História do Mundo Bíblico Antigo 1 2 História do Mundo Bíblico Antigo IBETEL Site: www.ibetel.com.br E-mail: [email protected] Telefax: (11) 4743.1964 - Fone: (11) 4743.1826 R. Gal. Fco. Glicério, 1412 – Centro – Suzano/SP – Cep 08674-002 História do Mundo Bíblico Antigo 3 (Org.) Profº. Pr. VICENTE PAULA LEITE História do Mundo Bíblico Antigo 4 Apresentação Estávamos em um culto de doutrina, numa sexta-feira destas quentes do verão daqui de São Paulo e a congregação lotada até pelos corredores externos. Ouvíamos atentamente o ensino doutrinário ministrado pelo Pastor Vicente Paula Leite, quando do céu me veio uma mensagem profética e o Espírito me disse “fale com o pastor Vicente no final do culto”. Falei: - Jesus te chama para uma grande obra de ensino teológico para revolucionar a apresentação e metodologia empregada no desenvolvimento da Educação Cristã. Hoje com imensurável alegria, vejo esta profecia cumprida e o IBETEL transbordando como uma fonte que aciona apressuradamente com eficácia o processo da educação teológico-cristã. A experiência acumulada do IBETEL nessa década de ensino teológico transforma hoje suas apostilas, produtos de intensas pesquisas e eloqüente redação, em noites não dormidas, em livros didáticos da literatura cristã com uma preciosíssima contribuição ao pensamento cristão hodierno e aplicação didática produtiva. Esta correção didática usando uma metodologia eficaz que aponta as veredas que leva ao único caminho, a saber, o SENHOR e Salvador Jesus Cristo, chega as nossas mãos com os aromas do nardo, da mirra, dos aloés, da qual você pode fazer uso de irrefutável valor pedagógicoprático para a revolução proposta na gênese de todo trabalho. E com certeza debaixo das mãos poderosas do SENHOR ser um motor propulsor permanentemente do mandamento bíblico: “Conheçamos e prossigamos em conhecer ao Senhor...”. Por certo esta semente frutificará na terra boa do seu coração para alcançar preciosas almas compradas pelo Senhor Jesus. Dr. Messias José da Silva In memorian História do Mundo Bíblico Antigo 5 Prefácio Este Livro da História do Mundo Bíblico Antigo, parte de uma série que compõe a grade curricular do curso em Teologia do IBETEL, se propõe a ser um instrumento de pesquisa e estudo. Embora de forma concisa, objetiva fornecer informações introdutórias acerca dos seguintes pontos: Evolução ou criação: Criação, A Idade do Homem, Pré-história, História, Classificação, Antigas Civilizações; Povos e Nações do Mundo Bíblico Antigo: Noé, Semitas, Acádios, Cananeus, Suméria e Mesopotâmia. Esta obra teológica destina-se a pastores, evangelistas, pregadores, professores da escola bíblica dominical, obreiros, cristãos em geral e aos alunos do Curso em Teologia do IBETEL, podendo, outrossim, ser utilizado com grande préstimo por pessoas interessadas numa introdução a História do Mundo Bíblico Antigo Finalmente, exprimo meu reconhecimento e gratidão aos professores que participaram de minha formação, que me expuseram a teologia bíblica enquanto discípulo e aos meus alunos que contribuíram estimulando debates e pesquisas. Não posso deixar de agradecer também àqueles que executaram serviços de digitação e tarefas congêneres, colaborando, assim, para a concretização desta obra. Profº. Pr. Vicente Leite Diretor Presidente IBETEL 6 Declaração de fé O que é doutrina? À luz da Bíblia, doutrina é o ensino bíblico normativo, terminante, final, derivado das Sagradas Escrituras, como regra de fé e prática de vida, para a igreja, para seus membros. Ela é vista na Bíblia como expressão prática na vida do crente. As doutrinas da Palavra de Deus são santas, divinas, universais e imutáveis. A palavra "doutrina" vem do latim doctrina, que significa "ensino" ou "instrução”, e se refere às crenças de um grupo particular de crentes ou mesmo de partidários. O Velho Testamento usa a palavra leqach, que vem do verbo laqach, "receber". O sentido primário é "o recebido". Aparece com o sentido de "doutrina" ou "ensinamento", como lemos "Goteje a minha doutrina como a chuva" (Dt 32.2); "A minha doutrina épura" (Jó 11.4); "Pois vos dou boa doutrina; não deixeis a minha lei" (Pv 4.2). Com o passar do tempo a palavra veio significar o ensino de Moisés que se encontra no Pentateuco. As palavras gregas para "doutrina", no Novo Testamento, são didaque e didaskalia, que significam "ensino". Essas palavras transmitem a idéia tanto do ato de ensinar como da substância do ensino. A primeira aparece para indicar os ensinos gerais de Jesus: "E aconteceu que, concluindo Jesus este discurso, a multidão se admirou da sua doutrina" (Mt 7.28). "Jesus respondeu e disse-lhes: A minha doutrina não é minha, mas daquele que me enviou. Se alguém quiser fazer a vontade dele, pela mesma doutrina, conhecerá se ela é de Deus ou se eu falo de mim mesmo” (Jo 7.16,17). A mesma palavra aparece para "doutrina dos apóstolos" (At 2.42), que parece ser uma indicação das crenças dos apóstolos. A segunda tem o mesmo sentido e aparece em Mateus 15.9 e Marcos 7.7. É, portanto, nas epístolas pastorais que elas aparecem com o sentido mais rígido de crenças ou corpo doutrinal da igreja - a Teologia propriamente dita. O que é Credo? Credo vem do latim e significa "creio", e desde muito cedo na história do Cristianismo é mais que um conjunto de crenças. É uma confissão de fé. Ele tem como objetivo sintetizar as doutrinas essenciais do cristianismo para facilitar as confissões públicas, conservar a doutrina contra as heresias e manter a unidade doutrinária. Encontramos no Novo Testamento algumas declarações rudimentares de confissões fé: A confissão de Natanael (Jo 1.50); a confissão de Pedro (Mt 16.16; Jo 6.68); a confissão de Tomé (Jo 20.28); a confissão do Eunuco (At 8.37); e artigos elementares de fé (Hb 6.12). História do Mundo Bíblico Antigo 7 O IBETEL crê: O IBETEL professa fé pentecostal alicerçada fundamentalmente no que se segue: Cremos em um só Deus eternamente subsistente em três pessoas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo (Dt 6.4; Mt 28.19; Mc 12.29). Na inspiração verbal da Bíblia Sagrada, única regra infalível de fé normativa para a vida e o caráter cristão (2Tm 3.14-17). No nascimento virginal de Jesus, em sua morte vicária e expiatória, em sua ressurreição corporal dentre os mortos e sua ascensão vitoriosa aos céus (Is 7.14; Rm 8.34; At 1.9). Na pecaminosidade do homem que o destituiu da glória de Deus, e que somente o arrependimento e a fé na obra expiatória e redentora de Jesus Cristo é que o pode restaurar a Deus (Rm 3.23; At 3.19). Na necessidade absoluta no novo nascimento pela fé em Cristo e pelo poder atuante do Espírito Santo e da Palavra de Deus, para tornar o homem digno do reino dos céus (Jo 3.3-8). No perdão dos pecados, na salvação presente e perfeita e na eterna justificação da alma recebidos gratuitamente na fé no sacrifício efetuado por Jesus Cristo em nosso favor (At 10.43; Rm 10.13; 3.24-26; Hb 7.25; 5.9). No batismo bíblico efetuado por imersão do corpo inteiro uma só vez em águas, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, conforme determinou o Senhor Jesus Cristo (Mt 28.19; Rm 6.1-6; Cl 2.12). Na necessidade e na possibilidade que temos de viver vida santa mediante a obra expiatória e redentora de Jesus no Calvário, através do poder regenerador, inspirador e santificador do Espírito Santo, que nos capacita a viver como fiéis testemunhas do poder de Jesus Cristo (Hb 9.14; 1Pe 1.15). No batismo bíblico com o Espírito Santo que nos é dado por Deus mediante a intercessão de Cristo, com a evidência inicial de falar em outras línguas, conforme a sua vontade (At 1.5; 2.4; 10.44-46; 19.1-7). Na atualidade dos dons espirituais distribuídos pelo Espírito Santo à Igreja para sua edificação conforme a sua soberana vontade (1Co 12.1-12). Na segunda vinda premilenar de Cristo em duas fases distintas. Primeira invisível ao mundo, para arrebatar a sua Igreja fiel da terra, antes da grande 8 tribulação; Segunda - visível e corporal, com sua Igreja glorificada, para reinar sobre o mundo durante mil anos (1Ts 4.16.17; 1Co 15.51-54; Ap 20.4; Zc 14.5; Jd 14). Que todos os cristãos comparecerão ante ao tribunal de Cristo para receber a recompensa dos seus feitos em favor da causa de Cristo, na terra (2Co 5.10). No juízo vindouro que recompensará os fiéis e condenará os infiéis, (Ap 20.11-15). E na vida eterna de gozo e felicidade para os fiéis e de tristeza e tormento eterno para os infiéis (Mt 25.46). História do Mundo Bíblico Antigo Sumário Apresentação Prefácio Declaração de fé CAPÍTULO 1 Evolução ou criação 1.1. Criação 1.2. A Idade do Homem 1.3. Pré-história 1.4. História 1.5. Classificação 1.6. Antigas Civilizações CAPÍTULO 2 Povos e Nações do Mundo Bíblico Antigo 2.1. Noé 2.2. Semitas 2.2.1. Características dos povos semitas 2.2.2. Evolução das culturas semitas 2.2.3. Povos semitas na antiguidade 2.2.4. Povos semitas atuais 2.3. Acádios 2.3.1. História 2.3.2. Organização política e econômica 2.4. Cananeus 2.5. Suméria 2.5.1. História 2.5.2. Civilização Suméria 2.6. Mesopotâmia 2.6.1. Resenha histórica 2.7. Ur 2.8. Babilônia 2.9. Dinastia amorrita 2.10. Dinastia cassita 2.11. O novo império babilônico 2.12. Decadência 2.13. Cultura e sociedade 2.14. Síria 2.14.1. Geografia física 2.14.2. Clima e hidrografia 2.14.3. População 2.14.4. História 2.14.5. Assíria 2.14.6. A cultura assíria 9 10 2.15. Egito 2.15.1. Geografia física 2.15.2. Hidrografia 2.15.3. Língua 2.15.4. Economia 2.15.5. História 2.15.6. Arqueologia 2.15.7. Inícios da moderna egiptologia 2.15.8. Escavações no século XX 2.15.9. Dinastias 2.16. Fenícia 2.16.1. História 2.16.2. Economia 2.16.3. Sociedade e política 2.16.4. Religião 2.16.5. História 2.17. Grécia antiga 2.17.1. Civilização micênica 2.17.2. Idade do bronze 2.17.3. Civilização micênica 2.17.4. Período arcaico 2.17.5. Período clássico 2.17.6. Guerra do Peloponeso 2.17.7. Pérsia 2.17.8. Dinastia aquemênida 2.17.9. Reino selêucida 2.17.10. Império arsácida 2.18. Macedônia 2.18.1. Hegemonia macedônica e decadência 2.19. Domínio romano 2.19.1. Civilização Helenísticas 2.19.2. Roma antiga 2.19.3. Origens da cidade 2.19.3. Monarquia 2.19.4. República 2.19.5. Expansão territorial 2.19.6. Invasão dos gauleses 2.19.7. Conquista da Itália 2.19.8. Expansão mediterrânea 2.19.9. Evolução da sociedade romana 2.19.10. Ditaduras e guerras civis 2.20. Império 2.20.1. Otávio Augusto 2.20.2. Decadência do império 2.20.3. Legado de Roma 2.21. Israel 2.21.1. Geografia física História do Mundo Bíblico Antigo 2.21.2. Geologia e relevo 2.21.3. Clima e hidrografia 2.21.4. Flora e fauna 2.21.5. População 2.21.7. Economia 2.21.8. Agricultura 2.21.9. Energia e mineração 2.21.10. Indústria 2.21.11. Transportes 2.21.12. Sionismo 2.21.13. Colonização da Palestina 2.21.14. Independência 2.21.15. Instituições políticas 2.21.16. Sociedade e cultura Referências 11 12 Capítulo 1 Evolução ou criação A evolução é o ponto de vista predominante, proposto pela comunidade científica e educacional do mundo atual, em se tratando da origem da vida e do universo. Quem crê, de fato, na Bíblia deve atentar para estas quatro observações a respeito da evolução. 1. A evolução é uma tentativa naturalista para explicar a origem e o desenvolvimento do universo. Tal intento começa com a pressuposição de que não existe nenhum Criador pessoal e divino que criou e formou o mundo; pelo contrário, tudo veio a existir mediante uma série de acontecimentos que decorreram por acaso, ao longo de bilhões de anos. Os postulantes da evolução alegam possuir dados científicos que apóiam a sua hipótese; 2. O ensino evolucionista não é realmente científico. Segundo o método científico, toda conclusão deve basear-se em evidências incontestáveis, oriundas de experiências que podem ser reproduzidas em qualquer laboratório. No entanto, nenhuma experiência foi idealizada, nem poderá sê-lo, para testar e comprovar teorias em torno da origem da matéria a partir de um hipotético “grande estrondo”, ou do desenvolvimento gradual dos seres vivos, a partir das formas mais simples às mais complexas. Por conseguinte, a evolução é uma hipótese sem “evidência” científica, e somente quem crê em teorias humanas é que pode aceitá-la. A fé do povo de Deus, pelo contrário, firma-se no Senhor e na sua revelação inspirada, a qual declara que Ele é quem criou do nada todas as coisas (Hb 11.3); 3. É inegável que alterações e melhoramentos ocorrem em várias espécies de seres viventes. Por exemplo: algumas variedades dentro de várias espécies estão se extinguindo; por outro lado, ocasionalmente vemos novas raças surgindo dentre algumas das espécies. Não há, porém, nenhuma evidência, nem sequer no registro geológico, a apoiar a teoria de que um tipo de ser vivente já evoluiu doutro tipo. Pelo contrário, as evidências existentes apóiam a declaração da Bíblia, que Deus criou cada criatura vivente “conforme a sua espécie” (Gn 1.21,24,25); 4. Os crentes na Bíblia devem, também, rejeitar a teoria da chamada evolução teísta. Essa teoria aceita a maioria das conclusões da evolução naturalista; apenas acrescenta que Deus deu início ao História do Mundo Bíblico Antigo 13 processo evolutivo. Essa teoria nega a revelação bíblica que atribui a Deus um papel ativo em todos os aspectos da criação. Por exemplo, todos os verbos principais em Gênesis 1 têm Deus como seu sujeito, a não ser em Gn 1.12 (que cumpre o mandamento de Deus no v. 11) e a frase repetida “E foi a tarde e a manhã”. Deus não é um supervisor indiferente, de um processo evolutivo; pelo contrário, é o Criador ativo de todas as coisas (Cl 1.16). 1.1. Criação “Cremos que a criação tem sua origem na pessoa de Deus. Ele se revela na Bíblia como um ser infinito, eterno, auto-existente e como a Causa Primária de tudo o que existe. Nunca houve um momento em que Deus não existisse. Conforme afirma Moisés: “Antes que os montes nascessem, ou que tu formasses a terra e o mundo, sim, de eternidade a eternidade, tu és Deus” (Sl 90.2). Noutras palavras, Deus existiu eterna e infinitamente antes de criar o universo finito. Ele é anterior a toda criação, no céu e na terra, está acima e independe dela (1Tm 6.16; Cl 1.16). Deus se revela como um ser pessoal que criou Adão e Eva “à sua imagem” (Gn 1.27). Porque Adão e Eva foram criados à imagem de Deus, podiam comunicar-se com Ele, e também com Ele ter comunhão de modo amoroso e pessoal. Deus também se revela como um ser moral que criou tudo bom e, portanto, sem pecado. Ao terminar Deus a obra da criação, contemplou tudo o que fizera e observou que era “muito bom” (Gn 1.31). Posto que Adão e Eva foram criados à imagem e semelhança de Deus, eles também não tinham pecado. O pecado entrou na existência humana quando Eva foi tentada por Satanás em forma de serpente (Gn 3; Rm 5.12; Ap 12.9). Deus criou todas as coisas em “os céus e a terra” (Gn 1.1; Is 40.28; 42.5; 45.18; Mc 13.19; Ef 3.9; Cl 1.16; Hb 1.2; Ap 10.6). O verbo “criar” (hb.”bara”) é usado exclusivamente em referência a uma atividade que somente Deus pode realizar. Significa que, num momento específico, Deus criou a matéria e a substância, que antes nunca existiram. Com relação ao homem, Deus o criou com o seguinte propósito: (1) A criação da terra deu-se para prover um lugar onde o seu propósito e alvos para a humanidade fossem cumpridos. a) Criou Adão e Eva à sua própria imagem, para comunhão amorável e pessoal com o ser humano por toda a eternidade. Deus projetou o ser humano como um ser trino e uno (corpo, alma e espírito), que possui 14 mente, emoção e vontade, para que possa comunicar-se espontaneamente com Ele como Senhor, adorá-lo e servi-lo com fé, lealdade e gratidão; b) Desejou de tal maneira esse relacionamento com a raça humana que, quando Satanás conseguiu tentar Adão e Eva a ponto de se rebelarem contra Deus e desobedecerem ao seu mandamento, Ele prometeu enviar um Salvador para redimir a humanidade das conseqüências do pecado (Gn 3.15). Daí Deus teria um povo para sua própria possessão, cujo prazer estaria nEle, que o glorificaria, e que viveria em retidão e santidade diante dEle (Is 60.21; 61.1-3; Ef 1.11,12; 1Pe 2.9); c) A culminação do propósito de Deus na criação está no livro do Apocalipse, onde João descreve o fim da história com estas palavras: “...com eles habitará, e eles serão o seu povo, e o mesmo Deus estará com eles e será o seu Deus” (Ap 21.3). (Bíblia de Estudo Pentecostal, estudo sobre a Criação pág.31). 1.2. A Idade do Homem “Ao certo, nada se sabe quanto à idade do homem. A única narrativa que temos, para exame, é o capítulo 5 do livro de Gênesis. Por este relato, sabemos que Adão com 130 anos teve o terceiro filho. Partindo desta declaração, contando as idades de cada personagem, segundo verificamos, o dilúvio teve lugar 1.650 anos depois de Adão. Entretanto discute-se muito os dados oferecidos neste capítulo. Por outro lado, crê-se que a declaração de que Adão tinha 130 anos quando nasceu Sete deve referir-se à idade depois de cair no pecado. Pensa-se que teriam decorrido muitos anos, centenas mesmo, antes da queda, e talvez Moisés se louvasse na vida de Adão, como um de nós, e não antes, quando ele era como os anjos em sua inocência. Qual será a verdade? A nossa curiosidade e o nosso desejo de saber nos impelem para o desconhecido, e ficamos impacientes porque não podemos resolver os nossos problemas. Os que aceitam como razoável a cronologia de Gênesis louvam-se no fato de os 1.650 anos, de Adão ao dilúvio, eram o suficiente para que a terra se povoasse numa boa extensão e para que o gênero humano atingisse o desenvolvimento creditado no livro de Gênesis. Comparando algumas épocas entre si, chegamos à conclusão de que a idade antediluviana do mundo, nos tempos de Cristo, não oferecia qualquer semelhança com o nosso mundo. Da civilização européia nada existia; dos atuais conhecimentos científicos também nada existia; Entretanto, são apenas 1.950 anos. O mundo se transformou completamente durante estes séculos. Portanto, a mesma idade para o mundo antediluviano não parece de todo fora de propósito. Os evolucionistas necessitam de muitos milhões de séculos para a espécie humana se desenvolver ou evoluir, até atingir a humanidade que nós conhecemos; mas o evolucionismo é uma especulação sem qualquer base científica, e os seus cálculos devem ficar História do Mundo Bíblico Antigo 15 fora de cogitações. Os que entendem que a humanidade se desenvolvia mais lentamente nos tempos antigos admitem 10.000 anos para a idade do homem, e alguns documentos caldaicos, sem qualquer valor científico, favorecem esta crença. A história do Egito deve estender-se quanto muito, a 5.000 anos a.C., incluindo o período pré-histórico. Os egípcios vieram da Caldéia, devendo, portanto, esta região ser bem mais velha. A primeira onda humana, que teria atingido ali em 4500 a.C. ou 5000, o que faz coincidir com o estabelecimento desta gente no Egito, visto que os primeiros seres humanos que chegaram à Europa eram do mesmo estoque hamítico. Talvez a mesma onda se dividisse, seguindo uma parte para o sul, estabelecendo-se no Egito, e a outra dirigindo-se para o norte, atingindo a Germânia. Se estes cálculos puderam ser positivados, o homem deve agora ter chegado a 6.900 anos depois do dilúvio. Então 1650 anos seriam suficientes para o estabelecimento e desenvolvimento da espécie antes do dilúvio. A ciência tem feito grandes progressos, mas há ainda muito a investigar. Talvez a nossa raça não seja tão velha como se julga. Mil anos bastam para que o gênero humano produza grandes civilizações. As investigações continuam e ninguém deve desanimar de poder obter maiores conhecimentos através destas investigações. Os últimos dois séculos trouxeram mais conhecimentos da história antiga do que todos os milênios que os precederam. Se um historiador do princípio do século 18 ressuscitasse agora, ficaria envergonhado de tanta ignorância reinante nos seus dias. Os últimos 50 anos deram ao mundo um desenvolvimento maior do que 2.000 anos anteriores. Portanto, 1600 anos seriam suficientes para desenvolver uma população que não iria muito além dos limites que nós hoje conhecemos como Oriente Médio”. (Mesquita, Antônio Neves. Povos e Nações do Mundo Antigo. Pág. 30). 1.3. Pré-história Entende-se por pré-história, nos esquemas cronológicos tradicionais, todo o período que abrange a atividade humana desde suas origens até o aparecimento da escrita. Primeiramente, a atividade humana insere-se numa conformação social e tecnológica orientada pela economia predatória, e em seguida pela economia de subsistência agrícola não-urbana (isto é, sem distinção cidade-campo). Chama-se em geral de proto-história a época de transição que se segue, quando as sociedades agrárias começam a reunir os primeiros elementos para a posterior aplicação da escrita. Caracteriza-se pelo começo da substituição da tecnologia da pedra pela do metal, em decorrência de maior necessidade produtiva e do aumento do consumo no interior das vilas. Nessa perspectiva, o advento da escrita constitui o marco convencional do princípio dos tempos históricos. 16 1.4. História Disciplina que se ocupa do estudo dos fatos relativos ao homem ao longo do tempo, a história se baseia na análise crítica de testemunhos concretos e verídicos. O vocábulo grego historía, que significa “conhecimento por meio de uma indagação”, deriva de hístor: “sábio” ou “conhecedor”. O termo latino história foi adotado por quase todos os idiomas ocidentais, com exceções como o alemão (Geschichte). São muitas as definições que se fizeram dessa disciplina. Para Johann Gottfried von Herder, é “o estudo do passado”, conceito que os gregos não haviam especificado. Marc Bloch definiu a história como a ciência dos homens no transcurso do tempo. Lucien Febvre destacou o processo de mudança contínua da sociedade humana como a base da história. Para Benedetto Croce, a história pode adotar elementos filosóficos em seu processo de conhecimento. 1.5. Classificação Devido à amplitude do objeto da história, foi preciso dividir seu campo de estudo em vários segmentos. Considerando-se o meio geográfico a ser estudado, a história é universal quando se refere a todas as sociedades humanas no mundo; é nacional no caso de se limitar à de um único país; é regional ou local para áreas geográficas definidas mas não nacionais. Assim, a história propriamente dita parte dos testemunhos escritos e foi, por sua vez, dividida em períodos que, embora de certo modo arbitrários, refletem grandes blocos bem definidos entre si: idade antiga, medieval, moderna e contemporânea. Pode-se falar também de história recente, no caso do estudo das últimas décadas, e de história geral para os panoramas históricos que abarcam todos os períodos. A história da arte ou da cultura ocupa espaço próprio. Cada uma dessas grandes seções em que se divide a história como disciplina acadêmica pode, por sua vez, ramificar-se em diversos temas específicos, centrados em áreas geográficas ou períodos delimitados. 1.6. Antigas Civilizações As mais antigas civilizações da História surgem entre 4.000 a.C. e 2.000 a.C., às margens dos rios Tigre e Eufrates (Mesopotâmia), Jordão (Palestina), Nilo (Egito), Amarelo (China), Indo e Ganges (atuais Paquistão e Índia). A maioria desenvolve-se na região do chamado Crescente Fértil. Têm características História do Mundo Bíblico Antigo 17 comuns, como a escrita, a arquitetura monumental, a agricultura extensiva, a domesticação de animais, a metalurgia, a escultura, a pintura em cerâmica, a divisão da sociedade em classes e a religião organizada. As principais civilizações são a suméria, a acadiana, a babilônica, a assíria, a egípcia, a hebraica, a fenícia, a hitita, a cretense, a persa, a chinesa e a hindu. Apesar de estarem no Ocidente, os cretenses têm características comuns aos outros povos da Antiguidade oriental. 18 Capítulo 2 Povos e Nações do Mundo Bíblico Antigo Introdução Não é possível determinar os anos que escoaram entre a criação e o dilúvio. Toda a cronologia bíblica é insuficiente para nos aproximar da verdade. Nem isso importa ao historiador. De qualquer modo, parece que entre a criação e o dilúvio mediaram alguns séculos, vividos à margem do Éden pelos antediluvianos, dos quais Moisés dá uma boa lista. Não se tem idéia de grande povos e muito menos de impérios. Talvez pequenos grupos esparso pelos vales da Armênia e planícies da Mesopotâmia, atingindo o Golfo Pérsico, as planuras da pérsia e os altos do Líbano. Tudo pura conjectura, visto que nada de positivo se pode oferecer ao estudante. O mundo de nosso estudo é o pós-diluviano, visto que a arqueologia não tem podido ajudar a resolver o mistério do mundo primitivo, e a geologia ou paleontologia, não dispõe de dados seguros. Depois do dilúvio, segundo a narrativa bíblica, a família de Noé estabeleceu-se na Armênia, pois que a viagem descrita em Gênesis 11.2 indica o rumo do Ocidente, para a terra Sinear, ou seja, a terra de Sumer, das antigas narrativas. Estabelecidos aqui, fundaram diversas cidades mencionadas em Gênesis, muitas das quais estão atualmente identificadas como Acade, Babel, Ereque, Ur, e outras (Gn 10.10). 2.1. Noé Escolhido por Deus para perpetuar a humanidade após o dilúvio, Noé aparece na Bíblia como fundador da genealogia semítica e origem das raças do mundo. De acordo com o Gênesis, Noé era filho de Lamec e pertencia à nona geração depois de Adão. Era um patriarca nobre e piedoso e, por isso, quando Deus decidiu eliminar a corrupção dos homens com o dilúvio, escolheu-o para preservar a raça humana. Advertiu-o do que iria ocorrer e ordenou que construísse uma grande arca capaz de flutuar e nela guardasse um par de cada espécie animal. Tudo pronto, Noé, sua mulher, seus três filhos Sem, Cam e Jafé e as esposas destes embarcaram e sobreveio o dilúvio, que durou quarenta dias. Quando parou de chover, Deus História do Mundo Bíblico Antigo 19 estabeleceu com Noé e seus filhos uma aliança, pela qual não haveria mais dilúvio para devastar a terra, e renovou os preceitos firmados por ocasião da criação, com duas variações: os homens poderiam matar e comer animais; e o homem que matasse outro seria castigado por seus semelhantes. Mais tarde, Noé dedicou-se à agricultura e descobriu o vinho. Ao prová-lo, embriagou-se e ficou nu em sua tenda. Cam viu a nudez do pai e zombou dele. Sem e Jafé, porém, tomaram um manto e o cobriram respeitosamente. Ao saber do comportamento de Cam, Noé condenou o filho dele, Canaã, a ser escravo da estirpe de Sem, os semitas, tronco do qual surgiu o povo de Israel. 2.2. Semitas O critério lingüístico é o único que permite definir inequivocamente uma família de povos semitas e postular para eles uma unidade pré-histórica. Provêm da cultura desses povos a escrita alfabética e as três grandes religiões monoteístas do mundo -- judaísmo, cristianismo e islamismo. Semitas é o termo utilizado para designar um grupo de povos, entre os quais se destacam os árabes e os hebreus, que falam ou falaram línguas semíticas. A designação provém do livro bíblico do Gênesis, que menciona povos descendentes dos filhos de Sem. O texto bíblico arrola entre os semitas, no entanto, os elamitas e os lídios, cujas línguas têm outra raiz lingüística, e separa desse grupo os cananeus, “filhos de Cam”, povo de língua semítica. Modernamente, as línguas semíticas estão incluídas na família camitosemítica. O território ocupado originalmente pelos povos semitas era uma extensão contínua que compreendia boa parte do Oriente Médio, limitada ao norte pelas cordilheiras Taurus e Antitauro, a leste pelo planalto iraniano, e a oeste e ao sul pela costa árabe do mar Vermelho e do oceano Índico. 2.2.1. Características dos povos semitas Na família camito-semítica, ou afro-asiática, incluem-se as seguintes línguas: acadiano, ugarítico, fenício, hebraico, aramaico, árabe, etíope, egípcio antigo, copta, líbico, berbere, guanche, somali, gala, afar-saho e haúça. Em conseqüência das migrações, não se pode falar de um grupo étnico semita homogêneo, pois a diversidade de tipos raciais é muito grande. Ainda que todos sejam de raça branca, predominam as variedades armenóide, braquicéfala (crânios redondos), e mediterrânea-oriental, dolicocéfala (crânio alongado), além de inúmeros tipos mistos. Outros traços físicos são estatura 20 mediana, olhos e cabelos escuros e nariz adunco. A miscigenação com outros povos modificou em muitos casos esses traços. Originalmente, os semitas habitaram regiões áridas ou desérticas, de clima extremamente seco, salvo nos cursos de rios como o Eufrates e o Tigre, no litoral mediterrâneo e nos oásis. Em conseqüência, predominou entre eles o nomadismo, associado ao pastoreio e à agricultura irrigada e intensiva. O cristianismo, uma das três grandes religiões de origem semita, tornou-se universal. O judaísmo, pelo contrário, permaneceu restrito aos descendentes do povo de Israel. 2.2.2. Evolução das culturas semitas A revolução neolítica, registrada a partir do ano 9000 a.C., período em que o homem conquistou as primeiras vitórias sobre a natureza mediante a domesticação de animais e a agricultura, ocorreu supostamente na antiga Mesopotâmia -- região povoada pelos semitas -- e no Egito. Na mesma área, por volta do ano 5500 a.C., surgiram sociedades organizadas, com estrutura estatal e diversificação das atividades econômicas, no que se conhece como a primeira revolução urbana, à qual se seguiu o surgimento dos grandes impérios da Assíria e da Babilônia. 2.2.3. Povos semitas na antiguidade Na parte baixa da Mesopotâmia, entre o rio Tigre, o golfo Pérsico, o deserto da Arábia e as colinas que marcam o limite com a alta Mesopotâmia, os assírios e os caldeus, em luta pelo domínio territorial, criaram grande número de cidades e se distinguiram pela capacidade guerreira e espírito expansionista, desenvolvendo uma das primeiras civilizações da antiguidade. Enquanto no interior se estendiam os grandes impérios, na região de Canaã, estreita faixa do litoral ocupada posteriormente pelos estados da Jordânia e Israel, desenvolveu-se a primeira civilização marítima e comercial, a dos fenícios. Estabelecidos antes da chegada dos filisteus e dos hebreus, que terminaram por expulsá-los, dominaram as margens do Mediterrâneo mais pelo intercâmbio comercial do que pelas armas. Por terem se fixado ao longo da seção média da costa, pouco atraente para os invasores, sobreviveram ao extermínio total. As cidades fenícias (Tiro, Sidon, Biblos etc.) não tinham boa comunicação por terra e várias expedições lançaram-se à conquista do mar, alcançaram o Atlântico e fundaram, em centros como Cartago (África) e Nova Cartago (Cartagena, Espanha), uma nova civilização semítica. Os gregos, em seus lugares de origem, e os romanos, na África e na Espanha, mais tarde dominariam esses povos. Outros povos semitas foram os amonitas, os moabitas e os edomitas, habitantes da antiga Palestina que sofreram os ataques dos filisteus (“povos História do Mundo Bíblico Antigo 21 do mar” procedentes da Grécia, não-semíticos) e dos hebreus, que finalmente os subjugaram. Nas colinas interiores próximas à costa do Mediterrâneo, os hebreus, em luta com cananeus e moabitas, criaram o judaísmo, primeira religião monoteísta. A grande expansão dos semitas ocorreu logo depois da fundação da religião islâmica pelos árabes, no século VII da era cristã. Os árabes pré-islâmicos foram os semitas de menor vocação religiosa. A assimilação progressiva da religiosidade se efetuou entre eles graças à convivência com os judeus, sobretudo depois da primeira diáspora babilônica, no século VI a.C., embora os cristãos (ortodoxos, jacobitas, monofisistas etc.) também os tenham influenciado. O islamismo se propagou rapidamente por meio da guerra santa prescrita pelo Alcorão e em pouco tempo foi levado da Espanha ao oceano Pacífico. 2.2.4. Povos semitas atuais Os dois grandes grupos semitas remanescentes são o árabe e o hebreu. Os judeus, israelitas ou hebreus eram integrantes de tribos semitas nômades que percorriam a área de terras férteis da Mesopotâmia até o Egito, através da Síria e da Palestina. Seu primeiro assentamento na Palestina, depois da longa permanência no Egito, deve ter ocorrido por volta do século XIII a.C. Os hebreus não formam uma raça homogênea, pois passaram por diferentes transformações étnicas nos muitos países a que foram levados pela dispersão ordenada pelos romanos. Depois da diáspora, no século I da era cristã, os grupos hebreus que ficaram na Ásia conservaram melhor suas características do que os que migraram para a África e a Europa. Os europeus formaram dois grandes subgrupos: sefarditas e asquenazitas. Estes últimos se estabeleceram na Europa central e nos países eslavos e, além da língua do país que os acolheu, mantiveram o iídiche (judeu-alemão). Os sefarditas migraram para a Espanha (Sefarad é o nome da Espanha em língua hebraica) e, ao serem expulsos em 1492, passaram à Itália, Europa central, império turco e Marrocos. Falam também a língua dos países em que residem, mas muito deles conservam ainda o castelhano tal como era falado no século XV. A habilidade dos judeus para o comércio e as finanças os levou a adquirir grande poder econômico nos países em que se fixaram, o que, somado à fidelidade à religião e à intolerância dos povos nativos, conduziu com freqüência a cruentas perseguições. No entanto, o genocídio mais brutal foi cometido pelo regime nazista na Alemanha, cuja perseguição sistemática levou ao extermínio de mais de seis milhões de judeus. O século XX assistiu ainda a dois acontecimentos que afetaram os semitas e alcançaram grande repercussão mundial, um de natureza política e outro, econômica. Por um lado, as nações semitas do Oriente Médio, submetidas 22 aos europeus no século XIX, conquistaram a independência no processo de descolonização iniciado após a segunda guerra mundial; por outro, o aumento do preço internacional do petróleo, produto do qual se encontram grandes reservas nos países árabes, forneceu os meios econômicos para que o Oriente Médio começasse a se desenvolver. A partir da criação do Estado de Israel, em 1948, em território palestino, intensificou-se a cisão entre árabes e judeus, o que levou a guerras e a uma situação de permanente conflito. As colônias judaicas mais importantes encontram-se nos Estados Unidos, na Rússia e nos demais países da Comunidade de Estados Independentes (CEI), no Reino Unido e na França. Os grupos judeus nos países árabes, numerosos antes das guerras entre eles, diminuíram sensivelmente. Os árabes constituem na atualidade um grupo muito mais numeroso que o dos judeus. Originários da península arábica formaram o grande núcleo semita que, a partir do quarto milênio anterior à era cristã, emigrou para o Oriente Médio. Em seu êxodo, seguiram duas direções principais: contornaram o golfo Pérsico e se estabeleceram na antiga Caldéia e, através da península do Sinai, chegaram ao litoral do Mediterrâneo. Os que permaneceram nos imensos desertos foram convertidos ao islamismo por Maomé e se lançaram à conquista do mundo a partir do século VII da era cristã. Posteriormente, o vasto império que formaram dividiu-se em numerosos estados. Em conseqüência dos ataques dos cristãos europeus, pelo Ocidente, e dos turcos, pelo leste, foram submetidos a diferentes poderes até o século XX, mas conseguiram converter ao islamismo outros povos, como os turcos e os persas. Os árabes têm a integração política dificultada pela diversidade de regimes políticos e pelas grandes diferenças econômicas, pois a riqueza dos países produtores de petróleo contrasta com a pobreza dos que carecem desse recurso. O território habitado pelos árabes, que não constitui um contínuo geográfico bem definido, compreende regiões da Ásia e da África e se estende do planalto do Irã até o oceano Atlântico, tendo como limite meridional o oceano Índico e as regiões orientais e ocidentais do deserto do Saara. Convivem com eles alguns povos de língua não árabe, como os berberes que, no entanto, costumam ser bilíngües. Alguns poucos grupos de língua árabe encontram-se fora desses limites, no Irã e no Sudão. 2.3. Acádios O primeiro império da Mesopotâmia foi estabelecido por um povo semita conhecido pelo nome de sua capital, Acad, situada em algum ponto da região entre os rios Tigre e Eufrates, próxima à Babilônia. A língua acádia é o História do Mundo Bíblico Antigo 23 elemento mais conhecido desse povo, que foi assimilado pela população suméria, dominante na região. 2.3.1. História Por volta do ano 2300 a.C., o chefe semita Sargão I, cujo nome significa “rei justo” ou “rei verdadeiro”, fundou a cidade de Acad e empreendeu bemsucedidas campanhas bélicas, que estenderam seu domínio a toda a região mesopotâmica limitada ao sul pelo golfo Pérsico e ao norte pelo litoral mediterrâneo da Síria. Após a morte do fundador da dinastia acádia, nenhum dos herdeiros -Rimush e Manishtusu -- mostrou-se capaz de controlar o vasto império. O poder militar acádio foi temporariamente restabelecido por Naram-Sin, que combateu os bárbaros das zonas montanhosas do norte (montes Zagros, alto Tigre e alto Eufrates), dominou o país de Mogan e sufocou uma revolta das cidades mesopotâmicas. Seu sucessor, Sharkali-sharri, continuou a luta contra os guti e os amorritas, povos montanheses dos Zagros e do Curdistão. Entre os anos de 2217 e 2139 a.C., aproximadamente, o poder da cidade e sua dinastia entrou em decadência até a completa desaparição. As cidades mesopotâmicas, dominadas pelos povos invasores, uniram-se novamente sob o domínio da dinastia de Ur. 2.3.2. Organização política e econômica A dinastia acádia uniu numa organização estatal comum as diversas cidades independentes que existiam na Mesopotâmia. O império sediado em Acad, onde residia o monarca, compunha-se de diversas províncias. As diferentes comunidades conservaram suas principais instituições sob a supervisão dos funcionários reais que constituíam uma poderosa máquina administrativa. A época foi de grande prosperidade econômica, baseada na agricultura, no artesanato e no comércio. As relações comerciais com a Síria, o golfo Pérsico e com o vale do Indo, que forneciam à Mesopotâmia matérias-primas como madeira, couro e pedras, estão descritas em diversos documentos. 2.4. Cananeus Na região de Canaã, situada no cruzamento de importantes civilizações antigas, mesclaram-se elementos culturais de diversas origens: egípcios, micênicos, cretenses, hurrianos e mesopotâmicos. O nome Canaã aparece em inscrições cuneiformes, egípcias e fenícias. No Antigo Testamento, a região é identificada com a Terra Prometida dos israelitas. A variação entre as diversas fontes históricas não permite 24 estabelecer precisamente os limites da região. Arqueólogos e historiadores costumam chamar de Canaã a área correspondente, nos tempos préhistóricos e pré-bíblicos, à Cisjordânia, com eventual inclusão da Fenícia e, por vezes, da Síria. A palavra viria de um vocábulo semítico referente à “púrpura avermelhada” de uma lã produzida na região. Os vestígios da ocupação humana em Canaã remontam aos períodos paleolíticos e mesolíticos, mas as primeiras cidades e aldeias fixas datam do neolítico. Na idade do bronze, durante a primeira metade do segundo milênio a.C., povos semitas começaram a aparecer na região; os amorritas, vindos do nordeste, tornaram-se então predominantes, e egípcios, hicsos e hurrianos também ali se estabeleceram. São dessa época os primeiros registros históricos. Entre os séculos XVI e XIII a.C., o domínio sobre Canaã era principalmente egípcio, ameaçado pelas investidas hititas. Ocorreram então incursões guerreiras de grupos nômades multiétnicos semitas, conhecidos como habirus, que os historiadores geralmente identificam como os primeiros hebreus. O declínio da dominação egípcia e hitita, ao final do século XII a.C., coincidiu com o estabelecimento dos israelitas, que ocuparam inicialmente as colinas e a área meridional, lutando contra clãs e povos locais. No século seguinte, os filisteus, aparentemente vindos de Creta, ocuparam a faixa litorânea meridional e fundaram uma aliança de cinco cidades-estados. No século X a.C., os israelitas, sob a liderança do rei Davi, derrotaram os filisteus e consolidaram sua vitória sobre o povo local, os cananeus, que terminaram por se extinguir. A partir de então, a região de Canaã tornou-se, na prática, a terra de Israel. As informações a respeito da religião seguida em Canaã antes da presença israelita provêm de achados arqueológicos ugaríticos, no litoral norte da Síria. O deus principal era El; as chuvas e a fertilidade constituíam o domínio de Baal. Outros deuses eram Reshef (da peste e do mundo inferior), Ashera (esposa de El) e Astartéia (deusa da fertilidade). A língua cananéia pertencia ao grupo semita e era próxima do hebreu arcaico. Foram os cananeus, ao que tudo indica, o primeiro povo a empregar o alfabeto: inscrições do fim da idade do bronze, encontradas na região, são tidas como a origem do alfabeto fenício. Além de tal alfabeto arcaico, empregava-se corretamente a escrita cuneiforme silábica da Mesopotâmia. Outro tipo, muito peculiar, de escrita cuneiforme foi descoberto no norte da Síria. História do Mundo Bíblico Antigo 25 2.5. Suméria Com as escavações iniciadas em 1877 nas ruínas de Lagash, na Mesopotâmia, ao sul da Babilônia, Ernest de Sarzec descobriu os vestígios da mais antiga civilização humana, a da Suméria. Os sumérios inventaram a escrita cuneiforme -- mais antiga forma grafada para representar sons da língua, ao invés dos próprios objetos --, os primeiros veículos sobre rodas e os primeiros tornos de cerâmica. O território da Suméria localizava-se no extremo sul da Mesopotâmia, entre os rios Tigre e Eufrates, na área onde posteriormente se desenvolveu a Babilônia e que modernamente corresponde ao sul do Iraque, entre Bagdá e o golfo Pérsico. Nessa região desenvolveu-se a civilização dos sumérios, povo de origem desconhecida que, já no quarto milênio antes da era cristã, agrupava-se em cidades-estados. 2.5.1. História Antes da chegada dos sumérios, a baixa Mesopotâmia fora ocupada por um povo não pertencente ao grupo semita, modernamente conhecido como ubaida, termo derivado da cidade e al-Ubaid, onde foram encontrados seus primeiros vestígios. Primeira força civilizatória presente na área, os ubaidas estabeleceram-se no território entre 4500 e 4000 a.C. Drenaram os pântanos para a agricultura, desenvolveram o comércio e estabeleceram indústrias, entre as quais manufaturas de couro, metal, cerâmica, alvenaria e tecelagem. Mais tarde, vários povos semitas infiltraram-se no território dos ubaidas e formaram uma grande civilização pré-suméria. O povo conhecido como sumério, cuja língua predominou no território, veio provavelmente da Anatólia e chegou à Mesopotâmia por volta de 3300 a.C. No terceiro milênio, haviam criado pelo menos 12 cidades-estados: Ur, Eridu, Lagash, Uma, Adab, Kish, Sipar, Larak, Akshak, Nipur, Larsa e Bad-tibira. Cada uma compreendia uma cidade murada, além das terras e povoados que a circundavam, e tinha divindade própria, cujo templo era a estrutura central da urbe. Com a crescente rivalidade entre as cidades, cada uma instituiu também um rei. O primeiro rei a unir as diferentes cidades, por volta de 2800 a.C., foi o rei de Kish, Etana. Por muitos séculos, a liderança foi disputada por Lagash, Ur, Eridu e a própria Kish, o que enfraqueceu os sumérios e os tornou extremamente vulneráveis a invasores. Entre 2530 e 2450 a.C., a região foi dominada pelos elamitas procedentes do leste. Teve maiores conseqüências a invasão, pelo norte, dos acadianos, cujo rei Sargão de Acad integrou a Suméria a seu império. Sargão conseguiu ainda submeter os elamitas, antes de lançar-se à conquista das terras ocidentais, até a costa síria do 26 Mediterrâneo. Criou assim um modelo unificado de governo que influenciou todas as civilizações posteriores do Oriente Médio. Sua dinastia governou aproximadamente entre 2350 e 2250 a.C. Após o declínio da dinastia acadiana, por volta do ano 2150 a.C. o território foi invadido e devastado pelos gútios, povo semibárbaro originário dos montes Zagros, a leste da Mesopotâmia. Graças à reação do rei de Uruk, que expulsou os invasores, as cidades ficaram novamente independentes. O ponto alto dessa era final da civilização suméria foi o reinado da terceira dinastia de Ur, cujo primeiro rei, Ur-Nammu, publicou o mais antigo código legal encontrado na Mesopotâmia. Depois de 1900 a.C., quando os amorritas conquistaram todo o território mesopotâmico, os sumérios perderam sua identidade como povo, mas a cultura suméria foi assimilada pelos sucessores semitas. 2.5.2. Civilização Suméria A escrita cuneiforme surgiu na Mesopotâmia, no terceiro milênio anterior à era cristã. Escrevia-se sobre tábulas de argila, com estiletes de bambu. Depois, a tábula era endurecida ao sol ou em fornos. Graças a essa escrita, decifrada por lingüistas e arqueólogos, foi possível conhecer inúmeros aspectos da vida, religião e instituições da Suméria. Os sumérios possuíam uma rica literatura, que incluía poemas, epopéias, hinos, lamentações, provérbios etc. A criação poética mais notável foi o Gilgamesh, ao qual se somam os mitos de Tamuz e da deusa Nanai Ishtar de Uruk, do pastor Etana, do herói Adapa etc. Os templos e edifícios, em geral feitos de tijolos crus e cozidos, não se conservaram, pois os materiais empregados não resistiram ao passar dos séculos. Em compensação, além das tábulas, conservaram-se estelas e cilindros gravados, que eram utilizados como selos, além de esculturas em pedra. Os sumérios trabalhavam o bronze, o cobre, o ouro e a prata. 2.6. Mesopotâmia Berço de algumas das mais ricas civilizações humanas, a Mesopotâmia viu surgir os primeiros impérios, as primeiras cidades da antigüidade e algumas importantes invenções do homem, como a escrita e a legislação. A Mesopotâmia (em grego, região entre rios) está situada na região delimitada pelos rios Tigre e Eufrates, no sudoeste da Ásia. Embora seus limites variassem em diferentes períodos de sua história, de modo geral a Mesopotâmia abrangia, na antigüidade, o território do atual Iraque, ficando ao norte a cordilheira dos Taurus, que a separa da Armênia, ao sul o golfo Pérsico, a oeste a Assíria e a leste a Síria. O limite entre as regiões norte, História do Mundo Bíblico Antigo 27 montanhosa, e a sul, plana, era a zona de Bagdá, onde mais se aproximam os rios Tigre e Eufrates. Os romanos as denominaram, respectivamente, Mesopotâmia e Babilônia. Muitos grupos étnicos tentaram fixar-se na região, e esses movimentos migratórios acabaram por fazer surgir importantes civilizações, como a dos assírios, que ocuparam a área montanhosa, e a dos sumérios e babilônios, instalados nas planícies do sul. A essência da cultura suméria se manteve mesmo após a desintegração do estado sumério e por isso pode-se, apesar da grande diversidade dos grupos étnicos, falar de uma civilização mesopotâmica. A Bíblia, o relato de Heródoto e os textos do sacerdote babilônio Berossos, estes datados de aproximadamente 300 a.C. eram, até o fim do século XIX, as únicas fontes de informação sobre a história da Mesopotâmia. As escavações iniciadas em meados do mesmo século, no território do Iraque, e a decifração dos caracteres cuneiformes permitiram avaliar o papel desempenhado pela Mesopotâmia na criação de sociedades urbanas mais evoluídas. A escrita cuneiforme foi empregada na Babilônia até o século I a.C. e o idioma, como língua erudita, até o primeiro século da era cristã. Com a decifração dessa escrita, foi possível descobrir a literatura da região, cujos épicos tiveram como um dos principais temas a sensação de instabilidade provocada pelo difícil controle dos rios Tigre e Eufrates. A escrita cuneiforme sobreviveu também ao domínio helenístico. A influência do grego era significativa, mas tudo indica que o aramaico se tornou a língua popular, em especial nos centros urbanos da época. 2.6.1. Resenha histórica Os primeiros imigrantes chegaram à Mesopotâmia no quarto milênio a.C. Fixaram-se no sul e ali criaram o que teria sido, segundo a tradição suméria, seu primeiro núcleo urbano, Eridu. O povoamento tornou-se mais intenso no milênio seguinte, com um novo movimento migratório, procedente do leste. Ao mesmo tempo, no norte, grupos de origem semítica formavam uma nova cultura, que assumiria gradativamente papel preponderante na região. As escavações comprovaram não haver nesse período uma separação estrita entre as duas regiões, na medida em que nomes semitas são encontrados entre os sumérios. A Mesopotâmia era, de todo modo, povoada por dois povos de origens distintas, o que explica as denominações de terra de Sumer (sul) e Acad (norte). As primeiras tentativas de organização de aldeias agrícolas na área de Acad foram registradas em sítios arqueológicos como Hassuna, Jarmo e Samarra. 28 Do ponto de vista cultural, os grupos que habitavam a área no chamado período Obeid I eram atrasados em relação aos povos do sul, mas alguns centros, como Nínive, já se assemelhavam mais a cidades do que a aldeias. Os habitantes do norte expandiram-se para o sul, no século XXIV a.C., e fundaram um reino unificado sob o governo de Sargão, criador de uma dinastia semítica, cuja capital era a cidade de Acad. Os invasores não possuíam cultura própria, motivo pelo qual absorveram a cultura e as técnicas de guerra do sul. Assim, a transferência do centro do poder político, de início instalado na cidade de Acad, para Nínive ou Babilônia, não teve influência na evolução cultural da região. Com a terceira dinastia de Ur, cujos domínios incluíam a Assíria, praticamente completou-se a unificação da Mesopotâmia. O norte preservava apenas seu idioma semita, escrito, porém, em caracteres cuneiformes sumérios. Por volta de 2000 a.C., invasores elamitas e amorritas derrubaram essa terceira dinastia de Ur. Após um período de destruições, o sul voltou a prosperar, enquanto, no norte, Assur tornou-se independente e na Babilônia surgiu uma dinastia local, amorrita, apoiada pelos semitas acadianos. Após o período da dinastia cassita, a Babilônia perdeu sua influência política, ao mesmo tempo em que o poderio dos assírios cresceu consideravelmente. Nesse período, invasores indo-europeus criaram diversos estados na região, entre os quais o reino de Mitani. No século XII a.C., o poderio assírio chegou ao apogeu sob o reinado de Tukulti-Ninurta I. A Assíria dominava então toda a região localizada a leste do Eufrates. Os sucessores do soberano não conseguiram manter o território, cuja desintegração política foi motivada também pela chegada à região de diversas tribos de arameus, que aí fundaram vários reinos independentes. Nos séculos seguintes, os reinos arameus começaram a ser incorporados ao império da Assíria, a que a Mesopotâmia voltou a ficar subordinada. Nesse período, a ascensão de uma das tribos dos arameus, os caldeus, contribuiu de maneira significativa para a queda do poderio da Assíria e para o estabelecimento, no sul da região, do reino neobabilônico de Nabopolassar. Esse soberano firmou com Ciaxares, da Média, uma aliança que dividiu a Mesopotâmia entre medos e babilônicos, situação que se manteve até 539 a.C., quando a região foi transformada numa satrapia do império persa durante o reinado de Ciro. No período, registrou-se um florescimento cultural, em que a literatura, a religião e as tradições sumérias e babilônicas eram preservadas nas escolas dos templos. Em 331 a.C., a vitória de Alexandre o Grande sobre Dario III marcou o início da colonização macedônica. A Babilônia tornou-se então importante centro cultural, verdadeiro ponto de encontro entre as culturas grega e oriental. Com História do Mundo Bíblico Antigo 29 a morte de Alexandre, instalou-se uma dinastia selêucida que governou por pouco mais de um século. Por volta de 140 a.C., a Mesopotâmia foi incorporada ao império parta. 2.7. Ur Ao longo dos diversos períodos dinásticos do império sumério, Ur acumulou templos e riquezas e se tornou um núcleo de civilização da antiguidade. Ali teria vivido Abraão, por volta do século XVIII a.C. Ur foi uma importante cidade-estado situada a cerca de 225km da Babilônia, na Suméria. Erguia-se junto à antiga foz do rio Eufrates, que distava cerca de 16km da atual, e era circundada por terrenos férteis e irrigados. A fundação de Ur ocorreu por volta do quarto milênio antes da era cristã, quando chegaram à região camponeses procedentes do norte da Mesopotâmia. Há registros de que essa ocupação terminou durante uma série de inundações. Entre os séculos XXIX e XXIV a.C., Ur tornou-se capital do reino. Túmulos de reis da primeira dinastia de Ur, no século XXV a.C., com armas e tesouros em jóias de ouro, prata, bronze e pedras semipreciosas, atestam seu elevado nível artístico e de civilização, além da prática do sacrifício de servidores e mulheres do rei, que deveriam segui-lo no outro mundo. Há indícios de uma segunda dinastia, cujos quatro reis reinaram por pouco mais de um século. A chamada terceira dinastia, entre os séculos XXII ao XXI a.C., foi iniciada por Ur-Nammu. Em seu reinado foi erigido o grande zigurate de Sin. O império de Ur estendeu-se por um território quase tão vasto quanto o do império de Acad. Essa potência, no entanto, foi minada pelos amorreus e pelas revoltas dos elamitas. Embora habitada até o século I a.C., as mudanças verificadas no curso do Eufrates causaram o desaparecimento da cidade. As ruínas de Ur foram recuperadas graças às escavações realizadas por H. R. Hall, antes da primeira guerra mundial, e por Charles Leonard Woolley, nas décadas de 1920 e 1930. 2.8. Babilônia A capital da Mesopotâmia foi famosa por seu poderio e esplendor cultural e por seus belos edifícios e construções monumentais, entre elas os jardins suspensos, uma das sete maravilhas do mundo antigo. Fundada pelos acadianos (ou acádios) fora da zona de poderio sumério, a Babilônia ficava às margens do Eufrates, ao sul da futura Bagdá. Na origem, foi uma colônia comercial dentro do âmbito econômico sumério; mas, graças ao intenso tráfico mercantil e a sua estratégica posição geográfica, 30 transformou-se, depois da queda da Suméria, em cidade independente e próspera, capaz de impor seu poder sobre o resto da Mesopotâmia, antes da era cristã. No começo do segundo milênio a.C., vários povos de origem semita, procedentes do oeste, estabeleceram-se na Babilônia. Um desses povos foi o amorreu (ou amorrita, amorreano), que levou a Babilônia a seu máximo poder imperial, comparável apenas ao que conseguiu posteriormente com os caldeus. O nome Babilônia parece proceder do acádico Bab-ilu, que significa “porta de Deus”. A cidade sagrada, descrita pelo historiador grego Heródoto no século V a.C., foi descoberta por arqueólogos alemães no fim do século XIX da era cristã. Espalhava-se em torno do Eufrates e era protegida por altas muralhas, nas quais se abriam diversas portas de acesso. Dessas portas só se conservaram sete, entre as quais se destaca a de Ishtar. A cidade possuía numerosos palácios e templos, construídos sobre terraços de terra batida ou de adobe. Os palácios eram grandes edifícios com muitos aposentos, dispostos em torno de um pátio central e adornados com jardins, entre os quais se destacavam os chamados jardins suspensos, construídos em terraços sobre salas com tetos de pedra. Em meio aos edifícios dessa monumental cidade, os de caráter religioso sobressaíam pela imponência e elevado número. O principal era o grande templo dedicado a Marduk, Esagila (“casa de teto alto”), decorado com ouro e pedras preciosas. Ao norte desse ficava o Etemenanki (“templo dos alicerces do céu e da terra”), templo escalonado que possivelmente seria a torre de Babel citada na Bíblia. 2.9. Dinastia amorrita O fundador da dinastia real amorrita foi Sumu-abum, que governou de 1894 a 1881 a.C. Seus sucessores ampliaram os domínios da Babilônia mediante uma política de pactos e alianças com as cidades mais poderosas e ricas do território. Na primeira metade do século XVIII a.C., Hamurabi empreendeu a conquista da Mesopotâmia e criou o primeiro império babilônico. O caráter desse rei, conforme documentos que chegaram até nós, mostra traços de um homem astuto, prudente, diplomático, alheio a impulsos passionais e, fundamentalmente, grande conhecedor de sua época. Político hábil, Hamurabi conseguiu consolidar seu estado, alternando conquistas militares com reformas legislativas internas. História do Mundo Bíblico Antigo 31 Quando Hamurabi subiu ao trono, o reino babilônico limitava-se a noroeste com a Assíria, ao norte com a região de Eshnuna e a leste e sudeste com os domínios de Larsa. O monarca tornou a Babilônia potência hegemônica da Mesopotâmia. Aproveitando a morte de seu inimigo assírio Shamsi Adad I, enfrentou e venceu o rei de Larsa, Rim-Sin, arrebatando seus domínios. Depois combateu encarniçadamente e derrotou uma coalizão de povos e cidades (elamitas, assírios, gutis). Dessa forma a Mesopotâmia tornou-se submissa ao poder babilônico e Hamurabi reuniu sob sua autoridade toda a região compreendida entre o golfo Pérsico e o rio Habur. Estadista inteligente e civilizado, não se impôs de modo arbitrário ou violento, conservando os monarcas derrotados, na qualidade de vassalos, em seus respectivos tronos. Hamurabi foi o primeiro legislador conhecido da história. Deu impulso à organização judicial e ao trabalho legislativo. O famoso Código de Hamurabi, baseado na lei de talião, indica a preocupação do monarca em estender o direito sumério a todos os povos que habitavam os territórios do império. Com a morte de Hamurabi, a unidade mesopotâmica desapareceu. Seu filho Samsu-iluna combateu as sublevações de Elam, Suméria e Assur e enfrentou as invasões de povos como os hurrianos e os cassitas. Estes últimos, repelidos depois de uma primeira tentativa de colonização, penetraram depois lentamente em território babilônico. Apesar dos denodados esforços de Samsu-iluna para manter o império do pai, a unidade política se desintegrou. Alguns de seus descendentes, como Ammiditana e Amisaduqa, conseguiram esporádicas vitórias sobre as cidades rivais, mas com Samsuditana o poderio babilônico decaiu por completo. Apesar disso, a cidade continuou sendo um centro cultural, artístico e comercial de primeira ordem, para onde acorriam viajantes e peregrinos de todo o Oriente Médio. Em 1595, o rei hitita Mursilis I atacou a Babilônia. A cidade foi arrasada e incendiada e seu rei, o último da dinastia amorrita, morreu na luta. 2.10. Dinastia cassita No início do século XVI a.C., os cassitas, procedentes dos montes Zagros, ocuparam a Babilônia e introduziram o cavalo e o carro como armas de guerra. Não conheciam a escrita, mas aceitaram e assimilaram a superior cultura babilônica. Agum II soergueu o estado. Conquistou Eshnuna, dominou Assur, submeteu os gutis e estendeu seu poder do Eufrates à cordilheira dos Zagros. Seus descendentes consolidaram o reino no terreno econômico, 32 graças ao comércio, embora no aspecto político a Babilônia se tenha conservado apenas como mais um estado dentro do universo mesopotâmico. A partir da segunda metade do século XIV a.C., os assírios começaram a intervir na política interna da Babilônia, atraídos por sua prosperidade. Depois do reinado de Burnaburiash II, que conseguiu manter a estabilidade política na cidade, as relações com a Assíria começaram a deteriorar-se. O rei assírio Salmanasar I iniciou uma política expansionista e, ao norte da Babilônia, os hititas também pretenderam imiscuir-se nos assuntos internos do império. Sob o reinado de Kashtiliash, a paz, que já durava três séculos, foi interrompida pela invasão de Tukulti Ninurta I, em 1234 a.C., que arrasou a próspera cidade, destruiu seus templos e palácios e prendeu seu rei. Crises no império assírio -- assassinato de Tukulti Ninurta I --, e no reino hitita -- agressões externas -- deram ao rei babilônico Adad-shun-natsir a oportunidade para reconstruir seu maltratado império e submeter o estado assírio. Depois de um período de paz, em que Meli-Shipak devolveu a prosperidade à Babilônia, os elamitas invadiram e saquearam a cidade, em 1153 a.C, levando para Susa a famosa pedra do Código de Hamurabi. 2.11. O novo império babilônico O fim do período cassita anunciou uma época obscura para a Babilônia, dominada sucessivamente por elamitas e assírios até o século VII a.C., quando os caldeus ascenderam ao poder. O fundador da dinastia caldéia foi Nabopolassar (reinou de 626 a 605), que, inspirado pelos deuses locais, Marduk e Nabu, empreendeu uma política expansionista orientada para a recuperação do antigo poderio da Babilônia. Nabopolassar, auxiliado pelo rei meda Ciaxares, moveu uma campanha contra Assur, que pretendia dominar o território mesopotâmico. Depois da vitória, os dois monarcas partilharam as terras conquistadas, e a Babilônia pôde reconstruir seu antigo império. Em seguida, Nabopolassar ordenou a conquista da Síria a seu filho Nabucodonosor, que, depois de cruzar rapidamente o Eufrates, destruiu Carchemish, conseguindo para a Babilônia a maior parte da Síria e da Palestina, anteriormente em poder dos egípcios. Após a morte do pai (605 a.C.), Nabucodonosor II assumiu o trono. Durante seu reinado (604-562), empreendeu várias campanhas militares que lhe renderam avultados butins e glória pessoal. Uma sublevação do reino de Judá obrigou-o a manter uma guerra cruenta que durou de 598 a 587 a.C., ano em que destruiu Jerusalém e deportou milhares de judeus (o “cativeiro da Babilônia” mencionado no Antigo Testamento). Nos anos seguintes, Nabucodonosor promoveu um intenso trabalho de reconstrução, reparando as cidades devastadas pela guerra. Com sua morte História do Mundo Bíblico Antigo 33 (562), sucederam-se as lutas internas pelo trono. Nabonido conseguiu o poder em 555 e governou até 539, mas, como não era de estirpe real, encontrou férrea oposição entre os sacerdotes de Marduk e alguns comerciantes ricos, que lideraram uma sublevação, com o apoio do rei persa Ciro II. Derrotado e prisioneiro dos persas, Nabonido foi, no entanto, tratado com moderação por Ciro, que lhe concedeu o cargo de governador de uma região da Pérsia. 2.12. Decadência A queda da Babilônia em 539 a.C. e sua incorporação ao império persa acarretou o fim da Mesopotâmia como região histórica independente. Sob o domínio dos persas aquemênidas, a cidade manteve seu esplendor. Em 522 a.C., Dario I sufocou uma revolta popular; mais tarde, Xerxes reprimiu outra insurreição e ordenou a destruição da estátua de Marduk, símbolo religioso da Babilônia. Alexandre o Grande a conquistou em 331 a.C. e, depois de reconstruir alguns de seus monumentos, morreu no palácio de Nabucodonosor, quando voltava da Índia. Durante a época selêucida, a cidade decaiu rapidamente, até desaparecer. 2.13. Cultura e sociedade Os babilônios estenderam seus conhecimentos a todos os ramos do saber, mas se destacaram principalmente pelas grandes descobertas matemáticas e astronômicas. Também cultivaram as artes e as letras com singular mestria. A epopéia de Gilgamesh, obra-prima da literatura babilônica, é um poema cujas primeiras compilações remontam a 2500 a.C.; misto de epopéia e alegoria, seus personagens principais são Enkidu e Gilgamesh. O primeiro representa a passagem do estado natural ao civilizado, enquanto Gilgamesh simboliza o herói que busca a imortalidade. O dilúvio universal também aparece mencionado nesse poema, quando Gilgamesh encontra Utnapishtim, o Noé babilônico, que lhe descreve a técnica de fabricação da nave que, a conselho de Ea, construiu para salvar-se do cataclismo. Outro poema épico conhecido é o Enuma elish (Quando no alto...), que trata da origem do mundo. A religião babilônica compreendia um grande número de deuses que, venerados nos templos, em muitos casos se assemelhavam aos homens. Para os babilônios, o homem foi criado por Marduk, a sua imagem, com barro e seu próprio sangue. O templo era a morada da divindade, enquanto o zigurate (torre) era o lugar destinado ao culto. Cada templo era administrado pelo sumo sacerdote, que, ajudado por sacerdotes menores, magos, 34 adivinhos e cantores, devia prestar contas ao rei, representante do deus Marduk. A sociedade babilônica tinha estrutura piramidal, com o rei, vicário (substituto) da divindade, no topo. O poder e as riquezas do soberano tornavam-no um homem respeitado e temido. Os funcionários reais, os sacerdotes e os grandes proprietários constituíam o suporte do monarca e formavam a categoria superior dos homens livres. Os escravos eram adquiridos por compra ou como resultado de butim de guerra. Numa terceira categoria social estavam os cidadãos humildes, cuja falta de recursos lhes impedia o acesso às categorias superiores, embora fossem livres. O homem livre podia possuir bens, terras ou dedicar-se à indústria ou ao comércio. Sua condição lhe permitia pertencer ao conselho da cidade, embora pudesse cair na escravidão se não pagasse no prazo devido as dívidas contraídas. A família era monogâmica e a instituição matrimonial se regia por um contrato, realizado pelo marido diante de testemunhas, no qual se estabeleciam os direitos e obrigações da esposa. O chefe de família exercia a autoridade e dispunha de total independência no manejo dos bens. Todas essas normas, contidas no código legislativo de Hamurabi, consolidaram a sociedade de forma estável e duradoura. Com o fim da próspera civilização babilônica, a Mesopotâmia deixou de ser terra de grandes impérios e converteu-se em objeto de conquistas das novas potências do mundo antigo. Sua cultura exemplar e sua organização legal são comparáveis ao brilho mais tarde alcançado por Atenas e Roma. 2.14. Síria A atual Síria -- que não coincide com a antiga região do mesmo nome, berço de antiqüíssimas civilizações -- esbarra na instabilidade política do Oriente Médio em sua tentativa de fugir ao subdesenvolvimento e enfrenta um aumento populacional difícil de assimilar num país na maior parte desértico. A Síria situa-se no Oriente Médio, na costa leste do mar Mediterrâneo, no extremo sudoeste do continente asiático. Ocupa uma superfície de 185.180 km2, com forma aproximadamente triangular. Limita-se ao norte com a Turquia; a leste e a sudeste com o Iraque; ao sul com a Jordânia; a sudoeste com Israel e Líbano; e a oeste com o mar Mediterrâneo. As colinas de Golan, no sudoeste de seu território, foram ocupadas em 1967 por Israel, que anexou a área unilateralmente em 1981. História do Mundo Bíblico Antigo 35 2.14.1. Geografia física A Síria apresenta três zonas fisiográficas de oeste para leste: a planície litorânea, as montanhas e o deserto. De norte a sul, a faixa litorânea se estende por 180km entre a Turquia e o Líbano, com uma largura que varia entre 3 e 12km. Nessa região, a mais povoada do país, as inúmeras nascentes e lençóis de água subterrâneos permitem a prática da agricultura durante todo o ano. Na zona montanhosa, duas cordilheiras correm paralelas à costa: as cadeias do Líbano e do Antilíbano. A leste das montanhas estende-se a depressão de Gab, atravessada pelo rio Orontes. O ponto culminante do país é o monte Hermon (2.814m), na fronteira com o Líbano. Para o leste, estende-se o planalto ondulado do deserto da Síria, que desce suavemente em direção ao vale do rio Eufrates, procedente da Turquia. A altitude dessa região varia entre 300 e 500m. No deserto, situa-se um dos maiores afloramentos basálticos do mundo, com 33.700 km2, e no qual se acha o monte al-Duruz. 2.14.2. Clima e hidrografia O clima sírio é mediterrâneo na estreita orla costeira e na região montanhosa ocidental, com precipitações relativamente abundantes e temperaturas médias moderadas, mas com uma longa estação seca de maio a outubro. No resto do país, o clima é desértico ou semidesértico, com chuvas escassas, além de verões e invernos mais rigorosos do que no litoral. Na costa, a temperatura média varia de 13°C em janeiro (inverno ) a 27°C em agosto (verão). No leste, esses números são de, respectivamente, 5°C e 40°C. O sistema de drenagem do país é, em sua maior parte, subterrâneo. Rochas porosas cobrem quase metade do território sírio e absorvem rapidamente as escassas chuvas. Sob a superfície, a água forma nascentes, rios e lençóis de água subterrâneos. O Eufrates é a principal fonte de água e o único rio navegável da Síria. A construção do dique do Eufrates, no norte, possibilitou o cultivo de algodão, cereais e frutas ao longo das margens do rio. O principal rio da região montanhosa é o Orontes, que nasce no Líbano, atravessa a depressão de Gab em direção ao norte, até penetrar na Turquia e desembocar no Mediterrâneo. 2.14.3. População Os árabes são o principal grupo étnico da Síria. Gregos, romanos e turcos dominaram sucessivamente o país, mas sua contribuição étnica foi desprezível se comparada à dos povos semitas da Arábia e da Mesopotâmia, como os arameus, assírios, caldeus e cananeus. As minorias étnicas mais 36 importantes são formadas por curdos, armênios, turcos, circassianos e assírios. O árabe é a língua oficial do país. Junto à fronteira com a Turquia, fala-se o curdo e o turco. Os armênios autóctones já haviam perdido seu idioma quando uma nova onda de refugiados, procedente da Turquia, estabeleceuse em Damasco e Alepo depois da primeira guerra mundial, fugindo à perseguição empreendida pelo país vizinho. Os muçulmanos, distribuídos em diversas seitas, representam aproximadamente noventa por cento da população, e os cristãos menos de dez por cento. A população síria teve crescimento explosivo nas últimas décadas do século XX. A taxa de natalidade se manteve muito elevada, enquanto a de mortalidade diminuiu progressivamente, devido a melhorias sanitárias. O crescimento vegetativo da população aumentou, portanto, de forma acentuada na segunda metade do século XX: mais do que a produção de alimentos e o produto interno bruto. Além disso, após a implantação do estado israelense na Palestina em 1948, a Síria recebeu cerca de cem mil refugiados palestinos, e a população das colinas de Golan, ocupadas por Israel em 1967, refugiou-se sobretudo em Damasco. 2.14.4. História Inicialmente habitado por povos de origem semítica, o território hoje pertencente à Síria sofreu a invasão de elementos de outros grupos étnicos e, ao longo da história, dividiu-se em principados autônomos ou integrou impérios mais vastos. A civilização acadiana surgiu sob o governo de Sargão de Acad, conquistador semita do século XXIII a.C., mas foi destruída por um povo nômade do deserto, os amoritas, entre 2000 e 1800 a.C. Durante os séculos XVI e XV a.C., os povos egípcios e hurritas do reino de Mitani lutaram pelo controle da área. No século seguinte, a Síria passou às mãos dos hititas e sob seu domínio permaneceu até o século VIII a.C., quando os assírios dela se apossaram. Em 612 a.C., porém, as medas conquistaram Nínive, capital da Assíria, e ali imperaram até serem derrotados pelos persas, sob a liderança de Ciro. Dois séculos mais tarde, em 333 a.C., o território foi incorporado ao império de Alexandre o Grande. Depois da morte de Alexandre em 323 a.C., a Síria foi dividida entre Seleuco Nicator e Ptolomeu, em 301 a.C., e assim permaneceu durante quase cem anos, até que os selêucidas se assenhorearam de toda a região. A anarquia levou à desintegração do império. Em 64 a.C., a Síria caiu em poder de Roma e foi uma de suas províncias mais ricas até o século IV da era cristã, quando integrou-se ao império bizantino. História do Mundo Bíblico Antigo 37 2.14.5. Assíria Famosos desde os tempos antigos pela crueldade e pelo talento guerreiro, os assírios também se destacaram pela habilidade na construção de grandes cidades e edifícios monumentais, como atestam as ruínas encontradas em Nínive, Assur e Nimrud. Estabelecido no norte da Mesopotâmia, o império assírio foi uma das civilizações mais importantes do Oriente Médio. Os primeiros povoadores conhecidos da região eram nômades semitas que começaram a levar vida sedentária ao longo do IV milênio a.C. Alguns dados atestam a formação, a partir do século XIX a.C., de um pequeno estado assírio, que mantinha relações comerciais com o império hitita. No século XV a.C., depois de longo período de submissão ao império da Suméria, o estado assírio, com capital em Assur, começou a tornar-se independente e a se estender. Puzur-Assur III foi o primeiro monarca que, livre da opressão suméria, empreendeu a expansão do reino. Graças ao apogeu comercial, os assírios puderam lançar-se, sob o reinado de Shamshi-Adad I (1813-1781 a.C., aproximadamente), às conquistas que tanta glória lhes trouxeram. O soberano concentrou esforços na construção de um estado centralizado, segundo o modelo da poderosa Babilônia. Suas conquistas se estenderam aos vales médios do Tigre e do Eufrates e ao norte da Mesopotâmia, mas foram barradas em Alepo, na Síria. Morto o rei, seus filhos não puderam manter o império em virtude dos constantes ataques de outros povos e dos desejos de independência dos súditos. A Assíria caiu sob o domínio do reino de Mitani, do qual se libertou em meados do século XIV a.C. O rei Assur-Ubalit I (1365-1330) foi considerado pelos sucessores o fundador do império assírio, também conhecido como império médio. Para consolidar seu poder, estabeleceu relações com o Egito e interveio nos assuntos internos da Babilônia, casando sua filha com o rei desse estado. Depois de seu reinado, a Assíria atravessou uma fase de conflitos bélicos com hititas e babilônios, que se prolongou até o fim do século XIII a.C. Quem afinal conseguiu impor-se foi Salmanasar I (1274-1245), que devolveu ao estado assírio o poder perdido. Esse monarca estendeu sua influência até Urartu (Armênia), apoiado num exército eficaz que conseguiu arrebatar da Babilônia suas rotas e pontos comerciais. Sob o reinado de Tukulti-Ninurta I (1245-1208), o império médio alcançou seu máximo poderio. A mais importante façanha do período foi a incorporação da Babilônia, que ficou sob a administração de governadores dependentes do rei 38 assírio. Com as conquistas, o império se estendeu da Síria ao golfo Pérsico. Depois da morte desse rei, o poder assírio decaiu em benefício da Babilônia. Passado um período de lutas contra os invasores hurritas e mitânios, a Assíria ressurgiu, no fim do século XII a.C., com Tiglate-Pileser I (1115-1077), que venceu a Babilônia numa campanha terrivelmente dura. Após sua morte, a Assíria sofreu o domínio dos arameus, do qual não conseguiu libertar-se até que Adad-Ninari II (911-891) subiu ao trono. Tukulti-Ninurta II (890-884) devolveu à Assíria a antiga grandeza e submeteu a zona de influência dos arameus, no Eufrates médio. Sucedeulhe Assur-Nasirpal II (883-859), o mais desumano dos reis assírios, que pretendeu reconstruir o império de Tiglate-Pileser I e impôs sua autoridade com inusitada violência. Foi o primeiro rei assírio a utilizar carros de guerra e unidades de cavalaria combinadas com a infantaria. Seu filho Salmanasar III (858-824), conquistador da Síria e do Urartu, foi igualmente cruel. O último grande império assírio iniciou-se com Tiglate-Pileser III (746-727), que dominou definitivamente a Mesopotâmia. Sua ambição sem limites o levou a estender o império até o reino da Judéia, a Síria e o Urartu. Salmanasar IV e Salmanasar V mantiveram o poderio da Assíria, que anexou a região da Palestina durante o reinado de Sargão II (721-705). O filho deste, Senaqueribe (704-681), teve que enfrentar revoltas internas, principalmente na Babilônia, centro religioso do império que foi arrasado por suas tropas. Asaradão (680-669) reconstruiu a Babilônia e atacou o Egito, afinal conquistado por seu filho Assurbanipal (668-627). No ano 656, porém, o faraó Psamético I expulsou os assírios do Egito e Assurbanipal não quis reconquistar o país. Com esse soberano, a Assíria tornou-se o centro militar e cultural do mundo. Depois de sua morte, o império decaiu e nunca mais recuperou o esplendor. 2.14.6. A cultura assíria Fruto das múltiplas relações com outros povos, a civilização assíria alcançou elevado grau de desenvolvimento. Entre as preocupações científicas dos assírios destacou-se a astronomia: estabeleceram a posição dos planetas e das estrelas e estudaram a Lua e seus movimentos. Na matemática alcançaram alto nível de conhecimentos, comparável ao que posteriormente se verificaria na Grécia clássica. O espírito militar e guerreiro dos assírios se reflete em suas manifestações artísticas, principalmente nos relevos que decoram as monumentais construções arquitetônicas. Representam sobretudo cenas bélicas e de caça, em que as figuras de animais ocupam lugar de destaque, como no relevo “A História do Mundo Bíblico Antigo 39 leoa ferida”. Também cultivaram a escultura em marfim, na qual foram grandes mestres, como se constata nos painéis de Nimrud, que sobreviveram à madeira dos móveis em que eram originariamente incrustados. A religião assíria manteve as ancestrais tradições mesopotâmicas, embora tenha sofrido a introdução de novos deuses e mitos. A eterna rivalidade entre assírios e babilônios chegou à religião com a disputa pela preponderância de seus grandes deuses, o assírio Assur e o babilônio Marduk. O império assírio sucumbiu ao ataque combinado de medas e babilônios. Sob as ruínas de uma esplêndida civilização, ficou a trágica lembrança de suas impiedosas conquistas e da ilimitada ambição de seus reis. 2.15. Egito Berço de uma das civilizações mais antigas do mundo, o Egito representa papel estratégico para a paz mundial no cenário contemporâneo do Oriente Médio. 2.15.1. Geografia física O Egito é um extenso deserto atravessado por um longo e fértil oásis: o vale do Nilo e seu delta. O país desenvolveu sua vida e sua história ao longo do estreito vale do Nilo, cujas inundações anuais fertilizaram durante milênios as terras próximas e permitiram a prática de uma próspera agricultura. Na segunda metade do século XX, a construção da represa de Assuã renovou o papel econômico do Nilo, como base do desenvolvimento e modernização do país. Sem esse rio, a totalidade do país seria um árido deserto. O vale do Nilo e seu delta se encontram em terras aluviais dedicadas ao cultivo, cujos sedimentos foram trazidos das regiões montanhosas onde se situam as nascentes do rio. A composição do solo varia nessa região, e é mais arenosa nos extremos das áreas de cultivo. Ao norte do delta, a salinidade favoreceu a formação de solos estéreis, onde dominam as regiões denominadas barari. 2.15.2. Hidrografia O Nilo é praticamente o único rio do Egito. Com uma extensão de 6.705 km, é considerado o mais longo do mundo. Para ele afluem pequenos riachos nas regiões montanhosas da península do Sinai. As chuvas torrenciais criam os chamados uedes, cursos intermitentes nas montanhas do deserto Oriental. 40 O Nilo nasce nas proximidades do lago Tanganica e, depois de percorrer todo o Sudão, penetra no Egito, ao norte de sua segunda catarata. Antes da primeira catarata, a represa de Assuã forma o enorme lago Nasser. O rio continua por um estreito vale de três quilômetros de largura até chegar à região de Assiut, quando desvia para a esquerda o braço lateral do Bahr alYussef, que o acompanha por cerca de 300 km até desviar-se para a depressão de Faiyum. Após passar a pirâmide de Gizé, à esquerda, o Nilo banha o Cairo e se ramifica para formar um amplo delta, que chega a alcançar 200 km de largura. Damietta, a leste, e Rosetta, a oeste, são os braços principais do delta. Nessa região se encontram os lagos de Maryut, Burullus, Idku e Manzala, entre outros. 2.15.3. Língua O idioma oficial é o árabe. Também se falam inúmeros dialetos regionais, como o beduíno do deserto Oriental e do Sinai, e os dialetos das populações rurais do Delta e dos oásis. O inglês e o francês são utilizados nas relações comerciais. 2.15.4. Economia Agricultura, pecuária e pesca. O regime de águas do Nilo constituiu, desde a antiguidade, o fator básico da economia egípcia. As inundações anuais, entre agosto e setembro, permitiam, antes da construção das diversas represas, o aproveitamento dos ricos nutrientes depositados nas áreas cobertas durante o período das cheias. Na segunda metade do século XX, a utilização de fertilizantes químicos e a construção das represas, canais e outras obras, impulsionaram a produtividade agrícola do vale. O clima favorável e a disponibilidade de água permitem duas colheitas por ano, no inverno e no verão. Entre os produtos agrícolas de verão, o principal é o algodão. Também são importantes o milho, o arroz, a cana-de-açúcar e sementes oleaginosas. Entre os produtos de inverno destacam-se cereais (trigo e cevada), o linho, legumes e hortaliças, principalmente cebola. Também se cultivam muitas frutas: tâmara, laranja, limão, figo. 2.15.5. História Como assinalou o historiador grego Heródoto, no século V a.C., “O Egito é uma dádiva do Nilo”. Desde os primeiros momentos de sua história, os egípcios criaram uma sociedade baseada no aproveitamento das águas do Nilo para a agricultura, mediante a construção de obras hidráulicas capazes de regular sua vazão anual. No plano institucional, configuraram um rígido e hierárquico sistema político que se manteve, com pequenas mudanças, durante cerca de três mil anos. História do Mundo Bíblico Antigo 41 2.15.6. Arqueologia Foram os romanos que começaram a colecionar antiguidades egípcias. Estátuas de faraós e esfinges enfeitavam palácios dos imperadores romanos e diversos obeliscos foram transportados de Karnak (Tebas) e Heliópolis e posteriormente reerguidos em Roma e Constantinopla. Entre as obras dos últimos escritores clássicos destaca-se a descrição do Egito feita por Estrabão no Livro 17 de sua Geografia, que contém detalhes da topografia do delta. Plínio o Velho, em sua História natural, e Ptolomeu, em seu tratado geográfico descreveram o Egito. Plutarco estudou a mitologia e Horapolon tentou decifrar os hieróglifos. A religião egípcia desapareceu com a difusão do cristianismo e o copta substituiu a escrita antiga. Mas a tradição da “sabedoria do Egito” atravessou a Idade Média e despertou interesse durante o Renascimento. 2.15.7. Inícios da moderna egiptologia A visita de Napoleão ao Egito, em 1798, a descoberta da pedra de Rosetta e a decifração dos hieróglifos, pelo inglês Thomas Young e pelo francês JeanFrançois Champollion, proporcionaram material para estudos mais profundos sobre o passado do país. Em 1858, o governo egípcio implantou uma nova política de conservação de suas antiguidades, e nomeou Auguste-Edouard Mariette para esse trabalho. O governo fundou um museu em Bulaq, no Cairo, que mais tarde se tornaria o Museu Egípcio. As escavações empreendidas por Mariette, nas décadas de 1860 e 1870, principalmente em Gizé e Saqqara, forneceram material suficiente para suprir o museu com esculturas e antiguidades. 2.15.8. Escavações no século XX Métodos revolucionários desenvolvidos por William Matthew Flinders Petrie permitiram uma mudança de atitude em relação às novas descobertas: o antigo sistema de somente descobrir monumentos e preservá-los foi substituído por escavações sistemáticas, com o objetivo de examinar e registrar cada objeto, ainda que insignificante ou fragmentado, e analisar as camadas de terra em que se encontravam. Esse método possibilitou levantar dados sobre a história dos lugares e de seus habitantes e também sobre a arte que desenvolviam, seus conhecimentos e sua vida cotidiana. A descoberta do túmulo de Tutankhamen, em 1922, aumentou o interesse pela egiptologia. O esvaziamento desse túmulo exigiu um trabalho de dez anos. Seus descobridores, Lord Carvarnon e Howard Carter, solicitaram a ajuda de diversos especialistas para a extração e preservação dos diversos 42 tesouros que continha. O resultado foi que uma grande quantidade de jóias, armas, móveis e relicários transformaram o acervo do Museu Egípcio do Cairo em um dos mais valiosos do mundo. O período histórico da civilização egípcia começou por volta de 4000 a.C. Os primitivos clãs haviam sido transformados em províncias ou nomos, e seus chefes elevados à dignidade real. Mais tarde foram agrupados em dois grandes reinos: um ao norte, cujo primeiro rei-deus foi Horus, e outro ao sul, que teve Set como primeiro rei-deus. Por volta do ano 3300 a.C., segundo a tradição, o reino do sul venceu o do norte. Quando as dinastias humanas sucederam às dinastias divinas, Menés, personagem lendário e apontado como unificador do Egito, se tornou o primeiro faraó. A capital era, segundo alguns autores, Mênfis, e segundo outros, Tinis, nas proximidades de Abidos. Menés é identificado como Narmeza (Narmer), representado, num relevo de Hieracômpolis, com as duas coroas dos reinos unificados. 2.15.9. Dinastias As escavações realizadas em Abidos, Saqqara e localidades próximas trouxeram informações sobre as primeiras dinastias, denominadas tinitas por terem a capital em Tinis. Neste período houve um aumento da prosperidade econômica do país, incrementado pelas expedições à costa do mar Vermelho e às minas de cobre e turquesa do Sinai. Com a III dinastia, iniciada em 2650 a.C., a capital foi trasladada para Mênfis e os faraós iniciaram a construção das pirâmides, grandes túmulos reais. Inicia-se então o chamado Antigo Império, que vai até a VIII dinastia. Erguemse as pirâmides de Quéops, Quéfren e Miquerinos, faraós da IV dinastia, e a esfinge de Gizé. A arte egípcia já se apresentava com todas as suas características, nessa época de maior esplendor da civilização egípcia. O território se estendeu até a segunda catarata do Nilo, e realizaram-se expedições à Núbia e à Líbia. Aumentou o comércio marítimo no Mediterrâneo oriental e se iniciou a exploração das minas de cobre do Sinai, das pedreiras de Assuã e do deserto núbio. A VI dinastia realizou expedições à península do Sinai e sob Pepi II multiplicaram-se as imunidades concedidas aos nobres. Os chefes dos nomos se tornaram mais independentes e desapareceu o poder centralizador do faraó. Após longa fase de lutas internas, que marcaram o fim do Antigo Império, o Egito entrou em decadência. No século XXII a.C., os príncipes de Tebas afirmaram sua independência e fundaram a XI dinastia, dos Mentuhoep, dando início ao Médio Império, que durou de 1938 a c. 1600 a.C., com capital em Tebas. História do Mundo Bíblico Antigo 43 Restaurou-se e consolidou-se o poder real. Sobressaíram na XII dinastia, também tebana, Amenemés I, Sesóstris I e Amenemés III, que colonizaram a Núbia e o Sudão, intensificaram o comércio e as relações diplomáticas e fizeram respeitar as fronteiras egípcias. O segundo período intermediário, que abrange da XIII à XVII dinastia, entre c. 1630 e 1540 a.C., é de história obscura. Por falta de fontes é impossível analisar o conjunto de causas determinantes da decadência do estado tebano. Sob a XIV dinastia ocorreu a invasão dos hicsos. Os monarcas da XVII dinastia abriram luta contra eles e ferimentos encontrados na múmia de Seqenenre parecem indicar sua morte em combate. Ahmés ou Ahmose I assumiu o comando, expulsou definitivamente os hicsos e fundou a XVIII dinastia. Iniciou-se então o mais brilhante período da história egípcia, o chamado Novo Império, entre 1539 e 1075 a.C., que abrange também a XIX, a XX e a XXI dinastias. Como grandes conquistadores, sobressaíram Tutmés I e III, da XVIII dinastia, Ramsés II (XIX dinastia), Ramsés III (XX dinastia) e Iknaton, Akenaton ou Amenhotep IV (XVIII dinastia), por sua reforma religiosa. Após cerca de trinta anos de paz interna, o Egito, rico e forte, pôde entregarse às novas tendências imperialistas. Tornou-se um estado essencialmente militar e por 200 anos dominou o mundo então conhecido. Alargaram-se as fronteiras do país, da Núbia até o Eufrates. Os príncipes da Síria, Palestina, Fenícia, Arábia e Etiópia pagaram-lhe tributos. O tratado firmado em 1278 a.C. com Hattusilis III terminou com a secular guerra com os hititas. O luxo e o poder econômico refletiram-se nas grandes construções desse período. Com Ramsés XI findou o Novo Império. Rebentaram guerras civis e o Egito entrou em decadência, perdeu territórios e sofreu invasões. Por volta de 722-715 a.C., uma dinastia etiópica, com capital em Napata, restaurou parcialmente a unidade nacional. Em 667 a.C., Assaradão invadiu o Egito e ocupou Mênfis. Em 664 a.C., Assurbanipal tomou e saqueou Tebas. Os egípcios, comandados pelos chefes do delta, reagiram e em 660 a.C., Psamético I, fundador da XXVI dinastia, expulsou os assírios. O Egito voltou a conhecer nova fase de esplendor, chamada de renascimento saítico, devido ao nome de sua capital, Saís. Em 605 a.C., Necau II tentou conquistar a Síria, mas foi derrotado por Nabucodonosor. Em seu governo concluiu-se o canal de ligação entre o Mediterrâneo e o mar Vermelho e, sob seus auspícios, marinheiros fenícios contornaram a África. Em 525 a.C., o último soberano nacional egípcio, Psamético III, foi derrotado e morto por Cambises, rei dos persas, em Pelusa. O Egito foi incorporado ao império persa como uma de suas províncias (satrapia). A partir de então, até Artaxerxes II, reinou a XXVII dinastia persa. A organização social e religiosa foi mantida e registrou-se certo desenvolvimento econômico. A libertação do 44 Egito se deu em 404 a.C. Com Armiteu, único faraó da XXVIII dinastia, a aristocracia militar do delta subiu ao poder. As instituições e a cultura revigoraram-se sob as XXIX e XXX dinastias. Depois de saquear o país, Artaxerxes III restaurou a soberania persa, em 343 a.C. O segundo período da dominação persa terminou em 332 a.C., quando Alexandre o Grande da Macedônia, vitorioso, entrou no Egito, após derrotar Dario III. Período macedônio ou ptolomaico. Nesse período, que vai até o ano 30 a.C., Alexandre foi recebido como libertador e fez-se reconhecer como “filho de Amon”, sucessor dos faraós, prometendo respeitar as instituições e restaurar a paz, a ordem e a economia. Lançou as fundações da cidade de Alexandria. Com sua morte em 323 a.C., o controle do Egito passou a um de seus generais, Ptolomeu, que a partir de 305 a.C. iniciou a dinastia dos lágidas. Dentre seus herdeiros destacaram-se, inicialmente, Ptolomeu Filadelfo, cujo reinado durou de 285 a 246 a.C. e se notabilizou pela expansão comercial, a construção de cidades, e a criação de um museu e da biblioteca de Alexandria; sucedeu-lhe Ptolomeu Evérgetes, que reinou de 246 a 222 a.C. E impulsionou as letras e a arquitetura; e finalmente Ptolomeu Epífano, coroado em 196 a.C., que foi homenageado com a redação do decreto da pedra de Rosetta, em 204 a.C. Atacado por reinos helenísticos, o Egito colocou-se sob proteção romana, com submissão cada vez maior. Seguiram-se vários e cruéis reinados dos lágidas, até Ptolomeu Auletes que, com apoio romano, permaneceu no poder até 51 a.C., quando foi expulso pelos egípcios. Sua filha Cleópatra VII desfezse, sucessivamente, de dois irmãos e apoiou-se no imperador romano Júlio César. Com a morte deste, em 44 a.C., ligou-se a Marco Antônio, mas diante da derrota frente às esquadras romanas, e do assassinato, ordenado por Otávio, do jovem Ptolomeu César, filho que tivera com César, suicidou-se em 30 a.C. O Egito foi então transformado em província romana. Soberanos de direito divino e culto imperial, os lágidas restauraram os templos, honraram a classe sacerdotal e entregaram a administração aos gregos. Alexandria, cidade grega por suas origens, comércio e cultura, foi o centro intelectual e comercial do mundo helenístico. Período romano-bizantino. Em 30 a.C., iniciou-se o período romano-bizantino. A minoria romana conservou a organização da época helenística, com base nos nomos (províncias). O camponês era esmagado por altos impostos e requisições. A indústria e o comércio, que deixaram de ser monopólio estatal, ganharam impulso e atingiram as mais distantes regiões. A passagem dos romanos foi marcada ainda pela construção de estradas, templos, teatros, cisternas, obras de irrigação e cidades. Uma destas foi Antinópolis, construída por Adriano. História do Mundo Bíblico Antigo 45 No final do século II da era cristã generalizaram-se os ataques nômades às fronteiras (Líbia, Etiópia, Palmira) e as perseguições ligadas à expansão do cristianismo. Após Constantino, começam as disputas religiosas. Em 451 a adesão da igreja alexandrina ao monofisismo levou à formação de uma igreja copta, distinta da grega, e dessa forma o que era tido como heresia, por força das perseguições imperiais, transformou-se na religião nacional egípcia. Com a divisão do Império Romano verificou-se uma progressiva substituição de Alexandria por Constantinopla em importância cultural e econômica. No século VI o declínio econômico era generalizado em todos os setores. E no início do século VII os árabes foram recebidos como autênticos libertadores. 2.16. Fenícia Os fenícios assimilaram as culturas do Egito e da Mesopotâmia e as estenderam por todo o Mediterrâneo, do Oriente Médio até as costas orientais da península ibérica. O maior legado que deixaram foi um alfabeto do qual derivam os caracteres gregos e latinos. Chamou-se Fenícia à antiga região que se estendia pelo território do que mais tarde seria o Líbano e por parte da Síria e da Palestina, habitada por um povo de artesãos, navegadores e comerciantes. Biblo (futura Jubayl), Sídon (Saída), Tiro (Sur), Bérito (Beirute) e Árado foram as suas cidades principais. O nome Fenícia deriva do grego Phoiníke (“país da púrpura” ou, segundo alguns, “terra das palmeiras”). Na Bíblia, parte da região recebe o nome de Canaã, derivado da palavra semita kena'ani, “mercador”. 2.16.1. História Os fenícios chegaram às costas libanesas por volta de 3000 a.C. Sua origem é obscura, mas sabe-se que eram semitas, procedentes provavelmente do golfo Pérsico. No começo, estiveram divididos em pequenos estados locais, dominados às vezes pelos impérios da Mesopotâmia e do Egito. Apesar de submetidos, os fenícios conseguiram desenvolver uma florescente atividade econômica que lhes permitiu, com o passar do tempo, transformar-se numa das potências comerciais hegemônicas do mundo banhado pelo Mediterrâneo. A dependência dos primeiros fenícios em relação ao poderio egípcio iniciouse com a IV dinastia (2613-2494, aproximadamente), e é notada pela grande quantidade de objetos de influência egípcia encontrados nas escavações arqueológicas. No século XIV a.C., a civilização grega de Micenas fez seu aparecimento na Fenícia, com o estabelecimento de comerciantes em Tiro, Sídon, Biblo e Árado. As invasões dos chamados povos do mar significaram uma grande mudança para o mundo mediterrâneo: os filisteus se 46 instalaram na Fenícia, enquanto Egito e Creta começavam a decair como potências. Dessa forma, a Fenícia estava preparada no século XIII a.C. para iniciar a sua expansão marítima. A cidade de Tiro assumiu o papel hegemônico na região. Em pouco tempo, seus habitantes controlaram todas as rotas comerciais do interior, comercializando principalmente madeira de cedro, azeite e perfumes. Quando dominaram o comércio na área, iniciaram a expansão pelo Mediterrâneo, onde fundaram muitas colônias e feitorias. Os fenícios escalaram primeiro em Chipre, ilha com a qual há muito mantinham contato, e no século X a.C. se estabeleceram em Cício ou Kítion (Larnaca). A faixa costeira da Anatólia também conheceu a presença fenícia, embora lá não se tenham estabelecido colônias permanentes. No sul da Palestina, sob domínio judeu desde o fim do século XI a.C., assentaram-se colônias comerciais estáveis, assim como no Egito, sobretudo no delta do Nilo. O Mediterrâneo ocidental foi, no entanto, a região de maior atração para os fenícios, que mantiveram relações econômicas com Creta, mas a presença dos gregos os induziu a dirigirem-se mais a oeste, chegando à Sicília, onde fundaram Mócia (Mótya), Panormo (Panormum) e Solos (Sóloi). No norte da África, os fenícios tinham-se estabelecido em Útica no século XII a.C. e fundaram outros núcleos no século IX a.C., entre os quais Cartago. Na península ibérica, Gades (Cádiz), fundada no século XII a.C., foi o porto principal dos fenícios, que ali adquiriam minerais e outros produtos do interior. Na ilha de Malta, a Fenícia impôs seu controle no século VIII a.C., e a partir de Cartago fez o mesmo em relação a Ibiza no século VI a.C. O esplendor econômico e cultural da Fenícia viu-se ameaçado a partir do século IX a.C., quando a Assíria, que precisava de uma saída para o mar a fim de fortalecer sua posição política no Oriente Médio, começou a introduzirse na região. O rei assírio Assurbanipal estendeu sua influência a Tiro, Sídon e Biblo, cidades às quais impôs pesados tributos. A dominação assíria obrigou as cidades fenícias a firmarem uma aliança: em meados do século VIII a.C., Tiro e Sídon se uniram para enfrentar os assírios, aos quais opuseram tenaz resistência; mas, apesar desses esforços de independência, a Assíria manteve sua hegemonia. Os egípcios, também submetidos à influência assíria, estabeleceram um pacto defensivo com Tiro no início do século VII a.C., mas foram vencidos. No fim desse século, Nabucodonosor II impôs a hegemonia da Babilônia no Oriente Médio. O rei babilônico conquistou a região da Palestina e, depois de longo assédio, submeteu Tiro em 573 a.C. A Pérsia substituiu a Babilônia em 539 a.C. como poder hegemônico. A partir de então, Sídon passou a ter História do Mundo Bíblico Antigo 47 supremacia sobre as outras cidades fenícias e colaborou com o império persa contra os gregos, seus principais inimigos na disputa do controle comercial do Mediterrâneo. Os persas incluíram a Fenícia em sua quinta satrapia (província), junto com a Palestina e Chipre. Sídon procurou então uma aproximação com os gregos, cuja influência cultural se acentuou na Fenícia. No século IV, o macedônio Alexandre o Grande irrompeu na Fenícia; mais uma vez, Tiro foi a cidade que apresentou a resistência mais forte, mas, esgotada por anos de lutas contínuas, caiu em poder de Alexandre em 322 a.C. Depois da derrota, toda a Fenícia foi tomada pelos gregos. Finalmente, Roma incorporou a região a seus domínios, como parte da província da Síria, em 64 a.C. 2.16.2. Economia A Fenícia foi um dos países mais prósperos da antiguidade. Suas cidades desenvolveram uma florescente indústria, que abastecia os mais distantes mercados. Objetos de madeira talhada (cedro e pinho) e tecidos de lã, algodão e linho tingidos com a famosa púrpura de Tiro, extraída de um molusco, foram as manufaturas fenícias de maior prestígio e difusão. Também eram muito procurados os objetos de metal; o cobre, obtido em Chipre, o ouro, a prata e o bronze foram os mais utilizados, em objetos suntuários e em jóias de alto valor. Os trabalhos em marfim alcançaram grande perfeição técnica na forma de pentes, estojos e estatuetas. Os fenícios descobriram ainda a técnica de fabricação do vidro e aperfeiçoaramna para confeccionar belos objetos. O comércio se fez principalmente pelo mar, já que o transporte terrestre de grandes carregamentos era dificílimo. Essa exigência contribuiu para desenvolver a habilidade dos fenícios como construtores navais e os transformou em hábeis navegadores. 2.16.3. Sociedade e política Para a construção de suas cidades e feitorias, os fenícios escolhiam zonas estratégicas do ponto de vista comercial e da navegação. Erguiam-nas sempre em portos protegidos, amplas baías que permitiam aos barcos atracar com facilidade e penínsulas abrigadas. As cidades eram geralmente protegidas com muralhas, e os edifícios chegavam a uma altura considerável. A classe dos comerciantes ricos exercia o domínio político em cada cidade, governada por um rei. A diversidade arquitetônica das casas fenícias que foi possível conhecer revela a existência de uma marcada diferenciação social entre a oligarquia de mercadores e o conjunto dos trabalhadores artesanais e agrícolas. 48 2.16.4. Religião A religião dos fenícios era semelhante à de outros povos do Oriente Médio, embora também apresentasse características e influências de religiões e crenças de outras áreas como o mar Egeu, o Egito e mais tarde a Grécia, em conseqüência dos contatos comerciais. A religiosidade se baseava no culto às forças naturais divinizadas. A divindade principal era El, adorado junto com sua companheira e mãe, Asherat ou Elat, deusa do mar. Desses dois descendiam outros, como Baal, deus das montanhas e da chuva, e Astarte ou Astar, deusa da fertilidade, chamada Tanit nas colônias do Mediterrâneo ocidental, como Cartago. As cidades fenícias tinham ainda divindades particulares; Melqart foi o deus de Tiro, de onde seu culto, com a expansão marítima, passou ao Ocidente, concretamente a Cartago e Gades. Entre os rituais fenícios mais praticados tiveram papel essencial os sacrifícios de animais, mas também os humanos, principalmente crianças. Em geral os templos, normalmente divididos em três espaços, eram edificados em áreas abertas dentro das cidades. Havia ainda pequenas capelas, altares ao ar livre e santuários com estrelas decoradas em relevo. Os sacerdotes e sacerdotisas freqüentemente herdavam da família o ofício sagrado. Os próprios monarcas fenícios, homens ou mulheres exerciam o sacerdócio, para o que se requeria um estudo profundo da tradição. Pouco depois do ano 1200 a.C., o império hitita desfez-se, provavelmente devido a incursões dos chamados “povos do mar” e dos frígios no interior. Algumas zonas da Cilícia e Síria mantiveram a identidade hitita e organizaram-se em pequenos principados independentes que, pouco a pouco, foram incorporados pelos assírios. Sociedade e cultura. A história dos hititas foi reconstituída pelos arqueólogos a partir do século XIX, quando Archibald Henry Sayce começou a investigar a existência dos hittiim, a que o Antigo Testamento se refere como habitantes da zona palestina antes dos israelitas. A documentação escrita revelou a história desse povo, mas os períodos mais antigos, anteriores à escrita, permaneceram desconhecidos até achados arqueológicos mais completos. Os documentos hititas, gravados em tábulas e esculturas, demonstraram que a região da Anatólia teve uma notável organização política e social. A principal forma de escrita, de origem mesopotâmica, era a cuneiforme, embora no norte da Síria também se empregasse um tipo de hieróglifo. A língua hitita era indo-européia, ainda que com raízes de outros ramos lingüísticos. História do Mundo Bíblico Antigo 49 Desde os tempos mais remotos, os chefes de estado adotavam o título de reis com caráter hereditário. O monarca era legislador, chefe do exército e juiz supremo. A assembléia de nobres, pankus, a cuja jurisdição estava submetido o subordinação de comunidades isoladas, e uma notável civilização. 2.16.5. História A integração dos pequenos povos da região em um poderoso estado ocorreu ao tempo do rei Labarna. Seu filho Hattusilis I reconstruiu a antiga cidade de Hattusa (posteriormente Bogazköy, na Turquia) e dali organizou incursões para o sudeste, chegando até o Eufrates, com intenção de apoderar-se do norte da Síria. Seu herdeiro e continuador, Mursilis I, chegou até a Babilônia, onde derrotou a dinastia amorrita em 1590 a.C. Com a morte de Mursilis I, ocorreram lutas dinásticas, das quais saiu vencedor Telipinus I, que mobilizou o exército hitita para defender suas possessões na Anatólia dos ataques de povos vizinhos. No princípio, os hititas não participaram das lutas entre egípcios e hurritas na Síria; mais tarde intervieram contra os egípcios, de quem arrebataram Alepo. No entanto, os hurritas logo depois ocuparam a cidade e uniram-se aos egípcios. O império hitita perdeu o controle da Síria e entrou em processo de decadência, agravado por invasões dos hurritas e de outros povos, como os kaska, do norte. A capital, Hattusa, foi incendiada durante um ataque. Entre 1380 e 1346 a.C., Suppiluliumas conseguiu reconquistar e repovoar a Anatólia e empreendeu a conquista da Síria. Esse foi o reinado em que a civilização hitita alcançou o ponto culminante. O novo império demonstrou a superioridade de seu exército frente aos egípcios e hurritas. Durante o reinado de Muwatallis, entre 1320 e 1294 a. C., ressurgiu a luta pela conquista da Síria e houve um grande choque entre hititas e egípcios na batalha de Kadesh. Mesmo da qual existem restos nas tumbas de Alaca Hüyük, bem como nas muralhas e na acrópole de Hattusa, a arte é especialmente abundante em esculturas. Nela manifesta-se a influência de egípcios e babilônios, povos mais avançados. No período do novo império, a escultura destacou-se por apresentar maior originalidade, ainda que conservando a rusticidade do estilo; maior volume e naturalismo aparecem em relevos de um deus da Porta do Rei, em Hattusa. Da Síria os hititas copiaram as esculturas monumentais de animais, como leões e esfinges, protetores das portas das cidades. Alcançaram alto nível artesanal na cerâmica e no trabalho de metais preciosos, assim como na carpintaria. 50 2.17. Grécia antiga Os povos que na antiguidade habitaram o território da Grécia construíram a primeira civilização duradoura da Europa, berço de toda a cultura ocidental moderna. Os gregos criaram obras artísticas, literárias, filosóficas e científicas de importância jamais superada, embora nunca tenham sido capazes de alcançar a unificação política. A Grécia antiga abrange o conjunto das civilizações que se desenvolveram nas regiões situadas na bacia do mar Egeu, sobretudo nas partes central e sul da Grécia continental e no litoral oeste da Anatólia. Compreende desde a civilização minóica (ou minoana), que floresceu em Creta na idade do bronze e foi depois absorvida pela cultura micênica do continente, até a da Grécia transformada em província romana, no ano 146 a.C. A administração das aldeias estava a cargo dos anciãos ou notáveis. O exército era numeroso e constava de unidades de infantaria e de carros ligeiros. Hábeis na arte da cavalaria -- sobre a qual escreveram um tratado -os hititas alcançaram grande perfeição no manejo de carros dotados de arqueiros, com que atacavam de surpresa seus inimigos e deslocavam-se silenciosamente à noite. Consideravam a guerra como uma decisão divina, se bem que não deixassem de mostrar grande interesse pela justiça e acordos internacionais, como testemunham os numerosos textos legais encontrados. Os hititas respeitaram e toleraram as formas religiosas dos povos autóctones e chegaram a integrar em seu panteão inúmeros deuses de outras procedências. Os mais importantes eram a deusa solar e o deus da tempestade. O rei era também sumo sacerdote, considerado intermediário entre as divindades e os homens. Diversos documentos descrevem as preces e os rituais nos grandes festivais religiosos. A arte hitita que sobreviveu está ligada geralmente ao culto religioso. Não foram encontrados restos anteriores a 1.400 a.C. Exceção feita para a arquitetura, de tipo ciclópica, à busca da fama e beneficiavam-se tanto do comércio quanto das terras de agricultura e pecuária, trabalhadas pelos servos. Essa transformação transcorreu lentamente. No ano 2600 a.C. houve uma invasão de povos oriundos da Anatólia que sabiam trabalhar o ferro e aperfeiçoaram as técnicas de agricultura e navegação. Cerca de seis séculos depois, tribos indo-européias invadiram a península pelo norte e destruíram a sociedade existente. Falavam uma língua indo-européia, pertenciam a uma outra raça e distinguiam-se pela forma dos túmulos de seus reis. Absorveram História do Mundo Bíblico Antigo 51 as práticas dos habitantes anteriores, mas passaram a viver em complexos fortificados. Um sistema de rampas e escadas levava da porta da cidade ao salão onde ardia o fogo sagrado. Esse projeto tornou-se mais tarde a planta do templo grego. Por volta do ano 1600 a.C., a fusão entre grupos do continente e a civilização minóica de Creta levou ao surgimento da cultura micênica, nome derivado da cidade de Micenas, no continente. A civilização minóica, a mais característica de toda a região do Egeu, notabilizara-se por suas cidades populosas, com grandes edifícios e residências luxuosas; pelo agudo senso comercial; pelas conquistas artísticas, que incluíam a escrita; e pela forma de governo, que concentrava o poder político nas mãos de um rei, encarregado de administrar as riquezas do país. 2.17.1. Civilização micênica A monarquia minóica acabou por submeter-se ao poder militar micênico, mas a cidade de Micenas valorizou a arte minóica de tal forma que acabou por importar seus artistas, cujas influências se manifestam nos temas ornamentais que o nome Grécia e o etnônimo grego, aplicados ao país e ao povo, foram empregados inicialmente apenas pelos romanos, que estenderam a toda a região o nome da primeira tribo que encontraram no continente. Os gregos do período clássico chamavam a si mesmos helenos e, a seu país, Hélade. Referiam-se assim aos habitantes da península grega, para distingui-los dos bárbaros, nome que davam aos povos que não tinham o grego como língua materna. Originalmente, Hélade era um topônimo de significado restrito, aplicado a um pequeno território ao sul da Tessália. A extensão do termo a toda a Grécia continental, e o emprego do nome heleno para designar o cidadão de qualquer pólis (cidade-estado grega), mesmo das mais distantes, data do final do século VII a.C., quando os santuários de Deméter, em Antela, e de Apolo, em Delfos, se transformaram em centros religiosos procurados por todos os gregos. Formou-se a partir daí uma liga de cidades gregas para administrar os templos e organizar os festivais, que reuniam cidadãos de todas as partes da Hélade e muito contribuíram para a unidade política e cultural desses territórios. 2.17.2. Idade do bronze Os séculos decorridos entre o início da idade do bronze, por volta do terceiro milênio a.C., até o fim do período micênico, por volta do ano 1100 a.C., são denominados período heládico. Durante essa fase, a população local, constituída inicialmente de pacíficos criadores e agricultores, transformou-se 52 em povo guerreiro. A economia baseava-se no comércio marítimo com as ilhas e com os povos da costa leste do Mediterrâneo. Os chefes guerreiros dedicavam-se à guerra e à busca da fama e beneficiavam-se tanto do comércio quanto das terras de agricultura e pecuária, trabalhadas pelos servos. Essa transformação transcorreu lentamente. No ano 2600 a.C. houve uma invasão de povos oriundos da Anatólia que sabiam trabalhar o ferro e aperfeiçoaram as técnicas de agricultura e navegação. Cerca de seis séculos depois, tribos indo-européias invadiram a península pelo norte e destruíram a sociedade existente. Falavam uma língua indo-européia, pertenciam a uma outra raça e distinguiam-se pela forma dos túmulos de seus reis. Absorveram as práticas dos habitantes anteriores, mas passaram a viver em complexos fortificados. Um sistema de rampas e escadas levava da porta da cidade ao salão onde ardia o fogo sagrado. Esse projeto tornou-se mais tarde a planta do templo grego. Por volta do ano 1600 a.C., a fusão entre grupos do continente e a civilização minóica de Creta levou ao surgimento da cultura micênica, nome derivado da cidade de Micenas, no continente. A civilização minóica, a mais característica de toda a região do Egeu, notabilizara-se por suas cidades populosas, com grandes edifícios e residências luxuosas; pelo agudo senso comercial; pelas conquistas artísticas, que incluíam a escrita; e pela forma de governo, que concentrava o poder político nas mãos de um rei, encarregado de administrar as riquezas do país. 2.17.3. Civilização micênica A monarquia minóica acabou por submeter-se ao poder militar micênico, mas a cidade de Micenas valorizou a arte minóica de tal forma que acabou por importar seus artistas, cujas influências se manifestam nos temas ornamentais que adornam sua cerâmica, nas representações pictóricas e na ourivesaria. A sociedade micênica era guerreira, como demonstram seu conhecimento dos carros puxados por cavalos, suas extraordinárias fortificações, os palácios construídos em torno de um mégaro (salão central) e as armas e armaduras encontradas nas tumbas escavadas. Diante da pressão dos dórios, povo procedente do norte que migrou para a Grécia no início do século XII a.C., a civilização micênica sucumbiu. Os dórios eram um povo guerreiro, que usava armas de ferro e cultuava deuses masculinos, mais freqüentemente do que femininos. Destruíram os palácios micênicos e escravizaram todos que não conseguiram fugir a tempo para Atenas, para as ilhas ou para a Anatólia. Sua forma de vida era tão rude que História do Mundo Bíblico Antigo 53 os 300 anos de seu domínio ficaram conhecidos como idade das trevas -- ou como período geométrico, em alusão à simplicidade de sua cerâmica. À medida que a Grécia se recuperava dos efeitos da invasão, o povo grego foi desenvolvendo uma língua e uma religião em comum com os dórios, e as populações tornaram-se semelhantes. Todos cultuavam uma família de deuses chamados olímpicos, que habitariam palácios no monte Olimpo. O culto compreendia a realização de festivais, disputas atléticas entre as cidades e cerimônias dedicadas ao deus protetor de cada cidade. A mais conhecida dessas celebrações eram os Jogos Olímpicos, realizados a cada quatro anos em Olímpia, em honra a Zeus e Hera. Os jogos começaram a ser disputados em 776 a.C., primeira data registrada da história da Grécia antiga. A partir de então, os gregos passaram a datar os acontecimentos fazendo referência ao ano olímpico. 2.17.4. Período arcaico O terror das invasões dórias resultou na formação de cidades-estados, as pequenas nações gregas, surgidas à medida que os habitantes dos vilarejos dispersos buscavam proteção nas proximidades das fortificações micenianas. Em 800 a.C. aproximadamente, as cidades passaram a seguir um mesmo padrão urbanístico: uma fortaleza (acrópole) cercada de muros altos abrigava os templos e podia acomodar a população e os moradores dos povoados próximos quando a cidade fosse sitiada. Abaixo dela ficavam o mercado (ágora) e os quarteirões residenciais. As cidades-estados tinham governo próprio, limites definidos e mantinham entre si relações diplomáticas. A história política da Grécia antiga é, em grande medida, a história das cinco maiores cidades-estados -- Atenas, Esparta, Tebas, Corinto e Argos. O período arcaico se estende de meados do século VIII até o início do século V a.C. Pressionada pelo crescimento demográfico na Grécia continental, a população fundou várias colônias, da Anatólia e do mar Negro à França, Espanha e norte da África. Os oriundos de Atenas fundaram as primeiras colônias na Anatólia, ajudados pela Lídia. As cidades jônicas originaram-se do comércio no mar Negro. Os habitantes das novas cidades da Ásia ou das margens do Mediterrâneo consideravam-se gregos e mantinham laços com suas cidades de origem. No final do século VII a.C., a cunhagem de moedas, que os gregos jônicos aprenderam com os lídios, revolucionou o comércio. O que hoje se entende como literatura e filosofia gregas nasceu nas cidades jônicas, onde também surgiu o alfabeto grego. Um importante elemento de aglutinação cultural dessas cidades foram os poemas homéricos Ilíada e Odisséia, baseados na guerra de Tróia e nas viagens do herói Ulisses. Os gregos consideravam a poetisa Safo, da ilha de Lesbos, o maior nome da 54 poesia lírica e Tales de Mileto o primeiro grande filósofo grego. Foi também nesse período, na Beócia, no continente, que floresceu Hesíodo. 2.17.5. Período clássico O século V a.C., início do período clássico, foi a um só tempo infausto e glorioso para a Grécia continental. Os persas invadiram por duas vezes o território grego, de forma devastadora. Mas foi também um século de triunfos, que correspondeu ao ápice da cultura grega. As guerras greco-pérsicas, iniciadas em 499 a.C., fizeram com que Atenas e Esparta, as duas cidades hegemônicas, superassem divergências e se aliassem contra o inimigo comum. Os persas esmagaram a revolta, e Dario I o Grande resolveu punir Atenas. Em 490 a.C. Dario lançou uma força invasora, mas o exército ateniense rechaçou o ataque, na batalha de Maratona. A vitória foi importante por duas razões: mostrou as perdas que os hoplitas (soldados de infantaria com armadura pesada ou fortemente armados) gregos foram capazes de impor aos persas e pôde ser usada para fins de propaganda. A segunda guerra greco-pérsica, dirigida por Xerxes, filho e sucessor de Dario I, teve início com a expedição punitiva realizada dez anos depois, quando os persas derrotaram os gregos no desfiladeiro das Termópilas e incendiaram a Acrópole. Mesmo assim, Temístocles, com andante da frota ateniense, destruiu com as trirremes gregas -- naus dotadas de três pavimentos de remos e vela redonda -- a frota persa, em Salamina. Sem o apoio naval, o exército persa foi finalmente dizimado na batalha de Platéia, em 479 a.C., por uma confederação de cidades gregas. A vitória deveu-se principalmente ao amor à liberdade dos gregos, que defenderam desesperadamente sua independência, ameaçada por um inimigo mais poderoso. A essa altura, Atenas e Esparta, as principais cidades-estados, exibiam acentuados contrastes, tanto na forma de governo quanto em cultura. De acordo com a tradição instituída por seu legislador, Licurgo, Esparta adotara um regime autoritário e militarista, em que os homens eram preparados para a guerra e as mulheres para gerar bravos guerreiros. Atenas vivia em regime democrático, graças à constituição legada por Sólon, que permitiu uma participação cada vez maior dos cidadãos, ricos ou pobres, na elaboração das leis. Atenas prosperou principalmente durante o governo de Péricles, de 460 a 429 a.C., e se transformou na capital política, econômica e cultural do mundo grego. A democracia de Péricles despojou a aristocracia da maioria dos poderes e privilégios; o conselho dos 500 resolvia todos os assuntos do estado e controlava o executivo, e a vontade popular se expressava na História do Mundo Bíblico Antigo 55 assembléia. Péricles se dedicou à consolidação do poder ateniense, mas não conseguiu a unificação pan-helênica, que tanto almejara. Em 477 a.C. Atenas firmara com as cidades jônicas uma aliança, a liga de Delos, para protegê-las dos persas. No início, as cidades que faziam parte da liga mantiveram sua autonomia, mas Atenas desde o primeiro momento assumiu a direção militar e a administração dos recursos que os aliados haviam depositado no templo de Apolo, em Delos. Ao afastar-se o perigo persa, a hegemonia ateniense começou a ser discutida por algumas cidades, como Naxos e Tasos, que tentaram sem êxito abandonar a liga; pelas cidades independentes, como Corinto, que se sentiam ameaçadas; e pelas que faziam parte da liga do Peloponeso, à frente das quais estava Esparta. 2.17.6. Guerra do Peloponeso Os choques entre Atenas e outras cidades se tornaram cada vez mais freqüentes. A intervenção ateniense no conflito entre Corinto e Corcira (atual Corfu) provocou, a pedido de Corinto, a reunião da liga do Peloponeso, cujos membros decidiram declarar guerra a Atenas. Os atenienses nada fizeram para evitá-la, confiantes nas vultosas reservas de ouro, suficientes para financiar um longo conflito, e na frota de navios, imensamente superior à dos peloponesos. Mas o exército espartano era mais numeroso e estava melhor preparado que o ateniense. Começou assim uma guerra que se prolongaria por quase trinta anos, com resultados desfavoráveis para ambos os lados. Durante os primeiros anos de guerra, as forças atenienses e espartanas se mantiveram equilibradas, mas a intervenção da Pérsia acabou por favorecer Esparta. A destruição completa do exército e da frota atenienses na Sicília paralisou Atenas. Com o apoio da Pérsia, o excelente estrategista espartano Lisandro conseguiu triunfar na batalha decisiva de Egospótamos, em 405 a.C. Atenas resistiu ao assédio lacedemônio, mas foi obrigada a render-se. Após perder o império mediterrâneo, voltou a contar apenas com seus próprios recursos. Apesar da paz assinada em 404 a.C., O mundo grego, inteiramente dividido, jamais recuperou o esplendor do passado. A Pérsia, verdadeira vencedora do conflito, passou a participar ativamente da política grega, ora em apoio a Esparta, ora a Atenas, ora finalmente atuando como potência mediadora entre as duas cidades-estados. Depois da guerra do Peloponeso instalou-se a hegemonia lacedemônia e Esparta tentou impor o regime oligárquico em toda a Grécia. Descontente com o acordo de paz e com o predomínio de Esparta, Tebas fez uma aliança com sua antiga inimiga Atenas. Em 379 a.C., dois tebanos, Pelópidas e Epaminondas, organizaram uma conspiração contra a guarnição espartana da Cadméia (cidadela de Tebas), que marcou o começo da decadência de Esparta. Ameaçados pelo avanço tebano, os espartanos assinaram, em 374 56 a.C., um novo tratado de paz com Atenas: esta reconhecia a supremacia espartana no Peloponeso, e Esparta, em troca, reconhecia a segunda liga marítima ateniense. Esparta, no entanto, quebrou o acordo e interveio contra Atenas mais uma vez no oeste. Começou nessa época o apogeu da Tessália e de Tebas, que reorganizaram seus exércitos e restauraram a Liga Beócia, o que motivou a reaproximação entre Esparta e Atenas. Na batalha de Leuctras, em 371 a.C., Epaminondas, renovador da tática militar, infligiu à infantaria espartana uma derrota de que ela nunca mais se recuperou. Depois da batalha de Mantinéia (362 a.C.), em que os tebanos, apesar de terem vencido os atenienses e espartanos, perderam Epaminondas, assinou-se uma paz pela qual nenhum estado conseguiu impor seu domínio. O equilíbrio alcançado após Mantinéia se apoiava unicamente na exaustão a que tinham chegado igualmente todos os estados gregos. 2.17.7. Pérsia Segundo Heródoto e outros historiadores gregos da antiguidade, o nome Pérsia deriva de Perseu, antepassado mitológico dos soberanos daquela região. A civilização persa conheceu grande esplendor com a dinastia aquemênida, que manteve longa disputa com as cidades gregas pela hegemonia na Anatólia e no Mediterrâneo oriental. O território central da civilização persa foi o planalto do Irã, entre o mar Cáspio e o golfo Pérsico, um dos grandes focos de civilização do rio Indo e da Mesopotâmia. Desde tempos ancestrais, sucessivos grupos étnicos estabeleceram-se na região. Ao longo do terceiro e do segundo milênios anteriores à era cristã foram formados os reinos dos guti, dos cassitas e dos elamitas, entre outros. No segundo milênio surgiram também as primeiras tribos indo-européias, provavelmente originárias das planícies do sul da Rússia, e no início do primeiro milênio ocorreu a segunda chegada de povos indo-europeus procedentes da Transoxiana e do Cáucaso, entre os quais estavam os medos e os persas. Os dois grupos são mencionados pela primeira vez em inscrições da época do rei assírio Salmanasar III, por volta do ano 835 a.C. Entre os séculos IX e VII a.C. ocorreu o estabelecimento, em solo iraniano, de povos citas chegados através do Cáucaso. Acredita-se que os citas já tivessem se diluído entre os povos árias quando surgiu a figura de Ciaxares, que levou os medos ao auge de seu poderio. Rei dos medos entre 625 e 585 a.C., Ciaxares reorganizou o exército -- com a adoção de unidades de arqueiros montados -- e, depois de unir suas forças às da Babilônia, enfrentou o poder hegemônico da região, o da Assíria, cuja capital, Nínive, foi destruída em 612. Medos e babilônios dividiram entre si o império História do Mundo Bíblico Antigo 57 assírio. Astíages, que reinou de 585 a 550 a.C., herdou do pai um extenso domínio, que compreendia a planície do Irã e grande parte da Anatólia. 2.17.8. Dinastia aquemênida O rei persa Ciro o Grande, da dinastia aquemênida, rebelou-se contra a hegemonia do império medo e em 550 a.C. derrotou Astíages, apoderou-se de todo o país e em seguida empreendeu a expansão de seus domínios. A parte ocidental da Anatólia era ocupada pelo reino da Lídia, ao qual estavam submetidas as colônias gregas da costa da Anatólia. Uma hábil campanha do soberano persa, que enganou o rei lídio Creso com uma falsa operação de retirada, teve como resultado sua captura, em 546 a.C. A ocupação da Lídia se completou mais tarde com a tomada das cidades gregas, as quais, à exceção de Mileto, resistiram durante vários anos. A ambição de Ciro voltou-se então para a conquista da Babilônia, a poderosa cidade que dominava a Mesopotâmia. Ciro tirou proveito da impopularidade do rei babilônio Nabonido e apresentou-se como eleito pelos deuses da cidade para reger seu destino, e, apoiado pela casta sacerdotal, dominou-a facilmente em 539 a.C. Sucedeu a Ciro o Grande seu filho Cambises II, que em seu reinado, de 529 a 522 a.C., empreendeu a conquista do Egito, então governado pelo faraó Ahmés II, da XXVI dinastia. Ahmés tentou defender suas fronteiras com a ajuda de mercenários gregos, mas, traído por estes, abriu as portas do Egito a Cambises, que cruzou o Sinai e destroçou o exército de Psamético III, sucessor de Ahmés, na batalha de Pelusa. A capital egípcia, Mênfis, caiu em poder dos persas e o faraó foi aprisionado e deportado. Do Egito, Cambises tentou levar a cabo a conquista de Cartago, o poderoso império comercial do Mediterrâneo ocidental, mas a frota fenícia negou-se a colaborar com a campanha, o que a inviabilizou. Ao retornar de uma vitoriosa expedição à Núbia, o exército persa foi dizimado pela fome. Enquanto isso, um impostor, fazendo-se passar por irmão de Cambises, apoderou-se da parte oriental do império. Cambises morreu quando descia o Nilo com o resto de suas tropas. Dario I o Grande. Dario I reinou entre 522 e 486 a.C. Um conselho de nobres persas decidiu reconhecer como herdeiro de Cambises um príncipe da casa real, Dario, que se distinguira como general dos exércitos imperiais por mais de um ano. Os esforços para consolidar-se no trono ocuparam o novo “rei dos reis”, que soube manejar habilmente o castigo e o perdão, até que as forças inimigas foram dizimadas em todo o império. Tão logo se livrou de seus adversários, Dario prosseguiu com a política de expansão e incorporou a seus domínios grandes territórios do noroeste do subcontinente indiano (mais tarde o Paquistão). Depois, as tropas persas tentaram, com pouco êxito, estabelecer o controle das terras litorâneas do mar Negro, para opor 58 obstáculo ao comércio grego. Em 500 a.C., as colônias helênicas da Anatólia se rebelaram contra a autoridade imperial, apoiadas por Atenas. A reação tardou vários anos, mas depois da derrota da frota grega em Mileto, o exército persa recuperou todas as cidades rebeldes. Quando, no entanto, o imperador persa tentou tomar as cidades da Grécia européia, sofreu a derrota de Maratona, em setembro de 490 a.C. Dario começou a recrutar um enorme exército para dominar a Grécia, mas morreu em 486, ao tempo em que a rebelião do Egito proporcionava um repouso aos helênicos. As principais atividades de Dario o Grande à frente do império persa foram as de organização e legislação. Dividiu o império em satrapias (províncias), a cada uma das quais fixou um tributo anual. Para desenvolver o comércio, unificou a moeda e os sistemas de medidas, construiu estradas e explorou novas rotas marítimas. Respeitou as religiões locais e parece ter, ele mesmo, introduzido o zoroastrismo como religião estatal. Deslocou a capital para Susa e construiu um palácio em Persépolis. O exército persa, antes formado mediante recrutamento em tempo de guerra, foi reorganizado por Ciro e depois por Dario, que criaram um exército profissional e permanente, só reforçado por recrutamento geral em caso de guerra. A elite do exército profissional era constituída pelos “dez mil imortais”, guerreiros persas ou medos, dos quais mil integravam a guarda pessoal do imperador. Xerxes I. Imperador entre 485 e 465 a.C., Xerxes, filho de Dario, reprimiu duramente a revolta que abalou o Egito no momento em que subiu ao trono, e abandonou a atitude respeitosa de seu pai frente aos costumes das províncias. Nova revolta, na Babilônia, foi dominada em 482 a.C. Conseguida a pacificação do império, o exército de Xerxes invadiu a Grécia dois anos mais tarde. Depois de vencerem a resistência grega nas Termópilas, os persas tomaram e incendiaram Atenas, mas foram derrotados na batalha naval de Salamina. A derrota de Platéias, em 479 a.C., conduziu ao abandono da Grécia pelas tropas persas. O próprio imperador perdeu o interesse por novas conquistas e dedicou-se à vida palaciana nas capitais do império até 465 a.C., quando foi assassinado. Sucessores de Xerxes I. Artaxerxes I, imperador de 465 a 425 a.C., teve que enfrentar uma nova rebelião no Egito, que levou cinco anos para ser dominada. Depois do breve reinado de Xerxes II, que governou de 425 a 424 a.C., subiu ao poder Dario II, ocasião em que os governadores da Anatólia souberam aproveitar habilmente a rivalidade entre Esparta e Atenas. Nas guerras do Peloponeso, inicialmente a Pérsia ajudou Atenas, mas depois da desastrosa campanha ateniense contra a Sicília, o império aquemênida contribuiu para o triunfo final de Esparta. História do Mundo Bíblico Antigo 59 Artaxerxes II reinou de 404 a 359 a.C. e manteve a política de dividir as cidades gregas. Uma revolta levou à independência do Egito, e o império começou a se debilitar. No ano 401 a.C., pela primeira vez uma força militar grega internou-se até o centro do império persa. Dez mil mercenários, sob o comando de Xenofonte, deram apoio a Ciro o Jovem, que se rebelara contra Artaxerxes II. Depois da derrota de Cunaxa, tiveram que empreender uma longa retirada, narrada por Xenofonte em Anábasis, até voltarem a sua pátria. Durante seu reinado, de 359 a 338 a.C., Artaxerxes III conseguiu reconquistar o Egito, o que levou o faraó a fugir para a Núbia. Enquanto isso, uma nova potência, a Macedônia, surgia nas fronteiras ocidentais do império. Seu rei, Filipe II, depois de derrotar os gregos em Queronéia, em 339 a.C., conseguiu manter toda a Grécia sob sua hegemonia. Concluído o curto reinado de Arses (de 338 a 336), subiu ao poder o último rei aquemênida, Dario III (336 a 330). A batalha de Granico, em maio de 334, pôs o império persa em mãos do filho de Filipe, Alexandre o Grande. Dario III foi assassinado pouco depois de fugir de Persépolis. Significado histórico do império aquemênida. A formação e o desenvolvimento do império aquemênida significaram a criação de um vasto espaço político no mundo, no qual reinou uma tolerância até então desconhecida. Os impérios anteriores -- o egípcio, o babilônio, o assírio -tinham uma visão política muito mais localista. O império aquemênida foi precursor, em certa medida, dos sonhos universalistas de Alexandre e de Roma. Graças a sua tolerância teve lugar nele, e a partir dele, uma fermentação filosófica, científica, econômica e religiosa de vastas conseqüências no mundo antigo. O império aquemênida esteve na origem das nações mais antigas do mundo. A lembrança do esplendor de Ciro e de Dario manteve-se presente ao longo da história dos governantes do Irã. Isso ficou demonstrado durante a comemoração solene, nas ruínas de Persépolis, antiga capital persa, dos 2.500 anos da monarquia persa, celebrada em 1971 pelo xá Mohamed Reza Pahlevi. 2.17.9. Reino selêucida Depois da morte de Alexandre, ocorrida na Babilônia em 323 a.C., o enorme império por ele conquistado foi dividido entre seus generais. Seleuco I subiu ao poder na Síria, na Pérsia, na Mesopotâmia e no noroeste do subcontinente indiano, mas a dinastia selêucida, por ele fundada, não conseguiu manter um controle eficaz sobre tão vasta área, que ficou reduzida com a separação da região do Indo. Em 247 a.C., a província de 60 Pártia tornou-se independente, e o soberano Ársaces fundou uma dinastia que com o tempo haveria de reinar sobre a Pérsia. O mais destacado dos imperadores selêucidas foi Antíoco III o Grande, que reinou de 223 a 187 a.C. e estendeu os limites do império a leste e a oeste. Em sua expansão para a Anatólia, ele entrou em conflito com Roma. Depois da derrota sofrida em Magnésia frente aos romanos, em 190 a.C., o império selêucida, pressionado em sua parte ocidental por Roma e na oriental pelo reino dos partas, foi progressivamente se decompondo. 2.17.10. Império arsácida O estado parto, fundado por Ársaces I, procurou, desde seu início, restabelecer a tradição aquemênida. Mitrídates I, que governou entre 171 e 138 a.C., engrandeceu o reino parta à custa dos selêucidas, aos quais arrebatou os territórios do Irã e da Babilônia. A partir de 140, os soberanos arsácidas adotaram o título de rei dos reis, que tinha sido empregado pelos imperadores aquemênidas. O domínio parta estendeu-se das margens do Eufrates às do Indo. Roma, que pretendia reconstruir o mítico império de Alexandre o Grande tentou várias vezes subjugar o império arsácida. Finalmente, o imperador romano Augusto concluiu, no ano 20 a.C., um tratado de paz com o arsácida Fraates IV, que fixava o rio Eufrates como fronteira entre os dois impérios. A paz durou pouco mais de um século, durante o qual o comércio de caravanas, que unia China e Índia a Roma, através da Pérsia, registrou extraordinário desenvolvimento. Império sassânida. Ardashir I, que se dizia descendente dos grandes imperadores aquemênidas, esteve à frente de um pequeno reino iraniano entre os anos 224 e 241 da era cristã e ampliou seus domínios até apoderarse do império parta. Foi com Ardashir que teve início a dinastia sassânida, que dominou um novo império persa até o ano 636, quando os árabes o derrubaram em campanha tão violenta quanto a empreendida pelas tropas de Alexandre contra o império aquemênida. Interessados em restaurar o esplendor aquemênida, os sassânidas tinham adotado o zoroastrismo como religião de estado, mas ao contrário do que ocorrera durante o primeiro império persa, a intolerância religiosa foi muito grande. Shapur I, que reinou entre 241 e 272, estendeu seu império do Cáucaso até o Indo. Khosrau II, rei entre 591 e 628, chegou a apoderar-se, por algum tempo, da Síria, da Palestina e do Egito. Um novo império e uma nova religião surgiram na Arábia na terceira década do século VII: o Islã. Senhores da Síria, os exércitos islâmicos invadiram a História do Mundo Bíblico Antigo 61 Mesopotâmia, derrotaram os persas no ano 637 e se apoderaram da capital imperial, Ctesifonte. O último soberano sassânida, Yezdegerd III, foi derrotado definitivamente no ano 641 e morreu assassinado no exílio dez anos mais tarde, ao tempo em que os invasores se apoderavam do planalto iraniano. 2.18. Macedônia 2.18.1. Hegemonia macedônica e decadência A dissolução da liga ateniense ocorreu ao mesmo tempo em que a Macedônia começava a ascender, liderada por Filipe II. Depois de unificar o reino, Filipe II iniciou uma política de expansão cujo primeiro objetivo foi proporcionar ao país uma saída para o mar. As cidades que resistiram foram destruídas. A conquista das minas de ouro do monte Pangeu forneceu os recursos necessários para fazer da Macedônia uma potência. O exército macedônico foi reorganizado por Filipe, que o dotou da famosa falange e de equipamentos de guerra. Atenas não se opôs ao avanço macedônico. Só mais tarde o orador Demóstenes concitou os cidadãos atenienses a resistirem a Filipe, mas, juntamente com os tebanos, os atenienses foram derrotados na decisiva batalha de Queronéia, em 338 a.C. Filipe uniu todas as cidades gregas, com exceção de Esparta, e assumiu pessoalmente o comando da confederação, o que na prática significou submeter a Grécia à Macedônia. Filipe foi assassinado em 336 a.C., quando se preparava para realizar a conquista da Pérsia. Seu filho e herdeiro, Alexandre o Grande, que tinha então vinte anos, transformou em realidade esse ambicioso projeto. Toda a sociedade grega sofria então as conseqüências de suas próprias guerras civis e dos confrontos com a Macedônia. O campo ficou devastado e os pequenos proprietários rurais tenderam a desaparecer. Os mercenários se converteram num mal inevitável que assolou o campo e as cidades. As contínuas guerras provocaram a estagnação econômica, enquanto as classes menos favorecidas esperavam a assistência do estado. Entre os intelectuais do período, como Platão, Isócrates e Xenofonte, começou a ganhar forma a idéia da unificação grega sob a liderança de um dirigente carismático. Alexandre o Grande se propôs unificar sob seu poder todo o mundo civilizado. Entretanto, antes de iniciar suas campanhas contra a Pérsia precisava assegurar o domínio sobre as cidades gregas. Primeiramente, conseguiu que a Liga de Corinto o nomeasse comandante supremo dos gregos. Depois de submeter, em 335 a.C., os trácios e ilírios, que se haviam sublevado, voltou-se contra Tebas, que também se rebelara e destruiu a cidade, matando ou escravizando todos os seus habitantes. A Grécia 62 comprovou a impossibilidade de opor-se a Alexandre, que pôde então empreender suas conquistas na Ásia. Depois de confiar a Antípatro a regência da Macedônia e o governo da Grécia, cruzou o Helesponto. Em 334 a.C., Alexandre atravessou a Ásia, desafiou Dario III e chegou à Índia. Suas conquistas e seu projeto de construir uma ponte entre o oriente bárbaro e a civilização grega constituíram a origem da chamada civilização helenística, que se desenvolveu em grande parte da Ásia (Pérsia, Síria e Índia) e no Egito. Assim, depois que a Grécia perdeu o poder e a independência política, sua língua e sua cultura se tornaram universais. Alexandre concebeu o plano de um império que resultaria da união de gregos e persas, mas morreu de febre na Babilônia, em 323 a.C. Liderados por Atenas, os gregos se revoltaram nesse ano contra a Macedônia na chamada guerra lamiana, mas tiveram de capitular depois da derrota de Amorgos e a Liga de Corinto foi dissolvida. O problema da sucessão de Alexandre arrastou o país a novas guerras. Por fim, impuseram-se os antigônidas na Macedônia, a monarquia selêucida no Oriente e a ptolomaica no Egito. Com isso, o império dividiu-se definitivamente, embora os anseios de liberdade dos gregos os levassem ainda a novas guerras e coligações, de êxito esporádico, até a intervenção final e a ocupação do território pelos romanos. 2.19. Domínio romano As primeiras relações dos romanos com as cidades gregas haviam sido amistosas. Todavia, quando em 215 a.C. Filipe V da Macedônia aliou-se ao cartaginês Aníbal, Roma resolveu intervir militarmente e obteve a vitória contra os macedônios em Cinoscéfalas, no ano 197 a.C. Seguindo uma política de prudência, Roma respeitou o reino macedônio e devolveu a autonomia às cidades gregas. A partir de 146 a.C., porém, a Grécia ficou submetida definitivamente ao domínio da república romana, embora tenha continuado a manter a primazia espiritual sobre o mundo antigo. 2.19.1. Civilização Helenísticas A era helenística marcou a transição da civilização grega para a romana, em que inoculou sua força cultural. Não se encontra nela o esplendor literário e filosófico do período áureo da Grécia, mas divisa-se um grande surto da ciência e da erudição. Chama-se civilização helenística a que se desenvolveu fora da Grécia, sob influxo do espírito grego. Esse período histórico medeia entre 323 a.C., data da morte de Alexandre o Grande, cujas conquistas militares levaram a civilização grega até a Anatólia e o Egito, e 30 a.C., quando se deu a conquista do Egito pelos romanos. Grande parte do Oriente antigo foi então História do Mundo Bíblico Antigo 63 helenizado e assistiu-se a uma fusão da cultura grega, revitalizada nas áreas conquistadas, com as tradições políticas e artísticas do Egito, Mesopotâmia e Pérsia. Depois da morte de Alexandre, a transmissão da cultura grega persistiu nos grandes centros urbanos, embora sofresse influência dos costumes orientais. A tentativa de Antígono, um dos mais antigos generais de Alexandre, de manter intacto o império conquistado pelo guerreiro macedônio, fracassou após a batalha de Ipso, na Frígia (302 a.C.). A partilha do império foi feita entre três generais: Seleuco Nicator, Ptolomeu Lagos e Lisímaco. As lutas, entretanto, continuaram, e vinte anos depois o império foi dividido em três estados independentes: o reino do Egito ficou com os lágidas, descendentes de Ptolomeu; o da Síria, com os selêucidas, descendentes de Seleuco; e o da Macedônia coube aos antigônidas, descendentes de Antígono. Alexandria, no Egito, com 500.000 habitantes, tornou-se a metrópole da civilização helenística. Foi um importante centro das artes e das letras, e a própria literatura grega tem uma fase chamada “alexandrina”. Lá existiram as mais importantes instituições culturais da civilização helenística: o Museu, espécie de universidade de sábios, dotado de jardim botânico, zoológico e observatório astronômico; e a biblioteca, com 200.000 volumes, salas de copistas e oficinas para preparo do papiro. O reino egípcio só terminou com a conquista de Otávio, no reinado de Cleópatra. O reino da Síria abrangia quase todo o antigo império persa até o rio Indo. A capital era Antioquia, outro grande centro da cultura helenística, perto da foz do Orontes, no Mediterrâneo. Os selêucidas, entretanto, não puderam manter a unidade de seu vasto império, que acabou conquistado pelos romanos no século I a.C. Já o reino da Macedônia teve de enfrentar a luta das cidades gregas, ciosas da defesa de sua autonomia, e acabou incorporado ao Império Romano. Do ponto de vista cultural, o período compreendido entre 280 e 160 a.C. foi excepcional. Tiveram grande desenvolvimento a história, com Políbio; a matemática e a física, com Euclides, Eratóstenes e Arquimedes; a astronomia, com Aristarco, Hiparco, Seleuco e Heráclides; a geografia, com Posidônio; a medicina, com Herófilo e Erasístrato; e a gramática, com Dionísio Trácio. Na literatura, surgiu um poeta extraordinário, Teócrito, cujas poesias idílicas e bucólicas exerceram grande influência. O pensamento filosófico evoluiu para o individualismo moralista de epicuristas e estóicos, e as artes legaram à posteridade algumas das obras-primas da antiguidade, como a Vênus de Milo, a Vitória de Samotrácia e o grupo do Laocoonte. À medida que o cristianismo avançava, a civilização helenística passou a representar o espírito pagão que resistia à nova religião. O espírito grego não 64 desapareceu com a vitória dos valores cristãos; seria, doze séculos depois, uma das linhas de força do Renascimento. 2.19.2. Roma antiga Grande parte da organização do mundo moderno se deve ao império que Roma foi capaz de construir há dois mil anos em torno do mar Mediterrâneo. Os idiomas falados no sul da Europa, América Latina e outras partes do mundo constituem uma das heranças diretas da civilização romana. Sob o título Roma antiga estuda-se todo o dilatado período que compreende as origens de Roma, no século VIII a.C., a fase monárquica, a república romana e o império, até o ano 476 da era cristã, quando ocorre o fim do Império Romano do Ocidente. 2.19.3. Origens da cidade No século VIII a.C., duas grandes civilizações haviam lançado suas bases na península itálica: nas terras onde posteriormente se localizaria a Toscana, as avançadas cidades etruscas se aproximavam do auge de seu esplendor; no sul da península e na Sicília, a chamada Magna Grécia implantava uma cultura semelhante à da Hélade, em cidades como Tarento e Siracusa. Os demais povos que habitavam a Itália, como os latinos e os samnitas, dispersos entre aqueles dois grupos, encontravam-se num estágio pouco desenvolvido de civilização. As aldeias que iriam formar a Roma dos reis e as outras aglomerações rústicas do Lácio nos séculos IX e VIII a.C. partilhavam língua e costumes religiosos e se unificaram mediante essa identidade cultural. Na parte central da península itálica, o rio Tibre, já próximo de sua desembocadura, atravessava uma região de terras pantanosas, entre as quais se destacavam algumas colinas cobertas de bosques. O local era estratégico para os povos vizinhos: os latinos ali pastoreavam seus rebanhos; os sabinos comerciavam o sal da costa e o transportavam rio acima; e os etruscos afluíam do norte para vender seus produtos manufaturados às populações ribeirinhas, menos desenvolvidas. Na colina do Palatino, às margens do Tibre, estabeleceu-se em meados do século VIII um núcleo populacional composto de agricultores e criadores de gado, entre os quais devia haver também comerciantes. Em épocas posteriores, diversos autores recolheram e deram forma literária a antigas lendas sobre a fundação da cidade, que teve sua data fixada convencionalmente em 753 a.C. Segundo essas lendas, o fundador, Rômulo, História do Mundo Bíblico Antigo 65 descendia do herói troiano Enéias e foi amamentado, junto com seu irmão Remo, por uma loba, que se converteu no símbolo da cidade. 2.19.3. Monarquia De acordo com as fontes tradicionais, sete reis governaram Roma ao longo de dois séculos e meio, período durante o qual o território dominado pelos romanos passou por uma paulatina expansão. Os quatro primeiros monarcas, Rômulo, Numa Pompílio, Tulo Hostílio e Anco Márcio, parecem ser totalmente lendários, e acredita-se que tanto seus nomes quanto seus feitos foram imaginados e narrados muitos séculos após a fundação da cidade. Os três últimos soberanos foram os etruscos Tarqüínio o Velho, Sérvio Túlio e Tarqüínio o Soberbo, de existência mais documentada, cujos governos se estenderam pela maior parte do século VI. A monarquia etrusca coincidiu com uma época de notável progresso econômico e cultural: os romanos, povo de mentalidade prática, adotaram o alfabeto grego e o modificaram até criar o alfabeto latino, que seria posteriormente utilizado por quase todos os idiomas do mundo. Tanto os etruscos do norte quanto os gregos do sul tiveram influência significativa na formação da cultura especificamente latina. Roma, que não passava de um aglomerado de aldeias, converteu-se numa verdadeira cidade, na qual os reis etruscos executaram grandes obras públicas: saneamento, construções de templos e de locais públicos de reunião. É provável que a expulsão dos etruscos tenha, na verdade, ocorrido vários decênios depois de 509 a.C., a data convencionalmente fixada para sua ocorrência. O último rei, Tarqüínio o Soberbo, foi deposto pelos cidadãos de Roma, que instauraram então o regime republicano. 2.19.4. República 2.19.4.1. Patrícios e plebeus Nos primeiros tempos da república, só os membros das famílias mais poderosas habilitavam-se a participar do governo da cidade. Seu poder era exercido pelo Senado, uma assembléia integrada pelos chefes das principais famílias, que exerciam o cargo a título vitalício. As tensões entre patrícios e plebeus fizeram com que estes últimos recorressem, por duas vezes, a movimentos de secessão, mediante a retirada para fora dos muros de Roma e a recusa de cumprir obrigações militares. Obrigado a aceitar suas condições, o Senado acabou por autorizar a criação de assembléias de plebeus. Essas assembléias nomeavam os tribunos da plebe, os quais gozavam de imunidade e eram dotados de poderes para proteger o povo das ações arbitrárias dos magistrados. 66 Por volta de 450 a.C., o direito consuetudinário romano foi codificado pelos decênviros (magistrados especialmente designados para essa missão) e promulgada a Lei das Doze Tábuas, embrião do vasto corpo jurídico que Roma legou ao mundo e que haveria de constituir a base dos sistemas jurídicos modernos. A pressão dos plebeus levou a novas concessões, até que, ao obterem acesso à dignidade sacerdotal, no ano 300 a.C., tornou-se completa a igualdade jurídica entre todos os cidadãos da república. 2.19.5. Expansão territorial A Roma monárquica havia integrado uma federação de cidades latinas. Quando caíram os reis etruscos, as populações vizinhas deram início a um movimento para exigir maior autonomia, o que obrigou Roma a intensificar suas ações militares até reconstruir a antiga Liga Latina, dessa vez sob seu predomínio. Ao longo do século V, Roma dominou diversos povos. A vizinha cidade etrusca de Veios, principal rival de Roma, foi destruída em 396 a.C., ao fim de dez anos de guerra. 2.19.6. Invasão dos gauleses No início do século IV, povos celtas procedentes da planície da Europa central invadiram o norte da Itália e venceram os etruscos. Prosseguindo seu avanço pela península, chocaram-se com as forças romanas junto ao rio Ália e as derrotaram em 390 a.C. Os celtas apoderaram-se então de Roma e a incendiaram ao abandoná-la, depois de reunir um grande saque. Roma se recuperou rapidamente e em poucos anos se transformou na maior potência da Itália central, ao mesmo tempo que as cidades etruscas entravam em decadência, vítimas dos constantes ataques gauleses, que contribuíram para arruinar sua civilização. Data dessa época a muralha Serviana, que protegia uma Roma de dimensões já bastante consideráveis. 2.19.7. Conquista da Itália A cidade de Cápua, situada na Campânia, a sudeste de Roma, solicitou sem êxito a ajuda dos romanos para enfrentar os samnitas, seus inimigos. A poderosa comunidade samnita infiltrada em Roma -- que se transformava numa metrópole para a qual acorriam imigrantes das mais diversas etnias -conseguiu que a cidade de Roma se voltasse contra Cápua. Depois que esta foi derrotada, os samnitas deram início a uma série de guerras contra seus vizinhos, o que acabou por lhe valer o domínio da Itália. A segunda guerra samnita, em que as forças romanas foram vencidas, terminou em 321 a.C. com a chamada Paz Caudina, uma alusão ao humilhante desfile a que foram obrigados os romanos derrotados pelo desfiladeiro samnita de Caudinae Forculae. Entretanto, na terceira guerra samnita, de 298 a 290 a.C., as forças História do Mundo Bíblico Antigo 67 romanas conseguiram a esmagadora vitória de Sentino, contra uma coligação formada por seus principais inimigos. Todo o centro da Itália caiu então sob o poderio de Roma. O expansionismo de Roma, já convertida em grande potência, voltou-se para as ricas cidades gregas do sul da península. A poderosa Tarento caiu em suas mãos em 271 a.C. e logo toda a península itálica tornou-se romana. Roma submetia as cidades dominadas a regimes jurídicos diversos. Basicamente, respeitou as instituições governamentais de cada uma delas e executou uma hábil política, concedendo, em alguns casos, a cidadania romana a seus habitantes, embora sem direitos políticos na metrópole. O resultado foi a conquista de um vasto território em que a ordem jurídica se encontrava uniformizada e garantida, o que permitiu o incremento das relações comerciais e a manutenção de um poderoso exército. Logo foram construídas as primeiras grandes vias de comunicação terrestre e estabelecido o domínio marítimo da costa da península. Cidadãos romanos estabeleceram colônias, primeiro no Lácio e depois no resto da península itálica, o que contribuiu para a integração do território. 2.19.8. Expansão mediterrânea Em meados do século III, Roma -- senhora da península itálica -empreendeu a expansão que a tornaria dona do Mediterrâneo. Para isso, era inevitável o confronto com um poderoso inimigo: Cartago. A cidade norteafricana dominava um extenso império comercial que incluía, além das costas africanas, o sul da península ibérica, a Córsega, a Sardenha e a maior parte da Sicília. Todas as três ilhas caíram em poder dos romanos após a primeira guerra púnica, de 264 a 241 a.C. Mais tarde, Roma deu início à colonização do vale do Pó e se impôs aos gauleses, os quais ali se estabeleceram no século IV. Também as costas orientais do mar Adriático caíram sob a influência romana em conseqüência das campanhas empreendidas contra os piratas que tinham suas bases no litoral de Ilíria. Uma nova guerra com Cartago -- a segunda guerra púnica -- começou em 218 a.C. Quando chegou ao fim, em 201 a.C., a cidade africana havia deixado de ser uma potência rival, e grande parte da península ibérica caiu, com suas riquezas minerais, em poder de Roma. A terceira guerra púnica, de 149 a 146 a.C., terminou com a destruição definitiva de Cartago e com a incorporação a Roma dos restos de seu império. Ao mesmo tempo em que estabelecia seu domínio sobre o Mediterrâneo ocidental, Roma empreendeu a expansão pela zona oriental. A intervenção na Macedônia e Grécia teve início na época da segunda guerra púnica, mas 68 a Macedônia só se tornou província romana em 148 a.C. Dois anos mais tarde, a destruição de Corinto punha fim às aspirações de independência dos gregos. Em 133 a.C., Átalo III, rei de Pérgamo, legou seu reino a Roma, com o que os domínios da cidade chegaram pela primeira vez à Ásia. Somente no início do século I a.C. Roma reiniciou sua expansão pela Anatólia, Síria e Judéia. A partir do ano de 125 a.C., com os ataques de címbrios e teutões à recémorganizada província Gália Narbonense, atual sul da França, teve início a ocupação romana com o objetivo de estabelecer uma via de comunicação terrestre entre a Itália e os domínios ibéricos. Esses povos, procedentes da Jutlândia, desceram pela Europa central até chocar-se com as legiões romanas, que foram por elas derrotadas em Orange, no ano 105 a.C. Ante a lembrança da antiga invasão gaulesa, Roma reuniu todas as suas forças e o cônsul Caio Mário conseguiu obrigar os invasores nórdicos a retroceder, rechaçando os címbrios e teutões da Gália no período entre 105 a 101 a.C. 2.19.9. Evolução da sociedade romana Depois que Roma se tornou centro de um grande território, os habitantes da cidade, que nos primeiros tempos da república constituíam um povo sóbrio, guerreiro e trabalhador, começaram a desfrutar as imensas riquezas acumuladas. Desapareceu o serviço militar como direito e dever do cidadão. As legiões começaram então a ser formadas com mercenários procedentes de toda a Itália e, mais tarde, de todas as regiões dominadas, o que provocou uma grande mistura de etnias e costumes. A Grécia foi saqueada e seus tesouros artísticos enviados a Roma. As classes altas, a começar por algumas famílias como a dos Cipiões, assimilaram a cultura helênica, que foi protegida e imitada. Os prisioneiros de guerra constituíram um imenso exército de escravos, cujo trabalho barato nas grandes propriedades e nas manufaturas arruinou os camponeses e os artesãos livres da península itálica. O sistema econômico, muito monetarizado, permitiu notável acúmulo de capital. Os grandes comerciantes e banqueiros romanos pertenciam em geral à classe dos cavaleiros (equites), intermediária entre as grandes famílias que dividiam as cadeiras do Senado e as classes baixas. O proletariado romano transformou-se numa classe ociosa que vivia miseravelmente das subvenções e distribuições de alimentos, freqüentava as termas e era entretida com jogos públicos e circo. A própria Roma tornou-se uma grande cidade parasita, que importava grande quantidade de mercadorias de luxo e especiarias orientais, trigo da Sicília e do norte da África, azeite da Espanha e escravos de todo o imenso território colonial. O velho sistema político republicano, edificado por e para uma cidadania identificada com sua cidade, era cada vez menos capaz de funcionar numa sociedade enriquecida que História do Mundo Bíblico Antigo 69 perdera seus ideais. Teve início assim um longo período de instabilidade interna que só cessou quando a velha república romana se transformou em império. 2.19.10. Ditaduras e guerras civis As últimas décadas do século II registraram lutas sociais que tiveram como protagonistas os irmãos Tibério e Caio Graco, eleitos tribunos da plebe. Já não se tratava, como no início da república, da reivindicação de igualdade de direitos por parte dos plebeus, mas do protesto do povo, reduzido à miséria, contra os ricos e, muito especialmente, contra a nobreza senatorial, proprietária da maior parte das terras da Itália. Mais tarde, generais vitoriosos como Mário, vencedor dos címbrios e teutões, e Sila, pacificador da Itália, aproveitaram o poderio de seus exércitos e sua popularidade entre o povo para tentar apoderar-se do estado romano. O Senado, temeroso de sua influência, interveio mais ou menos abertamente contra eles. As classes altas tentavam consolidar as instituições republicanas, enquanto o povo desejava, com determinação cada vez maior, um governante único. Por outro lado, as possessões orientais, cuja influência no mundo romano era considerável, careciam de tradição republicana e seus habitantes consideravam natural o fato de serem governados por autocratas divinizados. A guerra social eclodiu na Itália quando os habitantes da península exigiram a cidadania romana para terem acesso à distribuição das terras públicas. Em 91 a.C., estendeu-se pela península uma verdadeira guerra civil que só terminou quando, ao fim de três anos, foi concedida a cidadania romana a todos os italianos. No ano 88 a.C. rebentou na Anatólia uma rebelião contra o poder de Roma. O Senado confiou o comando do exército, encarregado de reprimi-la, a Lúcio Cornélio Sila, mas a plebe romana o destituiu e colocou Mário em seu lugar, o vencedor dos invasores bárbaros, que simpatizava com o partido popular. À frente das tropas expedicionárias, Sila tomou Roma, desterrou Mário e restabeleceu o poder senatorial. Quando Sila retomou o caminho da Ásia, os partidários de Mário aproveitaram-se de seu afastamento para se apoderar mais uma vez da capital. Após restabelecer a autoridade de Roma no Oriente, Sila voltou à metrópole. Os partidários de Mário foram derrotados em 82 a.C. e se estabeleceu em Roma um regime ditatorial. No poder, Sila fortaleceu a posição das classes altas e limitou as atribuições dos tribunos da plebe, que foram privados do direito de veto, de convocação do Senado e de apresentação de projetos de lei à assembléia sem autorização senatorial. Sila deixou voluntariamente o poder em 79 a.C., pouco antes de sua morte. 70 Em 73 a.C. eclodiu uma rebelião de escravos liderados pelo gladiador Espártaco. Durante dois anos, um grande contingente de escravos rebeldes colocou em perigo as próprias bases da república romana, até que foram exterminados pelo exército, sob o comando de Pompeu. O mesmo cônsul conseguiu a vitória na luta contra os piratas e nas guerras do Oriente, o que lhe permitiu voltar triunfalmente a Roma. O Senado, temeroso de seu prestígio, desautorizou seu trabalho legislativo no Oriente e sua promessa de distribuir terras aos veteranos da guerra. Em represália, Pompeu se aliou a dois outros líderes poderosos, Júlio César e Marco Licínio Crasso, para enfrentar a nobreza senatorial. O primeiro triunvirato, estabelecido em 60 a.C., manteve o equilíbrio de poder durante vários anos, ao longo dos quais César promoveu a conquista das Gálias e expedições além do Reno e do canal da Mancha. O Senado procurou o apoio de Pompeu, em 52 a.C., para destruir o crescente poder de César. Eclodiu então uma guerra civil e os partidários de Pompeu foram derrotados em todas as regiões do mundo romano. César fez-se nomear ditador perpétuo e assumiu plenos poderes. Em pouco tempo, modificou a legislação romana, o censo de cidadãos e o calendário. A 15 de março de 44 a.C., foi assassinado por um grupo de senadores. O Senado tentou recuperar seu antigo poder, mas a revolta do povo romano após os funerais do ditador desencadeou novo período de lutas civis e repressão. Em 43 a.C., constituiu-se um segundo triunvirato, integrado por Marco Antônio, Marco Emílio Lépido e Caio Otávio (chamado depois Augusto), que o Senado foi obrigado a reconhecer. Os triúnviros dividiram os domínios de Roma, mas nem por isso cessaram as lutas internas. Lépido foi neutralizado, Otávio ocupou habilmente o poder no Ocidente e Marco Antônio, impopular em Roma devido a seu comportamento de déspota oriental, foi derrotado em Actium (Áccio) em 31 a.C. Com sua morte, Otávio tornou-se o único senhor de Roma. A queda de Alexandria e o suicídio da rainha Cleópatra -- aliada de Marco Antônio -- deixaram o Egito em mãos de Otávio, que o incorporou a Roma como patrimônio pessoal. 2.20. Império 2.20.1. Otávio Augusto Depois de um século de lutas civis, o mundo romano estava desejoso de paz. Otávio se encontrou na situação daquele que detém o poder absoluto num imenso império com suas províncias pacificadas e em cuja capital a aristocracia se encontrava exausta e debilitada. O Senado não estava em condições de opor-se aos desejos do general, detentor do poder militar. A habilidade de Augusto -- nome adotado por Otávio em 27 a.C. -- consistiu em conciliar a tradição republicana de Roma com a de monarquia divinizada História do Mundo Bíblico Antigo 71 dos povos orientais do império. Conhecedor do ódio ancestral dos romanos à instituição monárquica, assumiu o título de imperador, por meio do qual adquiriu o imperium, poder moral que em Roma se atribuía não ao rei, mas ao general vitorioso. Sob a aparência de um retorno ao passado, Augusto orientou as instituições do estado romano em sentido oposto ao republicano. A burocracia se multiplicou, de forma que os senadores se tornaram insuficientes para garantir o desempenho de todos os cargos de responsabilidade. Isso facilitou o ingresso da classe dos cavaleiros na alta administração do império. Os novos administradores deviam tudo ao imperador e contribuíam para fortalecer seu poder. Pouco a pouco, o Senado -- até então domínio exclusivo das antigas grandes famílias romanas -- passou a admitir italianos e, mais tarde, representantes de todas as províncias. A cidadania romana ampliou-se lentamente e somente em 212 da era cristã o imperador Marco Aurélio Antonino, dito Caracala, reconheceu todos os súditos do império. O longo período durante o qual Augusto foi senhor dos destinos de Roma, entre 27 a.C. e 14 da era cristã, caracterizou-se pela paz interna (pax romana), pela consolidação das instituições imperiais e pelo desenvolvimento econômico. As fronteiras européias foram fixadas no Reno e no Danúbio, completou-se a dominação das regiões montanhosas dos Alpes e da península ibérica e empreendeu-se a conquista da Mauritânia. O maior problema, porém, que permaneceu sem solução definitiva, foi o da sucessão no poder. Nunca existiu uma ordem sucessória bem definida, nem dinástica nem eletiva. Depois de Augusto, revezaram-se no poder diversos membros de sua família. A história salientou as misérias pessoais e a instabilidade da maior parte dos imperadores da dinastia Júlio-Cláudia, como Caio Júlio César Germânico, dito Calígula, imperador de 37 a 41, e Nero Cláudio César, de 54 a 68. É provável que tenha havido exagero, pois as fontes históricas que chegaram aos tempos modernos são de autores que se opuseram frontalmente a tais imperadores. Mas se a corrupção e a desordem reinavam nos palácios romanos, o império, solidamente organizado, parecia em nada ressentir-se. O sistema econômico funcionava com eficácia, registrava-se uma paz relativa em quase todas as províncias e além das fronteiras não existiam inimigos capazes de enfrentar o poderio de Roma. Na Europa, Ásia e África, as cidades, bases administrativas do império, cresciam e se tornavam cada vez mais cultas e prósperas. As diferenças culturais e sociais entre as cidades e as zonas rurais que as cercavam eram enormes, mas nunca houve uma tentativa de diminuí-las. 72 Ao primitivo panteão romano juntaram-se centenas de deuses e, na religião como no vestuário e em outras manifestações culturais, difundiram-se modismos egípcios e sírios. A partir de suas origens obscuras na Judéia, o cristianismo foi-se aos poucos propagando por todo o império, principalmente entre as classes baixas dos núcleos urbanos. Em alguns momentos, o rígido monoteísmo de judeus e cristãos se chocou com as conveniências políticas, ao opor-se à divinização, mais ritual que efetiva, do imperador. Registraramse então perseguições, apesar da ampla tolerância religiosa de uma sociedade que não acreditava verdadeiramente em nada. O Império Romano só começou a ser rígido e intolerante em matéria religiosa depois que adotou o cristianismo como religião oficial, já no século IV. O século II, conhecido como o século dos Antoninos, foi considerado pela historiografia tradicional como aquele em que o Império Romano chegou a seu apogeu. De fato, a população, o comércio e o poder do império se encontravam em seu ponto máximo, mas começavam a perceber-se sinais de que o sistema estava à beira do esgotamento. A última grande conquista territorial foi a Dácia e na época de Trajano (98-117) teve início um breve domínio sobre a Mesopotâmia e a Armênia. Depois dessa época, o império não teve mais forças para anexar novos territórios. 2.20.2. Decadência do império Uma questão que os historiadores nunca conseguiram esclarecer de todo foi a da causa da decadência de Roma. Apesar da paz interna e da criação de um grande mercado comercial, a partir do século II não se registrou nenhum desenvolvimento econômico e provavelmente também nenhum crescimento populacional. A Itália continuava a registrar uma queda em sua densidade demográfica, com a emigração de seus habitantes para Roma ou para as longínquas províncias do Oriente e do Ocidente. A agricultura e a indústria se tornavam mais prósperas quanto mais se afastavam da capital. No fim do século II, começou a registrar-se a decadência. Havia um número cada vez menor de homens para integrar os exércitos, a ausência de guerras de conquista deixou desprovido o mercado de escravos e o sistema econômico, baseado no trabalho da mão-de-obra escrava, começou a experimentar crises em conseqüência de sua falta, já que os agricultores e artesãos livres haviam quase desaparecido da região ocidental do império. Nas fronteiras, os povos bárbaros exerciam uma pressão crescente, na tentativa de penetrar nos territórios do império. Mas se terminaram por consegui-lo, isso não se deveu a sua força e sim à extrema debilidade de Roma. As cidades também começaram a entrar em decadência e os ricos burgueses que habitavam os centros urbanos se viram às voltas com obrigações e História do Mundo Bíblico Antigo 73 impostos cada vez mais altos. Em conseqüência, os proprietários rurais voltaram para suas propriedades, onde se encontravam mais protegidos do assédio do fisco imperial. O esvaziamento dos centros urbanos, muito intenso na região ocidental, deixou o império sem sua base social. Voltou-se à autarquia de cada território e o comércio decaiu. A navegação tornou-se mais difícil. O poder do estado enfraqueceu e, em compensação, os grandes proprietários rurais começaram a organizar pequenos exércitos privados e a administrar a justiça em seus domínios. O século III viu acentuar-se o aspecto militar dos imperadores, que acabou por eclipsar todos os demais. Registraram-se diversos períodos de anarquia militar, no transcurso dos quais vários imperadores lutaram entre si devido à divisão do poder e dos territórios. As fronteiras orientais, com a Pérsia, e as do norte, com os povos germânicos, tinham sua segurança ameaçada. Bretanha, Dácia e parte da Germânia foram abandonadas ante a impossibilidade das autoridades romanas de garantir sua defesa. Cresceu o banditismo no interior, enquanto as cidades, empobrecidas, começavam a fortificar-se, devido à necessidade de defender-se de uma zona rural que já não lhes pertencia. O intercâmbio de mercadorias decaiu e as rotas terrestres e marítimas ficaram abandonadas. Um acelerado declínio da população ocorreu a partir do ano 252, em conseqüência da peste que grassou em Roma. Os imperadores Aureliano, regente de 270 a 275, e Diocleciano, de 284 a 305, conseguiram apenas conter a crise. Com grande energia, o último tentou reorganizar o império, dividindo-o em duas partes, cada uma das quais foi governada por um augusto, que associou seu governo a um césar, destinado a ser o seu sucessor. Mas o sistema da tetrarquia não deu resultados. Com a abdicação de Diocleciano, teve início uma nova guerra civil. Constantino I favoreceu o cristianismo, que gradativamente passou a ser adotado como religião oficial. A esclerose do mundo romano era tal que a antiga divisão administrativa se transformou em divisão política a partir de Teodósio I, imperador de 379 a 395, o último a exercer sua autoridade sobre todo o império. Este adotou a ortodoxia católica como religião oficial, obrigatória para todos os súditos, pelo edito de 380. Teodósio I conseguiu preservar a integridade imperial tanto ante a ameaça dos bárbaros quanto contra as usurpações. No entanto, sancionou a futura separação entre o Oriente e o Ocidente do império ao entregar o governo de Roma a seu filho Honório, e o de Constantinopla, no Oriente, ao primogênito, Arcádio. A parte oriental conservou uma maior vitalidade demográfica e econômica, enquanto que o império ocidental, no qual diversos povos bárbaros efetuavam incursões, umas vezes como atacantes outras como aliados, se decompôs com rapidez. 74 O rei godo Alarico saqueou Roma no ano 410. As forças imperiais, somadas às dos aliados bárbaros, conseguiram entretanto uma última vitória ao derrotar Átila nos Campos Catalaúnicos, em 451. O último imperador do Ocidente foi Rômulo Augústulo, deposto por Odoacro no ano 476, data que mais tarde viria a ser vista como a do fim da antiguidade. O império oriental prolongou sua existência, com diversas vicissitudes, durante um milênio, até a conquista de Constantinopla pelos turcos, em 1453. 2.20.3. Legado de Roma A civilização romana foi original e criadora em vários campos: o direito romano, codificado no século VI, ao tempo do imperador Justiniano, constituiu um corpo jurídico sem igual nos tempos antigos e forneceu as bases do direito da Europa medieval, além de ter conservado sua vigência, em muitas legislações, até os tempos modernos. As estradas romanas, perfeitamente pavimentadas, uniam todas as províncias do império e continuaram a facilitar os deslocamentos por terra dos povos que se radicaram nas antigas terras imperiais ao longo dos séculos, apesar de seu estado de abandono. Conservaram-se delas grandes trechos e seu traçado foi seguido, em linhas gerais, por muitas das grandes vias modernas de comunicação. As obras públicas, tais como pontes, represas e aquedutos ainda causam impressão pelo domínio da técnica e o poderio que revelam. Muitas cidades européias mostram ainda em seu conjunto urbano os vestígios das colônias romanas que foram no passado. Se, em linhas gerais, a arte romana não foi original, Roma teve o mérito de haver sabido transmitir à posteridade os feitos dos artistas gregos. Os poucos vestígios que sobreviveram da pintura romana mostram que as tradições gregas continuavam vivas. Os temas indicam a crescente preocupação religiosa, a serviço dos imperadores divinizados; referem-se, principalmente, à imortalidade da alma e à vida de além-túmulo. O cristianismo se valeu do Império Romano para sua expansão e organização e depois de vinte séculos de existência são evidentes as marcas por ele deixadas no mundo romano. O latim, idioma que a expansão romana tornou universal, está na origem das atuais línguas românicas, tais como o espanhol, o italiano, o português, o francês, o catalão e o romeno. Depois de quase dois mil anos, pode-se ainda falar de um mundo latino de características bem diferenciadas. 2.21. Israel Após quase dois mil anos de dispersão por todo o mundo, em 1948 o povo hebreu fundou um estado próprio na Palestina, região que tinha ocupado na História do Mundo Bíblico Antigo 75 antiguidade e chamada durante a diáspora Erets Israel, a Terra de Israel. O conflito com os árabes palestinos e com os países árabes vizinhos marcou as primeiras décadas de existência do país. Israel ocupa uma estreita faixa de terra no Oriente Médio. Seu nome oficial, em hebraico, é Medinat Israel (Estado de Israel). O país faz fronteira com o Líbano, ao norte; a Síria, a nordeste; a Jordânia, a leste e sudeste; e o Egito, a sudoeste. É banhado a oeste pelo mar Mediterrâneo. Na fronteira com a Jordânia, fica o mar Morto. Sua superfície é de 20.700 km2, excluídos os territórios anexados após a guerra de 1967. Desde essa data, Israel ocupou vários territórios que estavam sob a soberania de países vizinhos, como a parte oriental da cidade de Jerusalém; a Judéia e a Samaria, ou Cisjordânia; as colinas de Golan, antes dominadas pela Síria; e a península do Sinai e a faixa de Gaza, sob controle egípcio. A península do Sinai foi devolvida ao Egito em 1982 como parte do acordo de paz firmado entre os dois países. Em 1993, um acordo árabe-israelense devolveu aos palestinos a autonomia sobre Jericó e a faixa de Gaza. 2.21.1. Geografia física 2.21.2. Geologia e relevo O território israelense se divide em quatro grandes regiões naturais. A primeira, no oeste, é a zona litorânea banhada pelo Mediterrâneo, com cerca de 185km de comprimento e largura máxima de cerca de 35km. A segunda é a região montanhosa, no norte e no centro do país. No norte estão as montanhas da Galiléia, região mais alta do país, onde se eleva o monte Meron (1.208m); mais ao centro, separadas das montanhas setentrionais pela planície de Esdraelon, ficam as colinas da Judéia e Samaria. A terceira região de características próprias é a fossa tectônica do mar Morto, que se estende de norte a sul, a leste das montanhas da Galiléia, como continuação da linha de falhas do leste da África conhecida como Grande Fossa Africana (ou Rift Valley). A quarta região é constituída pelo Neguev, território triangular que penetra no deserto, cujos vértices são, a leste, o mar Morto; a oeste, Gaza; e ao sul, o golfo de Aqaba. 2.21.3. Clima e hidrografia Israel apresenta grandes contrastes climáticos, pois se situa entre duas zonas de influência distintas: no sul o clima é quente e desértico, no norte é mediterrâneo. No litoral registra-se uma temperatura média anual de 20 a 21o C, enquanto no sul ocorrem grandes oscilações térmicas entre o verão e o inverno: 49o C em agosto e 15o C em janeiro. A pluviosidade na região seca é de aproximadamente 25mm por ano, em contraste com 1.100mm registrados no norte. 76 O rio mais importante de Israel é o Jordão, que entra no país pelo nordeste, junto à fronteira com a Síria, verte suas águas no mar da Galiléia, prossegue na direção sul, separando a Cisjordânia da Jordânia, e desemboca no mar Morto. Outros cursos fluviais são o Iarkon, que deságua no Mediterrâneo, próximo a Tel Aviv, e o Kishon, que corre através da planície de Esdraelon e desemboca junto à cidade de Haifa. 2.21.4. Flora e fauna Devido ao clima, a vegetação de Israel é escassa, e as florestas originais desapareceram em quase todo o país em conseqüência da expansão agrícola. Há vegetação de mata arbustiva (maquis), estepe arbustiva (garrigues) e desértica, salvo no norte, onde crescem eucaliptos, coníferas de reflorestamento e cítricos. Na fauna, predominam animais de pequeno porte. Os maiores são a gazela, o javali e a hiena. Além de pequenos mamíferos, como gatos selvagens, texugos e lebres, há muitos répteis, como serpentes e lagartos. Entre as aves destacam-se perdizes, garças, cotovias e cucos. Há reservas naturais na Aravá e nos montes Carmelo e Har Meron. 2.21.5. População Em Israel convivem diversos grupos étnicos formados pelos imigrantes que primeiro habitaram o país e por seus descendentes. Quanto à religião professada por esses grupos, os judeus são os mais numerosos, com mais de oitenta por cento do total, seguidos dos muçulmanos. Há também cristãos, drusos e outros grupos minoritários. A maior parte dos judeus chegou em meados do século XX, procedentes de todas as partes do mundo. Entre 1948 e 1970, o novo estado recebeu 1,3 milhão de judeus, dos quais 200.000 mais tarde o deixaram. No início, agrupavam-se segundo a procedência, mas progressivamente, sobretudo entre os jovens, criou-se uma consciência nacional judaico-israelense. Os dois grupos mais numerosos são os praticantes do rito asquenazita, vindos principalmente da Europa central, e os do rito sefaradita, ou oriental, que vieram dos países mediterrâneos e asiáticos, descendentes dos judeus expulsos da península ibérica no século XVI. A partir da década de 1970 o fluxo de imigrantes decresceu, mas tomou novo impulso com a imigração em massa, no início da década de 1990, de judeus provenientes da extinta União Soviética. Quase toda a comunidade de judeus negros da Etiópia imigrou para Israel nas décadas de 1980 e 1990. Os muçulmanos concentram-se principalmente em algumas zonas do Neguev e da Galiléia. Vivem nas cidades e, como os demais grupos História do Mundo Bíblico Antigo 77 religiosos, gozam de autonomia em assuntos religiosos e civis, embora o governo controle suas instituições. A maioria dos cristãos pertence a grupos ortodoxos e católicos maronitas, que moram principalmente em Jerusalém. Os drusos, que vivem na Galiléia, embora preservem sua identidade árabe, colaboraram por muito tempo com a maioria judaico-israelense e com ela mantêm excelentes relações. Outras minorias consideráveis são os adeptos da fé Bahai, concentrados em Haifa, a seita muçulmana dos circassianos e alguns samaritanos, que se agrupam na cidade de Holon. As línguas oficiais são o hebraico, que no início do século XX já quase não se falava nas comunidades judaicas, a não ser nos ofícios religiosos, e o árabe. A chegada de imigrantes de todas as partes do mundo tornou comum o uso das línguas por eles adotadas durante séculos: inglês, francês, alemão, iídiche, russo, romeno, ladino (dialeto do espanhol falado pelos sefaraditas) e outras. A maior parte da população reside em núcleos urbanos pequenos. As principais cidades são Jerusalém (Yerushalayim), não reconhecida por muitos países como capital de Israel, Tel Aviv e Haifa. Os territórios ocupados possuem baixas densidades demográficas e têm população majoritariamente árabe. Em todo o país, os árabes têm crescimento vegetativo maior que os judeus. 2.21.7. Economia Nos anos que se seguiram à criação do Estado de Israel, diversos fatores deram impulso a um grande desenvolvimento econômico. O alto grau de qualificação profissional de muitos imigrantes e o investimento de capitais -procedentes dos Estados Unidos, de reparações por danos de guerra pagas pela Alemanha, de remessas de divisas por parte dos imigrantes e de créditos - somaram-se à adoção, pelo governo, de uma bem-sucedida política econômica. A economia, porém, esbarrou em diversas dificuldades: o boicote dos países árabes, o rápido crescimento da população, os elevados gastos militares, a escassez de recursos naturais, a inflação e o mercado interno restrito. Os impostos em Israel estão entre os mais altos do mundo, e isso, junto com os fatores mencionados, permitiu uma vultosa arrecadação que contribuiu para fortalecer o setor das empresas públicas. Além disso, o governo apoiou a criação de cooperativas e, por meio de uma política liberalizante, deu impulso ao setor privado, orientando essas atividades para os objetivos econômicos fixados pelo estado. 78 2.21.8. Agricultura A agricultura israelense está vinculada a dois fatores essenciais: a reforma agrária e a irrigação. Num país em que predominavam latifúndios, foram implantadas propriedades de três tipos: o kibutz, o moshav e o moshav shitufi. O kibutz é uma propriedade coletiva, dirigida pela assembléia geral de seus membros, que recebem moradia, alimentos, roupa e serviços sociais em remuneração pelo trabalho. Esse esquema coletivista inicial foi, porém, modificado com o tempo e hoje muitos kibutzim possuem indústrias anexas e admitem trabalho assalariado. Os moshavim são aldeias formadas de pequenas chácaras de cinco hectares em média, baseadas no trabalho familiar com ajuda mútua, cujos produtos são comercializados por uma cooperativa. O moshav shitufi é uma forma mista de propriedade e regime de produção, que reúne características do kibutz e do moshav. A agricultura é muito limitada pela escassez de água, embora uma vasta rede de aqueduto s permita a irrigação das zonas áridas do sul. A totalidade do potencial de água doce é aproveitada, e por isso qualquer aumento da demanda requer medidas altamente onerosas, como a dessalinização da água do mar ou a captação da água que se evapora nas zonas de cultivo. Os produtos agrícolas mais importantes são cítricos, tomate, batata, trigo e frutas. 2.21.9. Energia e mineração A escassez de recursos naturais e de fontes de energia é um obstáculo ao progresso da indústria israelense, o que levou à necessidade de orientá-la para a alta tecnologia e soluções originais. Os recursos minerais mais importantes são potassa, bromo, ácido fosfórico e fosfatos. Desde a década de 1950 exploram-se alguns poços de petróleo. No Néguev existem depósitos de gás natural. A energia elétrica provém de centrais térmicas, mas também funcionam usinas nucleares. 2.21.10. Indústria Vários setores industriais desenvolveram-se com grande rapidez: o eletrônico e o de armamentos, motivados pelas necessidades militares; os transportes, as indústrias de máquinas e a metalurgia. O setor industrial mais importante é o de alimentos, a que se seguem os segmentos têxtil e químico. A quase totalidade da indústria é privada. Finanças e comércio. O sistema bancário israelense está altamente especializado no financiamento dos diferentes setores da economia e apresenta grande volume de negócios. Há bancos comerciais dedicados a História do Mundo Bíblico Antigo 79 operações de pequeno vulto e instituições financeiras supervisionadas pelo Banco Central de Israel para negócios de grande envergadura. Israel exporta produtos químicos, tecidos, diamantes lapidados, fertilizantes. Importa equipamentos e máquinas, além de combustíveis. A balança comercial apresenta um persistente déficit, em parte devido ao isolamento que impõem ao país os vizinhos árabes. Os principais parceiros comerciais são os Estados Unidos e os países da Comunidade Européia. 2.21.11. Transportes A rede rodoviária é mais importante que a ferroviária no sistema interno de comunicações. O sistema de transportes marítimos tem rotas comerciais para o exterior a partir dos portos de Haifa e Ashdod, no Mediterrâneo, e de Eilat, no mar Vermelho. O principal aeroporto é o internacional de Lod. 2.21.12. Sionismo Os hebreus ocuparam Canaã no segundo milênio antes da era cristã. Por volta do ano 930 a.C., após a morte do rei Salomão, o estado hebreu, que alcançara seu esplendor máximo sob o reinado de Davi, dividiu-se em dois, Israel e Judá. O primeiro foi conquistado pelos assírios no ano 722 a.C., e o segundo pelos babilônios, em 587 a.C. Persas, gregos e romanos ocuparam posteriormente o território até que, no ano 70 da era cristã, os judeus foram expulsos da Palestina e se dispersaram pelo Império Romano, dando início à diáspora (dispersão). Nos séculos seguintes, a Palestina (para os judeus Terra de Israel, ou Tsion, Sião) foi sucessivamente ocupada por bizantinos, persas, árabes, cruzados, mamelucos, otomanos e britânicos. O desejo de voltar à terra perdida foi constante na história do povo judeu desde a diáspora. Na época do Iluminismo, o filósofo judaico-alemão Moses Mendelssohn liderou uma corrente de integração à cultura ocidental que foi bem recebida pelos jovens judeus. Ao longo do século XIX, realizaram-se diversas tentativas de criar um estado judeu. Mordecai Manuel Noah atuou nos Estados Unidos e outros, como Laurence Oliphant, na Palestina. Nessa época, os judeus da Europa ocidental se haviam integrado à sociedade maior e eram por ela aceitos, mas no leste, sobretudo na Rússia, formavam comunidades separadas, falavam sua própria língua, o iídiche, e sofriam encarniçadas perseguições. Essa situação alimentou a tendência à emigração em massa. As idéias de Leo Pinsker animaram judeus russos do grupo Chovevei Tsion (Amantes do Sião) a imigrar para a Palestina e fundar ali os primeiros estabelecimentos judaicos modernos. 80 No fim do século XIX, Theodor Herzl, jornalista judeu austríaco, reagiu ao progressivo anti-semitismo europeu e deu novo impulso ao sionismo, estruturando política e ideologicamente o movimento de retorno ao Sião. Sua iniciativa rendeu os primeiros frutos no Primeiro Congresso Sionista, realizado na Suíça em 1897, que fixou como objetivo primordial do movimento a criação de um estado judeu na Palestina. Vários congressos sionistas foram realizados nos anos seguintes, mas nem todos os judeus se alinhavam no sionismo, pois alguns eram partidários da integração em seus respectivos países e outros esperavam o retorno à Palestina, mas sob a direção de Deus. 2.21.13. Colonização da Palestina A repressão desencadeada na Rússia após o fracasso da revolução de 1905 estimulou a migração de novos grupos de judeus para a Palestina. O movimento sionista considerava fundamental o estabelecimento de bases legais para a colonização judaica do país. Aproveitando o confronto entre a Turquia e o Reino Unido após a primeira guerra mundial, o centro do movimento deslocou-se para Londres, com o objetivo de pressionar o governo britânico a conseguir a cessão da Palestina, então sob domínio turco. Em 1917, o secretário de assuntos exteriores do Reino Unido, Arthur James Balfour, atendendo às solicitações de Chaim Weizmann e Nahum Sokolov, enviou uma carta a Lord Rothschild, que contribuía financeiramente com os Chovevei Tsion na Palestina. Conhecida como Declaração Balfour, a carta expunha a disposição britânica de apoiar a criação de um estado nacional judaico na Palestina. Em 1920, na Conferência de San Remo, a declaração foi aceita pelos países aliados e, em 1922, a Liga das Nações outorgou ao Reino Unido o mandato sobre a Palestina. Os britânicos facilitaram então a imigração dos judeus, protegendo ao mesmo tempo os direitos dos habitantes árabes. Nos anos seguintes fortaleceu-se a colonização judaica e cresceu o número de colônias fundadas pelos imigrantes na região. Os britânicos propuseram a constituição de um governo misto árabe-judaico. Os árabes, porém, não estavam dispostos a fazer concessões. Consideravam-se lesados em seus interesses pelo aumento contínuo da população judaica, em parte provocado pela perseguição de que eram vítimas os judeus na Alemanha nazista. Em 1936, após vários anos de conflitos, árabes e judeus enfrentaram-se na primeira guerra aberta. No mesmo ano, uma comissão britânica chefiada por Lord Robert Peel estudou a situação da Palestina e recomendou a partilha da região em dois estados. Os árabes rejeitaram a proposta e renovaram seu protesto armado, que foi combatido pelos britânicos. Em 1939 publicou-se novo documento oficial (Livro Branco), pelo qual se faziam concessões aos árabes e se limitavam a imigração e a expansão dos judeus. História do Mundo Bíblico Antigo 81 Com o início da segunda guerra mundial, os nazistas se apoderaram da Europa e recrudesceu a perseguição aos judeus, provocando sua fuga em massa. Em 1942, os imigrantes judeus excediam todos os limites estabelecidos pelos britânicos na Palestina. O movimento sionista ramificouse e surgiram novos grupos paramilitares extremistas que, nos últimos anos da guerra, realizaram atos de sabotagem contra a administração britânica, a que acusavam de traição. 2.21.14. Independência Em maio de 1942, um congresso sionista realizado em Nova York pediu que se levantassem as restrições à imigração judaica para a Palestina. Os americanos propuseram a partilha da região, mas os britânicos se opuseram. Em novembro de 1947, terminada a segunda guerra mundial, a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou a partilha. A Liga Árabe se opôs à decisão e se preparou para a guerra. Em 14 de maio de 1948 foi proclamado o Estado de Israel, com David BenGurion como primeiro-ministro. Os britânicos declararam findo seu mandato e se retiraram do país, que foi imediatamente invadido pelos árabes pelo leste e pelo sul, o que deu início à guerra da Palestina. O conde Folke Bernadotte of Wisborg, enviado pelas Nações Unidas como mediador, conseguiu uma breve trégua nos combates, mas foi assassinado por terroristas judeus. Em 1949, o diplomata americano Ralph Johnson Bunche conseguiu que fossem assinados separadamente armistícios entre Israel e cada um dos países árabes, mas os israelenses conservaram os territórios que haviam ocupado, exceto a faixa de Gaza e a Cisjordânia, que permaneceram em mãos dos árabes. Nenhum estado palestino foi criado nos territórios: a Transjordânia anexou a Cisjordânia, formando o reino da Jordânia, e o Egito ocupou a faixa de Gaza. Seguiram-se conflitos bélicos, incursões terroristas palestinas nas fronteiras e boicote dos países árabes. O bloqueio egípcio do estreito de Tiran à navegação israelense no golfo de Aqaba levou à guerra de Suez, em 1956, quando Israel, numa operação coordenada com uma ação franco-britânica, invadiu o Sinai e chegou ao canal. O Sinai foi devolvido ao Egito, mas abriuse o Tiran e forças da ONU foram dispostas no Sinai para garantir a trégua. No início da década de 1960, cresceu a tensão em função dos ataques árabes na fronteira da Síria, que contava com o apoio dos países árabes. Em maio de 1967 esses países, especialmente Egito, Síria e Jordânia, organizaram uma aliança antiisraelense. O presidente egípcio, Gamal Abdel Nasser, pediu e obteve a retirada das forças da ONU do Sinai e de novo bloqueou o estreito de Tiran aos navios de Israel. Em 5 de junho foi desencadeada a guerra dos seis dias, com ataque da aviação israelense às posições árabes. Com a vitória israelense, o Sinai, a faixa de Gaza, a Judéia, 82 Samaria, o Golan e a parte oriental de Jerusalém ficaram sob controle de Israel. Os palestinos, sobretudo por meio da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), continuaram as ações contra os interesses israelenses e em favor do estabelecimento de um estado próprio. Utilizavam a Jordânia como base de muitas operações, o que provocou a represália israelense contra objetivos jordanianos. Finalmente, em setembro de 1970, denominado pelos palestinos “setembro negro”, o rei Hussein da Jordânia expulsou os líderes da OLP, que instalaram sua base no Líbano. Em 1973, o Egito e a Síria, que haviam reforçado seus exércitos, planejaram uma estratégia conjunta e atacaram simultaneamente Israel, no Iom Kipur (dia do perdão). Após derrotas iniciais, que causaram violento trauma na sociedade israelense, as forças armadas de Israel passaram à ofensiva. Em 1977, uma surpreendente visita a Israel do presidente do Egito, Anuar alSadat, deu início ao processo que levou, após trinta anos de guerra, à paz entre os dois países. Esse processo de paz conduziu a uma reunião em Camp David, nos Estados Unidos, entre o primeiro-ministro de Israel, Menahem Begin, e Sadat. O acordo final de paz, em 1979, foi rejeitado pelos demais países árabes, que romperam relações com o Egito. Em 1982, após uma intensificação dos atos de terrorismo e dos conflitos na fronteira, Israel invadiu e ocupou por algum tempo o sul do Líbano, a fim de acabar com as bases palestinas na região. No ano seguinte, Begin renunciou e foi substituído por Iitzhak Shamir. Em 1984, um governo de união nacional chefiado por Shimon Peres empreendeu uma política moderada destinada a recuperar a economia e a buscar a paz no Oriente Médio. Conforme o acordo feito, Shamir reassumiu o cargo em 1986. Em 1992, a vitória trabalhista fez de Yitzhak Rabin o primeiro-ministro. Em 13 de setembro de 1993, Rabin e Yasser Arafat, líder da OLP, selaram um histórico acordo de paz que deu início a um processo de normalização de relações diplomáticas entre Israel e a maior parte dos países árabes. No entanto, nem todos apoiaram o acordo; sucederam-se atentados terroristas, e Rabin foi assassinado por um israelense em 1995. Nas eleições de maio de 1966, o bloco conservador Likud venceu por pequena margem, e seu líder, Benjamim Netayahu, tornouse primeiro-ministro. 2.21.15. Instituições políticas Israel é uma república parlamentarista democrática. O órgão legislativo é o Knesset (Parlamento) com 120 membros eleitos a cada quatro anos. Os membros do executivo formam o gabinete, liderado pelo primeiro-ministro, indicado pelo presidente do estado após consulta a todas as forças políticas História do Mundo Bíblico Antigo 83 representadas no Parlamento. Em geral, o primeiro-ministro pertence à agrupação política que ocupa maior número de cadeiras parlamentares. O presidente é eleito a cada cinco anos pelo Knesset e só pode ser reeleito uma vez. Os partidos políticos israelenses costumam formar coalizões, ou frentes, para participar de eleições ou formar maioria parlamentar que permita governar. Desde a criação do estado, o Partido Trabalhista (Mapai e, mais tarde, Avodá) venceu todas as eleições até ser derrotado pelo bloco de direita chamado Likud, em 1977. Na década de 1980, o Avodá e o Likud colaboraram num governo de união nacional. Em 1992, o Avodá venceu as eleições e passou a comandar a coalizão. 2.21.16. Sociedade e cultura A estabilização sociocultural da comunidade israelense foi prejudicada historicamente pelo contínuo conflito com os árabes. O governo mantém serviços públicos de saúde e supervisiona os serviços particulares. O ensino é obrigatório e gratuito de cinco a 15 anos de idade, e há escolas especiais encarregadas da integração dos imigrantes adultos. Pode-se escolher entre educação leiga ou religiosa. Entre as várias instituições de ensino superior destacam-se a Universidade Hebraica de Jerusalém, inaugurada em 1925, a de Tel Aviv e o Instituto Hebraico de Tecnologia (Technion), em Haifa, de 1924. O estado se identifica com a cultura e a religião judaicas, mas garante liberdade de culto a todas as religiões. A sociedade israelense tem na organização militar uma característica singular. O serviço militar é obrigatório para homens e mulheres judeus, mas não para os árabes. As unidades militares são controladas pelo Exército de Defesa de Israel (Tsahal). Por terem sido os judeus um povo disperso pelo mundo durante séculos, sua cultura foi enriquecida pelas contribuições das comunidades em que viviam. Sobre essa base formou-se a vida cultural em Israel. Parte do antigo folclore hebraico perdeu-se, mas o que ainda se conserva é protegido pelo estado. A Orquestra Filarmônica de Israel tem prestígio internacional. As artes plásticas são muito influenciadas pela arte européia, embora tenham surgido movimentos especificamente judaicos. Na literatura, que busca um caminho entre a expressão judaica e os problemas contemporâneos de Israel, destacam-se entre os muitos nomes importantes os do poeta Abraham Shlonsky e Shmuel Yosef Agnon, Prêmio Nobel de 1966. Entre as instituições culturais estão a Academia da Língua Hebraica, fundada em 1954, e a Academia de Ciências e Humanidades de Israel, criada em 1960. 84 A maior parte dos numerosos jornais e programas de rádio são veiculados em hebraico e em árabe, mas também há exemplares e seções em muitas outras línguas faladas pelos imigrantes. A televisão só transmite em hebraico e árabe. Referências ALMANAQUE ABRIL. Abril multimídia. 1997. AZEVEDO, Fernando de. A cultura brasileira. 5ª ed., São Paulo: Melhoramentos, 1971. BANCROFT, Emery H. Teologia Elementar. São Paulo: Imprensa Batista Regular, 1989. BÍBLIA de Estudo Pentecostal. Estudo sobre a Criação. Rio de Janeiro: CPAD. CUVILLIER, A. Manual de Filosofia. 1ª ed., Educação Nacional de Adolfo Machado, 1948. ENCYCLOPAEDIA. Britannica do Brasil Publicações Ltda. MESQUITA, Antônio Neves. Povos e Nações do Mundo Antigo. 7ª ed., São Paulo: Hagnos, 2001. PILETTI, Claudino; PILETTI, Nelson. Filosofia e História da Educação. Ática. 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