NOTÍCIAS | MUNDO ATTA KENARE, AFP ZERO HORA SEGUNDA-FEIRA, 4 DE JANEIRO DE 2016 16 OLHAR GLOBAL Luiz Antônio Araujo Em vídeo, Rodrigo Lopes comenta a crise em zhora.co/ criseorientemedio [email protected] O Estado Islâmico que deu certo Manifestantes xiitas, com imagens do xeque Al-Nimr, protestam em Teerã Após ataque a embaixada, governo saudita rompe relações com o Irã CRISE ENTRE POTÊNCIAS do Oriente Médio foi deflagrada por execução de líder xiita e de outras 46 pessoas MOHAMMADREZA NADIMI, AFP A execução de um importante líder religioso realimentou a antiga rivalidade entre Irã e Arábia Saudita, dois grandes países muçulmanos do Oriente Médio, e pode dar fôlego a tensões entre xiitas e sunitas. Ontem, a Arábia Saudita rompeu relações diplomáticas com o Irã, depois que manifestantes incendiaram sua embaixada em Teerã. Um pouco antes, o líder supremo iraniano, aiatolá Ali Khamenei, disse que os sauditas sofrerão com o “castigo divino” por terem executado Nimr Baqir al-Nimr. – O sangue derramado injustamente desse mártir vai, sem dúvida, em breve, mostrar seus efeitos, e a divina vingança cairá sobre os sauditas – afirmou. A morte do religioso irritou as comunidades xiitas de vários países da região e suscitou preocupação na Organização das Nações Unidas (ONU), nos Estados Unidos e na União Europeia (UE), que temem um aumento das tensões na região. Aos 56 anos, Al-Nimr foi executado com outras 46 pessoas, incluindo um chadiano e um egípcio, condenados por terrorismo. A maioria era suspeita de ligações com a rede Al-Qaeda. Al-Nimr era conhecido por verbalizar o sentimento da minoria xiita na Arábia Saudita, que se sente marginalizada e discriminada. Ele também era um duro crítico da família real saudita. Em reação às mortes, centenas de pessoas em fúria atacaram com coquetéis molotov a embaixada saudita em Teerã. Os manifestantes conseguiram invadir o prédio e colocaram fogo nas instalações. Quarenta pessoas foram presas. NÚMERO DE APLICAÇÕES DA PENA DE MORTE CRESCEU Antes de romper relações diplomáticas, a Arábia Saudita convocou o embaixador do Irã para protestar contra “declarações agressivas” de seu governo e responsabilizou o país por ter falhado ao supostamente não proteger Embaixada saudita foi incendiada em resposta à execução do líder religioso a missão diplomática atacada. Em 2015, o país executou 153 pessoas, de acordo com uma con- DISPUTA POR INFLUÊNCIA REGIONAL tagem informal da agência de notícias France Presse. O número - A tensão é mais um capítulo do - A execução expõe ainda as delicadas excedeu em muito o registrado em conflito entre o Irã (de maioria xiirelaçõesentresunitasexiitas.OIrãre2014 (87). Terrorismo, assassinato, presenta o poder xiita no Oriente Méta) e a Arábia Saudita (sunita), duas estupro, assalto à mão armada e dio e observa com grande interesse a potências regionais que disputam tráfico de drogas são puníveis com influência no Oriente Médio. questão de minorias xiitas em outros pena de morte na Arábia Saudita, países. um país governado pela sharia (lei -Desde que o Estado Islâmico se imislâmica). Segundo a organização pôs no Iraque, em junho de 2014, -A divisão do Islã entre xiitas e sunitas Anistia Internacional, o reino sauos iranianos acusam os sauditas de tem origem em uma disputa logo dita está entre os países que mais financiarem o grupo terrorista. após a morte do profeta Maomé soexecutam pessoas junto com a bre quem deveria liderar a comuniChina, o Irã e os EUA. - Os sauditas negam a acusação, mas dade muçulmana. ONDE FICA SÍRIA IRAQUE Teerã IRÃ ARÁBIA SAUDITA Mar Vermelho 400 km - Irã e Arábia Saudita ainda dispu- Golfo Pérsico Riad IÊMEN algumas ações colocam em dúvida a real intenção do país de ver os extremistas derrotados. A Arábia Saudita foi um dos primeiros países a deixar a coalizão liderada pelos EUA contra a milícia extremista. OMÃ tam indiretamente o domínio do Iêmen. Enquanto os iranianos reforçam os milicianos houthis, os sauditas fizeram uma ação militar para que o presidente Abdo Rabbo Mansour Hadi retome o poder. -A maioria dos muçulmanos é sunita – estima-se que entre 85% e 90%. Eles seconsideramcomoaversãoortodoxa e tradicionalista do Islã. A palavra sunita é derivada de “Ahl al-Sunna”, os que seguem a tradição. Já xiitas, na história islâmica,eram uma facção política – literalmente “Shiat Ali”, ou o partido de Ali. Eles acreditam no direito de Ali, genro de Maomé, e seus descendentes de liderar a comunidade islâmica. Estima-se que haja entre 120 milhões e 170 milhões de xiitas. A ideia de que as revoluções árabes de 2011 degeneraram numa guerra civil sectária entre sunitas e xiitas exerce uma poderosa atração mundo afora. Pouco importa que xiitas constituam míseros 10% dos muçulmanos e que estejam praticamente ausentes de alguns dos países centrais da chamada Primavera Árabe, como Tunísia, Egito e Líbia. A noção de que o Islã é prisioneiro de uma inconciliável luta intestina serve, antes de tudo, às múltiplas variantes de discursos segundo os quais a paz jamais poderá ser conquistada, mas terá de ser imposta a esse tipo de gente. Ao longo da história, não faltaram candidatos ao papel de instrumentos da ordem e da civilização. Por que haveria de ser diferente agora? A Arábia Saudita é possivelmente um dos mais obscurantistas regimes do mundo, mas tem aliados poderosos, como os Estados Unidos e a União Europeia. A razão é que a petromonarquia do clã Al-Saud, inseparável do país a que dá nome, detém reservas de petróleo que perdem em volume apenas para as da Venezuela. A ocorrência de revoltas esporádicas contra a tirania esteve por muito tempo, por assim dizer, precificada. A Arábia Saudita é o Estado Islâmico que deu certo. Mas algo está mudando. A diferença, desta vez, é que a mais recente onda de execuções de opositores no reino (47 condenados, a maioria por suspeita de colaboração com a Al-Qaeda, e apenas quatro xiitas entre eles, incluindo o clérigo Nimr al-Nimr) provocou protestos no mundo inteiro. Até a Casa Branca, ao se posicionar sobre o assunto, tratou de vinculá-lo aos abusos contra direitos humanos por Riad. Leia outras colunas em zerohora.com/ luizaraujo