A tragédia grega como elemento constitutivo da formação integral do homem grego: uma análise segundo Jean-Pierre Vernant Deucyr João Breitenbach1 Resumo: A presente pesquisa procura demonstrar a inter-relação existente entre o pensamento de Jean-Pierre Vernant e a concepção de tragédia grega, conforme os pressupostos da identidade trágica e da ambiguidade e reviravolta encontrada naquele que transita pela estrutura do trágico, a dizer, as condições sociais e psicológicas da tragédia grega. Por meio do pensamento racional, Jean Pierre Vernant, um dos mais renomados helenistas da atualidade, principalmente no que confere ao estudo e pesquisa da época clássica dos gregos, apresenta a tragédia como elemento essencial de formação integral do homem inserido na cidade. Para Vernant, o essencial de toda tragédia se desenvolve na existência cotidiana, num tempo humano, opaco, feito de presentes sucessivos e limitado num além da vida terrena. Num tempo divino, onipotente, que abrange em cada instante a totalidade dos acontecimentos, ora para ocultá-los, ora para descobri-los, mas sem que nada se escape a ele, nem se perca no esquecimento. Unir humano e divino, teoria e prática, mito e política, religião e vida social, são estes o alicerce que caracterizam o ambiente trágico como elemento constitutivo da tragédia grega. Palavras-chave: Tragédia. Formação do Homem Grego. Identidade trágica. Especialista em Gestão Educacional pela Fundação Educacional Getúlio Vargas (FGV), na área de Tecnologias da Inteligência e Comunicação. Especialista em História Cultural e Moderna. Graduado em Filosofia pela Universidade Católica Dom Bosco. Tutor do Claretiano – Centro Universitário. Atua como Pesquisador nas áreas de Educação, Filosofia e Ciência da Informação. E-mail: <[email protected]>. 1 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 3, n. 1, p. 145-165, jan./jun. 2013 145 1. INTRODUÇÃO Comumente, entre nós, modernos, a palavra “tragédia” é aplicada para designar um acontecimento funesto ou sinistro. Encontra-se a palavra “tragédia” em todos os meios de comunicação. Não raramente, a designação “tragédia” evoca eventos que, de certa forma, nos lembram de algo ruim, caracterizado por fatalidade, irracionalidade, formas diversas de violência à dignidade humana e planetária. A atualidade do trágico é tão forte que não se pode pensá-lo fora de nós. O trágico se faz mais presente do que nunca, basta analisar a própria compreensão de morte, quando não em seus limites normais de velhice, ou mesmo física e biológica, diante de acontecimentos inesperados, a expressão utilizada para tal acontecimento é sempre “tragédia”. Esta pesquisa fomenta explicitar diversamente ora o homem e sua autonomia, ora o homem e sua relação com o divino, sua perspectiva com o âmbito social e político da cidade, bem como sua convicta relação com a designação trágica que se faz existir quando da citação dos preceitos da tragédia grega como elemento de formação do homem grego. Trata-se de analisar a tragédia em um momento fundamental da vida social da Grécia Antiga, bem como o desenvolvimento da pólis2 e dos homens que, por meio desta prática, se reconhecem como membros dignos da cidade e de suas atividades. A tragédia grega marca um período profundamente necessário para o florescimento da base cultural, social e política da Grécia, delineando novos elementos à organização da cidade. A tragédia, devido ao formato da ação dramática, apresenta em cena a montagem de uma experiência que visa esclarecer a existência do homem e seu destino3. 2 A pólis é o centro principal a partir do qual se organiza historicamente o período mais importante da evolução grega. Estado e pólis são equivalentes. Embora já no período clássico existam formações estatais de maior extensão territorial, trata-se sempre de confederações de cidades, Estados mais ou menos independentes. Só na pólis se pode encontrar aquilo que abrange todas as esferas da vida espiritual e humana e determina de modo decisivo a sua estrutura (JAEGER, 2003, p. 106-107). Potência misteriosa e personificada, (nomeadamente, na tragédia grega e no estoicismo), rege o devir universal, incluindo o curso da história humana, sem qualquer possibilidade de intervenção da vontade ou da previsão do homem. Contrariamente ao determinismo, o destino é uma lei cega, fixada de antemão, que o homem não conhece e à qual está sujeito e não consegue escapar. Como tal, significa uma recusa da autonomia e liberdade. (cf. www.ocanto.esenviseu.net/lexd.htm). Acessado em: 09/09/2012. 3 146 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 3, n. 1, p. 145-165, jan./jun. 2013 Demonstrar-se-á que a tragédia grega comporta vários significados e elementos que por vezes não a definem por completo. Vernant4 afirma que, à luz da dramaturgia, o homem não aparece delineado como uma natureza estável, uma essência que poderia ser delimitada e definida, mas como um problema; ele adquire a forma de uma interrogação, de um questionamento. Na tragédia, o personagem trágico é uma criatura ambígua, enigmática e desconcertante: ao mesmo tempo agente e agido, culpado e inocente, livre e escravo, destinado por sua inteligência a dominar o universo e incapaz de governar a si mesmo, associando o melhor e o pior. Nesse sentido, duas questões colocaram em movimento este trabalho de pesquisa. A primeira refere-se à estrutura da tragédia enquanto fortemente necessária para a busca de uma identidade do homem grego. E a segunda é relativa à contribuição que esse modo de se expressar trouxe em termos de benefícios para o desenvolvimento social e humano do homem grego inserido na pólis. Não obstante as limitações de uma primeira aproximação dessa complexa temática em Vernant, este texto pretende cobrir os aspectos principais concernentes à construção do processo de elaboração da tragédia grega e, com isso, irradiar parte de uma qualidade inerente à tragédia, a saber, provocar admiração e prazer naquele que transita na estrutura do trágico. 2. TRAGÉDIA GREGA: CONDIÇÕES SOCIAIS E PSICOLÓGICAS A tragédia, compreendida em seus aspectos de maior importância, se refere a um gênero literário original, possuidor de regras e características próprias, não é especificamente algo determinado e bem explicado. Vários motivos conferem caráter de relevância a esta pesquisa. A princípio, Vernant é um estudioso cujo método está caracterizado pela historiografia. Pelos clássicos, Vernant procura aproximar o universo grego do contemporâneo, fugindo das teorias consagradas sobre a Grécia antiga. Jean-Pierre Vernant nasceu em Provins, na França, em 4 de janeiro de 1914. 4 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 3, n. 1, p. 145-165, jan./jun. 2013 147 Pelo contrário, atuam na tragédia dois elementos opostos, mas ao mesmo tempo estreitamente solidários um com o outro, o coro e a personagem trágica. A tragédia necessita unir humano e divino. Vernant e Vidal-Naquet (2005, p. 08-09), ressaltam que, diante do aspecto trágico dado à tragédia, é preciso igualmente que esses dois planos não deixem de aparecer como inseparáveis um do outro, e se o forem, não é tragédia. Por isso, toda tragédia desenrola-se, necessariamente, sobre dois planos, e são esses dois planos que vão provocar uma tensão, pois está inserido tanto no nível dos homens da cidade real, quanto dos deuses, das forças religiosas que obscuramente agem no mundo. Não há decisão humana mediante as próprias ações humanas que não esteja inscrita em um ambiente para os homens lidarem com as encruzilhadas criadas pelos deuses. “Onde há decisão humana, há deuses provocando seu destino”, afirmam Vernant e Vidal-Naquet (2005, p. 15). E é a relação do homem com os deuses que o homem trágico vivencia como sendo problemático por se situar entre dois universos diferentes e contraditórios, onde, por um lado, a preocupação se volta para o bem da pólis e, por outro, há forte presença de valores heroicos. No caso do homem trágico, sua participação ocorre na vida humana, na vida social tal qual ele mesmo vivencia no mundo real, só que por meio de influências divinas, nunca por si só e do seu jeito, mas sempre com um cunho divino que lhe ocupa. Vernant (2002a, p. 372) mostram que, “[...] o homem trágico é um homem duplo, dilacerado, problemático. Um homem que se pensa como ele é, porque se reconhece na imagem de si que os outros lhe oferecem”. A tragédia grega quer demonstrar, a partir de dados concretos, questões sobre o homem, sua natureza, sua problemática, sua relação com seus atos. Segundo Vernant e Vidal-Naquet (2005, p. 73): “Todos os trágicos gregos recorreram à ambigüidade como meio de expressão e como modo de pensamento. Mas o duplo sentido assume um papel bem diferente conforme seu lugar na economia do drama e o nível da língua em que o situam os poetas trágicos”. 148 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 3, n. 1, p. 145-165, jan./jun. 2013 As ambiguidades, as reviravoltas, as palavras com duplo sentido, as contradições e tensões são aspectos que fornecem à tragédia grega benefícios próprios e que fazem realmente a diferença no contexto da análise trágica dos dramas, das representações diante da pólis e dos “heróis” da Grécia Antiga. A tragédia se destaca como criadora de um personagem que não se compreende em nada. O que marca o espetáculo trágico, diz Vernant, são dois mundos de diferentes realidades, pois: [...] ora projetada num longínquo passado mítico, herói de uma outra época, carregado de um poder religioso terrível, encarnado todo o descomedimento dos antigos reis da lenda, ora falando, pensando, vivendo na própria época da cidade, como um burguês de Atenas no meio de seus concidadãos. (VERNANT; VIDAL-NAQUET, 2005, p. 13). Essas contradições se dão em um espaço cênico e, em vez de estabelecer a comunicação e o acordo entre as personagens que representam, sublinham, ao contrário, uma rixa de ideias em que cada personagem desenvolverá um tipo de interpretação. É aí que se afirma que “[...] cada herói, fechado no universo que lhe é próprio, dá à palavra um sentido e um só” (VERNANT; VIDAL-NAQUET, 2005, p. 74). Segundo Vernant, essas obras dos dramaturgos elaboram um modo novo de se compreender o homem em suas relações com o próprio homem e com os deuses, também consigo mesmo e com seus atos. É essa a característica que vai ressaltar no herói trágico sua visão trágica; não há visão trágica fora da tragédia. Essa ambiguidade das palavras “[...] o dramaturgo joga com ela para traduzir sua visão trágica de um mundo dividido contra si mesmo, dilacerado pelas contradições” (VERNANT; VIDAL-NAQUET, 2005, p. 73-74). O momento histórico da tragédia descrita por Vernant faz parte de uma estrutura na qual se apresentam personagens no palco, que camuflam, na atualidade do espetáculo, todas as aparências da existência real. Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 3, n. 1, p. 145-165, jan./jun. 2013 149 O que se representa no momento são lendas heroicas, ausentes da realidade quotidiana do público. Vernant chama essa ausência da realidade de “[...] ‘consciência do fictício’ por ser justamente um fato de fingimento, do imaginário, em que se constitui como espetáculo dramático responsável por provocar piedade e temor em quem as assiste (VERNANT; VIDAL-NAQUET, 2005, p. 162). Nesse novo quadro do imaginário dado à tragédia, sua condição social aparece delimitada com muita precisão em meio ao que se pode atribuir como forma de aspecto trágico do personagem que representa para um determinado público. O coro antigo, ainda em meados de seu desenvolvimento, quando ainda não se faziam presentes nem atores nem protagonistas nos espetáculos, davam qualidade unicamente ao “lirismo coral” (VERNANT; VIDAL-NAQUET, 2005, p. 02), que eram cantos. Mais tarde, inseridos os protagonistas do drama no coro, infligem essa lei, dialogam entre si e são trazidos à cena para que os espectadores os vejam. O que realmente privilegia a tragédia no campo social é sua escrita, pois somente depois de escrita e de representada é que ela assume para si um valor e sentido próprio. A tragédia, diz Vernant (2005), em si mesma, sem provocar repercussão nos demais que a representam ou que a assistem não se torna o que é, uma tragédia grega. O essencial de toda tragédia se desenvolve na existência quotidiana, num tempo humano, opaco, feito de presentes sucessivos e limitados num além da vida terrena, num tempo divino, onipotente, que abrange a cada instante a totalidade dos acontecimentos, ora para ocultá-los, ora para descobri-los, mas sem que nada escape a ele, nem se perca no esquecimento. (VERNANT, 2005, p. 20). Na tragédia, não se intensifica de um lado o mundo humano real, e, de outro, o mundo divino, mundo dos deuses. Nesses dois campos, “[...] interligados coerentemente, as intenções humanas são claramente ligadas às influências divinas” (VERNANT, 2006, p. 53). Se não há dimensão humana interligada com dimensão divina, não há tragédia. 150 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 3, n. 1, p. 145-165, jan./jun. 2013 Vernant (2005, p. 04) destaca que o domínio próprio da tragédia se dá não somente em atos humanos ou então em atos divinos separados do humano, pois, nessa zona fronteiriça, os atos humanos vêm articular-se com as potências divinas e, por isso, é a tragédia revelada como verdadeira prática completa de sentido, “[...] um sentido que ultrapassa o homem e a ele escapa” (VERNANT, 2005, p. 07). Tanto o divino quanto o humano devem se unir para que haja tragédia. Mais do que representar heróis que mantêm contatos com deuses e são mais importantes do que os homens, “[...] na tragédia o próprio homem trágico quer se expressar apresentando problemas humanos, problemas do homem na cidade e da cidade, porém, a presença do trágico na sociedade grega só existe na tragédia” (VERNANT, 2000, p. 46). Esta é um fenômeno literário que cria o trágico: “[...] quando a tragédia funciona, então podemos dizer que existe um homem trágico, e esse homem trágico não é trágico por que é, mas porque está na tragédia” (VERNANT, 2002b, p. 364). A tragédia só existe quando ela começa no trágico, sai do trágico, volta no trágico. Ela é algo que é, nunca deixou de ser, sempre foi. Vernant diz que, para que possa existir uma tragédia, “[...] é preciso reunir algumas condições, mas estas condições devem ser levadas em conta por poetas, espetáculos, um gênero que lhes dêem o aspecto particular que a tragédia soube formatar. Afora isto, não existe trágico” (VERNANT, 2002a, p. 364-365). Não se vê florescer uma invenção de tragédia grega se limitando à produção de obras literárias, de fenômenos religiosos destinados aos cidadãos e adaptados a eles, de espetáculo, imitação, da criação de um sujeito que, para Vernant, é o indivíduo em seu próprio nome, aquele que se mostra com certos traços que fazem dele um ser singular especificamente. Maior que isso, a tragédia abrange, segundo Vernant e Vidal-Naquet (2005, p. 214) “[...] uma consciência trágica, o advento de um homem trágico”. A consciência trágica através do espetáculo demonstra, por meio da mensagem trágica, um conhecimento sobre o universo conflituoso, abrin- Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 3, n. 1, p. 145-165, jan./jun. 2013 151 do-se a uma visão problemática do mundo. Essa nova consciência trágica só vem à tona porque, diante da nova condição de imagem do homem, os cidadãos fazem tanto de si mesmos como de sua cidade lugar de tragédia. A consciência trágica não faz referência somente ao cidadão que se preocupa diante da cidade com sua própria imagem exterior, mas diante de todas as suas condições sociais. No segredo de sua consciência pessoal, ela mostra “[...] uma imagem fictícia, encenada segundo as necessidades da atualidade, um simulacro como a publicidade” (VERNANT, 2002b, p. 343-344). A tragédia, como esclarecem Vernant e Vidal-Naquet (2005, p. 271), não era o reflexo do contexto da cidade na qual estava inserida, era uma instituição social, religiosa e política que se constituiu como um espetáculo formador de cidadania. Por isso, é a própria consciência do fictício que está armada na tragédia. Segundo Werner Jaeger5 (2003, p. 296-297), “[...] a elaboração da consciência trágica se reveste de um conteúdo dado pela tragédia na transgressão dos atos do personagem que não se reconhece mais”. A tragédia é considerada também uma forma de educação que não se trata somente de um divertimento, mas, no espetáculo trágico, encontram-se dois aspectos que definem a vida política grega: primeiro, a responsabilidade da comunidade pela organização de todos os detalhes práticos, e segundo, um aspecto religioso vinculado ao aspecto político, posto que fizesse parte das Dionisíacas urbanas.6 5 Essa obra famosa de Jaeger é um dos marcos da cultura do nosso tempo, sendo um estudo profundo e completo sobre os ideais de educação da Grécia Antiga. Jaeger estudou a interação entre o processo histórico da formação do homem grego e o processo espiritual através do qual os gregos chegaram a elaborar seu ideal de humanidade. “Com origem na época de Péricles, as Grandes Dionísias ou Dionisíacas Urbanas constituíam um ponto culminante e festivo na vida religiosa, intelectual e artística da cidade-Estado de Atenas. Enquanto as mais modernas Dionisíacas rurais, que aconteciam em dezembro, possuíam um caráter puramente local e eram patrocinadas de per si pelos diferentes demos da Ática, Atenas ostentava todo o brilho representativo de capital nas Grandes Dionisíacas, de seis dias de duração. Especialmente depois da fundação da confederação naval ática, embaixadores, comerciantes e tributários afluíam a Atenas nesta época de toda a Ásia Menor e das Ilhas do Egeu” (BERTHOLD, 2001, p. 113). 6 152 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 3, n. 1, p. 145-165, jan./jun. 2013 Em uma primeira aproximação, pode-se entender a tragédia contando os problemas da cidade no momento presente, sem se remeter a um passado longínquo, porém a tragédia não é isso, não existe para representar os problemas dos cidadãos naquele momento, mostrando personagens daquele momento. As tragédias representadas adotam como tema a lenda dos heróis e, por isso, a tradição oral como instrumento. Assim, ponderou Vernant (2002b, p. 362), “[...] as tragédias não falam do presente das cidades. Na tragédia, não se pode contar as próprias desgraças das pessoas, histórias que chocam as pessoas”. O modo trágico, diz Vernant, é um modo patético que coloca perguntas sobre o homem, evidencia interrogações na vida desse homem, mostra questionamentos que privilegiam as ações e não a cidade presente tal qual ela se encontra. A tragédia não é isso. A tragédia é representar personagens maiores, heróis dos tempos antigos, lendas que todos conhecem que, claro, vão emocionar, mas como as fábulas que se contam às crianças as emocionam. Ao mesmo tempo, sabem que não é de verdade. (VERNANT, 2002a, p. 363-364). A tragédia se torna a “mola mestra” entre um passado distante, passado do mito, passado das narrativas épicas das grandes lendas heroicas, e um presente das instituições políticas, como o advento de uma nova mentalidade sobre a concepção de uma cidade democrática, uma cidade coletiva. Vernant (2002b, p. 442-443) sugere, ainda, que “[...] a passagem do mito para a razão deve muito à ‘mola trágica’, já que ela teria impulsionado a cristalização de idéias como função, oposta é claro, à realidade”. O que faz a tragédia é apresentar aos olhos do público figuras lendárias da cidade heroica falando e agindo diante dos espectadores de forma que estes se sintam incluídos na peça de maneira atual. Sua encenação implica um estar presente, uma presença real de personagens, pois “[...] essa Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 3, n. 1, p. 145-165, jan./jun. 2013 153 presença, na língua dos trágicos, de uma multiplicidade de níveis, dá ao texto uma profundidade particular e exige que a leitura se faça, ao mesmo tempo, em vários planos” (VERNANT, 2005, p. 19). A tragédia, afirma Vernant (2002a, p. 215-216), depois de escrita, “[...] só se tornava em sentido e em valor uma tragédia, quando encenada”. Toda tragédia possui algo que vai além do homem trágico; este é pego de surpresa por acontecimentos que não esperava. E mesmo pensando realizar o certo diante da ação, cai e se torna resultado do próprio ato. Por isso, uma das máximas da tragédia é ter como base ninguém escapar ao seu destino. É esse, segundo Vernant (2005, p. 20), “[...] um dos aspectos da ironia trágica”. Tratar do destino do homem trágico que “[...] quer guiar-se por seu próprio ethos (caráter), mas está subordinado ao gênio mau (daímon)” (COSTA; REMÉDIOS, 2005, p. 09), é tarefa fundamental para o estudo da tragédia grega. Por isso, “[...] através do desequilíbrio interno, inconsciente (hybris), caracterizador do herói trágico, delineando-se o seu ethos com o daímon e a falha trágica que é a Hamartía, o personagem se estabelece na relação com o expectador no efeito trágico” (COSTA; REMÉDIOS, 2005, p. 10). Na concepção de Vernant, para que haja tragédia, o texto referente à própria representação diante dos cidadãos deve significar ao mesmo tempo: “[...] no homem, o que se chama daímon é o seu caráter e inversamente, no homem, o que se chama caráter é realmente um daímon, um demônio” (VERNANT; VIDAL-NAQUET, 2005, p. 15). Até mesmo aqui se confunde no homem trágico seu aspecto de caráter muito importante. O que não se pode confundir na tragédia é que o sacrifício, entendido como sacrifício do bode, não é o de um animal, mas um sacrifício humano. A tragédia (2005b, p. 268), apresenta um homem empenhado na ação; é com a ação e pela ação que ocorre o sacrifício. Não é somente um sacrifício em honra aos deuses ou a atos divinos, mas por meio do sangue, está ligado com a cidade selvagem que a cerca. 154 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 3, n. 1, p. 145-165, jan./jun. 2013 Note que Vernant e Vidal-Naquet (2005, p. 270-271) afirma que “[...] se há sacrifício do bode quando não de seres humanos, esse se torna, mediante o sacrifício, um animal desviado de seu sentido”. Esse sacrifício humano não é estranho à tragédia, mas, em relação às práticas sociais da cidade grega, ele é duplamente desviado, é um sacrifício representado e, como sacrifício humano e não animal, um sacrifício corrompido. O sacrifício é corrompido porque, ao invés de homenagear os deuses com gratuidade, os cidadãos gregos utilizam sacrifícios humanos, contrariando, assim, o nascimento de cada indivíduo particular a partir do instante em que os olhos se abrem para a luz, pois é desde aí que o homem está em dívida com os deuses. É por meio do sacrifício que os homens vão poder criar um contato com os deuses, porém esse contato não será aceito totalmente quando tirado o bode como elemento de sacrifício e colocado o homem em seu lugar. O que os deuses desejam dos homens “[...] são cantos, procissões, danças, jogos, concursos e banquetes nos quais se consomem em comum a carne dos animais ofertados em sacrifício” (VERNANT, 2002a, p. 175). Diante de todo esse drama trágico apresentado em um espetáculo para o público da cidade, havia algo mais intenso que caracterizava a tragédia. Sua estrutura mostrava aspectos em conformidade com as demais formas de instituições sociais da cidade grega, “[...] a tragédia estava presente na religião e no trabalho principalmente e, também fomentava como que um instrumento fundamental para a política que emergia na pólis” (VERNANT, 1999, p. 38). A tragédia para os gregos aparece como a expressão de um tipo particular de experiência humana ligada a condições sociais e psicológicas da cidade e do indivíduo. A tragédia instaura, no sistema das festas públicas da cidade, um novo tipo de espetáculo; além disso, como forma de expressão específica, traduz aspectos da experiência humana até agora desapercebidos; marca uma etapa na formação do homem interior, do homem como sujeito responsável. (VERNANT, 2005, p. 01). Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 3, n. 1, p. 145-165, jan./jun. 2013 155 A finalidade da tragédia, diz Vernant (2002b, p. 290-291), “[...] não é demonstrar a realidade social da pólis grega, mas questioná-la”. Não é apenas uma forma de arte, “[...] é uma instituição social que, pela fundação dos concursos trágicos, apresenta-se diante da religião e dos órgãos políticos e judiciários para a cidade que a assiste” (VERNANT, 2006, p. 37). A busca pelo homem fez da tragédia uma busca pelo desconhecido. Mais do que analisar tragédias, buscando encontrar nelas algo religioso, ela comporta em si mesma algo de moral que tem como base a imaginação mítica. Vernant (2002a, p. 347-348) destaca que a tragédia não pode ser explicada reduzindo-a a certo número de condições sociais. Para ele (VERNANT, 2005, p. 09-10), “[...] a tragédia comporta algo de maior importância em todas as suas dimensões como fenômeno social e psicológico”. É a condição humana que está em jogo na tragédia, ela propõe ao espectador um questionamento sobre si, seus limites. Ela traz consigo uma espécie de saber segundo o qual o homem, perante a vida social da cidade, preside a ordem de sua atividade. Há tragédia quando, pela montagem dessa experiência imaginária que constitui um roteiro, com sua progressão dramatizada, como diz Aristóteles, dessa simulação de um sistema coerente de ações seguidas que conduzem à catástrofe, a existência humana acede à consciência, ao mesmo tempo exaltada e lúcida, tanto por seu preço insubstituível quanto por sua extrema vaidade. (VERNANT, 2005, p. 219). A tragédia, além de utilizar lendas de heróis, confronta-as e as compara aos novos modos de pensamento que marcam o advento do direito no quadro da cidade. Na Grécia, segundo Vernant (2002b, p. 158), “[...] o pensamento jurídico tornou-se a verdadeira matéria da tragédia grega, pois favorecia o pensamento social da cidade”. E mesmo a resposta de Vernant e Vidal- 156 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 3, n. 1, p. 145-165, jan./jun. 2013 -Naquet (2005, p. 18) sobre a pergunta “o que é tragédia grega?” é como segue: “[...] talvez a expressão de uma crise que se evidencia particularmente no plano Institucional do direito público”. Os gregos não têm a idéia de um direito absoluto, fundado sobre princípios, organizado num sistema coerente. Para eles há como que graus de direito. Num pólo, o direito se apóia na autoridade de fato, na coerção; no outro, põe em jogo potências sagradas: a ordem do mundo, a justiça de Zeus. (VERNANT, 2005, p. 03). Esse debate jurídico será uma matéria da tragédia, porém a tragédia é bem diferente de um debate jurídico. Seu objeto é o homem que em si próprio vivencia esse debate, que por vezes é ambíguo, cheio de sentidos e nisso o homem trágico é coagido a fazer uma escolha definitiva. O pensamento social que os gregos ocupavam era caracterizado pelo pensamento jurídico, um novo tipo de pensamento estava se desenvolvendo, era a Democracia, e esse pensamento, nas tragédias, era confrontado com as potências sagradas. O mundo dos homens deveria se relacionar com o mundo dos deuses. Vernant (2005, p. 93) retrata que a “[...] potência de Zeus não está implicada apenas nas realidades naturais. Ela se exerce também nas atividades humanas e nas relações sociais”. A tragédia se ocupava do pensamento da cidade, fundamentalmente o pensamento social. A tragédia torna possível, diante de uma cidade nova, democrática, o conhecimento de si mesma e por isso um questionamento sobre suas atitudes. Em outras palavras, a tragédia é uma ordem e uma desordem. A norma só é colocada para ser transgredida; por isso, o paralelo com o deus Dioniso, deus da confusão, deus da transgressão. Através do espetáculo trágico, a própria cidade se questiona. Ora os heróis, ora o coro, encarnam sucessivamente valores cívicos e valores anticívicos. A tragédia também faz interligar-se o que a cidade separa, e essa interferência é uma das formas fundamentais da transgressão trágica. (VERNANT, 2005, p. 280). Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 3, n. 1, p. 145-165, jan./jun. 2013 157 A tragédia comporta em sua matéria um pensamento jurídico em pleno trabalho de elaboração. Vernant diz que a tragédia e as demais práticas sociais, o vocabulário técnico do Direito na obra dos trágicos mostra as afinidades com os temas prediletos da tragédia, sendo esse vocabulário pertencente à competência dos tribunais. Os poetas trágicos utilizam esse vocabulário do direito jogando deliberadamente com suas incertezas, com suas flutuações, com sua falta de acabamento: imprecisão de termos, mudanças de sentido, incoerências e oposições que revelam discordâncias no seio do próprio pensamento jurídico, traduzem igualmente seus conflitos com uma tradição religiosa, com uma reflexão moral de que o direito já se distinguiria, mas cujos domínios não estão claramente delimitados em relação ao dele. (VERNANT, 2005, p. 04-05). A tragédia que Vernant destaca cria, na concepção grega, debates sobre temas políticos e morais que ocupavam as reflexões dos cidadãos e, por isso, delimitavam no tempo e no espaço uma forma de estudar o homem trágico diante da cidade e diante de si mesmo, seu momento histórico. O Direito para os gregos não é uma construção lógica. Seus procedimentos são “pré-jurídicos”, não são fundados sobre princípios, ou então provêm de uma ideia de direito absoluto. Há, diante dos gregos, como que graus de Direito, pois num polo se utiliza coerção; no outro, põe-se em jogo potências sagradas que vão fornecer um aspecto trágico ao Direito. A tragédia evidencia, principalmente, problemas morais que dizem respeito à responsabilidade do homem. A própria noção de Diké (justiça), comporta algo de irracional para os cidadãos; é isso que a tragédia mostra. “Uma Diké contra outra Diké, um direito que não está fixado; mas, se transforma em seu contrário, uma vez que os heróis trágicos são obrigados a assumirem a vontade divina sem nenhuma restrição e negação” (VERNANT, 2005, p. 04-05). A tragédia, bem entendido, é algo muito diferente de um debate jurídico. 158 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 3, n. 1, p. 145-165, jan./jun. 2013 Interrogando-se, a tragédia vai além da busca por um simples Direito ou mesmo de uma atividade política na qual os gregos se dedicaram com afinco e determinação; ela quer ultrapassar esses limites fazendo o que o Direito não pode fazer. A leitura de Vernant sobre a tragédia aponta principalmente para uma reflexão acumulada sobre a comunicação, não só para um jogo de palavras, mas para uma procura sobre que papel tem o homem no universo, quem é esse homem que se diz dono de si mesmo. É isso que os poetas se preocuparam em redigir nos textos trágicos, mediante a escrita dos poetas em torno da busca do homem e de seu papel no Universo. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Esta pesquisa, que procura a explicitação sobre a concepção de tragédia grega em Vernant, continua ainda como uma meta muito árdua a ser percorrida. Essa consideração não mitiga o valor e os ganhos com esta pesquisa. Contudo, o seu autor está ciente de que o processo de investigação está iniciado. Há obstáculos que precisam ainda ser superados em um processo subsequente de pesquisa. Entender Vernant e correlacioná-lo à estrutura da tragédia, como ele mesmo fez, é tematizar a combinação de polos – à primeira vista, antagônicos, a Antiguidade e o mundo contemporâneo, o mito e a política – que indagam sobre homens em busca de algo ainda não explicado totalmente. Quanto mais se busca fechar uma resposta ao problema sobre a autonomia humana, a identidade trágica do homem grego, a consciência do fictício, a concepção de tragédia, tanto mais esse problema se dilata. É pela tragédia que o homem retorna a um aprofundamento maior de sua essência, frente à uniformidade. Tal como no drama antigo, trata-se de um despertar que é, ao mesmo tempo, a curiosidade pelo outro e a consciência de si. Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 3, n. 1, p. 145-165, jan./jun. 2013 159 Vernant ressalta que não se pode falar dos homens fora dos grupos nos quais esses homens estão inseridos, fora de seu contexto social preciso. Inversamente, não existe contexto social que não possua uma dimensão humana, ou seja, mais que uma simples convivência, a mentalidade que existe entre os indivíduos é um fator predominante para a realidade social. Não existe instituição que não implique, enquanto está viva, crenças, valores, emoções e paixões, isto é, todo um conjunto de representações e de sentimentos. Assim, toda e qualquer pretensão de transformação parte de um problema que sustenta um horizonte a ser alcançado. A tragédia se solidifica como expressão social importante na Antiguidade. Para o homem grego, ela se instaura no sistema das festas públicas da cidade, como um novo tipo de espetáculo, não mais como um fenômeno tipicamente oral, transmitido pelos poetas. Além disso, como forma de expressão específica, traduz aspectos da experiência humana até então despercebidos. E, como tal, marca uma etapa na formação do homem interior, do homem como sujeito responsável. A tragédia abrange, para os gregos, muito mais do que simples produções literárias, pois é auxílio para a formação integral do homem no interior da pólis. A tragédia é uma instituição social que, pela fundação dos concursos trágicos, se assemelha e se organiza da mesma forma que seus órgãos políticos e religiosos. Quando analisada, a tragédia caracteriza um determinado momento da Grécia, sua forma específica de ser e existir, que compromete sua repercussão. Mais do que respostas acabadas e finalizadas, ela traduz uma concepção interligada aos demais fatores sociais dos gregos. O objeto da tragédia é o homem que vivencia esse debate entre decisão humana e decisão divina. A tragédia, segundo Vernant, não pode ser reduzida a certo número de condições sociais. Pelo contrário, ao instituir os concursos trágicos, os gregos inventaram, de fato, um tipo de espetáculo cuja novidade, no plano das condutas sociais e das obras literárias, instala no centro da cidade uma ágora. A tragédia abrange duas dimensões cruciais. A primeira é a tragédia enquanto gênero artístico, apresentada para um público. Ela corresponde à dimensão social da tragédia, ou seja, uma instituição social que, na pólis, 160 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 3, n. 1, p. 145-165, jan./jun. 2013 por influências de outras características gregas, como mito, teatro, religião e política, se torna uma ação digna de atenção por parte do homem que vive na cidade. A identidade trágica – a consciência do fictício, a ambiguidade e reviravolta inserida na vida social e artística da cidade grega – é fundamentalmente didático-pedagógica, pois visa à formação integral do homem grego. Na religião, afastar-se do divino para o homem grego era o mesmo que não ser mais si mesmo. A tragédia só existe porque o religioso e o social se entrelaçam mutuamente. Na religião grega, a preocupação é com quem está aqui embaixo, na terra, pois a religião grega não assegura a salvação em outro mundo. Na Grécia, toda manifestação coletiva importante, no quadro da cidade e da família, do público e do privado, comporta um aspecto de festa religiosa. Por política, a correlação com a tragédia se dá pela cidade que está agora centralizada na ágora, espaço comum. É na ágora que se desenvolve a vida política dos gregos; esse plano não exclui o religioso, mas sim, segundo Vernant, ele se torna uma religião política. A tragédia é uma das formas novas da cidade democrática. O plano do político, como a tragédia, é um plano problemático e que convida à reflexão. Assim, pode-se afirmar que a tragédia é a expressão de uma crise que se evidencia particularmente no plano institucional do Direito público. A tragédia é uma instituição social. A cidade vivia com uma imagem de um homem da tradição heroica, e viu surgir então um homem totalmente diferente, o homem cívico, aquele cuja responsabilidade é discutida e que nada mais têm a ver com a epopeia. A segunda dimensão da tragédia, segundo Vernant, é a sua essência. Responde à pergunta: “quando uma tragédia é uma tragédia?”. Há, na tragédia grega, elementos que a intensificam e a diferenciam, por exemplo, moira (destino) do personagem e herói trágico, a hamartía (falha trágica), a hybris (desequilíbrio interno, inconsciente), o daímon (gênio mal, espírito mal), o ethos (caráter) trágico e a kathársis (purificação, purgação). Essas características são partes fundamentais para o fenômeno trágico. Somente pelo fenômeno trágico é que acontece na ação dramática da re- Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 3, n. 1, p. 145-165, jan./jun. 2013 161 presentação, tanto pelo personagem quanto pelo público, a consciência trágica. Assim, toda tragédia, na especificação grega, deve comportar, em suas estruturas, esses elementos que formam o trágico. O sentido trágico coloca o indivíduo inserido na cidade, confrontando-se consigo mesmo, indagando-se sobre as questões mais profundas de seu ser. Por isso, a cidade grega vivia com uma imagem do homem oriunda da tradição heroica, que viu surgir o homem político, o homem cívico, o homem do Direito grego, aquele cuja responsabilidade é discutida nos tribunais em termos que nada mais têm a ver com a epopeia. Diferentemente da Filosofia que, segundo Vernant, é a arte de construir um discurso para resolver os problemas, a tragédia grega é o inverso, pois tudo é contradição, até mesmo os deuses estão em luta. O mundo é enigmático, o homem é problemático, visto que na tragédia o homem está em busca de uma identidade. Nas tragédias, a pergunta “o que é o homem?” é central e viva. Repensar a tragédia grega na contemporaneidade é, sim, possível. A repercussão dela vem interagindo com os problemas humanos de tal forma que não mais assusta os homens a indagação de tal expressão. Sabe-se que, apesar da distância, existe nos gregos algo próximo de nós, algo que partilhamos com eles. Em países que estão doravante em busca de sua identidade, que procuram raízes para si, não sabem quem são, o público tem a sensação de descobrir, pelo estranhamento, o ponto de partida do qual somos oriundos e que funda nossa diferença. A busca pelo conhecimento de si, os livros de autoajuda, os estudos sobre as relações humanas, as doenças psíquicas, todos esses aspectos de uma busca atual sobre o indivíduo já se faziam presentes na tragédia, não da mesma forma e intensidade como se conhece o homem contemporâneo, mas em essência já estavam presentes. O que se chama de fim das ideologias, o surgimento das formas extremas da barbárie nos países de velha civilização, a preocupação frente aos perigos acarretados pelos progressos de desenvolvimento técnico, esses são aspectos que, diante da política, geram indagações tais quais se fazia diante de uma representação trágica, que apresenta problemas da pólis. 162 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 3, n. 1, p. 145-165, jan./jun. 2013 E, ainda no século 21, pode-se retornar a esse meio que é a tragédia, identificando quando uma política é saudável ou desleal com seu povo, pois se abre o jogo para todos quantos querem entendê-la. Os gregos representam, nas formas muito diversas nas quais se expressaram, especialmente para nós, do século 21, algo de vivo e até mesmo, em alguns sentidos, exemplar. Com a condição de que na atualidade as pessoas ainda se deem ao trabalho de tentar entender o que diziam os gregos, o que trouxeram. Portanto, a tragédia grega não é de forma alguma distante de nós. A grande esfera de conhecimentos que desenvolveu no campo da investigação sobre o indivíduo e seu destino, sobre o Direito e a política, a religião e a vida social grega e que, se destacam na medida em que cada cidadão se insere na vida social da cidade grega, autorizado, desde sempre a manter sua relação mediante as diversas práticas sociais dos indivíduos da cidade. REFERÊNCIAS ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. Tradução de Alfredo Bosi e Ivone Castilho Benedetti. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. ARISTÓTELES. Arte poética. São Paulo: Martin Claret, 2004. GOMES, A. R. Vocabulário de filosofia. Disponível em: <http://ocanto.esenviseu. net/lexd.htm>. Acesso em: 09 set. 2012. BERTHOLD, M. História mundial do teatro. São Paulo: Perspectiva, 2001. BRANDÃO, J. de S. Mitologia Grega. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1990. ______. Teatro grego: origem e evolução. São Paulo: Ars Poética, 1992. ______. Teatro grego: tragédia e comédia. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 1996. CAMÕES, L. de. 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For Vernant, the essence of the whole tragedy develops in everyday existence, in a human time, opaque, made of successive presents and limited in a beyond earthly life. At a divine time, omnipotent, that includes in each moment the totality of the events, now to conceal then, now to find them, but without anything to escape it, or get lost in oblivion. Uniting human and divine, theory and practice, myth and politics, religion and social life, they are the foundation that characterize the tragic environment as constitutive element of the greek tragedy. Keywords: Tragedy. Formation of the Greek Man. Tragic Identity. Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 3, n. 1, p. 145-165, jan./jun. 2013 165 166 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 3, n. 1, p. 145-165, jan./jun. 2013