cada qual nós encontramos u´a maravilha, e Deus acompanha como o pastor, acompanha a cada ovelha, cada passo de sua vida. É uma das maiores maravilhas poder acompanhar a trajetória de uma biografia. Voltando às maravilhas do próprio homem em suas etapas de vida, ao seu próprio ser, dizemos com o Salmista: “Tu o fizeste um pouco menor que os anjos” e colocaste nele, tudo que há de melhor e de apetecível. É uma obra-prima do poder criador. A nós homens, a nós que estamos aí nessas fases todas, que saibamos agradecer a Deus, saibamos enaltecê-lo, pela sua obra de arte, pontífice do universo, que é o ser humano. E que Deus seja eternamente louvado por nos ter criado e por nos acompanhar em nossa marcha pela vida!