OS CAMINHOS DA REVOLUÇÃO AMERICANA Bárbara Geromel Campanholo Helena Campos Visconti Tainá Martins As colônias inglesas na América do Norte gozavam até meados do século XVIII de significante autonomia e prosperidade. Esta situação de relativo conforto tinha suas raízes em um frouxo cumprimento, por parte dos colonos, das imposições metropolitanas tais como leis e tributos. Entretanto, fora viabilizada, sobretudo, por um desinteresse britânico de um controle efetivo. Tal atitude ficou conhecida como “negligencia salutar” justamente por ser conveniente ao florescimento colonial. Sob o controle de um governo omisso, desenvolveu-se uma sociedade ciente de sua liberdade e próspera tanto política quanto economicamente. A sociedade das 13 colônias era muito diversificada. Podemos falar em três grandes grupos étnicos e políticos que esboçam um quadro geral desta. Em primeiro lugar, a presença dos colonos europeus, em grande parte ingleses, mas também irlandeses, franceses, e outros, que muitas vezes iam para as colônias fugindo das guerras religiosas na Europa; em segundo lugar os negros, que no século XVIII chegaram a representar 20% da população das 13 colônias. A escravidão negra era mais presente nas colônias do sul, mas o racismo era institucionalizado em toda a América do Norte. Por último, a presença dos grupos indígenas principalmente no Oeste, perseguidos e confrontados em nome da dominação de suas terras. Os grupos indígenas não estavam necessariamente inseridos na sociedade colonial, mas sofriam com as consequências de sua expansão e acabaram envolvidos no conflito de independência ao se aliarem à coroa britânica. No plano político atuavam as Assembléias coloniais, órgão legislativo que permitia a discussão e deliberação dos assuntos internos. Mesmo que sujeitadas aos governadores nomeados pelo rei, estas viabilizaram o autogoverno das colônias decidindo sobre impostos e leis. Economicamente falando, o não cumprimento das Leis de Navegação, promulgadas em 1651 e que previam uma relação de exclusividade comercial entre colônia e metrópole, e a existência de contrabando, principalmente com as Antilhas, viabilizaram o desenvolvimento colonial. Ainda que a sociedade norteamericana fosse extremamente rural, despontavam centros urbanos com o crescimento de cidades e com elas de um comércio intercolonial acompanhado por uma produção manufatureira. O século XVIII foi marcado por uma série de conflitos que tinham por natureza a afirmação dos grandes impérios no cenário colonial. As aspirações inglesas esbarravam frequentemente nas de outras nações culminando em lutas armadas pelo controle de territórios como o da América do Norte. Dentre essas lutas destaca-se a guerra dos Sete Anos, também conhecida como guerra franco-índia (1754-1763), envolvendo França e Inglaterra. A existência de um conflito armado declarado a uma nação por outra se estende também às suas áreas coloniais, logo a guerra dos Sete Anos teria seus reflexos nas treze colônias britânicas, que além de serem o palco do conflito exigiram um esforço bélico por parte dos colonos. Saindo vitoriosa do confronto, a Grã-Bretanha encontrava-se, no entanto, com uma pesada dívida contraída pela guerra. Somavam-se a isso os elevados custos que a administração de um império, agora ampliado, implicava. Para reverter esse quadro deficitário seria necessária a elaboração de uma nova política colonial. Assim, foi adotado um controle mais rígido, com fiscalização e cobrança efetiva dos tributos já existentes e criação de outros quando os primeiros se tornassem insuficientes. Além de se fazer cumprir as Leis de Navegação de 1651, o incremento tributário foi marcado pela criação de vários impostos: Lei do Açúcar e a Lei da Moeda, ambas em 1764; Lei do Aquartelamento e a Lei do Selo no ano seguinte (1765). A tais medidas seguiram-se inúmeros protestos baseados, principalmente, no princípio britânico da representatividade, ou seja, os colonos ingleses enquanto cidadãos britânicos, e por isso sob a proteção da Carta de Direitos inglesa, não poderiam ser tributados pelo parlamento britânico, uma vez que lá não havia quem os representasse. Esses protestos coloniais ocorreram, principalmente sobre a forma de boicote comercial, uma política de não importação dos produtos britânicos. Tal medida foi tão prejudicial aos interesses econômicos ingleses que em 1766 o Parlamento decidiu pela revogação da Lei do Selo. Jamais houve qualquer propósito de independência, até que o Ministério começasse a privá-las (as colônias) de suas liberdades... O sol da liberdade está, sem dúvida, se pondo rapidamente, se já não se pôs, nas colônias americanas... todos estão, de modo geral, alarmados no mais alto grau. As colônias esperam, e com razão, que alguma providência seja tomada a respeito de suas liberdades e privilégios, bem como do comércio. Não podem chegar a acreditar, nem mesmo entender, por que a Inglaterra, com razão ou justiça, poderia esperar que elas, após haverem passado pelos horrores do deserto, suportado o ataque dos bárbaros selvagens e, a expensas do seu sangue e tesouro, fundado este país para grandeza da Inglaterra, fossem lentamente despojadas de tudo aquilo que um inglês foi ensinado a prezar. Não é só pela propriedade que lutamos. Nossa liberdade e, mais particularmente, nossos privilégios estão em jogo: cortes arbitrárias são-nos impostas, e os julgamentos pelos júris populares retirados: a liberdade de imprensa é tão restrita que não se pode reclamar; ameaçam lançar sobre nós um exército de mercenários; as fontes de nossos negócios são fechadas e, para completar nossa ruína, a pequena propriedade que adquirimos foi-nos tomada sem que, ao menos, fosse-nos concedido o mérito de doá-las. Eu, na verdade, temo pelas conseqüências. O Parlamento insiste no poder sobre todas as liberdades e privilégios reclamados pelas colônias e, assim, exige obediência cega e aquiescência para o que quer que ele faça: se acaso o comportamento das colônias não se enquadrar dentro dos limites estabelecidos pela Coroa (que eu muito temo que aconteça), só restará a violência para compeli-las à obediência. Violência gera ressentimento e provoca atitudes jamais sonhadas: mas não quero antecipar qualquer mal. Peço a Deus que evite isso.1 Ocorrera, contudo, nesses anos de medidas ziguezagueantes e impasse tributário, uma alteração no pensamento colonial. Em um primeiro memento o que os colonos americanos vislumbravam com os protestos e boicotes era simplesmente o restabelecimento da sua autonomia, permanecendo dentro da ótica imperial britânica. Nesse sentido, a independência permeava o imaginário de uma minoria. Gradativamente, contudo, e muito em função de uma crise econômica interna, passou-se a ver na independência o meio mais efetivo para que houvesse uma proteção dos interesses colônias. 1 Carta escrita por Charles Thomson, natural da Irlanda, comerciante da Filadélfia e líder dos radicais naquela cidade, à Benjamin Franklin, então agente da Filadélfia em Londres, em 24 de setembro de 1765 – texto retirado do livro Revolução Americana de Hebert Aptheker, que diz estar resumido nesta carta, “todo o sentimento disseminado pela colônia com relação ao presente atroz e ao glorioso futuro” (p.19). Nesse contexto de redefinições de ideologias e princípios, a imprensa assumiu um papel decisivo. Os jornais, folhetins e panfletos circulavam em grande número e tratavam abertamente das questões em voga e da independência. (Common Sense de Thomas Paine publicado em janeiro de 1776 – Imagem retirada da internet)2 Em 1773 o Parlamento aprovou a Lei do Chá. De acordo com esta, ficava concedido à Companhia das Índias Orientais o privilégio da exclusividade na venda de chá dentro da colônia, privando assim, os colonos de qualquer participação em seu comércio. A perspectiva de que ao estabelecimento desse monopólio outros pudessem se seguir causou receio e ira nos colonos que responderam a tal decreto com novos boicotes e motins sendo o mais conhecido deles o da Festa do Chá de Boston. Nesse episódio ocorrido no dia 30 de novembro de 1774 um grupo de patriotas atira ao mar o carregamento de chá que chegara ao porto da região. 2 Common Sense foi um panfleto anônimo publicado por Thomas Paine em defesa da causa norte americana. Escrito com uma linguagem simples e direta, Paine se dirigia as classes mais baixas. Em três meses de publicação do Common Sense foram vendidas mais de 100.000 copias, um número bastante expressivo. Esta obra teve um papel fundamental no convencimento da população de que a independência era o melhor caminho para a liberdade. (The Boston Tea Party 1773 “Festa do Chá de Boston” - Imagem retirada da internet) Como medida punitiva, o Parlamento aprovou quatro decretos conhecidos como Leis Coercitivas. Dentre estas, figura com maior importância aquela que impunha o fechamento do porto de Boston até que ocorresse o pagamento do carregamento de chá danificado. Por trás delas, se tornava visível pelos colonos, o uso de um poder despótico e desmedido da monarquia inglesa contra os interesses coloniais e consequentemente o sentimento de não pertencimento ao Império Britânico pelas treze colônias. Estas leis, ao invés de terem o efeito repressivo que se esperava, despertaram a união e a solidariedade das demais áreas coloniais com a causa de Boston. No que nos diz respeito, podemos sacrificar tudo que a razão achar necessário para a restauração daquela tranquilidade que todos desejamos desfrutar. Da parte deles, que estejam prontos para estabelecer a união num plano generoso. Que ditem suas condições, mas que sejam justos. Está em nós dar nossa preferência comercial aos artigos que fazemos para o seu uso ou aqueles que eles fazem para o nosso, mas que não pensem em impedir-nos de ir a outros mercados para dispor daquelas mercadorias que eles não podem consumir ou para acudir aquelas necessidades que eles não podem suprir. Ainda mais, que fique claro que nossas propriedades, dentro de nossos territórios, não devem sofrer taxação ou regulamentação por parte de qualquer potência na terra, exceto nós mesmos.3 Em abril de 1775 ocorre em Lexington e Concord o primeiro confronto armado opondo tropas britânicas (enviadas à Boston como medida repressiva à sua insubordinação) e a milícia local, promovendo baixas em ambos os lados. Às pressas é organizado o Segundo Congresso Continental que, reunido na Filadélfia em maio do mesmo ano, tem como impulso principal a necessidade de organização de um plano de guerra, uma vez concretizada sua iminência. Das resoluções do congresso extrai-se, 3 Trecho de A Visão Sumária dos Direitos da América Britânica de Thomas Jefferson (1774) retirado do livro Revolução Americana de Hebert Aptheker como mais importante, a criação de um exército continental comandado por George Washington. Se ainda restavam dúvidas pelo que se estava lutando, com a deflagração de um conflito declarado os colonos perceberam que não mais pleiteavam os direitos de um inglês nascido na América, mas sim a preservação de uma liberdade dita americana usurpada pelo poder despótico da monarquia britânica. Aquele sentimento de pertencimento ao grande império estava desgastado. A independência apareceu, assim, como uma alternativa possível e, sobretudo, desejável. Em junho de 1776 o Congresso decidiu-se pela independência, encarregando a Thomas Jefferson, Benjamin Franklin, e John Adams da elaboração de sua Declaração. A Declaração de Independência dos Estados Unidos seria publicada um mês depois, no dia 4 de julho de 1776. Analisando o processo histórico que levou à elaboração da declaração de independência, podemos ver que a luta dos colonos norte-americanos contra a tirania do império britânico rapidamente se converteu em uma luta pelos direitos universais do homem, característica que torna a Revolução Americana tão marcante na história do ocidente. Essa conversão se deu, principalmente, por conta do envolvimento das camadas pobres, aliadas às elites coloniais insatisfeitas com a tirania, na luta pela independência. Pode-se perceber claramente que a causa das 13 colônias inglesas na América se transformou em uma causa de liberdade para a humanidade. A declaração tinha em suas palavras iniciais a igualdade entre todos os homens e a universalização dos direitos à vida, liberdade e busca da felicidade – não se tratava mais de uma revolução colonial simplesmente: Sustentemos que estas verdades são evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais, que foram dotados por seu Criador de certos Direitos inalienáveis, e que entre estes estão a Vida, a Liberdade e a busca da Felicidade. Que para garantir esses direitos, governos são instituídos entre os homens, derivando seus justos poderes do consentimento dos governados. Que quando qualquer Forma de Governo tornar-se destrutiva para tais fins, constitui Direito do Povo alterá-lo ou abolilo.4 4 Trecho da Declaração de Independência dos Estados Unidos retirado do livro Uma Reavaliação da História dos Estados Unidos (Documento original da Declaração de Independência dos Estados Unidos) Ainda que o episódio do 4 de julho legitimasse a independência norte-americana, cabia às treze colônias expulsar definitivamente o inimigo britânico de seu território, colocando um fim aos tempos de sujeição à coroa inglesa e à influência que esta exercia. Seguiram-se, então, sete anos e meio de guerra à Inglaterra. Espanha e França, que viam no conflito a possibilidade de um enfraquecimento da Inglaterra no cenário político e econômico internacional, entraram na guerra apoiando a causa dos Estados Unidos. Além disso, as elites coloniais se dividiram entre whigs, os colonos adeptos da causa revolucionária e tories, aqueles que permaneciam leais à coroa britânica e que dificultaram em algumas partes da colônia a disseminação do ideal revolucionário. É importante destacar também, o aliciamento dos escravos pelo exército inglês que a estes prometiam liberdade caso lutassem pela Coroa. A paz viria apenas em setembro de 1783 com a Paz de Paris, onde a Inglaterra reconhecia a independência norte-americana. Deste tratado emergia a primeira republica no Novo Mundo, comprometida, sobretudo, com o princípio da liberdade. Bibliografia: Aptheker, Herbert. A revolução americana Arendt, Hannah. Sobre a revolução Bailyn, Bernard. As origens ideológicas da Revolução Americana Bosch, Aurora. Historia de Estados Unidos 1776-1945 Sellers, Charles; May, Henry; McMillen, Neil R. Uma Reavaliação da História dos Estados Unidos De Colônia a Potência Imperial Filmografia: O Patriota (The Patriot) (Imagem retirada da internet) Sinopse: Carolina do Sul, 1776. Benjamin Martin (Mel Gibson), ex-herói da guerra franco-indiana, reluta em entrar na guerra contra as cruéis tropas britânicas lideradas pelo coronel Tavington. Mas os conflitos chegam à sua fazenda, e ele não tem outra escolha senão juntar-se ao exército revolucionário. Para proteger sua família, ele parte para a guerra ao lado de seu filho Gabriel (Heath Ledger), jovem idealista e patriota. (sinopse retirada do site www.cineclick.com.br) Diretor: Roland Emmerich Elenco: Mel Gibson, Heath Ledger, Joely Richardson, Jason Isaacs, Chris Cooper, Tchéky Karyo, Logan Lerman. Ano: 2000 País: EUA, Alemanha Principais prêmios e indicações: Oscar 2001 (EUA) Indicado nas categorias de melhor som, melhor trilha sonora original e melhor fotografia; MTV Movie Awards 2001 (EUA) Indicado na categoria de melhor interpretação masculina (Mel Gibson) Breve análise do filme: O filme possui um efeito didático positivo porque possibilita a visualização das questões essenciais que culminaram na independência americana. É claro que possui todo um caráter romântico (típico dos filmes que desejam não apenas retratar um momento, mas também despertar emoções no público) que talvez não seja aplicável ao contexto, mas em uma análise histórica percebe-se a apropriada referência a pontos que, de fato, marcaram o processo de conscientização colonial, passando pelos grupos sociais envolvidos, e chegando à revolução em si. “O Patriota” elucida muito bem a indignação colonial com as medidas tomadas pela Coroa Britânica. Logo no início do filme é possível perceber isso quando os colonos pedem a morte do rei Jorge. Nesse sentindo aborda-se a questão dos impostos e da não representatividade colonial no Parlamento inglês que estaria ferindo, assim, os direitos de tais colonos. Uma segunda questão abordada é, obviamente, a do patriotismo despertado entre os colonos. Tal sentimento, ainda que incipiente e imediato é forte o suficiente para conduzir a uma revolução que defende sobretudo a causa da liberdade e a independência de uma nação, a nação americana. Esse patriotismo é visível no desejo de alistar-se no Exército Continental e na sobreposição de questões pessoais pela questão da independência, ambos retratados no filme. A participação do negro na revolução e o racismo são, também, pontos bem trabalhados, principalmente no que tange ao dilema criado sobre o conceito da liberdade usado na época. Essa liberdade, tão preconizada e defendida, culminaria na independência, mas tardaria a conceber o fim total da escravidão. Questões secundárias, mas não menos importantes, são: a da formação de milícias que têm sua importância pela atuação constante na guerra; a existência de colonos anti-separatistas, os famosos tories já tratados no artigo e que lutaram ao lado do exército britânico contra a independência; e envolvimento estrangeiro no conflito, como os franceses que apoiaram e lutaram ao lado do exército norte americano. (Imagem retirada da internet – cenas finais do filme “O Patriota”)