EDITORIAL Revista - Centro Universitário São Camilo - 2014;8(4):359-364 A nova edição (4ª.) da Enciclopédia de Bioética Leo Pessini* William Saad Hossne** “If it is not critical, bioethics can become apologetic and ideological”. Bruce Jennings, Editor-Chefe da Enciclopédia A bioética está prestes a completar meio século de existência, se considerarmos seu surgimento o ano de 1970, nos EUA, com as intuições de Van Rensselaer Potter (Wisconsin University, Madison, WI) e Instituto Kennedy (Georgetown University) em Washington, D.C., e já dispunha desde seu nascedouro, em 1978, uma obra referencial importante. Trata-se da publicação da primeira edição da Encyclopedia of Bioethics, em dois enormes volumes, sob a responsabilidade editorial de Warren Thomas Reich, pesquisador no Instituto Kennedy de ética, na Universidade Georgetown. Reich foi também o editor chefe da 2ª edição dessa obra, revista e atualizada, publicada em 1995 por Simon & Schuster Macmillan (New York). A 3ª edição, publicada em 2004, por Macmillan Reference USA (Thomson & Gale), tem um novo editor responsável: Stephen G. Post (Case Western Reserve University) que já trabalhara como editor associado com Reich na preparação da 2ª edição dessa obra. Com sua publicação inicial em 1978 (1ª ed.), a Enciclopédia de Bioética tornou-se a primeira referência a focar exclusivamente o novo e promissor campo da bioética, ajudando a definir a disciplina. Nesse momento, o então florescente campo da bioética ainda não era bem definido e nem reconhecido. Tanto a primeira quanto à segunda edição (1995), ainda são uma referência fundamental para a bioética tanto para professores, quanto para estudantes e aqueles que trabalham na área dos cuidados da saúde, filosofia, meio ambiente, direito e estudo das religiões. A mais nova edição dessa obra monumental, completamente revisada e atualizada (4ª Edição) lançada neste ano de 2014, tem um novo Editor-Chefe, Bruce Jennings (Yale University), e apresenta uma profunda revisão e atualização dos assuntos em relação às edições anteriores. Essa 4ª edição foi expandida para incluir visões de outros países e nações, para além da visão norte-americana principialista de suas origens, em questões tais como aborto: uma visão hinduísta, triagem médica, responsabilidade social, acesso aos cuidados de saúde, pesquisa com células tronco, entre outros assuntos de grande relevância no atual estágio da evolução da bioética. Na introdução da primeira edição da Enciclopédia de Bioética, o editor chefe Warren T. Reich definiu bioética como “o estudo sistemático da conduta humana na área das ciências da vida e da saúde, enquanto esta conduta é examinada à luz de valores morais e princípios”. Essa definição esteve na base das primeiras três edições dessa obra (1978, 1995 e 2004), e torna-se o ponto de partida para essa nova edição, complemente revista e atualizada. O objetivo dessa nova reformulação depende do que se inclui nas “ciências da vida”, definição e determinantes de saúde, e métodos de ética. Essas questões, como nas edições anteriores são tratadas de uma forma bastante ampla e aberta. Talvez fazendo eco do VI Congresso Mundial de Bioética, realizado em Brasília, em 2002, que teve como DOI: 10.15343/1981-8254.20140804359364 * Pós-doutor pela Universidade de Edinboro – Instituto de Bioética James F. Drane, Pensilvânia, EUA. Doutor em Teologia/Bioética. Pós-graduado em Clinical Pastoral Education and Bioethics, St Luke’s Medical Center. Docente do Programa Stricto sensu em Bioética (Mestrado, Doutorado e Pós-Doutorado) do Centro Universitário São Camilo-SP, Brasil. E-mail: [email protected] ** Médico. Professor Emérito (Cirurgia) da Universidade Estadual Paulista – UNESP, Faculdade de Medicina, campus Botucatu-SP, Brasil. Ex-Presidente da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa – CONEP. Membro do Comitê Internacional de Bioética da UNESCO. Coordenador do programa Stricto sensu em bioética (Mestrado, Doutorado e Pós-Doutorado) do Centro Universitário São Camilo-SP, Brasil. E-mail: [email protected] 359 EDITORIAL Revista tema central: Bioética: poder e injustiça, Bruce Jennings na introdução dessa 4ª edição afirma que: “Esta edição de Bioética não despreza as questões de poder no âmbito da ciência, tecnologia e saúde. Os dilemas éticos com frequência são indicativos de inequidades estruturais, institucionais e de injustiça. Esses temas são explorados em numerosos artigos, relacionados com saúde pública, inequidade e exploração, racismo, e assuntos que tem a ver com bem estar da criança, gênero e sexualidade”1. Afirma ainda o Editor-Chefe desta 4ª edição que “Em 2014, o campo da bioética mudou e ainda passa por mudanças. Constata-se três desenvolvimentos que são salientados na ampla gama de artigos desta edição, a saber: profissionalização, rigor disciplinar e expansão internacional com o reconhecimento de uma perspectiva global”1. Fala-se que a bioética tornou-se global. As questões de poder, justiça, ciência, tecnologia e saúde, pesquisas em humanos, com as quais a bioética lida hoje, não tem limites geográficos rígidos como antigamente. A partir dessa 4ª edição, a então denominada Enciclopédia de Bioética, título das três edições anteriores passa a se denominar simplesmente Bioética. São seis volumes, com 569 artigos, sendo que 221 são originais e publicados pela primeira vez, e destes, um total de 108 novos artigos abordam questões que não foram incluídas nas edições anteriores. Contém artigos novos em tópicos tais como: Aborto: perspectivas a partir do Hinduísmo; Abuso de profissionais da saúde; Biodiversidade; Deficiência cognitiva / Ferimento traumático do cérebro; Hospitais: questões éticas de governança; Socorro humanitário; Armas nucleares e pedagogia da bioética, entre outros. Inúmeros tópicos ganharam uma maior ênfase nessa edição. Observamos uma atenção maior em saúde pública, discutindo questões éticas e políticas públicas de saúde e bioética, doenças infecciosas, epidemias e saúde ambiental. Num contexto de inovação, reforma dos sistemas de saúde que estão em crise em todo o mundo, tanto nos EUA, como em outros países, muitos artigos nessa edição são dedicados a essa questão e ao aperfeiçoamento dos cuidados de saúde, qualidade, e sustentabilidade econômica e justiça, em nível doméstico e global. 360 - Centro Universitário São Camilo - 2014;8(4):359-364 As questões sobre envelhecimento, doenças crônicas e degenerativas e cuidados de longa permanência também recebem uma atenção inovadora. A mudança de atitudes e políticas públicas em relação ao aborto na perspectiva internacional é amplamente analisada. Dá-se maior ênfase nos novos desenvolvimentos de biotecnologia, genética e reprodução humana e cuidados de final de vida, com uma cobertura maior em cuidados paliativos. Finalmente, nessa 4ª edição dessa monumental obra de Bioética, constata-se uma maior ênfase em ética ambiental, suas filosofias e teorias (biocentrismo e ecocentrismo), campos científicos (ecologia, biologias conservacionista e evolucionária), e problemas de políticas públicas (mudanças climáticas, perda da biodiversidade, perigos que ameaçam a saúde ambiental, água potável e os efeitos tecnológicos ligados à ecologia e saúde, organização e práticas agriculturais), entre outros assuntos. Questões como o pós-humanismo e trans-humanismo, avanços em neurociência, nanotecnologia, e biologia sintética são tópicos em que um engajamento criativo entre bioética e ética ambiental parece ser bastante interessante e promissor. Segundo Bruce Jennings, uma maneira de olhar para uma Enciclopédia acadêmica de qualquer campo é vê-la como um depósito do estado de arte do conhecimento e da discussão acadêmica de uma determinada área do conhecimento humano. Essa é a ideia da Enciclopédia como um espelho. Um trabalho de referência de tal sorte é de grande utilidade e valor, com certeza. Outra maneira de ver uma enciclopédia é encará-la, não somente como depósito de conhecimento, mas como uma publicação que expande e desenvolve uma determinada área de conhecimento para além de sua posição corrente. Essa visão da Enciclopédia reflete o que está atrás, em termos de caminhada histórica, mas também ilumina o que está adiante. Essa é a ideia da Enciclopédia como uma lâmpada. Nessa perspectiva, essa Enciclopédia pode ser uma força intelectual criativa no dinâmico campo da evolução do conhecimento bioético, inspirando novas linhas de pesquisa, considerando novas questões e perspectivas teoréticas que ainda não mereceram a devida atenção e consideração no estágio atual de evolução da bioética. EDITORIAL Revista - Centro Universitário São Camilo - 2014;8(4):359-364 A Enciclopédia como um espelho e ao mesmo tempo como uma luz traz uma mensagem à comunidade dos bioeticistas. Como espelho é oportuno rever o que se construiu e humildemente aprender e crescer com a autocrítica. Como luz está a indicar a necessidade de se analisar e prever os tópicos avançados; os desafios e o futuro da Bioética. REFERÊNCIA 1. Jennings B, editor. Bioethics. USA: Wadsworth Publishing Co Inc; 2014. 361