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Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016
VI Enebio e VIII Erebio Regional 3
PROPOSTA DE MODELO DA DUPLA HÉLICE DO DNA EM UM CONTEXTO
HISTÓRICO
Úrsula Raniely Souto (Universidade Federal de Itajubá)
Janaina Roberta dos Santos (Universidade Federal de Itajubá)
Andreia Arantes Borges (Universidade Federal de Itajubá)
Resumo:
O modelo da dupla hélice do DNA, proposto em 1953 por James Watson e Francis Crick,
representa uma série de características importantes desta molécula permitindo-a armazenar a
informação genética, replicar e mutar. No entanto, o estabelecimento das principais
características estruturais do DNA não foi realizado exclusivamente por apenas estes
pesquisadores. Assim, o presente trabalho tem como objetivo apresentar uma proposta de
confecção do modelo da dupla hélice de DNA a ser desenvolvida em sala de aula com alunos
do primeiro ou terceiro ano do Ensino Médio, a fim de promover uma aprendizagem mais
dinâmica que valorize a dimensão histórica em que os conhecimentos científicos acerca da
estrutura tridimensional desta molécula foram construídos.
Palavras-chave: Ensino de Genética; DNA; Modelo.
O uso de modelos didáticos
A visão tradicional do ensino pautada na figura do professor como detentor do
conhecimento e do aluno como mero expectador tem sido recorrentemente questionada pelos
profissionais da educação. O ensino tradicional, centralizado na memorização e desvinculado
da realidade do aluno, torna-se monótono e ineficiente necessitando ser superado por práticas
pedagógicas inovadoras. Assim, diante de uma série de estratégias didáticas, amplamente
divulgadas no âmbito escolar, os docentes devem se encorajar a experimentá-las a fim de
encontrar aquelas que proporcionem uma aprendizagem mais atrativa, eficiente e significativa
aos seus alunos.
Devido ao seu forte caráter abstrato, os conteúdos de genética têm sido considerados
de difícil compreensão por parte dos alunos do ensino médio. Desta forma, a utilização de
recursos didáticos diferenciados podem romper com o paradigma tradicional do ensino e, a
partir de uma proposta construtivista, promover o protagonismo dos alunos na construção do
seu conhecimento (JÚNIOR & SOUZA 2009).
Outro problema relacionado ao ensino de genética refere-se ao fato de que muitos
professores optam por adotar aulas exclusivamente expositivas, levando os alunos à condição
de meros espectadores, deixando de estimular a participação ativa dos mesmos na
compreensão de conceitos muitas vezes complexos e que exigem dos alunos altos níveis de
abstração. De acordo com Moreno (2007), compreender como tais conceitos se inter1482
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relacionam é fundamental para o entendimento dos fenômenos biológicos e a não
compreensão de suas conexões pode gerar sérias dificuldades na aprendizagem da genética
como um todo.
Tal modelo tradicional de ensino deixa de considerar o aluno como sujeito ativo do
processo de ensino e aprendizagem, perdendo-se, com isso, a oportunidade de estimular a
curiosidade e o interesse pela compreensão de conceitos e atividades que poderiam auxiliá-lo
nesse processo. Desse modo, a utilização de modelos e o desenvolvimento de atividades
criativas podem estimular os alunos no processo de compreensão da ciência enquanto uma
atividade de construção humana, advinda de processos que são constituídos a partir de erros e
acertos, ajustes e melhorias no processo de compreensão e desenvolvimento científico.
A constante preocupação dos educadores com o aprendizado dos alunos tem motivado
o desenvolvimento de materiais alternativos capazes de reproduzir a realidade de forma
esquematizada e concreta (NARIANE et al., 2010; FERREIRA et al., 2013). Segundo Justina
e Ferla (2005), o modelo didático simula uma estrutura que pode ser utilizada como
referência, uma imagem que permite materializar a ideia ou o conceito, tornando-os
assimiláveis e simbolicamente representativos de um conjunto de fatos, através de uma
estrutura explicativa que possa ser confrontada com a realidade.
A confecção de modelos a partir de materiais simples, manipulados pelos próprios
alunos, estimula o desenvolvimento de importantes habilidades para a construção do
conhecimento como a socialização, motivação e a criatividade. Krasilchik (2004) discute que
o uso de modelos demonstrativos possibilita ao estudante refletir e assimilar o conteúdo mais
facilmente, despertando um maior interesse do aluno para uma nova metodologia de ensino.
O modelo da dupla hélice do DNA
A proposição de um modelo para a estrutura da molécula de DNA capaz de armazenar
a informação genética, replicar e mutar foi de grande relevância para a comunidade científica,
bem como para toda a sociedade em virtude dos avanços tecnológicos advindos.
O modelo da dupla hélice do DNA, apesar de proposto por James Watson e Francis
Crick, em 1953, foi fruto das contribuições de vários pesquisadores que se dedicaram ao
estudo desta importante molécula (WATSON, 2005). De acordo com este modelo, a molécula
de DNA apresenta uma conformação helicoidal, onde as duas fitas antiparalelas são
complementares a partir de ligações de hidrogênio entre as bases nitrogenadas (GRIFFTITHS
et al., 2008).
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A fim de facilitar a compreensão da composição e estrutura do DNA, a confecção de
um modelo semelhante ao proposto por Watson e Crick pode ser uma estratégia didáticopedagógica que evite a simples memorização das características desta molécula pelos alunos.
Ademais, o destaque dado às contribuições dos estudos realizados por vários pesquisadores
que culminaram na proposição do modelo a ser confeccionado pode favorecer a compreensão
do processo de construção dos conhecimentos científicos.
O modelo proposto consta de moldes da pentose (desoxirribose), grupamento fosfato e
bases nitrogenadas púricas (Adenina e Guanina) e pirimídicas (Citosina e Timina), a serem
recortados conforme disposto na Figura 1. Adicionalmente, canudos, barbante e palitos de
dente também são utilizados para a confecção do modelo.
Figura 1: Moldes e materiais necessários para a confecção do modelo da dupla hélice do DNA
O
C4’
C1’
C3’
C2’
O
PENTOSE
O
P
-
GRUPAMENTO FOSFATO
O
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O
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BASES NITROGENADAS
GUANINA
CITOSINA
ADENINA
ADENINA
TIMINA
TIMINA
LIGAÇÕES
COVALENTES
LIGAÇÕES DE
HIDROGÊNIO
Palitos de
dentes
Canudos
de plástico
Barbante
Fonte: As autoras.
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Com o objetivo de estimular os professores da educação básica a reproduzirem tal
modelo, segue abaixo as orientações para a confecção de uma dupla hélice de DNA composta
por 6 pares de nucleotídeos:
1- Recorte 24 moldes da pentose, 20 moldes do grupamento fosfato e 2 moldes para cada tipo
de base nitrogenada em papel-cartão em duplicatas e perfure-os nos locais indicados pelos
círculos. Una os intervalos das extremidades dos moldes com fita durex (Figura 2A).
2- Recorte 24 canudos de plástico com 6 cm de comprimento.
3- Recorte 16 barbantes de 8 cm e utilize-os para ligar as bases nitrogenadas ao canudo
aplicando um nó na extremidade da base nitrogenada que possui o orifício e prenda a
extremidade oposta do barbante ao canudo com fita durex (Figura 2B).
4- Insira a montagem resultante no molde da pentose na extremidade do C1’(Figura 2C).
5- Recorte 16 barbantes de 25 cm e utilize-os para transpassar 2 canudos que serão unidos ao
C3’ e C4’ do molde da pentose. Fixe o molde do grupamento fosfato à extremidade do
canudo inserido na posição do C5’. Está formado um nucleotídeo, a subunidade
monomérica do DNA (Figura 2D).
6- Monte um novo nucleotídeo e com um nó una os barbantes ligados ao C5’ de uma pentose
ao C3’ da pentose adjacente (Figura 2E).
7- Fixe o molde do grupamento fosfato aos canudos unidos pelo nó, indicando a realização de
uma ligação fosfodiéster que une dois nucleotídeos (Figura 2F).
8- Confeccione 2 cadeias de nucleotídeos uma em orientação oposta à outra. Una as cadeias
de nucleotídeos de acordo com a complementariedade das bases nitrogenadas (Figura 2G).
Tal união deve ser realizada com o auxílio de palitos de dente, empregando 2 palitos para
representar as ligações de hidrogênio entre as bases Adenina e Timina; e 3 palitos para
representar as ligações entre as bases Guanina e Citosina (Figura 2H). Certifique-se que os
palitos estão firmemente presos aos moldes das bases nitrogenadas deixando o espaço
correspondente ao diâmetro dos palitos durante a montagem dos moldes em duplicatas das
bases nitrogenadas.
9- Formação da dupla fita de DNA composta por 6 pares de nucleotídeos (Figura 2I).
10- Gire a dupla fita recém-formada em um movimento anti-horário para que assuma a
conformação helicoidal do DNA (Figura 2J).
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Figura 2: Imagens das orientações para a confecção do modelo proposto da dupla hélice de
DNA (2A a 2J).
2C
2E
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Fonte: As autoras.
A confecção desta proposta de modelo da dupla hélice pode ser realizada
coletivamente, em grupos de até 5 alunos do primeiro ano do Ensino Médio durante a
discussão dos conteúdos relacionados às biomoléculas com destaque para os ácidos nucleicos,
bem como com alunos do terceiro ano ao se inserir o conteúdo de genética esclarecendo que
os genes correspondem a sequências de DNA. Em ambos os casos é necessário que sejam
fornecidas as quantidades de moldes e demais materiais em número suficiente para atender a
todos os grupos formados.
Durante a montagem do modelo é recomendável reforçar as características do DNA,
previamente discutidas em sala de aula pelo professor, associando-as com o contexto histórico
no qual elas foram compreendidas. Assim, deve-se destacar que em meados da década de
1910, ao estudar os ácidos nucleicos de leveduras, o bioquímico russo Phoebus Aaron Levene
verificou que a sua subunidade monomérica era formada por um esqueleto fosfato-pentosebase nitrogenada, ao qual ele designou de nucleotídeo (Figura 2D).
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Deve-se destacar que conforme apresentado no molde da pentose (Figura 1), os
átomos de carbono da pentose são enumerados (C1’, C2’, ..., C5’) e qualquer uma das bases
nitrogenadas pode se ligar ao C1’ (Figura 2C), enquanto o grupamento fosfato liga-se ao C5’
(Figura 2D). Ainda na Figura 2D é possível observar que um grupamento hidroxila (OH) está
ligado ao C3’.
Observa-se a partir da análise da Figura 2F que os nucleotídeos que formam uma fita
são interligados por uma ligação fosfodiéster covalente entre o grupo 5’- fosfato de um
nucleotídeo e o grupo 3’- hidroxila do nucleotídeo adjacente. Assim, é importante ressaltar
que os nucleotídeos podem ocorrer em qualquer ordem ao longo de uma fita da molécula, mas
de acordo com a regularidade (A + G) = (T + C) observada por Erwin Chargaff ao estudar um
grande número de organismos, Watson e Crick compreenderam que o pareamento das bases
complementares ocorreria entre adeninas e timinas por meio de duas ligações de hidrogênio
enquanto que três ligações ocorreriam entre guaninas e citosinas (Figura 2H).
Observa-se ainda que a complementaridade das bases ocorre entre uma base púrica
que contém dois anéis aromáticos (Adenina ou Guanina) e uma pirimídica que possui um
único anel (Timina ou Citosina), contribuindo para a manutenção do diâmetro da molécula,
conforme determinado pelos estudos de difração de raios X realizados por uma físico-química
judia, Rosalind Franklin. Estes estudos demonstraram ainda que o DNA apresentava um
padrão compatível com uma hélice. No entanto, pelo fato de estar inserida em uma sociedade
ainda abalada pela 2ª Guerra Mundial e marcada por preconceitos religiosos e de gênero,
Rosalind Franklin não recebeu, na época, o merecido reconhecimento das suas importantes
contribuições para a elucidação da estrutura da molécula de DNA.
Refletindo sobre a forma energeticamente mais favorável de distribuição dos
elementos é possível demonstrar como a maior estabilização da molécula é obtida a partir da
localização dos grupos fosfatos no exterior da hélice e os pares de bases nitrogenadas, que são
estruturas planares achatadas, empilhadas ao centro, reduzindo o seu contato com a água.
A partir do modelo ainda é possível compreender que as fitas complementares da
molécula de DNA são antiparalelas, o que permite o pareamento das bases no interior da
dupla hélice. Assim, conforme proposto por Watson e Crick, cada fita possui uma extremidade
5’ ligada ao grupamento fosfato e uma extremidade 3’ em que há uma hidroxila livre,
estabelecendo uma polaridade, ou seja, cada fita possui uma orientação 5’ para 3’. Desta
forma, as polaridades das fitas complementares seguem em sentidos opostos: uma fita é
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orientada de 5’ para 3’ e a fita complementar é orientada de 3’ para 5’. Este antiparalelismo
permitia, por sua vez, o pareamento das bases no interior da dupla-hélice.
Ademais é interessante reforçar junto aos alunos que a construção do modelo de dupla
hélice do DNA somente se concretizou à medida que os pesquisadores utilizaram os
referenciais teóricos compartilhados com a comunidade científica. Adicionalmente, pode-se
discutir que atualmente a repercussão dos conhecimentos acerca da molécula de DNA é
notória, no qual os avanços científicos decorrentes da elucidação da estrutura molecular desta
importante biomolécula vêm se acumulando rapidamente.
Assim, para que a sociedade possa compreender e usufruir dos seus benefícios tornase necessário que o conhecimento seja amplamente difundido e a escola é um espaço propício
para tal divulgação.
Considerações finais
A crescente demanda por informações requeridas pelo modelo contemporâneo de
sociedade exige da escola um compromisso com o trabalho a partir de temáticas e
metodologias que privilegiem a criatividade e assuntos atuais. Desse modo, o ensino de
genética ocupa um local de destaque por sua relação com temas de impacto científico e social
e, diante desse quadro, o professor de biologia pode valer-se de tal fato para estimular os
alunos, por meio de estratégias ativas, buscando o desenvolvimento de conceitos
fundamentais para a compreensão da genética.
Espera-se, assim, que a presente proposta de modelo da dupla hélice do DNA atue
como um facilitador do processo de ensino-aprendizagem do conteúdo relacionado à
composição e estrutura da molécula de DNA e, a partir da contextualização histórica, ocorra a
desmistificação da atividade científica como um procedimento absoluto e finalizado,
reforçando que a ciência, enquanto produto histórico, é um processo contínuo e inacabado,
que se consolida com o passar dos anos.
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