In Memoriam Wiliam Kannel Evangelista Rocha

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In Memoriam
Wiliam Kannel
William B Kannel, MD, faleceu em 20 Agosto, 2011, aos 87
anos. Nascido em em Nova Iorque (Brooklyn), onde frequentou o
ensino secundário, estava determinado a seguir engenharia mas,
no período da II Grande Guerra, recebeu uma carta do governo
dirigida aos candidatos a esta formação se queriam mudar para
medicina ou medicina dentária. Uma amiga especial de infância
que veio a ser sua mulher (Rita), convenceu-o a seguir medicina.
Licenciado pelo Medical College da Georgia em Augusta (1949),
teve formação em medicina interna no US Public Health Service
em Staten Island, Nova Iorque, certificado em 1958. O Dr. Kannel
tinha formação em saúde pública, em medicina interna e em cardiologia clínica, recebendo o Grau de Mestre por Harvard (1959).
Foi médico assistente no Centro Médico da Universidade de
Boston e membro do Evans Memorial Foundation. Contudo, em
1950, dois anos após o início do Estudo de Framingham (FHS),
integrou a equipa de investigadores, convidado pelo “arquitecto”
do estudo, o Dr. Thomas Royle Dawber, para sub-director depois
de ter visto um artigo que Kannel escreveu sobre medicina preventiva. Em 1966, tornou-se Director, substituindo o seu mentor
Dawber que foi para Boston como professor de medicina preventiva, e desempenhou estas funções até 1979. Entre 1979 e 1987,
como Professor de Medicina e Saúde Pública na Universidade de
Boston (BUSM), permaneceu como Investigador Principal. Porém,
nunca deixou de investigar no FHS, continuando como investigador sénior até ficar doente.
Professor Jubilado da BUSM, deu a última conferência em
Junho de 2011. Era ex Presidente do Conselho de Epidemiologia
da Associação Americana de Cardiologia e ex Director da Secção
de Medicina Preventiva e Epidemiologia no Departamento de
Medicina da BUSM. Fez parte do quadro editorial de diversas
revistas científicas, incluindo o Hypertension, American Journal of
Cardiology e American Heart Journal.
Fez palestras, deu conferências e teve outras intervenções
científicas em diversos países, incluindo Portugal, onde participou, pela primeira vez, em 1977, nas Jornadas Internacionais de
Cardiologia Preventiva. Publicou mais de 600 artigos médicos,
numerosos editoriais e capítulos de livros.
Foram-lhe atribuídas numerosas distinções (awards) e graus
honorários nacionais e internacionais, entre os quais os seguintes:
Prémio Dana em Medicina Preventiva (1972), Prémio Dutch
Einthoven (1973), Prémio Canadian Gairdner (1976), Prémio CIBA
para a Investigação em Hipertensão (1981), Prémio James D.
Bruce Memorial do Colégio Americano dos Médicos (1982),
Prémio Charles A. Dana para Avanços Médicos Pioneiros em
Sáude (1986), Prémio por Serviço Distinto pelo Colégio
Americano de Cardiologia (1988), Prémio pela Investigação em
Hipertensão da National Conference on Cholesterol and
Hypertension (1991), Prémio Bristol Myers Squibb para Avanços
Distintos em Investigação Cardiovascular (1993), Prémio Aluno
Distinto da Faculdade de Medicina da Universidade da Geórgia
(1993), Prémio Avanços em Investigação da Associação
Americana de Cardiologia (1994), Prémio Health Trac Foundation
Fries (1998), Prémio Paul White da Filial Nordeste da Associação
Americana de Cardiologia (2003), Prémio William Harvey da
Sociedade Americana de Hipertensão, Prémio de Carreira pela
Sociedade de Geriatria de Cardiologia (2004), Prémio da
Associação Americana de Cardiologia - Cientista Distinto (2006),
Prémio de Carreira pela Academia de Medicina de Nova Iorque
(2006), Prémio Joseph Stokes pela excelência em cardiologia preventiva atribuído pela Sociedade Americana de Cardiologia
Preventiva (2011).
William Kannel foi um dos pioneiros da investigação epidemiológica cardiovascular, muito activo durante aproximadamente 60
anos, e determinante para que o Framingham Heart Study seja
considerado líder da investigação epidemiológica cardiovascular.
Demonstrou o interesse da investigação na população para identificar os factores determinantes das doenças cardiovasculares (DCV),
a que atribuiu o termo “factor de risco”, em 1961 (Annals of
Internal Medicine). Promoveu o conceito de factor de risco multivariável (múltiplos factores interrelacionados) na etiologia das DCV
ateroscleróticas e a sua utilidade na estimativa dos perfis de risco
cardiovascular. Para estimar o risco definiu matematicamente funções de risco, com base na informação de diversas variáveis, e desenvolveu perfis de risco cardiovascular para: doença coronária, acidente vascular cerebral, insuficiência cardíaca, fibrilhação auricular,
hipertensão, diabetes, claudicação intermitente, doenças cardiovasculares. Desfez equívocos, como o conceito de “hipertensão
essencial benigna” e demonstrou que o componente sistólico da
pressão arterial não era menos importante do que o componente
diastólico. Pelo contrário, o que mais influencia o risco da hipertensão é o componente sistólico e a pressão do pulso. Pela sua investigação realçou a natureza da letalidade da insuficiência cardíaca
congestiva e da hipertrofia ventricular esquerda, a ocorrência frequente de enfartes do miocárdio “silenciosos”, os factores de risco
de morte súbita, a falta de eficácia da terapêutica hormonal de
substituição para prevenir DCV. Em 1971, trinta anos antes da descoberta do genoma, para estudar as influências familiar e genética,
começou o estudo da segunda geração (Framingham Offspring
Sudy) e, em 2002, da 3ª geração dos participantes. A sua investigação – contributos científicos - estimulou campanhas de prevenção, no seu País e no Mundo, contra o tabaco, a hipertensão, o
colesterol, a obesidade, com medidas de saúde pública e comportamentos da população. Além disso, estimulou o desenvolvimento
de medicamentos cardiovasculares e de ensaios clínicos para
demonstrarem a sua eficácia. Com os seus colaboradores, em 2008,
apresentou o “score de risco Cardiovascular Global de
Framingham”, um instrumento importante para os médicos nos
cuidados primários estimarem o risco global de eventos cardíacos,
acidentes vasculares cerebrais e doença arterial periférica. Não
houve quase áreas da epidemiologia cardiovascular que Kannel
não tenha explorado. Pelas suas contribuições colocou a prevenção
na vanguarda da cardiologia. Pelo seu exemplo, o Dr Kannel
influenciou gerações de cardiologistas e médicos, sendo um dos
“pais fundadores” da cardiologia preventiva.
Kannel, em 2011, comentou a evolução em 60 anos da
Cardiologia Preventiva na perspectiva do Estudo de Framingham.
Relembrou alguns dos principais momentos - marcos de investigação - sumariados no seguinte Quadro.
8
Recebido para publicação: Dezembro de 2011
Aceite para publicação: Dezembro de 2011
Revista Factores de Risco, Nº24 JAN-MAR 2012 Pág. 09-10
Quadro
Momentos major no Framingham Heart Study
1959
1960
1961
1961
1967
1970
1970
1974
1976
1977
1978
1981
1987
1988
1988
1988
1993
1993
1994
1996
1996
1997
1998
1998
2001
2002
2004
2008
2009
2010
2010
2010
2011
Evidência de enfartos do miocárdio “silenciosos”
O consumo de tabaco aumenta o risco da doença cardíaca
O nível do colesterol, a pressão arterial e alterações electrocardiográficas aumentam o risco da doença cardíaca
Introdução do termo “factor de risco”
A actividade física reduz o risco da doença cardíaca e a obesidade está associada ao aumento do risco da doença cardíaca
A hipertensão arterial aumenta o risco do acidente vascular cerebral
A fibrilhação aumenta cinco vezes o risco do acidente vascular cerebral
A diabetes e as suas complicações está associada ao desenvolvimento da doença cardiovascular
A menopausa aumenta o risco da doença cardíaca
Descritos os efeitos dos triglicéridos, do colesterol LDL e HDL no risco da doença cardiovascular
Factores psicosociais afectam a doença cardíaca
Os cigarros com filtro não dão protecção contra a doença coronária
O fibrinogéneo aumenta o risco da doença cardíaca
Níveis elevados do colesterol HDL estão associados a menor risco de morte
A hipertensão sistólica isolada aumenta o risco da doença cardíaca
O consumo de tabaco aumenta o risco de acidente vascular cerebral
A hipertensão sistólica isolada ligeira aumenta o risco da doença cardíaca
Caracterizada a sobrevida da insuficiência cardíaca
O ventrículo esquerdo hipertrofiado aumenta o risco de acidente vascular cerebral
A homocisteína é implicada no risco de doença cardíaca.
Descrita a progressão da hipertensão para a insuficiência cardíaca
Caracterizado o efeito cumulativo do tabaco, hipertensão arterial e hipercolesterolémia no risco da aterosclerose
A fibrilhação auricular está associada a maior risco da mortalidade por todas as causas
Desenvolvimento de um modelo (algoritmo) envolvendo categorias (estratos) dos factores de risco que permitem aos médicos
a estimativa do risco da doença coronária em indivíduos sem manifestação clínica da doença
A pressão arterial normal-alta está associada a um aumento do risco de doença cardiovascular
A obesidade é um factor de risco da insuficiência cardíaca
Os níveis séricos da aldosterona são preditores no futuro de hipertensão em indivíduos normotensos
Definidos algoritmos para estimar o risco cardiovascular global e o risco dos eventos cardiovasculares (coronários,
cerebrovasculares, doença arterial periférica e insuficiência cardíaca)
Identificados 8 loci associados à pressão arterial
Ter um parente em 1º grau com fibrilhação auricular está associado ao aumento do risco desta perturbação do ritmo
Contribuição para a descoberta de centenas de novos genes subjacentes a factores de risco major das doenças cardiovasculares
– índice de massa corporal, colesterol, tabaco, pressão arterial, anomalias do metabolismo da glicose/diabetes
A ocorrência de acidente vascular cerebral pelos 65 anos num dos pais aumenta o risco de acidente vascular cerebral
nos descendentes três vezes
Níveis mais elevados de aldosterona e mais baixos de NT- ANP em circulação são prováveis marcadores da sensibilidade ao sal
Os seus comentários, na perspectiva de novos desenvolvimentos, definiram a necessidade de melhorar os algoritmos de risco
multivariáveis porque 40% a 50% dos indivíduos que sofrem eventos cardiovasculares não são considerados de alto risco pela maioria
dos perfis de risco utilizados. Daí a necessidade de definir melhor a
estimativa de risco neste grupo da população. Essa melhoria pode
ser obtida com a contribuição de biomarcadores, marcadores genéticos e da imagem vascular. Os desafios que apontou para o futuro
incluem o financiamento pós-recessão, a maior utilização dos scores
de risco em cuidados primários, o uso apropriado dos avanços tecnológicos da medicina molecular, da imagiologia, das forças ecológicas e de novas intervenções em investigação populacional.
Foi um trabalhador prodigioso, incapaz de se retirar para a
Flórida para jogar golfe, embora lá tivesse uma casa de inverno.
Ele era feliz a desenvolver investigação, mas o seu verdadeiro
legado, disse Daniel Levy, actual Director do Estudo de
Framingham, é o estudo do coração.
Evangelista Rocha
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