POESIA COM DEUSES Estudos de Hídrias, de Dora Ferreira da Silva Enivalda Nunes Freitas e Souza (Org.) POESIA COM DEUSES Estudos de Hídrias, de Dora Ferreira da Silva © 2016 Enivalda Nunes Freitas e Souza Este livro segue as normas do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, adotado no Brasil em 2009. Coordenação editorial Isadora Travassos Produção editorial Eduardo Süssekind Rodrigo Fontoura Victoria Rabello Revisão Carolina Lopes Batista cip-brasil. catalogação na publicação sindicato nacional dos editores de livros, rj P798 Poesia com deuses : estudos de hídrias, de Dora Ferreira da Silva / organização Enivalda Nunes Freitas e Souza. - 1. ed. - Rio de Janeiro : 7 Letras, 2016. Inclui bibliografia isbn 978-85-421-0440-0 1. Mitologia grega na literatura. 2. Poesia brasileira (Literatura). I. Souza, Enivalda Nunes Freitas e. 16-31258cdd: 869.91 cdu: 821.134.3(81)-1 2016 Viveiros de Castro Editora Ltda. Rua Visconde de Pirajá, 580 – sl. 320 – Ipanema Rio de Janeiro – rj – cep 22420-902 Tel. (21) 2540-0076 [email protected] – www.7letras.com.br Sumário Prefácio7 primeira parte Onde o mito e a literatura se encontram Vem de longe o velho vinho de Homero Enivalda Nunes Freitas e Souza 13 No tempo além do tempo Alva Martinez Teixeiro 36 Olhares sobre o eterno Betina Ribeiro Rodrigues da Cunha 50 A representação da água nos poemas “À Tálida” e “A Possêidon” Cássia Cristina Gonçalves Simplício 61 Dora Ferreira da Silva e a potência criadora lunar Elzimar Fernanda Nunes Ribeiro 68 A Grande Mãe e Hécate: imagens do feminino Fernanda Cristina Campos 86 Narciso, Jacinto e as metamorfoses do amor Jamille Rabelo de Freitas 97 Vivências de Apolo nos versos de Dora Ferreira da Silva Kamilla Kristina Sousa França Coelho 109 O desregramento do homem e o mito de Dioniso Maria Isabel Masini 119 Perséfone: dois mundos, dois amores Mariana Ramos Rodrigues 128 Apolo, Afrodite e Eros: simbolismos de poesia, amor e morte Priscilla da Silva Rocha Aydar 136 Ártemis em três retratos e “Estela funerária” Vera Maria Tietzmann Silva 144 segunda parte Mito, psicanálise e filosofia – confluências Reflexões psicanalíticas: apreensões sobre o mito de Orfeu Elisa Freitas 159 Mito e mistério no culto a Deméter e Perséfone Irley Machado 165 A crise espiritual do homem moderno José Benedito de Almeida Júnior 175 Notas biográficas 181 Verbetes185 Colaboradores193 Prefácio água e vinho nas hídrias de dora Poesia com deuses é o título feliz do livro organizado pela professora Enivalda Nunes Freitas e Souza, da Universidade Federal de Uberlândia, congregando trabalhos do grupo POEIMA, de pesquisas sobre poesia e imaginário. São estudos de autores diversos das áreas de Letras, Psicologia e Filosofia, das Universidades de Lisboa, da Federal de Uberlândia, da Faculdade Católica de Uberlândia e da Universidade Federal de Goiás. Reúne estudiosos de formação complexa, como Alva Martínez Teixeiro, jovem pesquisadora e professora da Universidade de Lisboa, com Doutorado na Espanha e detentora de diversos prêmios a seus trabalhos, atribuídos sucessivamente em 2007, 2010, 2014 – este último concedido pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil. A organizadora do livro incluiu entre os participantes do projeto pesquisadores experientes, com Pós-Doutorado no Brasil e no exterior; coordenadores de grupos de pesquisa registrados no CNPq; mestres e doutores, com títulos obtidos no Brasil e ou fora dele; professores de outros programas de Pós-Graduação da UFU; bolsistas de Iniciação Científica e do Pibid/UFU. A equipe atende, assim, às orientações da Capes e do CNPq, integrando jovens pesquisadores e grupos consolidados, de modo a promover uma formação contínua e favorecer a futura renovação dos quadros acadêmicos com estudiosos de sólidas bases e longa experiência em pesquisa. Destacamos, de imediato, o excelente estudo da professora Enivalda, que abre o livro, sobre Dora Ferreira da Silva e a importância de sua proposta ao grupo de estudos: estudar a relação entre mito, filosofia e poesia a partir de Hídrias, obra premiada de Dora Ferreira da Silva. A riqueza excepcional desse último volume de poemas da autora, publicado pela Editora Odysseus, aparece coroada duplamente: como síntese da contribuição de Dora, perfeição artística evidenciada em diversos estudos, como os de Elzimar Ribeiro, Vera Tietzmann Silva, dentre outros; e como obra literária de alta qualidade, que recebeu o Prêmio Jabuti atribuído pela terceira vez à poeta (a primeira, ao seu primeiro livro, Andanças, e a terceira, ao último, Hídrias), mostra a acuidade de percepção da organizadora, escolhendo estudar profundamente o livro em questão em seu grupo de pesquisas. O estudo das relações mito-poesia-filosofia-psicologia, assim como o significado da retomada da linguagem simbólica como via de superação daquilo que José Benedito de Almeida Júnior, no artigo que encerra o livro, intitulado “A crise espiritual do homem moderno”, está presente nos textos que compõem a obra. As fontes a que se atém, já assinaladas no excelente estudo da organizadora que serve 7 de introdução e parâmetro, fio condutor das investigações, coincidem, em parte, com as de Dora: Vicente Ferreira da Silva, Jung, Eliade, Walter e Rudolf Otto, Rilke, Novalis. São acrescidas de estudos sobre a mitologia grega, a partir, dentre outros, de Junito Brandão. Assim, os laços entre a poesia e a música aparecem no estudo dos poemas que focalizam o mito de Orfeu; os que abordam o mistério dos estreitos limites entre a vida e a morte, na consideração dos poemas sobre Deméter, Perséfone, Hécate, Dioniso e os aspectos do mito de Apolo associados à morte e metamorfose de Jacinto. Vida e morte, amor e morte seriam metáforas da vida criadora e da tarefa do poeta, de recriação da linguagem para dar novo sentido ao mundo. O mito de Orfeu, que fora examinado por Enivalda do ponto de vista simbólico e literário, é analisado por Elisa de Freitas do ponto de vista psicanalítico. Estudando os mitos como ensinamentos sobre a condição humana, que promovem a expansão da consciência, esta estudiosa mostra como eles oferecem modelos paradigmáticos de conduta. Orfeu é poeta, músico, cantor; na busca de Eurídice, vê-se confrontado com a morte. Elisa considera esse mito como emblemático da condição humana, na busca da transcendência da precariedade existencial. Perspectiva análoga é a de Betina da Cunha quando afirma que a finalidade da poesia, ou da literatura, é desvelar ao homem alternativas de ser. Os deuses que Dora escolheu celebrar em Hídrias são Posêidon, Ártemis, Apolo, a Grande Mãe, Hécate, Dioniso, Deméter, Perséfone, Afrodite e Eros. A poeta assume o papel da Sibila, que aparece em Hídrias como voz indicativa da crise espiritual do homem antigo, em um mundo de onde os deuses se ausentaram. Falando da crise no mundo antigo faz entrever, sem mencioná-la, a crise contemporânea, numa perspectiva análoga à apontada por José Benedito. Os estudos feitos pelo grupo POEIMA privilegiam Perséfone, Deméter, Hécate e Ártemis. Assim como no mito de Dioniso, os mitos das deusas abordam o mistério da vida e da morte, o eterno ciclo em que uma procede da outra, em uma permanente sucessão que lembra as diferentes fases da lua; e os mitos de Apolo, associados à morte de seus amados. O mistério do retorno cíclico do tempo e sua relação com a tarefa da poesia, de estabelecer laços entre o visível e o invisível, estão presentes nos textos de Enivalda Souza, de Elzimar Ribeiro, de Fernanda Campos, Jamille de Freitas, Maria Isabel Massini, Mariana Rodrigues, Priscila Aydar. Alva Teixeiro estabelece um paralelo entre os poemas de Dora e os de Sofia de Mello Breyner Andresen, poeta e ensaísta portuguesa contemporânea de Dora. Em ambas, há o resgate do olhar inaugural sobre o homem, o olhar profético que se refere à busca de uma plenitude futura, a um tempo futuro já divisado no presente marcado pela derelicção. Em ambas é afirmado um laço entre pintura e poesia; a importância da reativação das contribuições da cultura grega. No crepúsculo de uma época – a nossa –, os mitos apontam para uma possibilidade de recuperação da plenitude do existir. Na obra das duas, o leitor contemporâneo não é mero espectador de narrativas arcaicas, mas é convidado a se inserir na verdade do mito, 8 harmonizando o tempo real, o tempo mítico e o tempo subjetivo. Alva entende a contribuição de Dora como sendo a de fazer da poesia um instrumento de transmutação do real, recuperando, através da evocação poética dos mitos, um olhar e um sentido ético da existência, de modo a reapresentar, na sua poesia, o “lúcido e abissal olhar do mundo antigo a respeito do universo”, como uma inspiração para o homem contemporâneo. Cássia Simplício mostra, nos seus estudos dos poemas “À Tálida” e “A Possêidon”, que Dora não só recria os mitos antigos, mas também cria novos, como o referente à Tálida, personagem que não existe nos mitos gregos, mas que emerge, no poema, com a mesma intensidade que os antigos deuses. Para Dora, diz a estudiosa, a poesia é mais que um mero exercício artístico; é oferenda aos deuses, retrato da condição humana. Perspectiva análoga aparece no capítulo escrito por Elzimar Ribeiro, quando estabelece analogias entre o ciclo da morte e renascimento das figuras míticas que analisa (a Grande Mãe e Hécate) com o fazer poético que resgata as palavras da morte (“ruína temporal”), dando-lhes nova vitalidade, novas significações. A poesia, não apenas no âmbito da linguagem mas também no da compreensão aprofundada da condição humana que desencadeia, resgata o homem da derelicção do tempo. Essse mesmo tema, o da poesia que apreende, nos mitos, metáforas da condição humana, mostra o mito como pensamento não codificado, aparentado com o sono e o sonho, como afirma Dora em entrevista citada por Jamille de Freitas. A poesia de Dora não visa apenas a levar o homem contemporâneo à consciência de sua condição; sua arte é celebração que pretende mediar, assegurar a relação do homem com o sagrado, libertando-o da sua precariedade pelo encontro orgiástico com o deus. É ainda mergulho no inconsciente em busca da palavra perfeita, que une o visível e o invisível, como assinalaram Maria Isabel Masini e Mariana Rodrigues. No estudo das imagens do feminino que perpassam os diferentes ensaios do livro, ao abordar os poemas sobre a Grande Mãe e Hécate, Fernanda Campos põe em relevo as faces múltiplas do feminino e resgata um importante ensaio de Dora, publicado na revista Cavalo Azul, intitulado “Teoria geral do feminino”. Para Vera Tietzmann Silva, os poemas de Hídrias são uma espécie de resumo do conjunto da obra da poeta, que faz da palavra e da memória as ânforas de sua mensagem. Nesse livro, cada poema é uma hídria que representa a totalidade da obra retratando-a de diverso modo. Assim como Elisa Freitas, que aborda o mito de Orfeu do ponto de vista psicanalítico, Irley Machado estuda as relações entre mito e mistério no culto de Deméter e Perséfone. Estuda diretamente os mitos, realçando seu valor simbólico e existencial. Seu texto apresenta certas analogias com o de José Benedito de Almeida Júnior, que considera o mito em suas relações com o sagrado e com a vivência simbólica, pondo em relevo sua importância e significado enquanto expressão da religiosidade não percebida, mascarada ou até mesmo abandonada em favor de uma racionalidade estreita, vigente na civilização técnica de nossos dias. 9 Todos os textos têm denominadores comuns no que tange às fontes utilizadas, acrescidos, embora, de escolhas pessoais de outras fontes, como Campbell, Junito Brandão, Bachelard, Durand – para citar apenas alguns teóricos a que os autores recorrem. Frequentemente, referem-se ao importante estudo de Enivalda Freitas e Souza, Flores de Perséfone: a poesia de Dora Ferreira da Silva e o sagrado, obra referencial nos estudos sobre essa poeta. Daí resulta uma unidade intrínseca dos trabalhos, apesar da variedade de escolhas e recortes pessoais feitos pelos diferentes membros do grupo. E também resulta uma compreensão crítica muito interessante da obra de Dora, que emerge desses estudos memoráveis, que tomam Hídrias como emblema da obra criadora da poeta. Agrupados por temas, os diferentes ensaios mostram a complementaridade dos enfoques que a própria poeta utilizou: filosofia, psicologia, mitologia. Recorrem, para tanto, a textos raros: entrevistas, artigos publicados apenas em Diálogo e Cavalo Azul, revistas hoje quase inacessíveis, só presentes em algumas bibliotecas altamente especializadas. Para o leitor, Poesia com deuses revela em seus múltiplos olhares a apaixonada e cuidadosa atenção de quem recebe uma dádiva, descobre um tesouro. E, o que é mais importante: põe à luz o significado e o lugar da poesia de Dora na literatura brasileira contemporânea. Constança Marcondes Cesar 10 primeira parte Onde o mito e a literatura se encontram Vem de longe o velho vinho de Homero Enivalda Nunes Freitas e Souza No princípio, o Poema: Voz e partitura cantavam-se. Ouviam-no longínquas estrelas. A solidão não nascera nem vales verdes nenhuma flor ou pássaro. Os deuses despertaram. (silva, 2009) a poeta e o mito Dora Ferreira da Silva nasceu em Conchas, interior de São Paulo, e faleceu na capital paulista em 2006, com 87 anos. Muito merecidamente, recebeu em vida os prêmios mais importantes das letras brasileiras. Traduziu grandes escritores e foi divulgadora da cultura, estimulando reflexões e debates sobre arte, religião, filosofia. Entre as décadas de 40 e 50, Dora, o esposo e amigos criaram uma comunidade no Parque Nacional do Itatiaia, que ficou conhecida como “utopia em Penedo”. Oswald de Andrade e Murilo Mendes foram hóspedes dessa utopia que não durou mais que três meses, porque ninguém queria pagar tributo à felicidade – fazer almoço, varrer casa –, só filosofar, criar poesia e tomar banho na floresta... A partir da década de 50, transformaram sua casa na Rua José Clemente, em São Paulo, em um centro cultural. Lá recebiam grandes personalidades da cultura brasileira e jovens poetas. Dora ajuda o esposo, o filósofo Vicente Ferreira da Silva, a fundar a revista Diálogo e, posteriormente, cria a célebre Cavalo Azul. Nessas revistas, há textos de pensadores muito importantes, como Antonio Candido e Guimarães Rosa, o qual publica no primeiro número da Cavalo Azul o conto “As garças”, texto que posteriormente comporá “Jardins e Riachinhos”, de Ave palavra. Discreta e refinada, Dora conquistou admiradores e amigos fiéis, mantendo-os por toda a vida, como Ivan Junqueira e Carlos Drummond de Andrade, com quem troca correspondência por quase vinte anos. Jamais se viram. Essas informações podem ser melhor compreendidas no livro Flores de Perséfone: a poesia de Dora Ferreira da Silva e o sagrado (SOUZA, 2013), bem como nas notas biográficas ao final deste livro. 13 Hídrias (2004) é composto por poemas voltados aos mitos gregos. Nenhum outro escritor brasileiro trabalhou os mitos com tanta familiaridade como Dora Ferreira da Silva, cuja avó era grega. Mas como e quando a poeta teria seu interesse despertado pelo mito? Ela relata que, quando criança, sua babá costumava folhear uma revista italiana que tinha imagens de pirâmides e esfinges. Ela ficava olhando, não sabia o que aquilo significava, mas era atraída pelas imagens, que a chamavam, que a tocavam fundo. Esse teria sido o primeiro encontro da poeta com o mito, o qual lhe exerceria fascínio pelo resto da vida. Pelo depoimento de Dora, percebemos, então, que o mito é, em sua origem, uma forma de conhecimento que privilegia o onírico, o inconsciente, as infinitas possibilidades de se chegar a um aspecto de nossa vida sem passar pelo viés da razão. Daí a proximidade do mito com a poesia, se considerarmos esta como uma arte que se estreita com a fantasia e a imaginação num movimento que transcende a realidade e coletiviza o sujeito, ainda que sempre ligada a eles. Poesia e mito têm a capacidade de repercutir no infinito e perdurar o instante, além de ser uma forma de conhecimento para o homem. O mito explica como é que as coisas passaram a existir: “O mito conta uma história sagrada; ele relata um acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do princípio” (ELIADE, 1972, p. 11-13). Outro teórico completa a definição de mito: “propõe modelos e paradigmas de comportamento; projeta o homem num tempo que precede o tempo; situa a história e os empreendimentos humanos num espaço indimensionável” (CRIPPA, 1975, p. 15). A própria Dora elucidou o conceito de mito, acrescentando a importante ideia de que o mito está dentro de nós mesmos: [...] ele vem do mais profundo da psique, é uma emanação do nosso pensamento não codificado. Nós o encontramos, por exemplo, quando dormimos e sonhamos, o artista vai buscá-lo na dimensão do onírico motivos para a sua poesia; é como um tomar posse daquilo que foi exteriorizado, partindo de si próprio, buscando lá dentro, nestes depósitos secretos que temos em nosso interior... (SILVA, 1989) Um mito não se esgota porque ele é a expressão de conteúdos que estão armazenados em nosso inconsciente, os chamados arquétipos. Arquétipo pode ser sinônimo de “ideia”, diz respeito a determinadas formas na psique que estão presentes em todo tempo e em todo lugar. Os mitos expressam esses arquétipos. O homem e o artista reinventam os mitos porque a alma humana é sempre a mesma. É pela capacidade criativa de um artista que um mito sobrevive enquanto objeto estético: um mesmo mito pode ser recontado infinitas vezes. Veja como Jung explica claramente, em “Poesia e psicologia”, como é que os mitos estão sempre reatualizados. Um exemplo é o avião que a tecnologia fez substituir a águia de Zeus: São numerosos os motivos mitológicos que emergem, embora dissimulados na linguagem moderna das imagens. Não se trata mais da águia de Zeus ou do Pássaro Roca, mas de um avião. O combate dos dragões é substituído por uma colisão 14 ferroviária. O herói que mata o dragão é encarnado por um tenor, interpretando figuras heróicas, no Teatro Municipal, a mãe ctônica é figurada por uma gorda vendedora de legumes; Plutão raptando Prosérpina1 é um motorista perigoso etc. (JUNG, 1991, p. 86). Na literatura, identificamos determinados estratos míticos pela evocação explícita que a obra faz a eles, como título, encadeamento de ações – a estrutura narrativa – ou por imagens, as que chamamos de imagens arquetípicas, como sombras, água, música, árvore, jardim, igreja, sol. Cada imagem poderá evocar um mito particularizado ou muitos deles. Por exemplo, sombras e água podem remeter a Narciso, mas sombras também evocam, além de Narciso, Perséfone e Orfeu; a imagem da água vai das águas maternas e primaveris, aquelas de purificação e regeneração, até a evocação da morte de Narciso e Ofélia. Já um barco nas águas pode lembrar ao leitor a nau dos insensatos, Caronte e toda uma constelação de águas perigosas. Todos os povos e culturas criam e cultivam seus mitos. O psicólogo Carl Gustav Jung chega a dizer que “aquele que pensa viver sem mito ou fora dele constitui uma exceção. É um erradicado” (JUNG, 1989, p. 14). Quando um indivíduo sonha, ele está ativando ou reelaborando seus próprios mitos – aqueles que lhe são importantes – e os mitos são individuais e coletivos ao mesmo tempo. Jung ainda lembra que “o mito é o sonho coletivo do povo [...] são restos desfigurados de fantasias correspondentes a desejos de nações inteiras” (JUNG, 1989, p. 21). É por isso que encontramos poemas, romances, obras de arte, enfim, quaisquer produtos artísticos muito parecidos uns com os outros, mesmo que seus autores jamais tenham se lido mutuamente; encontramos, também, histórias parecidas em povos diferentes, de épocas diferentes. Por que as tragédias gregas ainda despertam nossa atenção? Porque o homem contemporâneo vivencia, no sonho ou na realidade, os mesmos temores do homem daqueles tempos longínquos: tem medo do castigo divino, receia ter ímpeto de cometer um infanticídio ou parricídio, acredita ser capaz de vencer a morte e resgatar o sujeito amado, desconfia que pode trair um amigo... Esse pensamento comum está alojado em alguma parte de nosso inconsciente, a que Jung chama de inconsciente coletivo. Por existirem sempre, e em toda parte, o psicólogo das profundezas diz ainda que, mesmo se cortássemos as tradições, a mitologia e a história das religiões, tudo isso recomeçaria com a geração seguinte (JUNG, 1989, p. 21). Com as fantasias que cria e cultiva por meio da arte, do sonho e da religião, o homem vai encontrando equilíbrio para seu singular existir. Dora afirma que o mito nos coloca em contato com nós mesmos e com a natureza, porque ele age como a raiz de uma árvore: vai lá no fundo (inconsciente) buscar o sustento, o alimento, e lá no fundo está nosso ser criança, nossa vida primitiva que permaneceu intocada. 1 A propósito, no filme Um olhar do paraíso, Plutão/Hades é atualizado no pedófilo vizinho que cava um buraco no milharal para raptar a adolescente (Koré). 15 Ao longo da história da arte, os mitos gregos sempre foram revisitados por serem mensageiros de histórias exemplares da condição humana, esta que jamais se perde no tempo. Antonio Cicero, poeta contemporâneo, fala da sempre atualidade do panteão grego, que também encontra lugar em sua obra: “Toda a literatura clássica é, por direito, nosso patrimônio. Tâmiris, Dédalo, Ícaro etc. são elementos do vocabulário moderno. É por isso que os uso, quando me convém fazê-lo” (CICERO, 2002). Dora Ferreira da Silva era neta de gregos, daí seu apreço aos deuses desse povo – a mitologia grega – mas, de igual forma, a poeta se interessou por mitos de outras culturas, como a egípcia. A religião cristã, com todas as suas tradições, também é muito viva em sua obra. Em entrevista, a poeta fala que os deuses gregos se “imiscuem” (misturam) à sua sensibilidade artística. Talvez, também, como declarou Antonio Cicero, devido ao apelo estético que aquelas imagens exercem sobre todos os artistas. Assim como o imaginário de Dora, a cultura ocidental está impregnada da herança pagã assimilada pelo cristianismo. No trecho seguinte, a poeta recorda a imagem de um pastor numa igreja bizantina que lhe chamou a atenção: Sou de ascendência grega. Acho que os deuses gregos respondiam a imago dei dos gregos. Não nego que eles se imiscuem à minha sensibilidade. [...] Durante uma viagem à Itália, em Ravena, vi na abside de uma igreja bizantina um pastor imberbe tangendo suas ovelhas. Tive um insight. Lá estava diante dos meus olhos o Bom Pastor em sua forma originária e pagã. (SILVA, 2003). Dora Ferreira da Silva traz em sua arte poética os temas mais frequentes de toda poesia, como as memórias de família, a natureza – esta sempre contemplada em seus quatro elementos: água, terra, ar e fogo – a morte, a religião, o desconhecido, a metalinguagem. A poeta dedica, ainda, poemas e livros inteiros às relações da poesia com as artes plásticas, a música – Poemas em fuga (1997), Appassionata (2008) –e a dança – O leque (2007). Mas o mito sempre foi a perspectiva pela qual moldou sua poesia, uma vez que ele traduz as vivências primordiais que o homem experimenta. E poesia é isso: o encontro primeiro com todas as coisas. A verdade é que desde seu primeiro livro, Andanças (1970), composto por poemas escritos entre 1948 e 1970, Dora Ferreira da Silva sempre esteve fortemente vinculada ao universo helênico. Hídrias, de 2004, é a coroação desse percurso com seus 25 poemas conectados com espaços, deuses, divindades e objetos gregos. pensadores e poetas afins à sua poesia Dora Ferreira da Silva coordenou os trabalhos de tradução de Carl Gustav Jung no Brasil, percebendo imediatamente a afinidade de sua poesia com as ideias do psicólogo das profundezas. Jung via no mito a expressão mais genuína da alma humana adormecida nas camadas profundas da psique. Para o estudioso, o mito é um conjunto de símbolos (mensagens “cifradas”) que manda recado para o consciente. 16 Então, mito não é uma invenção sem sentido, uma historinha boba que as culturas inventam: é uma forma intensa de pensar, parente do sonho, que tem tudo a ver com nossa vida, e atua como compensação para o excesso de lucidez. Nesse campo do religioso, Dora ainda foi leitora de Mircea Eliade, o historiador das religiões, e com ele aprendeu que o sagrado está para além de instituições religiosas: Mircea Eliade abriu nossos olhos e nossas ideias sobre religião. Tínhamos uma visão muito pobre, ofensiva mesmo, como a de uma catequista, sobre a religião. No meu caso, a parte espiritual é como um elemento condutor ou propulsor de minha vocação poética. (SILVA, 1999b). Nessa mesma entrevista, Dora vai dizer que o mundo é uma revelação do sagrado – uma hierofania – e que é função do poeta restabelecer a ligação do homem com Deus: Penso na imagem de uma flor brotando nos interstícios de uma pedra. Acredito nas diversas manifestações do divino, no anima mundi. Temos que viver este não ser, esta noite, esta dor como uma passagem. A fidelidade de cada um a si mesmo é o que se pede. Dar o pouco que se tem, ser fiel à sua voz interior, é o que se pede aos poetas na tentativa de suprir essa carência dos deuses. (SILVA, 1999b). Desta forma, a poesia se dá como oração, e o poema é o rito pelo qual poeta e leitores se unem ao divino. Daí que a palavra poética seja expressão do transcendente, não de coisas elevadas e distantes de nós, mas do “maravilhoso cotidiano”, como teoriza Octavio Paz. A poesia nos mostra “o outro lado das coisas, o maravilhoso cotidiano: não a irrealidade, mas a prodigiosa realidade do mundo” (PAZ, 1984, p. 75). Essa revelação de Deus no mundo – como os poetas místicos concebiam a religião – o poeta Carlos Drummond de Andrade assinala já no primeiro livro da amiga, Andanças (1970), dizendo-lhe em carta que sua poesia libertava “em música as formas prisioneiras” (ANDRADE, 1971). Posteriormente, sobre o livro Jardins (esconderijos), Drummond aponta a natureza animada na poesia de Dora: “Raízes que falam... e cristais que cintilam na sombra. Será que estou certo, ao experimentar estas sensações na leitura de seu livro?” (ANDRADE, 1979). Ainda sobre esse mesmo livro, Drummond fala do cunho transcendente do verbo poético de Dora: “A palavra que acho para qualificar a sua poesia é: inefável. Feita naturalmente de palavra, mas transcendente à comum objetividade que elas oferecem” (ANDRADE, 1981). Rudolf Otto, teólogo e historiador, publica, em 1917, O sagrado, obra de repercussão mundial, desenvolvendo a teoria de que o sagrado é um sentimento, tenebroso e/ou fascinante (mysterium tremendum e fascinans), desencadeado na psique por coisas, objetos, entes fabulosos, fazendo tremer e fascinar, por ser “totalmente outro”. A experiência do sagrado é um poder avassalador porque ele está “sobre”, é um objeto fora do eu, por isso provoca estados psíquicos de pavor, devoção, arrebatamento. Gera no indivíduo um inevitável sentimento de dependência, que logo 17 passa ao sentimento de criatura, uma vez que o objeto misterioso é “totalmente diferente” do eu e do cosmos, o que significa que não pode ser medido pela natureza humana, daí a reação de pasmo, de estupor, de aniquilamento, de maravilhamento. Otto afirma que o sagrado não inclui moral nem razão, por isso, para não confundir sagrado só com o bom, o santo, o que transmite santidade, cunha o termo “numinoso” ao definir a experiência religiosa (OTTO, 2007, p. 38). Na apresentação que fez à sua tradução de Vida de Maria, de Rilke, ao dizer que certas imagens de Rilke atiram-nos no “território numinoso do mysterium tremendum, mysterium fascinans” (SILVA, 1995, p. 8), Dora faz referência à obra de Rudolfo Otto. Mas o mais importante do sagrado é que ele se manifesta neste mundo, ao mesmo tempo em que se separa dele, passando a exigir um respeito religioso. O sagrado se opõe ao profano porque é misterioso, porque exerce fascínio, causando, desta forma, a sensação do absoluto e de que tudo está perfeito e completo (ELIADE, 2008, p. 16). Jung considera o sagrado como irrupção do inconsciente, de onde podem brotar coisas assombrosas ou sublimes (1991). Além de Jung e de tantos poetas importantes do ocidente, que vão de Rilke a Valéry, Dora Ferreira da Silva traduziu admiravelmente os poetas místicos San Juan de La Cruz, Tauler, Angelus Silesius (trabalho de igual forma elogiado pelo amigo Carlos Drummond de Andrade), com eles confirmando a poesia como abertura à participação mística, um murmúrio entre Deus e os homens, conforme definição da poeta (SILVA; LEPARGNEUR, 1984, p. 29). Dora esboça o parentesco entre poesia e mística pelo fato de que ambas mergulham no inconsciente, forma para se alcançar a essência das coisas, o princípio, fugindo à banalização do mundo. O esforço da palavra poética deve direcionar-se nesse sentido: O poeta e o místico têm em comum o ímpeto de tentar exprimir através das palavras uma vivência a-racional, que dificilmente cabe nos sinais sensíveis. O poeta mergulha no profundo do inconsciente, tocando às vezes níveis impessoais, extremamente arcaicos, e o místico busca sua vivência no além-racional, no além-natural, que ele declara por um ato de fé e de amor ser o transcendente religioso, sacro, o Espírito divino ou pelo menos a graça concedida por Deus que lhe permite participar, ainda neste mundo, da vida sobrenatural. (SILVA; LEPARGNEUR, 1986, p. 28) A poesia de Dora Ferreira da Silva guarda, ainda, afinidades com a obra do poeta romântico alemão Novalis, para quem a poesia era parenta do misticismo, porque lida com o misterioso, o intraduzível, a revelação. Veja-se nos trechos seguintes que para Novalis a poesia é transcendental, a palavra poética é sagrada e o mundo é uma família que a poesia sabe organizar: A poesia representa a bela sociedade – a família do mundo – a bela organização doméstica do universo [...] O indivíduo vive no todo, e o todo, no indivíduo. Através da poesia, surge a suprema simpatia e coatividade, a mais íntima comunhão de finito e infinito. [...] Suas palavras [do poeta] não são signos gerais, são sons, 18 palavras mágicas que movem em torno de si belos grupos. Assim como as vestes dos santos ainda preservam poderes miraculosos, assim também uma ou outra palavra se tornou sagrada graças a uma recordação magnífica, sendo quase por si só um poema. [...] Poesia é a grande arte da construção da saúde transcendental. O poeta é, portanto, o médico transcendental. (NOVALIS apud SOUZA, 2011, p. 52-53) Conversando em entrevista sobre poesia e filosofia, a poeta conta que leu Novalis para ajudar no trabalho do esposo, o filósofo Vicente Ferreira da Silva, interessado no pensamento dos alemães. Além de ter traduzido do poeta alemão fragmentos de “Os Discípulos de Saïs” (Cavalo Azul, 1), Dora afirma que tinha um caderno com pensamentos do poeta e filósofo: Vicente voltou-se mais para o pensamento alemão, para os românticos alemães. Tinha interesse por Novalis. Naquela época, em São Paulo, as livrarias eram paupérrimas. Eu ia à Biblioteca Municipal copiar dados sobre Novalis ou trechos de Novalis. Eu tinha um caderno preto com pensamentos de Novalis. Isso para ajudar o trabalho de Vicente. Em São Paulo, não havia livros de Novalis. As editoras não se arriscavam. Quem iria ler Novalis? (GALVÃO, MARTINS, out/2003) Como tradutora, Dora Ferreira da Silva conheceu aquele poeta com o qual sua arte poética se estreitaria, Rainer Maria Rilke, autor de obras mundialmente célebres, como Sonetos a Orfeu e Elegias de Duíno, este magnificamente traduzido pela poeta paulista. A tradução, seguida de comentários, é de 1972. Esse trabalho a consagrou como tradutora – até hoje considerado como um dos melhores – e marca, segundo Nelly Novaes Coelho, sua estreia em livro (COELHO, 2002, p. 164). Rilke, o mais ilustre poeta de língua alemã do Século XX, celebra a união entre homem e mundo, concebendo a natureza como espaço habitado por Anjos, homens e deuses. Sua poesia é um apelo a essa comunhão, o que envolve a incorporação da morte no ciclo vital. Assim, o homem conhece a dor e a primavera. Como Orfeu, conhece o reino da morte e o reino da vida. Cabe ao poeta, o novo Orfeu, observar a música do mundo, tornar invisível o visível e construir uma linguagem que redima o homem da solidão e dos sofrimentos. Ao comentar o Livro de horas, obra da qual a poeta traduziu uma boa parte, Dora nota que a poesia de Rilke, de tom profético (que permanece para além do tempo), conjuga o tempo histórico com o tempo perene: “O Livro de horas é de uma atualidade que nos espanta. A grande poesia tem muito de profética e aqui estamos diante de um poeta que abrigou dolorosamente em sua alma o tempo e o eterno” (SILVA, 1989, Cavalo Azul 11/12, p. 7). Dora Ferreira da Silva traduziu, ainda, de Rainer Maria Rilke, Vida de Maria, que saiu em 1995. São treze poemas em que a imagem de Maria desencadeia, para além do confessional, uma “voragem imagística” que promove a integração cósmica (fusão do espaço interior com o exterior), conforme Dora Ferreira da Silva anota no prefácio à obra a propósito do poema “Apresentação de Maria no templo”: 19 Para imaginares como ela era nesse tempo, / deves invocar um espaço / onde colunas se ergam do coração; / onde pressintas escadarias e arcos transponham / perigosamente o abismo de um lugar / que em ti persiste: nem conseguirias removê-los, / pois se elevam dentro de ti em blocos tão pesados / que não poderias erguê-los / sem lacerar, fibra por fibra, tua carne (SILVA, 1995, p. 13). No comentário, Dora ainda aproxima Rilke dos poetas místicos: “No poema a que nos referimos, somos como que tragados por um ícone grandioso, fresta do eterno. Há uma fusão do espaço interior da alma e do espaço cósmico que nos aproxima da experiência inefável dos místicos” (SILVA, 1995, p. 8). Além de Carl Gustav Jung, Mircea Eliade, Novalis, Rainer Maria Rilke e poetas místicos, Dora Ferreira da Silva foi tradutora e admiradora de D. H. Lawrence, que também se inclina para a participação mística com a natureza. No catálogo das traduções de Dora, encontram-se ainda poetas que, na totalidade ou em parte, comungam da mesma linha de seu pensamento, como Milosz, Saint-John Perse, Hölderlin, T.S. Eliot. Neles, Dora Ferreira da Silva não buscou influência, mas encontrou uma afinidade que só acrescentou a seu trabalho poético. hídrias Hídrias (2004) é o último livro de Dora Ferreira da Silva publicado em vida. No prefácio a esta obra, Luiz Alberto Machado Cabral disserta sobre a importância da água para os gregos e esclarece a aproximação entre a poesia e as hídrias, os vasos utilizados pelas mulheres gregas na lida diária com a água. Desta forma, os poemas – hídrias – são os recipientes da matéria sagrada e fundamental que é a poesia (CABRAL, 2004). Não é só em Hídrias que o elemento água é privilegiado pela poesia de Dora. Evocação a rios, chuva, mares, água é uma constante que pode ser localizada aleatoriamente em sua obra completa: “Choveu. / Há um cheiro de terra / murmurado à noite” (SILVA, 1999a, p. 157), “Vim rolando nas águas como pedra solta” (1999a, p. 35), “Tanta tristeza nas águas” (1999a, p. 43), “Agarrados a tábuas flutuantes” (1999a, p. 346), “Lá está o lago / Lado a lado nadávamos” (1999a, p. 223), “Empurra a maré – navegante eterna” (1999a, p. 177), “e o mar guardado / por monstros” (1999a, p. 168), “Água e sorriso” (1999a, p. 145), “Ou nada ia no barco / e tudo era o Mar?” (1999a, p. 247), “O rio de Conchas / sua margem de conchinhas” (1999a, p. 215), “Estendida a mão, / obrigou-te a chuva / a ser quem és” (1999a, p. 85). Em 1982, Dora Ferreira da Silva publica Talhamar, nome de dupla conotação marinha: uma espécie de gaivota de bico longo e a parte da proa do navio, adequada para fender os mares. A capa desta obra traz a célebre pintura grega de um homem mergulhando encontrada em uma tumba. A pintura é conhecida como pintura da tumba do Mergulhador. Entrar em contato com a água era para a poeta uma forma de comunhão com Deus e com a natureza, conforme explica em entrevista: 20