Revista Eletrônica Novo Enfoque, ano 2013, v. 16, n. 16, p. 62 – 80 LEVANTAMENTO DAS ESPÉCIES DE PLANTAS MEDICINAIS UTILIZADAS PELA POPULAÇÃO DE SANTA CRUZ – RIO DE JANEIRO- RJ LOPES, G. F. G 1 , 3 PANTOJA, S. C. S. 2, 3 Resumo O presente trabalho teve por objetivo realizar um levantamento etnobotânico das espécies utilizadas pela população de Santa Cruz – Rio de Janeiro. O estudo foi realizado entre setembro de 2011 a agosto de 2012, através de entrevistas com 21 comerciantes que citaram 50 espécies pertencentes a 25 famílias e com os consumidores que citaram em suas entrevistas 44 espécies e 27 famílias. A família com maior citação foi a Asteraceae e a espécie mais citada foi a Foeniculum vulgare Mill. da família Apiaceae. Os entrevistados utilizam frequentemente e reconhecem a importância do uso das plantas medicinais. Palavras- chave: etonobotânica. usuários. comerciantes. Abstract The present study aimed to conduct an ethnobotanical survey of the species used by the population of Santa Cruz-Rio de Janeiro. The study was conducted between September 2011 and August 2012, through interviews with 21 traders who cited 50 species belonging to 25 families and consumers who mentioned in his interviews 44 species and 27 families. The family with the highest quote was Asteraceae and the species most cited was Foeniculum vulgare Mill. Family Apiaceae. Respondents frequently use and recognize the importance of medicinal plants. Keywords: ethnobotany. users. marketers 1 Estudante de graduação do curso de Ciências Biológicas e bolsista do PIBIC&T (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica & Tecnológica). 2 3 Professor assistente e orientador. Universidade Castelo Branco, Escola da Saúde e Meio Ambiente. Avenida Santa Cruz, 1631, Realengo, 21710-250 Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Autores para correspondência: [email protected] / [email protected] Introdução O uso de plantas medicinais pela humanidade tem sido descrito ao longo da história e tem sido de grande relevância para a existência e o desenvolvimento da humanidade. Elas são utilizadas desde os tempos antigos como um tipo de recurso terapêutico à sobrevivência humana SAAD (2009). O costume de se utilizar plantas como medicamento se perpetua em muitas sociedades tradicionais, pois possuem uma vasta farmacopeia natural. Muitos desses vegetais são encontrados em seu hábito natural, que passam a perder seu espaço com o aumento da população e outros são cultivados em ambientes modificados. “A partir do século XX, o desenvolvimento da indústria farmacêutica e os processos de produção sintética dos princípios ativos existentes nas plantas contribuíram para a desvalorização do conhecimento tradicional” (ALMASSY JÚNIOR et. al. 2005; ALONSO, 1998; WAGNER e WISENAUER, 2006). No Brasil, a cultura do uso de plantas ocorre na alimentação, vestuário, habitação e em cultos religiosos e vem dos nossos antepassados; atualmente, com o uso dos remédios ditos “naturais”, vem crescendo o número de usuários (AMOROZO, 1996). Ao longo dos anos muitas pesquisas foram realizadas com a finalidade de esclarecer e comprovar a eficácia no uso das plantas medicinais. Muitas destas pesquisas são feitas em mercados e feiras livres e revelam a necessidade de conhecimento na área de etnobotânica e farmacognosia, pois o conhecimento empírico tem sido passado de geração e muitas vezes são contraditórios. A etonobotânica é o ramo da botânica que nos ajuda a compreender os aspectos, valorizar e catalogar o saber acumulado pelas populações tradicionais que fazem uso da flora medicinal com estudos químicos farmacológicos realizados em laboratórios especializados (ELISABETSKY, 1999). Neste estudo foram consideradas as plantas utilizadas pela população de Santa Cruz que começou a ser povoada por volta do século XVI. Naquela época festejava-se no mês de maio o Dia da Sagração da Santa Cruz, quando a população local e os escravos faziam seus rituais sagrados utilizando ervas a fim de afastar os maus espíritos. O bairro de Santa Cruz está em crescimento, porém ainda encontramos muitos ambulantes com suas barracas ou mesmo lonas esticadas no chão vendendo as plantas medicinais; vale ressaltar que estes possuem apenas o conhecimento empírico que lhe foi transmitido pelos seus antepassados. PINTO et al. (2005) relata que em caso de comercialização popular, certos cuidados são relevantes para que se obtenha um uso procedente e sem efeitos adversos, como a identificação errônea da planta, superdosagens, possibilidades de adulteração, bem como outros cuidados observados pelos próprios consumidores como a conservação da planta no local. O presente trabalho tem como 63 objetivo principal o conhecimento e o registro de plantas que são utilizadas pela população de Santa Cruz, zona oeste do Rio de Janeiro, de forma a relacionar as indicações, formas de preparo e finalidades das administrações e compará-las com aquelas estabelecidas na literatura especializada. Observou-se que a forma de preparo mais relatada é o “chá”, não sendo identificada pelos usuários o tipo de chá como infusão, decocção ou maceração. Identificar as principais plantas de utilidade medicinal e descrever morfologicamente as espécies utilizadas e/ou cultivadas no bairro de Santa Cruz-RJ fornecendo dados botânicos para pesquisas futuras. Segundo BARROS (1982), as pesquisas de campo demonstram que nas áreas urbanas menos desenvolvidas, onde há um menor poder aquisitivo por parte da população, há uma retomada para a utilização de diversas plantas com potencial terapêutico. Evidenciando a necessidade de pesquisas relacionadas ao estudo farmacológico, fitoquímico e toxocológico sobre estas plantas para que possa ser comprovado cientificamente o seu potencial de cura RITTER et al. (2002). Hoje a colheita de plantas medicinais espontâneas está em declínio, não só porque estas apresentam, normalmente, uma grande variabilidade na sua composição, como por motivos ecológicos e de conservação destas populações vegetais. Assim, a cultura é o processo mais utilizado, pois além de permitir, mais facilmente a colheita mecânica, pode ser cultivada a variedade química que interessa a terapêutica ou á extração de um determinado constituinte ativo (CUNHA e SILVA, 2003 - pág.27). Área pesquisada Foram realizadas entrevistas com moradores e comerciantes do bairro de Santa Cruz, na zona oeste do município do Rio de Janeiro. A área evidenciada em vermelho mostra as ruas do bairro onde realizou-se a pesquisa. Figura 1: Mapa da Zona Oeste evidenciando a área de estudo em vermelho Fonte: Google maps/2011 64 Procedimentos metodológicos Trata-se de um estudo com levantamento de dados com abordagem quantitativa realizada entre setembro de 2011 e agosto de 2012. Foram elaborados modelos específicos de questionários para os usuários e comerciantes de plantas medicinais. As entrevistas ocorreram informalmente nas feiras livres e nas residências dos moradores da região; os participantes foram informados sobre o objetivo da pesquisa. Através de conversa informal era apresentado o questionário com perguntas sobre o nome vulgar, a parte do vegetal utilizada, o tipo de preparo, vias de administração, indicação, dosagem, tempo e a frequência da utilização e o resultado após o uso da planta citada. Algumas espécies foram herborizadas sendo criado um mostruário para o Centro de Estudos de Biologia da UCB. As plantas foram identificadas com chaves de identificação botânica e bibliografia específica. Todo levantamento bibliográfico e identificação das espécies foram realizadas nas bibliotecas e herbários do Rio de Janeiro como: Jardim Botânico, Museu Nacional e Universidade Castelo Branco. Análise de dados Os seguintes resultados foram obtidos com base nas entrevistas realizadas com os comerciantes e com os usuários. Foram realizadas 21 entrevistas com comerciantes, cada comerciante citou as dez plantas mais vendidas, foram identificadas 50 espécies pertencentes a 25 famílias. Foram entrevistados 312 usuários que citaram em suas entrevistas 44 espécies pertencentes a 27 famílias em sua maioria conhecida apenas pelo nome vulgar. As tabelas a seguir mostram as plantas mais citadas pelos comerciantes e pelos usuários. 65 Tabela 1: Plantas medicinais mais citadas pelos comerciantes, com nomenclatura, nome vulgar, número de citações, indicação e a parte utilizada. FAMÍLIA NOME ESPÉCIE VULGAR Nº INDICAÇÃO PARTE UTILIZADA Alismataceae Echinodorus grandiflorus Chem. & Schltdl.) chapéu-de-couro 05 Diurético, hérnia, doenças de pele, cálculos TP renais. Micheli Amaranthaceae Chenopodium ambrosioides L. santa-maria 03 Vermífugo, bronquite FO aroeira 04 Anti-inflamatório, cicatrizante, hemorragia CA, FO, FR Foeniculum vulgare Mill. erva doce 02 Calmante, diurético, cólicas menstruais FR Pimpinella anisum L. anis 04 Dor de cabeça, cólicas, estimula a lactação FR babosa 04 Tônico capilar, cicatrizante FO, PO Achillea millefolium L. novalgina 08 Febre, dores, anti-inflamatória, cicatrizante FL Baccharis trimera DC. carqueja 02 Hepatite, infecções gástricas, emagrecer FO Bidens pilosa L. picão 09 Infecção urinária, icterícia, fígado TP Anacardiaceae Schinus terebinthifolia Raddi Apiaceae Asphodelaceae Aloe vera (L.) Burm. f. Asteraceae 66 Cynara scolymus alcachofra 03 Emagrecer, mal-estar do fígado FL, FO Mikania glomerata Spreng. guaco 06 Doenças respiratórias, expectorante FO Soligado chilensis Meyen arnica 04 Dores, luxações, curativa de feridas FO, FL Tanacetum vulgare L. erva-lombrigueir 03 Estimulante, abortiva, vermífugo FO Vernonia beyrichii Less. assa-peixe 11 Expectorante, calmante, bronquite FO Cordia ecalyculata Vell. porangaba 03 Emagrecedor, diurético, FO Heliotropium lanceolatum Ruiz & Pav. fedegoso 02 Aftas, estomatites, picadas e feridas FO, FL Symphytum officinale L. confrei 05 Disenteria, tosse, bronquite, inflamações RA, FO cana-do-brejo 03 Cistite, disenteria, cólica, diurética TP saião 02 Coqueluche, resfriados, cicatrizante FO pata-de-vaca 08 Diabetes, Boraginaceae Costaceae Costus spicatus Sesse Crassulaceae Kalanchoe brasiliensis Cambess. Fabaceae Bauhinia forficata Link diurético, colesterol, cálculos FO, FL renais Cajanus cajan (L.) Huth guandu 05 Febre, disenteria, infecções pulmonares, FO, FL tosse Desmodium adscendens (Sw.) DC. amor-do-campo 03 Infecções vaginais, desintoxicante FO, RA Platycyamus regnelli Benth. pau-pereira 03 Gastrite, úlcera, problemas digestório CA Tamarindus indica L. tamarindo 02 Infecção intestinal, cálculos renais, laxante FO, FR 67 Lamiaceae Lavandula angustifolia Mill. alfazema 03 Enxaqueca, tosse, catarro, piolho, insônia FL Mentha arvensis L. hortelã 08 Descongestionante nasal, gripe, tosse TP Mentha pulegium L. poejo 04 Bronquite, coqueluche, anticatarral FO Mentha x villosa Huds. hortelã 02 Antiprurido, vermífugo FO Ocimum basilicum L. alfavaca 06 Problemas digestivos (vesícula biliar e gases) FO, FL Plectranthus barbatus Andrews boldo 04 Azia, ressaca, má digestão FO abacateiro 04 Diurético, antianênico, doenças nos rins FO Cuphea carthagenensis (Jacq.) J.F. Macbr. sete sangrias 02 Hipertensão, diurética, laxativa TP Punica granatum L. romã 04 Anti-inflamatório CA, FR, RA andiroba 03 Repelente, piolho e pulgas FO boldo do chile 05 Má digestão, azia, gases intestinais FO espinheira santa 04 Tônico, Lauraceae Persea americana Mill. Lythraceae Meliaceae Carapa guianensis Aubl. Monimiaceae Peumus boldus Molina Moraceae Soraceae cf. bonplandii (Baill.) analgésico, úlcera, gastrite, FO indigestão Myrtaceae Eucalyptus globulus Labill. eucalipto 02 Anticatarral, congestão nasal, sinusite FO 68 Psidium guajava L. goiaba 03 Diarreia, inflamações da boca e garganta FO quebra-pedra 04 Cálculos renais TP transagem 04 Laxante, problemas menstruais, expectorante CA, FO, RA lágrima de nossa 02 Dores, febre, doenças reumáticas, diabetes FO capim limão 01 Calmante, cólicas uterinas e intestinais FO arruda 03 Abortiva, febre, câimbras, dor de ouvido FO Brunfelsia pauciflora (Cham. & Schltdl.) manacá 04 Febre, reumatismo, diurética, abortiva FO Solanum cernuum Vell panaceia 03 Furúnculo, hemorragias, obesidade FO, RA Solanum paniculatum L. jurubeba 09 Problemas no fígado, tumores uterinos FO, RA Lippia Alba (Mill) N. E. BR. erva-cidreira 05 Calmante, expectorante FO Stachytarpheta cayennensis (Rich.) Vahl gervão 03 Vermífugo, Phyllanthaceae Phyllanthus niruri Plantaginaceae Plantago major L. Poaceae Coix lacryma-jobi L. senhora Cymbopogon citratus (DC) Strapf. Rutaceae Ruta graveolens L. Solanaceae Verbenaceae prisão de ventre, dores FO reumáticas Vitaceae 69 Cissus verticillata (L.) Nicolson & C.E. Jarvis insulina 11 Diabetes, hipertensão gengibre 03 Bronquite, FO Zingiberaceae Zingiber officinale Roscoe rouquidão, inflamação da CA garganta Legenda: TP = Toda Planta / RA = Raiz / CA = Caule / FO = Folha / FL = Flor / FR = Fruto / PO = Polpa Tabela 2: Plantas medicinais mais citadas pelos usuários com nomenclatura, nome vulgar, número de citações, indicação e a parte utilizada. FAMÍLIA NOME ESPÉCIE VULGAR Nº INDICAÇÃO PARTE UTILIZADA Alismataceae Echinodorus grandiflorus (Chem. & Schltdl.) chapéu-de-couro 11 Infecção urinária, cálculos renais FO Micheli Amaranthaceae Chenopodium ambrosioides L. santa-maria 05 Vermífugo, bronquite FO aroeira 07 Inflamação, corrimento vaginal FO graviola 08 Colesterol* FO, FR Anacardiaceae Schinus terebinthifolia Raddi Annonaceae Annona muricata L. 70 Apiaceae Foeniculum vulgare Mill. erva-doce 21 Cólicas intestinais, calmante, hipertensão* Semente ** Pimpinella anisum L. anis 05 Perda de apetite, febre, má digestão Semente ** babosa 01 Queda de cabelo FO Achillea millefolium L. novalgina 15 Febre, dores em geral, flatulência FO Baccharis trimera DC. carqueja 12 Emagrecedor, problemas hepáticos Condimento Bidens pilosa L. picão 04 Hepatite, verminose FO Chamomilla recutita (L.) Rauschert. camomila 08 Cólica, cálculos na vesícula Condimento Cynara scolymus L alcachofra 02 Colesterol, diabetes, fígado FO, FL Mikania glomerata Spreng guaco 10 Febre, antitussígeno, expectorante FO Vernonia beyrichii Less assa-peixe 05 Asma, gripe, bronquite, tosse FO porangaba 03 Estimulante sexual*, emagrecedor, diurético FO cana-do-brejo 08 Rins FO saião 06 Feridas na pele, doenças pulmonares FO pata-de-vaca 12 Diabetes FO, FL Asphodelaceae Aloe vera (L.) Burm. f. Asteraceae Boraginaceae Cordia ecalyculata Costaceae Costus spicatus Sesse Crassulaceae Kalanchoe brasiliensis Cambess. Fabaceae Bauhinia forficata Link 71 Lamiaceae Leonurus sibiricus L. macaé 04 Má disgestão, bronquite, tosse Mentha arvensis L. hortelã 03 Descongestionante nasal, dor de cabeça Mentha pulegium L. poejo 06 Coqueluche, bronquite, resfriados FO FO FO FO Mentha x villosa Huds. hortelã 03 Anticatarral, bronquite, descongestionante Plectranthus barbatus Andrews boldo 06 Azia, má digestão Cinnamomum zeylanicum Blume canela 01 Mau hálito, verminoses, diarreia Laurua nobilis L. louro 05 Má digestão, flatulência, fígado Cuphea carthagenensis (Jacq.) J.F. Macbr. sete sangrias 04 Laxante, hipertensão Punica granatum L. romã 06 Inflamação da garganta, catarata* espinheira santa 05 Estômago, úlcera, gases intestinais FO eucalipto 08 Descongestionante nasal, resfriado CA, FO FO Lauraceae Casca FO Lythraceae FO FO, FR Moraceae Soraceae cf. bonplandii (Baill.) Myrtaceae Eucalyptus globulus Labill. 72 Eugenia uniflora L. pitanga 09 Dor de barriga, dor nos ossos, febre FO, FR Psidium guajava L. goiaba 08 Diarreia, inflamação da garganta FO, FR Syzygium cumini (L.) Skeels jamelão 03 Má circulação maracujá 07 Calmante, insônia, FO, FR Passifloraceae Passiflora edulis Sims Phyllanthaceae Phyllanthus niruri L. TP quebra-pedra 09 Cálculos nos rins, ardência na urina transagem 04 Laxante, hipertensão, queimaduras Plantaginaceae Plantago major L. FO, FR FO Poacea FO Cymbopogon citratus (DC) Strapf capim limão 14 Calmante, resfriados amora 09 Diurética, laxante, inflamação uterina Rosaceae Rubus sellowii Cham. & Schltdl. FL, FR Rubiaceae Genipa americana L. FO, FR jenipapo 03 Diarreia, dores em geral, icterícia laranja-da-terra 07 Gripe, febres, resfriados, calmante Rutaceae Citrus aurantium L. FO 73 Solanaceae Solanum paniculatum L. FO jurubeba 05 Fígado, estômago, icterícia Verbenaceae Lippia Alba (Mill) N. E. BR. FO erva-cidreira 18 Gases instestinais, calmante Cissus verticillata (L.) Nicolson & C.E. Jarvis Zingiberaceae insulina 17 Diabetes, hipertensão, anemia Alpinia zerumbet (Pers.) B. L. Burtt. & R. M. Sm. colônia 05 Hipertensão, diurético, calmante Vitaceae FO FO, FL Legenda: TP = Toda Planta / RA = Raiz / CA = Caule / FO = Folha / FL = Flor / FR = Fruto *Controvérsia entre o uso popular e a literatura especializada. ** Os frutos são vulgarmente chamados de sementes. 74 Considerou-se a idade e o sexo dos usuários de plantas medicinais sendo crianças até 12 anos, jovens a partir dos 12 anos até os 25 anos e adultos acima de 25 anos. As mulheres são as que mais utilizam as plantas medicinais de acordo com o seu conhecimento empírico e a facilidade de obtenção das plantas medicinais. Figura 2 - Faixa etária dos usuários de plantas medicinais 12 23 Crianças 277 Jovens Adultos Dentre o total de entrevistados, 15% são do sexo masculino e 85% são do sexo feminino. Figura 3 – Sexo dos usuários Masculino Feminino Quando questionados sobre a forma de obtenção das plantas, 12% cultivam em sua residência, 34% adquirem através de vizinhos ou procuram em ruas próximas a sua residência e 64% compram em feiras livres ou lojas de produtos naturais. Verificou-se a forma de armazenamento destas plantas, que são armazenadas em sacolas plásticas, potes plásticos ou de vidro, em temperatura ambiente ou em geladeiras e não houve um relato específico sobre o armazenamento. Observou-se que a forma de preparo mais relatada é o “chá” com 62% de citações não sendo identificada pelo usuário o tipo de chá como infusão, decocção ou maceração, seguido pelo sumo com 20%, o suco com 6%, o gargarejo com 5%, a compressa com 4% e o banho com 3%. Não há também um tempo determinado para o uso do “chá”. Em média, os usuários relataram que utilizam o chá uma ou duas semanas permanecendo um tempo sem utilizar. 75 Figura 4: Descreve os meios mais usuais na forma de preparo das plantas medicinais. MEIOS DE PREPARO 300 250 200 150 100 50 0 Chá Sumo Suco Gargarejo Compressa Banho De acordo com os entrevistados, a parte da planta mais utilizada é a folha seguida das outras partes. Segundo os comerciantes, as folhas devem estar frescas para que haja um tempo maior de durabilidade da planta. Perante a questão sobre o conhecimento da eficácia das plantas 71% possuem somente o conhecimento empírico, 23% adquiriram o conhecimento em livros, revistas e sites e 6 % obtiveram informação com profissionais da área da saúde. Foi feita uma comparação das cinco famílias mais citadas pelos comerciantes e usuários. Figura 5: Representa as cinco famílias mais citadas pelos usuários. FAMÍLIAS MAIS CITADAS PELOS USUÁRIOS 300 250 200 150 100 50 0 Asteraceae Myrtaceae Apiaceae Lamiaceae Verbenaceae 76 Figura 6: Representa as cinco famílias mais citadas pelos comerciantes. FAMÍLIAS MAIS CITADAS PELOS COMERCIANTES 200 150 100 50 0 Asteraceae Lamiaceae Fabaceae Solanaceae Vitaceae Observou-se também as espécies mais citadas pelos usuários. Tabela 3: As dez espécies mais citadas entre os usuários bem como suas indicações empíricas. ESPÉCIE NOME INDICAÇÃO POPULAR VULGAR 1º Foeniculum vulgare Mill. erva doce Cólicas intestinais, calmante, hipertensão 2º Lippia Alba (Mill.) N.E. BR. Erva cidreira Calmante, expectorante 3º Cissus verticilata (L.) Nicolson Insulina Diabetes, hipertensão 4º Achillea millefoluim L. Novalgina Febre, dores em geral, flatulência 5º Cymbopogon citratus (DC) Capim limão Calmante, resfriados 6º Baccharis trimera DC. Carqueja Emagrecedor, problemas hepáticos 7º Bauhinia forficata Link Pata-de-vaca Diabetes 8º Echinodorus grandiflorus Chapéu-de-couro Infecção urinária, cálculos renais 9º Eugenia uniflora L. Pitanga Dor de barriga, dor nos ossos, febre 10º Phyllanthus niruri L. Quebra-pedra Cálculos nos rins, ardência na urina & C.E. Jarvis Strapf (Chem. & Schltdl.) 77 Discussão O consumo de plantas medicinais adquirida nos mercados e feiras livres continua sendo uma alternativa à falta de acesso ao sistema de saúde. Através do levantamento, um grande número de plantas medicinais é utilizado com diferentes finalidades e é necessária muita precaução quanto às propriedades terapêuticas destas plantas, pois algumas espécies ainda não foram cientificamente testadas. Verificou-se semelhança na metodologia aplicada no presente trabalho com a de SILVA, Inês Machline (2008) que, em sua tese de doutorado, identificou através de um levantamento etnobotânico as espécies de plantas medicinais comercializadas em dois mercados no Rio de Janeiro (Mercadão de Madureira e Ceasa). Algumas plantas citadas pelos usuários apresentaram controvérsia entre o uso popular e a indicação apresentada na literatura especializada. Não há uma preocupação por parte dos usuários em relação à toxidade das plantas, pois são sempre consideradas plantas curativas. O nome vulgar é o mesmo para espécies diferentes o que poderá desenvolver outras patologias no organismo. Os erveiros demonstram com clareza um profundo conhecimento adquirido por anos de experiência, porém alguns relatam que com o aumento das pesquisas às vezes se faz necessário buscar novos conhecimentos. Durante o trabalho de campo, observou-se que não há uma preocupação em relação à higiene destas plantas, muitas apresentam fungos e não há uma necessidade de se lavar a planta a ser utilizada. As plantas muitas das vezes são armazenadas em recipientes e locais impróprios de forma incorreta onde propicia o surgimento de fungos. PINTO et.al. (2005) relata a importância, em casos de comercialização, que devemos ter em relação a cuidados básicos de higiene no momento que utilizamos uma planta medicinal. Muitos comerciantes expõem suas mercadorias em calçadas próximas as ruas onde há transição de veículos, as plantas ficam expostas à poluição, ao toque dos consumidores que querem manuseá-las a baldes com água que são utilizados para a conservação das plantas. Nem sempre as plantas são comercializadas frescas; algumas estão murchas e apresentam mofo. Ao final da feira foi observado um conflito de informações quanto à armazenagem destas plantas, pois muitos comerciantes não apresentam uma preocupação em guardar as plantas separadas e em locais com boa higiene, muitas são embrulhadas em jornais, colocadas em sacolas plásticas todas juntas e armazenadas em geladeiras para que não venham a mofar. Deve-se ressaltar que muitos usuários compram estas plantas, mas há os que cultivam para consumo próprio e doam a amigos e vizinhos. Observando, assim, que o conhecimento empírico continua sendo passado. As plantas cultivadas eram encontradas em quintais com outras plantas e 78 muitas das vezes com a presença de cães. Os comerciantes adquirem as plantas em grandes mercados atacadistas e alguns cultivam em canteiros em sua casa. As partes mais utilizadas e indicadas são as folhas seguidas pelos frutos; AMOROZO & GELY (1988) encontraram resultados semelhantes em seu trabalho. Entre as famílias encontradas pelas espécies citadas pelos comerciantes e usuários, houve uma correlação entre o que é vendido e o que é consumido; destacando-se a família Asteraceae. A espécie mais citada foi Foeniculum vulgare Mill., tendo como parte mais utilizada a “semente” assim chamada vulgarmente pelos usuários, porém a parte utilizada é denominada na literatura como fruto. Observou-se também que alguns usuários da insulina Cissus verticilata (L.) Nicolson & C.E. Jarvis e da pata de vaca Bauhinia forficata que utilizam estas plantas para o controle da diabetes fazem uso da planta junto com medicamento alopátrico e não há uma indicação médica para o uso da planta, porém eles relatam que há uma eficácia quanto ao uso destas plantas. Segundo CRAIG E STITZEL (2005), há uma preocupação entre possíveis interações ervas-medicamentos, com as quais os seus pacientes e os profissionais de saúde devem estar familiarizados. Conclusão O conhecimento empírico adquirido pela população vem do contato com a vegetação ao longo dos anos; muitas das vezes esse conhecimento se restringe principalmente às pessoas mais idosas. Quanto aos erveiros, eles não possuem um conhecimento científico, mas alguns afirmam que às vezes se faz necessário buscar novas informações devido à demanda na procura. Notou-se que ainda na atualidade, muitas pessoas procuram as plantas medicinais como tratamento alternativo para a saúde. Os resultados demonstram que os entrevistados utilizam frequentemente e reconhecem a importância do uso de plantas medicinais. Diante de tais resultados conclui-se que a Etonobotânica possui um amplo campo de estudo que deve ser melhor explorado a partir do conhecimento empírico para que futuras pesquisas na área fitoquímica e farmacológica possam ajudar no esclarecimento quanto ao uso e a eficácia destas plantas. 79 Referências ALMASSY JÚNIOR, A. LOPES, R. C. ARMOND, C. da SILVA, F. CASALI, V. W. Dias. 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