Raça, Cidadania e Modernidade no Brasil: ainda o diagnóstico da

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ANPOCS 2011
GT 30 – Relações raciais: desigualdades, identidades e políticas públicas
Proposta de Paper:
Raça, Cidadania e Modernidade no Brasil: Ações afirmativas e o diagnóstico da
“excepcionalidade”
Lília G. M. Tavolaro1 e Sergio B. F. Tavolaro2
As políticas de ação afirmativa no cenário universitário brasileiro já acumulam mais de
10 anos de experiência, tempo suficiente para ensejar desafios a uma série de imagens,
idéias-força e estereótipos projetados pelo pensamento sociológico acerca da sociedade
brasileira. O propósito deste paper é considerar algumas dessas experiências com o
propósito de abordar criticamente três temas recorrentes e interconectados em nosso
pensamento social: relações raciais, vivência de direitos e, por fim, a experiência da
modernidade no Brasil. Tal proposta é resultado de reflexões e pesquisas realizados por
ambos os autores nos últimos dez anos.
Conforme nossa hipótese de trabalho, as práticas de ação afirmativa trazem à luz
elementos que põem em xeque um certo diagnóstico que articula esses três temas em
uma direção bastante específica: a de uma pretensa excepcionalidade ou singularidade
brasileira, supostamente em flagrante contraste com os cenários observados nos
chamados “países modernos centrais”. A primeira parte do paper salientará elementos
compartilhados por duas figuras-chave do pensamento social brasileiro, comumente
apontadas como representativas de abordagens irreconciliáveis acerca de nossa
formação societal: Gilberto Freyre e Florestan Fernandes. Conforme buscaremos
mostrar, quando vislumbradas a partir de certo ângulo, essas abordagens confluem em
direções expressivamente similares, especialmente no que diz respeito ao caráter
“peculiar” das relações raciais e da modernidade no Brasil. Na segunda parte do paper,
consideraremos algumas das experiências de políticas de ação afirmativa no cenário
universitário brasileiro para acentuar aspectos que julgamos relevantes em vista do
esforço de desconstrução crítica dessa imagem da singularidade brasileira. Para
concluir, indicaremos alternativas teórico-metodológicas que evitem um olhar
“essencializado” da questão racial no Brasil e de sua articulação tanto com a vivência da
cidadania quanto com a experiência do padrão de sociabilidade moderno entre nós.
Em sua célebre interpretação acerca de nossa formação social, Freyre projeta a imagem
de uma miscigenação racial sem precedentes, graças a qual distâncias sociais teriam
sido amenizadas, forjando uma espécie de “equilíbrio de antagonismos”. Implicações
dessa singular sociabilidade teriam sido, por um lado, a inexistência de demarcações
sociais rígidas e intransponíveis e, por outro, a interposição de obstáculos ao
florescimento e sedimentação de códigos normativos impessoais e abstratos. Freyre
chama atenção, ainda, para a centralidade do pater famílias e da família de tipo
patriarcal, por seu turno responsáveis por ceifar, a todo momento, a emergência de
âmbitos de sociabilidade verdadeiramente públicos, resguardados de interesses
1
Professora Adjunta do Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal de Uberlândia.
Professor Adjunto do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília e do Programa de PósGraduação em Sociologia da mesma instituição.
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1
privados. Desse retrato, projeta-se a imagem de uma experiência moderna notavelmente
peculiar, marcada por indiferenciação social, pelo baixo grau de secularização e pela
porosidade entre domínios públicos e privados.
Bem sabemos que Florestan Fernandes e a “Escola Paulista de Sociologia”
desenvolveram uma interpretação da problemática racial no Brasil comumente
vislumbrada como antípoda do empreendimento freyreano. Veementemente crítico à
imagem da miscigenação como força social niveladora, Florestan e seus principais
discípulos preferiram acentuar os inúmeros obstáculos à integração do negro na
sociedade brasileira, reforçados em virtude da maneira singular com que teríamos
adentrado a ordem competitiva. Segundo Florestan Fernandes, em se tratando de uma
sociedade periférica na ordem capitalista internacional, instituições e referências
normativas propriamente burguesas jamais teriam encontrado condições adequadas para
vicejar no Brasil da maneira como supostamente o fizeram nas sociedades centrais. A
existência de um aparato estatal autoritário, avesso a instituições democráticas, seria a
um só tempo sintoma e peça-chave dessa singular experiência social.
É nossa intenção argumentar que, apesar de em um primeiro momento parecerem
diagnósticos distintos a respeito das relações raciais no Brasil, as duas abordagens
chegam a um retrato notavelmente próximo a respeito da articulação raça, cidadania e
experiência da modernidade. A nosso ver, uma consideração crítica dessas abordagens
requer a problematização do binômio centro – periferia, bem como da concepção de
cidadania a ele atrelado (que, por sua vez, encontra na proposta de T.H. Marshall uma
confirmação desse pretenso hiato entre o centro e a periferia).
O objetivo principal do paper é, pois, explorar os eventuais desafios que as experiências
de políticas de afirmação afirmativa no âmbito universitário brasileiro apresentam a esse
“diagnóstico da excepcionalidade/singularidade”. Em vista desse propósito, remissões
serão feitas acerca das políticas de ação afirmativa nos EUA, com freqüência tidas como
o caso exemplar em referência ao qual a experiência brasileira é vislumbrada como uma
espécie de “desvio”, seja por aqueles que a celebram ou que a condenam. Inspirados
por uma abordagem agonística e contingente da cidadania, buscaremos salientar que as
experiências de ação afirmativa no Brasil revelam a existência de atores sociais com
identidades raciais claramente discerníveis, capazes de comunicar suas demandas a
formuladores de políticas públicas. Aqui interessa-nos o fato de que tais identidades são
socialmente construídas e, portanto, revelam-se frutos de processos históricos, sociais,
políticos e institucionais contingentes e agonísticos, além de indicarem o fortalecimento
de instituições e práticas democráticas, comumente tidas como estranhas ao universo
político brasileiro.
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