A LIGA DAS SENHORAS CATÓLICAS DE CURITIBA E A AÇÃO

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A LIGA DAS SENHORAS CATÓLICAS DE CURITIBA E A AÇÃO
BENEMERENTE: TRADIÇÃO E MODERNIDADE NO ASSOCIATIVISMO
FEMININO
Virgínia Damas Novello
Profa. Dra. Ana Paula Vosne Martins
A valorização materna tornou-se um tema de grande importância no século XIX em
decorrência da divisão dos papéis sociais, cabendo ao homem as funções ligadas ao público
como o comércio e a política, e à mulher as atividades ligadas ao privado, como os trabalhos
domésticos e a educação dos filhos. Às mulheres foi atribuída uma moralidade superior
relacionada aos sentimentos e aos cuidados considerados naturais e inerentes à vida privada.
Elas foram instadas a levar estas aptidões maternas para fora do lar através das associações
femininas benemerentes, como decorrência de uma suposta superioridade moral feminina.
Tendo isto em vista a proposta desta pesquisa foi fazer um estudo sobre a atuação de mulheres
das classes privilegiadas na Liga das Senhoras Católicas de Curitiba, instituição criada em
1953 pelo arcebispo Dom Manuel da Silveira D´Elboux.A Liga atuava em atividades
religiosas e organizava algumas promoções culturais e artísticas, assim como bazares, chás
beneficentes, com o objetivo de angariar fundos para as suas ações. Na década de setenta a
associação se consolidou no trabalho com creches, a primeira foi construída na Vila Nossa
Senhora da Luz dos Pinhais a partir de um convênio com a prefeitura, e foi inaugurada em
1973. Em 1975 passou a administrar a creche Nossa Senhora da Salete. A Liga ainda possuía
um salão de beleza e realizava regularmente bazares ou feiras de oportunidade, assim como
uma feijoada todo início de ano, a qual ocorre até os dias de hoje. Todas estas promoções,
assim como os restaurantes e cantinas que manteve eram uma forma de angariar fundos para
suas obras sociais. As creches, o salão de beleza e a clínica de diagnóstico DAPI são mantidos
até hoje pela associação.
Objetivou-se conhecer os princípios, propostas e objetivos da Liga, procurando
problematizar qual era a visão que a Liga construiu a respeito do lugar das mulheres na
sociedade e como a atuação das associadas em uma associação benemerente ligada à Igreja
Católica influenciou no significado de seus papéis sociais de gênero. Buscou-se também
analisar qual foi a participação dessas mulheres na sociedade curitibana e suas relações com as
autoridades políticas e religiosas, a fim de compreender como a atuação na associação ampliou
as esferas de influência e de sociabilidades daquelas mulheres.
Curitiba e as décadas de 1950, 60 e 70 foram as delimitações espaciais e temporais
deste estudo. O período abordado centrou-se mais precisamente na década de 70 em virtude de
termos tido acesso apenas às atas desta época. Para realizar a pesquisa foram utilizadas as atas
da LSCC e dois estatutos, o do ano de 1953 e o de 1967. Ambos são marcos na
regulamentação da Liga, pois o de 1953 é o primeiro estatuto, já o de 1967 demonstra uma
mudança significativa com relação àquele, evidenciando uma quase inexistência da
interferência da Igreja na associação, o que se podia observar nitidamente no primeiro. Nas
atas encontram-se as ações desenvolvidas pela Liga, os eventos promovidos e aqueles nos
quais participava, discussões de decisões importantes para a associação, ou seja, foi nelas que
se buscou compreender quais os princípios e as ações da entidade, assim como a concepção
que as associadas possuíam das mulheres e as relações que estabeleciam com autoridades
políticas e religiosas. Reportagens do jornal Gazeta do Povo, desde o ano de 1953 até a década
de 1960, também foram usadas como fontes para nossa pesquisa. Neste jornal encontram-se
notas e reportagens a respeito de convites para a participação de eventos com intuito de
angariar fundos para a associação, de ações desenvolvidas pela Liga e campanhas em que
participaram.
Para uma melhor análise das fontes as organizamos em fichas num primeiro momento.
Em seguida confeccionamos fichas temáticas para articular o corpus documental e desta forma
conseguirmos estabelecer parâmetros analíticos. A análise desse material foi efetuada sob a
perspectiva de gênero. Para este estudo gênero constituiu uma proveitosa categoria de análise,
pois, segundo Joan Scott, é um modo através do qual se pode pôr em causa as divisões sociais
e culturais que demarcam os espaços masculino e feminino, assim como permite motivar o
debate sobre o caráter político das relações entre homens e mulheres. Esta discussão se tornou
interessante para nossa pesquisa, pois com a ideologia da domesticidade, para a qual cabia às
mulheres os cuidados ligados à esfera privada e aos homens o mundo da esfera pública,
aquelas foram definidas enquanto esposas e mães e como naturais portadoras de sentimentos
elevados como generosidade e compaixão, que justificavam seu dever de cuidar e auxiliar dos
pobres e desafortunados. Analisamos as fontes também a partir do discurso das esferas
separadas ou da ideologia da domesticidade, buscando perceber como os códigos de
sociabilidade privada não foram suficientes e nem exclusivamente limitadores para aquelas
mulheres das elites, as quais tiveram de atuar junto às instâncias políticas e mesmo religiosas
para estabelecer convênios e parcerias, sendo que para isto tiveram de se adaptar a códigos de
sociabilidade pública. Como base para pensar a ideologia da domesticidade recorremos às
idéias de Dorice Elliot em seu livro The Angel Out Of The House, no qual analisa como os
romances e outros textos que retratavam as mulheres realizando trabalhos filantrópicos
auxiliaram na inclusão do trabalho filantrópico na esfera doméstica parecer natural e óbvio.
Elliott sustenta que a junção entre os romances e o discurso filantrópico nas obras de escritoras
como George Eliot, Elizabeth Gaskell, Hannah More e Anna Jameson foi crucial para a
redefinição dos papéis e as relações de classe.
Recorremos também às obras de Maria Lúcia Mott a respeito da filantropia em São
Paulo, à dissertação de mestrado de Nadia Maria Guariza intitulada As guardiãs do lar: a
valorização materna no discurso ultramontano, que trata sobre associações leigas femininas
ligadas à Igreja Católica e ao livro Women, Philanthropy, and Civil Society, organizado por
Kathleen McCarthy, o qual aborda a filantropia feminina nos mais variados países: Egito,
França, Irlanda, Brasil, etc., que nos auxiliou numa contextualização mundial do assunto.
Como resultados no que concerne à relação da Liga com a Igreja Católica observou-se
em seu primeiro estatuto grande interferência de autoridades católicas através do Assistente
Eclesiástico e da Autoridade Arquidiocesana. Tal influência é por nós interpretada como um
dos desdobramentos do Movimento Ultramontano que buscava recristianizar a sociedade e
que teve como uma das suas principais vias a criação de associações leigas e a valorização da
maternidade. Com o estatuto de 1967 a figura do assistente eclesiástico foi totalmente
suprimida, assim como o departamento religioso. As novas ações que a Liga apresentou em
seu estatuto de 1967 trazem o posicionamento de uma ala da Igreja preocupada com os pobres
e desvalidos, resultado em parte do Concílio do Vaticano II. As relações entre a Liga e
membros do clero local eram constantes e nas atas não se observou uma interferência direta
nas tomadas de decisões da instituição. Havia então certa autonomia da Liga com relação à
Igreja Católica.
Os contatos com figuras da arena política de Curitiba eram uma forma da Liga
financiar as suas obras sociais e também de manter um certo papel social, já que eram
mulheres da elite curitibana. E não se pode perder de vista que o Estado e a prefeitura
necessitavam dessas instituições filantrópicas e benemerentes para a execução de obras e
serviços que os órgãos oficiais não conseguiam suprir
A participação em associações benemerentes abriu novos campos de atuação para as
mulheres permitindo que desenvolvessem novas habilidades e códigos de sociabilidades
pública além daqueles que as funções domésticas lhes proporcionavam. Os códigos de
sociabilidade privada não eram suficientes para as associadas, mas também não as limitavam.
Elas tinham de resolver assuntos burocráticos que lhes exigia um certo conhecimento sobre
causas trabalhistas e financeiras, tanto que para isto possuíam um contador que lhes auxiliava
nestes assuntos.
No caso das mulheres de classe média e alta, no qual as associadas da Liga se incluem,
esta atuação em atividades caritativas servia também para que elas mantivessem um
determinado papel social de gênero de mulheres burguesas-católicas e seria seu “dever social”
prestar ajuda aos pobres e desvalidos, sendo que é este o principal encaminhamento do
estatuto da Liga de 1967, o qual se mantém até os dias de hoje sem mudanças significativas. É
importante destacar que, como afirma Maria Lúcia Mott, não é suficiente afirmar que a
atividade benemerente foi sempre um subterfúgio para as mulheres das elites deixarem seus
lares para cultivarem uma existência menos inútil, as associadas da Liga viam sua atuação
como um dever e como historiadores devemos compreender os significados deste tipo de
atuação social.
Palavras-chave: benemerência, Liga das Senhoras Católicas, gênero.
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