Achados clínicos e patológicos em ovinos com raiva Bassuino, D.M., Mari, C., Cruz, R.A.S, Gomes, D.C., Pavarini, S.P., Driemeier, D. Autor para correspondência. Tel:.+55 51 33086107. Endereço de E-mail: [email protected] (Driemeier, D.). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Setor de Patologia Veterinária, Av. Bento Gonçalves, 9090, Prédio 42505, Bairro Agronomia, Porto Alegre, RS, CEP 91540-000 PALAVRAS-CHAVE: Raiva, medula espinhal, ovinos. INTRODUÇÃO: A raiva é uma zoonose [17,19], causada por um RNA vírus da família Rhabdoviridae, gênero Lyssavirus, altamente neurotrópico [19]. Afeta animais domésticos e silvestres [18], e é transmitida pela inoculação do vírus contido na saliva através da mordedura [17]. A raiva possui os ciclos urbano, rural, silvestre e aéreo. O ciclo urbano caracteriza-se pela ocorrência da doença em cães e gatos, o ciclo rural é constituído por herbívoros e outros animais de produção, e o silvestre inclui animais silvestres como raposas, guaxinins, gambás e primatas. O referido ciclo aéreo é importante na manutenção do vírus entre as várias espécies de morcegos que disseminam esse agente etiológico [6]. Na América do Sul é causada principalmente pela agressão do morcego hematófago da espécie Desmodus rotundus [2]. O ciclo rural é endêmico no Rio Grande do Sul, representando a doença neurológica viral de maior prevalência em bovinos [15,16]. Em ovinos é uma doença rara, o que torna difícil o reconhecimento de suas características clínicas nessa espécie [10,14]. O objetivo deste trabalho é descrever as lesões histológicas ocasionadas pelo vírus da raiva em três ovinos encaminhados ao Setor de Patologia Veterinária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (SPV-UFRGS). MATERIAIS E MÉTODOS: O SPV-UFRGS recebeu no mês de fevereiro dos anos de 2013 e 2014 amostras resfriadas de encéfalo e medula espinhal de dois ovinos (Ovino 1 e 2), para análise anatomopatológica. Além destes, um ovino (Ovino 3) foi encaminhado para a realização do exame de necropsia. Estes ovinos tinham em comum o histórico de apresentarem alterações neurológicas progressivas. Os Ovinos 1 e 2 eram fêmeas, de um ano de idade, da raça Ille de France, e eram provenientes da mesma propriedade no município de Lavras do Sul, RS (Propriedade 1). Desses dois ovinos foi remetido para analise histopatológica os encéfalos (Ovino 1e 2) e a medula espinhal (Ovino 2). O Ovino 3 tratava-se de uma fêmea, mestiça de um ano de idade proveniente do município de Arroio dos Ratos, RS (Propriedade 2), encaminhada para exame de necropsia. Fragmentos dos órgãos foram colhidos e fixados em solução de formalina tamponada a 10%, processados rotineiramente para histologia e corados por hematoxilina-eosina (HE). Realizou-se cortes seriados para avaliação e quantificação de lesões em córtex cerebral, óbex, cerebelo e medula espinhal (ovino 2 e 3), e estes mesmos, submetidos à técnica de imuno-histoquímica (IHQ). Para a realização desta técnica utilizou-se o anticorpo primário policlonal (Rabies Polyclonal DFA, Chemicon, Temecula, CA, Estados Unidos) na diluição de 1:1000 em PBS e revelado com o cromógeno vermelho (VECTOR®NovaRED, Vector Laboratories, Burlingame, CA, Estados Unidos). Além disso, fragmentos de encéfalo, incluindo córtex, cerebelo, tálamo e medula espinhal resfriados foram encaminhados ao Instituto de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor (IPVDF), órgão da Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária para realização do exame de imunofluorescência direta (IFD) para o vírus da raiva. RESULTADOS: Os ovinos apresentaram histórico neurológico comum de incoordenação, dificuldade de se manter em estação, além de progressiva paralisia de membros pélvicos, evoluindo para decúbito lateral, movimentos de pedalagem seguido de morte. Além dos ovinos, bovinos (Propriedade 1 e 2) e equinos (propriedade 2) também morreram com sinais clínicos semelhante. À análise macroscópica não foram observadas lesões significativas em nenhum dos casos. Os principais achados histológicos observados caracterizaram-se por meningoencefalite e meningomielite não supurativa com infiltrado perivascular linfoplasmocitário (manguitos perivasculares) multifocal em córtex cerebral, óbex e cerebelo, além de microgliose e hiperemia multifocal moderada. No cerebelo dos Ovino 1 e 2 observou-se também meningite linfoplasmocitária multifocal discreta. À avaliação da medula espinhal do Ovino 2 observou-se grande quantidade de manguitos perivasculares na região sacral, contrastando com o observado no Ovino 3 que apresentou estas lesões mais acentuadas na porção cervical. Foram observados múltiplos corpúsculos de inclusão eosinofílicos (Corpúsculo de Negri) intracitoplasmáticos em neurônios e astrócitos, melhor evidenciados e quantificados pela técnica de IHQ. No exame de IFD para vírus da raiva, os Ovinos 1 e 2 foram positivos enquanto que Ovino 3 resultou negativo. DISCUSSÃO E CONCLUSÃO: A raiva em ovinos é uma doença raramente diagnosticada no Brasil [10,14] e nas Américas [5]. O diagnóstico de raiva nos ovinos desse relato baseou-se no histórico clínico, nas lesões histológicas, no teste de IFD e de IHQ. Macroscopicamente não foram observadas alterações, no entanto, hiperemia dos vasos leptomeníngeos, distensão da bexiga e do reto e traumas são possíveis achados em casos de raiva em herbívoros, porém nem sempre presentes [10,13]. As alterações histológicas observadas neste trabalho, caracterizadas por meningoencefalite e meningoencefalomielite não supurativa com corpúsculos de Negri, foram similares às descritas por outros autores [10,12]. Além disso, as lesões mais concentradas na medula espinhal, seguido de óbex e do cerebelo, refletem a distribuição antigênica e a via de entrada do vírus no sistema nervoso central [6,18], onde após replicação primária nas terminações nervosas próximas à porta de entrada, as partículas virais são transportadas, via axônio, para medula espinhal e posteriormente ao encéfalo. Sabe-se que a raiva herbívora pode ocorrer em qualquer época do ano [4,10], no entanto em um levantamento realizado por Rech et al. [13] em 2006 na Região Central do Rio Grande do Sul, concluiu-se que um maior número de casos em bovinos ocorria entre a primavera e o verão, corroborando com o encontrado neste caso. Diferentes técnicas têm sido utilizadas para o diagnóstico da raiva, mas o diagnóstico oficial necessita da confirmação por IFD e/ou inoculação intracerebral em camundongos. A IHQ demonstrou ser uma técnica sensível e específica para detecção deste antígeno viral e vem sendo utilizada como ferramenta adicional de diagnóstico, principalmente em casos em que não seja possível a realização do método padrão, como em casos de material formolizado, ou ainda no caso em que as técnicas de IFD resultam negativas [1,9,12]. Segundo a OIE (2001), o teste de IFD é o mais utilizado, por ser mais rápido e por propiciar resultados confiáveis em 90% a 99% dos casos. O Ovino 3 resultou negativamente no teste de IFD, ressaltando a importância de métodos diagnósticos adicionais no caso de fundamentada suspeita da doença. Com este trabalho conclui-se que a raiva deve ser incluída no diagnóstico diferencial das doenças do sistema nervoso central de ovinos, mesmo que raramente descrita nesta espécie e que o método de IHQ deverá ser utilizado como ferramenta adicional para o diagnóstico em casos de suspeita da doença e/ou na impossibilidade de realização do teste de IFD. REFERÊNCIAS: 1. Arslan A. et al. Detection of rabies viral antigen in non-autolysed and autolysed tissues by using an immunoperoxidase technique. Vet. Rec. 155:550-552, 2004. 2. Baer G. Vampire bat and bovine paralytic rabies In: Ibid (Ed.). The natural History of Rabies. Boca Raton: CRC. 1991. p.389-404. 3. Barros, C.S.L. et al. Doenças do sistema nervoso de bovinos no Brasil. São Paulo: Coleção Valée, 2006. Cap.5, p.21- 28. 4. Belotto A. et al. Overview of rabies in the Americas. Virus Res. 111:5-12, 2005. 5. Bingham J., van der Merwe M. 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