Ciência das Plantas Daninhas: Histórico Daninhas

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Ciência das Plantas
Daninhas: Histórico
Histórico,,
Biologia, Ecologia e
Fisiologia
1
Germani Concenço
Concenço,, André Andres,
Ale
xandre F
erreira da Silva, Leandr
o Galon,
Alexandre
Ferreira
Leandro
Evander Alves F
erreira e Ignacio Aspiazú
Ferreira
Ciência das plantas daninhas
A história da ciência das plantas daninhas se confunde com a história do homem e da agricultura (FERRERO et al., 2010). As plantas indesejáveis, infestantes
ou daninhas, existem desde que o homem deixou de ser nômade, ou seja,
quando passou a criar animais e a cultivar plantas próximo ao local de habitação, sendo definidas como qualquer planta que ocorre onde não é desejada,
ou então uma planta sem valor econômico ou que compete, com o homem,
pelo solo (SILVA et al., 2007a). Em termos simples, uma planta pode ser
considerada daninha se estiver direta ou indiretamente prejudicando determinada atividade humana. Sugere-se que o período Neolítico (15.000-10.000
a.C.) representa os primórdios da agricultura, sendo que primeiro o homem
foi caçador e criador de animais, posteriormente começou a buscar alimentos
nas plantas que cresciam naturalmente e foi conhecendo as espécies comestíveis e as prejudiciais (TIMMONS, 1970). Nesse período, o homem foi abandonando a caça como atividade principal, pois a domesticação animal se
tornou uma prática usual entre os grupos humanos. Foi quando, supõe-se, o
homem substituiu as mãos por instrumentos rudimentares, feitos de madeira
ou pedras. A estabilidade obtida por essas novas técnicas de domínio da natureza e dos animais também possibilitou a formação de maiores aglomerados
populacionais. A passagem do homem caçador ao homem agricultor ocorreu
por meio do cultivo de uma forma domesticada de Triticum sp. Muitas das
áreas de cultivo foram estabelecidas em terras úmidas, muito próximas de
rios, onde o solo era mais fértil. Não é claro como se realizava o “enfrentamento” das plantas daninhas nesse período, mas a hipótese é de que era
feito o arranquio manual destas, embora alguns autores considerem pouco
provável essa teoria (TIMMONS, 1970).
2 Aspectos da Biologia e Manejo das Plantas Daninhas
O progresso da irrigação ao longo dos rios Eufrates e Tigre, na
Mesopotâmia, e no rio Nilo, no Egito, em torno de 6500 a.C., provavelmente marcou o início da agricultura estabilizada (WELLS,1961). Antigos desenhos
indicam que os primeiros instrumentos “agrícolas” foram criados no início de
6000 a.C nessas regiões e mostram um tipo de enxada em V construída de
partes de árvores, aparentemente com ponta de bronze ou pedra afiada na
extremidade e usada de maneira similar à nossa enxada moderna. Esse instrumento, provavelmente, foi utilizado principalmente para revolver o solo e
para o plantio, em vez de uso específico para controle de plantas daninhas. Se
o emprego foi para o controle de plantas daninhas, este poderia ser considerado um dos primeiros métodos mecânico de controle destas na história da
humanidade, precedido da catação manual realizada pelas mulheres enquanto os homens realizavam a caça (TIMMONS, 1970).
Na época antiga, o sucesso do controle das plantas daninhas dependia
do emprego de equipamentos como a foice, criada em 3000 A.C, e arados e
enxadas rudimentares, “tracionados” por animais ou escravos, já praticamente no período entre 1000 e 500 a.C. (TIMMONS, 1970).
Escritas romanas referentes ao primeiro século d.C. citam que a produção de milho seria drasticamente reduzida se o controle de ervas fosse negligenciado (DICKSON, 1788), e surge ainda nesse século o equipamento empregado em animais (colar) para “tracionar” um tipo de arado que serviria
para abrir sulcos entre as filas de culturas. Estes poderiam ser utilizados quando plantas atingissem três folhas, mas somente na camada superficial do solo.
O filósofo e botânico grego Teofrasto (371-287 a.C.), ao escrever sobre
a influência de uma planta sobre outra, comentava que as infestantes seriam o
resultado da degeneração das culturas do linho, do trigo e da cevada em uma
espécie daninha conhecida como Lolium temulentum, principalmente em áreas
úmidas (SMITH; SECOY, 1975).
Ferrero et al. (2010) citam um estatuto do Rei da Escócia, Alexandre II,
que foi promulgado entre 1214 e 1249, que previa severas penas aos produtores que utilizassem sementes de baixa qualidade, ou seja, com presença de
grãos de ervas daninhas, ou ainda que não eliminassem certas espécies de
ervas até antes da colheita da cultura. A eficiência desse estatuto se fez notar
porque esse território se tornou famoso pela qualidade de sua produção. Nos
séculos XVI, XVII e XVIII, escritos britânicos ampliaram a discussão da presença e efeitos das plantas daninhas.
Métodos de controle com base em ferramentas rudimentares persistiram
por muitos séculos, graças à tradição de semeadura a lanço da maioria das
culturas. Embora já utilizada por algumas civilizações na antiguidade, em 1731
surgiu o conceito de semeadura ou plantios em linhas na agricultura moder-
Cap. 1 – Ciência das Plantas Daninhas: Histórico, Biologia, Ecologia e Fisiologia 3
na, em que se utilizavam implementos tracionados por cavalos (KLINGMAN;
ASHTON, 1982). O método mecânico de manejo de plantas daninhas tomou
impulso com o uso de tração animal ocupando grande importância na história até o surgimento dos tratores agrícolas, no final do século XIX (VIAN;
ANDRADE Jr., 2010).
Em 1837, John Deere construiu um arado em aço que permitiu que áreas
até então consideradas inutilizadas nos EUA fossem aproveitadas para agricultura, o que reforçou o simbolismo de que foi o arado o grande responsável
pelo progresso da agricultura. Desde os tempos egípcios, no entanto, algumas
observações evidenciavam que o arado, além de preparar o leito do solo
para a semeadura, também propiciavam o enterrio das ervas daninhas já nascidas.
O crescimento populacional e a queda da fertilidade dos solos, após
anos de sucessivas culturas no continente europeu, causaram, entre outros
problemas, a escassez de alimentos. Nesse sentido, por volta dos séculos XVIII
e XIX, intensifica-se a adoção de sistemas de rotação de culturas com plantas
forrageiras (gramíneas e leguminosas), e as atividades de pecuária e agricultura se integram. Essa fase é conhecida como a Primeira Revolução Agrícola.
Mesmo com a invenção do trator a vapor em 1850 e com o desenvolvimento do trator a gasolina no início de 1900, somente após 1920 os avanços
na agricultura mecanizada tornaram-se importantes no controle de plantas
daninhas. Ainda, no início desse século, no estado de Louisiana, as forças
armadas dos EUA substituíram o controle manual de aguapé (Eichornia
crassipes) pelo uso de botes (motor a gasolina) nos quais estavam acoplados
uma espécie de triturador. Esse método de controle foi utilizado até meados
de 1950. Vários autores citam que, no início do século XX, ocorreu a transição
do uso da tração animal para a mecanização em muitas tarefas agrícolas,
inclusive para o controle de plantas daninhas, e que essa urgência por tais
equipamentos resultou em inúmeros modelos “caseiros” (TIMMONS, 1970).
Outro período de intensa transformação na agricultura aconteceu no final
do século XIX e início do século XX, principalmente na Europa e EUA. Descobertas científicas, aliadas ao grande desenvolvimento tecnológico como o uso
de fertilizantes químicos, motores de combustão interna, melhoramento genético de plantas, desenvolvimento de substâncias com propriedades herbicidas e
irrigação, acabaram por impor um novo padrão de desenvolvimento para a
agricultura. As mais significativas mudanças desse período foram: a redução da
importância relativa da rotação de culturas, o progressivo abandono do uso da
adubação verde e do esterco na fertilização, a separação da produção animal
da vegetal e, principalmente, a absorção de algumas etapas do processo de
produção agrícola pelas indústrias. Essas mudanças abriram as portas para o
4 Aspectos da Biologia e Manejo das Plantas Daninhas
desenvolvimento de sistemas mais intensivos de produção, marcando o início
de uma nova etapa na história da agricultura, chamada de Segunda Revolução
Agrícola Contemporânea, ou “Revolução Verde” (EHLERS, 1996).
O controle químico de plantas daninhas iniciou-se com a utilização de
substâncias inorgânicas, sendo o cloreto de sódio provavelmente o primeiro
composto utilizado. Os romanos o empregaram para esterilizar as terras de
Cartago no final da terceira guerra púnica, pela disputa do controle do mar
mediterrâneo; a terra se tornou degradada e erodida. Após o enforcamento de
Tiradentes em 1792, os portugueses espalharam sal no quintal da casa do Mártir, para que ali não brotasse mais nada. Outros compostos, como ácido sulfúrico, sulfato de cobre, sulfato de amônio e de ferro e nitrato ou tiocianato de
amônio ou mesmo cinzas, também foram utilizados em algumas situações para
a eliminação das plantas daninhas (NATIONAL ACADEMY OF SCIENCES, 1971;
PETERSON, 1967; VARGAS; ROMAN, 2008). O uso do cloreto de sódio (sal)
como herbicida foi recomendado na Alemanha em 1854, e em algumas regiões
dos Estados Unidos ainda no século XIX. Em Kansas (EUA) foi usado entre 1937
e 1950 para controle de vegetação em ferrovias, na dose de 49,4 t ha–1. Essas
substâncias, no entanto, não são mais importantes na agricultura moderna por
exigirem altas doses, muitas vezes inviabilizarem cultivos futuros no local onde
são aplicados e promoverem maior contaminação do solo e da água.
A introdução dos herbicidas orgânicos ocorreu em 1932 com a
disponibilização do 3,5-dinitro-o-cresol, sob o nome técnico de DNOC
(NATIONAL ACADEMY OF SCIENCES, 1971). O sucesso no controle químico
de plantas daninhas em lavouras extensas, no entanto, somente foi alcançado
com a descoberta de propriedades herbicidas em moléculas do grupo dos
fenoxiacéticos na Inglaterra e nos Estados Unidos, entre 1942 e 1944 (Tabela
1), que marcou o início da “Era Química da Agricultura”, principalmente com
o desenvolvimento do herbicida 2,4-D em meados da II Grande Guerra Mundial, por volta de 1943 (PETERSON, 1967), que ainda é utilizado em conjunto
com herbicidas mais modernos (VARGAS; ROMAN, 2008). Em virtude da
tolerância de algumas espécies de folhas largas ao 2,4-D (Galium aparine,
Stellaria media, Anthemis cotula, Matricaria spp., Polygonum spp. e Veronica
spp.), variantes do herbicida 2,4-D, como 2,4-DB, 2,4-DP, MCPA, MCPB e
MCPP, foram desenvolvidas.
Nesse período foi também utilizado, pela primeira vez, o avião para
aplicação de químicos. Em 1950 desenvolveram-se equipamentos para aplicações a baixa pressão e baixos volumes. Novas pontas de pulverização foram
desenvolvidas para aplicações terrestres e aéreas para herbicidas fenoxiacéticos.
A partir de 1960, inúmeras inovações foram realizadas em equipamentos aéreos para aplicações de herbicidas, bem como na formulação dos herbicidas
disponíveis na época.
Cap. 1 – Ciência das Plantas Daninhas: Histórico, Biologia, Ecologia e Fisiologia 5
Tabela 1 Fatos significativos, no Brasil e no mundo, que resultaram em avanços no
desenvolvimento da ciência moderna aplicada ao controle das plantas daninhas.
NO MUNDO 1
NO BRASIL 2
1908 (Estados Unidos) – relato de sucesso no
controle de plantas daninhas com sal de cozinha,
sulfato de ferro e de cobre e arsenito de sódio
1941 (Estados Unidos) – síntese química do 2,4-D
1942 (Estados Unidos) – determina-se que o 2,4-D é
uma substância de crescimento
1945 (Inglaterra) – estabelecido o princípio da préemergência para o controle seletivo de plantas
daninhas
1951 – a revista Weeds é criada
1955 – criação do herbicida “paraquat” pela
Imperial Chemical Industries (ICI), dessecante que
deu impulso aos primeiros trabalhos e aos
fundamentos de formação da palha, base para o
plantio direto
1956 – a Weed Science Society of America é criada,
assumindo a revista Weeds e alterando seu nome
para Weed Science
1956 – I Seminário Brasileiro de Herbicidas e Ervas
Daninhas
1960 – o European Weed Research Council (EWRC)
foi criado, e este conselho criou a revista Weed
Research
1963 – fundação da Sociedade Brasileira de
Herbicidas e Ervas Daninhas
1969 - introdução do sistema de plantio direto que
colaborou para o controle de ampla gama de
espécies daninhas
1975 – é criada a European Weed Research Society
1976 – é criada a International Weed Science Society
1978 – fundação da revista científica Planta Daninha
1981 – oficializado o programa Pro-Várzeas,
inicialmente instalado no vale do rio Araranguá
(SC), que colaborou no manejo de plantas daninhas
do arroz
1996 – liberação do cultivo de soja transgênica
tolerante ao herbicida glyphosate nos Estados
Unidos
2005 – liberação do cultivo de soja transgênica
tolerante ao herbicida glyphosate
1. Adaptado de Klingman e Ashton, 1982. 2. Dados originais.
6 Aspectos da Biologia e Manejo das Plantas Daninhas
Se, por um lado, as plantas daninhas de folhas largas puderam ser controladas eficientemente com o 2,4-D e suas variantes, por outro, ainda faltavam herbicidas que fossem eficientes sobre as de folha estreita. Na década de
1950 foram lançados o TCA e o Dalapon, que necessitavam de altas doses e
eram pouco seletivos. Os primeiros herbicidas orgânicos desenvolvidos apresentavam uma característica em comum, embora não fortemente marcante:
as primeiras pesquisas foram capazes de identificar as moléculas como letais
ou danosas a certas espécies vegetais, sendo descrita a sequência de eventos
desde a aplicação do herbicida até a morte da planta (denominado “modo de
ação”), mas na maioria dos casos não se conheciam exatamente os locais de
ação dos herbicidas nas plantas, ou em quais processos essenciais eles interferiam (mecanismo de ação).
A procura pelos primeiros herbicidas era um processo no qual a tentativa-e-erro apresentava papel significativo, pois não se tinha em mente, antes
do teste do produto, um ponto específico da planta a ser inibido. O mecanismo de ação do herbicida 2,4-D, por exemplo, ainda é descrito da seguinte
forma (SILVA et al., 2007b): “Estudos sugerem que o metabolismo de ácidos
nucleicos e os aspectos metabólicos da plasticidade da parede celular são seriamente afetados. Acredita-se que estes produtos interferem na ação da enzima
RNA-polimerase...”. Outros produtos, como o MSMA, ainda possuem mecanismo de ação desconhecido, com somente hipóteses de como agem nas plantas. Outra característica dos primeiros herbicidas é a atuação em diversos processos que, no conjunto, levavam a planta à morte, como é o caso do 2,4-D
e dos herbicidas denominados genericamente de “inibidores de crescimento”,
dentre outros. Os distintos mecanismos de ação dos herbicidas serão abordados no Capítulo 10.
Com o avanço nas pesquisas, passou-se a buscar produtos que atuassem
em pontos mais específicos das plantas, sendo definidas de antemão enzimasalvo de processos que, ao serem inibidas, resultariam na falta de produtos
essenciais no metabolismo do vegetal. Alguns exemplos podem ser descritos,
como os herbicidas inibidores das enzimas acetolactato sintase (ALS) ou acetil
coenzima-A carboxilase (ACCase), chamados de herbicidas modernos (altamente específicos, utilizados em baixas dosagens, com baixa toxicidade ao
homem, aos animais e ao meio ambiente), que juntamente com o glyphosate
e com os inibidores de fotossíntese representam a maioria dos herbicidas utilizados atualmente.
Juntamente com a evolução das técnicas de manejo de plantas daninhas, ocorreu proporcional redução na demanda de mão de obra na agricultura. Enquanto insetos-pragas e doenças podem não ter alcançado grande
importância em sistemas de cultivo primitivos, em que lavouras eram equili-
Cap. 1 – Ciência das Plantas Daninhas: Histórico, Biologia, Ecologia e Fisiologia 7
bradas por extensas áreas não cultivadas repletas de inimigos naturais, as plantas
daninhas sempre estiveram presentes, constituindo-se no principal fator
limitador da produtividade e da qualidade do produto. As plantas daninhas
“mudam” em resposta às práticas agrícolas (ALDRICH; KREMER, 1997). Assim, juntamente com as operações de semeadura ou de plantio e colheita, o
controle das plantas daninhas demandava significativa dedicação ao longo do
cultivo.
Pessoas alimentadas por 1 pessoa
trabalhando na produção de alimentos
Estimativas indicam que um brasileiro adquire, no mercado, entre 288,19
e 560,68 kg de comida por ano (IBGE, 2007), o que resulta em demanda
média (não ponderada) de 1,16 kg de alimentos por pessoa por dia. Em 2005,
a quantidade total de cereais, leguminosas e oleaginosas produzidos no Brasil
foi de 112,7 milhões de toneladas (IBGE, 2010), e, no mesmo ano, 4.586.668
pessoas estavam empregadas na agricultura brasileira (CUNHA, 2008). Isto
indica que em 2005, no Brasil, uma pessoa era capaz de produzir alimentos
para pelo menos 21 pessoas – podendo ser ainda maior caso fossem consideradas as produções de frutas e hortaliças. Na pré-história, um adulto mal
conseguia produzir alimentos para si próprio, e a evolução na produção de
alimentos acompanhou o surgimento de novas tecnologias (Figura 1). Muito
desse ganho se deve a avanços de conhecimentos nos processos de manejo de
plantas daninhas, inicialmente com alta demanda de mão de obra, como as
capinas, que causavam ainda danos às plantas, comprometendo a produtividade das culturas.
25
21+
20
15
10
4
5
1
2
0
10000 a.C.
1000 a.C.
1731
2005
Período de Referência
Figura 1 Número de pessoas alimentadas por indivíduo com mão de obra aplicada
na agricultura. Fonte: 10000 a.C. até 1731: adaptado de Klingman e Ashton (1982);
2005: dados originais estimados (válidos somente para o Brasil).
8 Aspectos da Biologia e Manejo das Plantas Daninhas
Importância da biologia das plantas daninhas
para seu manejo
Um dos grandes limitantes no manejo de plantas daninhas é a falta de
conhecimento das espécies que se deseja controlar. O uso de práticas adequadas no momento equivocado pode proporcionar resultado inferior ao desejado, seja na eficiência de controle ou na produtividade da cultura. Devemos
conhecer tão bem as plantas daninhas quanto conhecemos as plantas cultivadas.
O surgimento do plantio direto trouxe uma nova ferramenta para o manejo das plantas daninhas: a ausência – ou pelo menos a menor frequência – de
distúrbios no solo. Sementes de algumas espécies não são capazes de germinar na
ausência de luz; logo, se o solo não for revolvido, apenas sementes mais próximas
à superfície poderão receber quantidades adequadas de luz. As demais permanecerão quiescentes por certo período, sendo forçadas a entrar em dormência secundária. Com o tempo pode ocorrer perda de viabilidade, caso condições propícias à germinação não ocorram, como no caso da planta daninha arroz-vermelho presente em campos de arroz irrigado (NOLDIN et al., 1999), em que 79%
dos ecótipos encontrados apresentavam dormência, com germinação entre 20 e
30%, apenas. A dinâmica do banco de sementes de plantas daninhas e seu papel
na sobrevivência das espécies serão abordados no Capítulo 2.
Dessa forma, num primeiro momento, o sistema de plantio direto foi
extremamente eficiente em controlar determinadas plantas daninhas, enquanto
favoreceu o estabelecimento de outras (RADOSEVICH, 2007). Na prática,
sabe-se que o não revolvimento do solo favorece o desenvolvimento de espécies com estruturas de propagação vegetativa em vez de plantas originadas
de sementes (BUHLER, 1995; FERNANDES, 2003). Esse conceito pode ser
aplicado também com relação à resistência de plantas daninhas a herbicidas –
que será visto no Capítulo 11.
A forma de propagação das plantas daninhas também é importante para
o planejamento de práticas de controle. Pode ser difícil eliminar espécies que
se propagam tanto por sementes como vegetativamente; outras podem liberar no solo compostos que impedem ou atrasam o início do processo de
germinação de outras espécies, ou que até mesmo retardem o crescimento
das plântulas (efeito alelopático). A identificação desses compostos, bem como
dos seus efeitos sobre outras espécies, tem crescido no início deste século
(Alelopatia). Estudos que envolvam os limites de tolerância de cada espécie às
variações ambientais, sua adaptação às práticas de manejo e capacidade de
competir tanto com a cultura quanto com as demais espécies presentes ainda
são crescentes e vêm colaborando na determinação dos limites de sua ocorrência bem como sua severidade.
Cap. 1 – Ciência das Plantas Daninhas: Histórico, Biologia, Ecologia e Fisiologia 9
Diversos fatores influenciam a importância das espécies vegetais como plantas daninhas. Por isso, elas são classificadas por semelhanças morfofisiológicas e de
adaptação. Os mecanismos de sobrevivência e reprodução das espécies devem
ser considerados no planejamento de práticas de manejo. Consequentemente,
estudos fitossociológicos (Capítulo 5), aliados a estudos de competição, alelopatia
(Capítulos 3 e 4) e adaptação a estresses ambientais e de manejo (Capítulo 2),
determinarão tanto a importância de cada espécie como seu comportamento em
comunidade, ou seja, em interação com outras espécies, e também as práticas de
manejo mais adequadas para seu controle. Além disso, para as espécies que apresentam maior habilidade competitiva, é necessário compreender quais os fatores
que conferem a estas um desempenho superior às demais.
O agrupamento das plantas daninhas com base em aspectos morfofisiológicos e de adaptação facilita o delineamento de práticas de manejo. Da
mesma forma que herbicidas são classificados por meio de grupos químicos,
conforme o mecanismo de ação, espécies afins podem ser mais sensíveis a
determinado herbicida ou a certas práticas de manejo. Assim, a ampliação do
conhecimento, tanto da comunidade infestante como das práticas culturais, e
de suas interações com as características ambientais, aumentará a chance de
sucesso no controle das plantas daninhas.
Classificações botânicas
As plantas com sementes se dividem em gimnospermas e angiospermas.
Enquanto as gimnospermas praticamente não têm importância como daninhas, ambas as classes das angiospermas – monocotiledôneas e dicotiledôneas
(Liliopsidas e Magnoliopsidas na classificação de Cronquist, respectivamente) – englobam a maioria das espécies daninhas. Dependendo do sistema de
classificação botânica (Thorne, APGII, Cronquist, Engler-Wettstein), a denominação varia muito e os conjuntos de espécies dentro de um mesmo grupo
podem diferir, mas, em termos gerais, o matologista não deve cometer o
engano de associar monocotiledôneas exclusivamente com “poáceas” (antes
denominadas “Gramineae” na classificação de Engler-Wettstein).
Essas duas classes (monocotiledôneas e dicotiledôneas) englobam aproximadamente 170.000 espécies, incluindo quase todas as consideradas daninhas, que totalizam ao redor de 30.000 (SILVA et al., 2007a). Desse total, ao
redor de 1.800 são consideradas nocivas aos sistemas produtivos em virtude
de sua adaptabilidade ambiental, competitividade e alta taxa de proliferação.
A classe das monocotiledôneas engloba dez ordens (Acorales, Alismatales,
Asparagales, Dioscoreales, Liliales, Pandanales, Arecales, Commelinales, Poales
e Zingiberales). O sistema APG II reconhece 17 famílias na ordem Poales, sendo as principais: Poaceae (12.000 espécies), Cyperaceae (5.000 espécies),
10 Aspectos da Biologia e Manejo das Plantas Daninhas
Bromeliaceae (1.400 espécies) e Eriocaulaceae (1.150 espécies). A ordem
Commelinales inclui duas famílias que possuem importantes gêneros de plantas daninhas: Commelinaceae e Pontederiaceae. As tiriricas (Cyperus spp.)
também são monocotiledôneas. A classificação botânica em mono e
dicotiledôneas na ciência das plantas daninhas, portanto, pode conduzir a
enganos em termos práticos por incluir espécies com características
contrastantes.
A Figura 2 demonstra a porcentagem de espécies daninhas importantes
no mundo em função da família botânica às quais elas pertencem, sendo que
50% das espécies de plantas daninhas mais importantes pertencem às famílias
Poaceae e Asteraceae. Recomenda-se que os grupos de plantas daninhas sejam designados pelas suas famílias botânicas para garantir que estejamos nos
referindo a grupos de plantas com características semelhantes.
No de espécies
Porcentagem acumulada
80
60
44
40
32
20
12
8
7
7
6
5
5
4
4
4
0
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o
N de espécies
Porcentagem acumulada
100
Família
Figura 2 Famílias de plantas daninhas e números de espécies mais importantes no
mundo, por família. Fonte: Adaptada de Silva et al. (2007a).
Prejuízos causados pelas plantas daninhas
Os prejuízos decorrentes da infestação por plantas daninhas podem ser
sintetizados em diretos e indiretos.
Prejuízos diretos
Os prejuízos diretos são ocasionados diretamente sobre a cultura, como
competição por fatores do ambiente ou depreciação do produto colhido:
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