VI Encontro Regional de Ensino de Biologia da Regional 2 RJ/ES CEFET/RJ, 2012 UMA ANÁLISE DO ENSINO DE PALEONTOLOGIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA Paulo Sérgio de Oliveira Silva FFP-UERJ [email protected] INTRODUÇÃO A Terra surgiu há aproximadamente 4,6 bilhões de anos e a vida apareceu há cerca de 3,8 bilhões de anos. Desde então, restos de animais e vegetais ou evidências de suas atividades ficaram preservadas nas rochas. Os restos e evidências, datados com mais de 11.000 anos, ou seja, anteriores ao Holoceno (época geológica atual) são considerados fósseis e constituem o objeto de estudo da paleontologia (CARVALHO, 2000, p. 1). A história dos fósseis é também a história das migrações dos continentes, das mudanças climáticas, das extinções em massa e das modificações ocorridas na fauna e flora ao longo do tempo geológico (CARROLL, 2006, p.129). Sendo desta forma a ciência que conta a história da vida ao longo da história do nosso planeta em uma escala de milhões e milhões de anos, onde os eventos geológicos, geográficos e processos evolutivos ocorridos estão “gravados” nas rochas e no registro fóssil. Nosso mundo foi e continua sendo extremamente mutável, a paleontologia e a geologia são as ciências que descrevem esses fenômenos (SCHWANKE, 2004, p.123; SHUBIN, 2008, p.1). Dessa forma, a paleontologia ajuda no entendimento de como se dá a Evolução Biológica. Por sua vez, a Evolução Biológica desempenha o papel de teoria unificadora entre todas as Ciências Biológicas: genética, ecologia, zoologia, botânica, fisiologia, anatomia etc. Para FUTUYMA (2002, p.11) e GOULD (in: ZIMMER, 2003, p. 15) é importante se fazer uma distinção entre a História da Evolução (fato) e os processos considerados como explicativos desta história (Teoria Evolutiva). A Ciência Paleontologia entra neste contexto como uma das mais importantes fontes de informação para se descrever a História Evolutiva dos seres vivos e fornecer “pistas” que corroboram as Teorias Evolutivas. VI Encontro Regional de Ensino de Biologia da Regional 2 RJ/ES CEFET/RJ, 2012 A PALEONTOLOGIA NOS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS No quarto ciclo no eixo temático Terra e o Universo, dentro dos conteúdos centrais, a importância da noção do tempo geológico é destacada, assim como as camadas geológicas e os tipos de rocha (BRASIL, 1998, p.96). Ainda no quarto ciclo, o eixo temático Vida e Meio Ambiente aborda os seres vivos, sua origem, evolução e sua relação com o meio. Para isso os conceitos de fóssil, adaptação, grandes mudanças ambientais, extinções dos seres vivos e formação dos combustíveis fósseis são destacados de forma indireta nos dois primeiros itens da seleção de conteúdos centrais (BRASIL, 1998, p.101). No Ensino Médio, para os conhecimentos da disciplina Biologia, a paleontologia, assim como a noção do tempo geológico, é descrita como elemento essencial para compreensão da evolução biológica (PCNEM 1999, p.17). A história evolutiva dos organismos, que é contada através da paleontologia, também é destacada (BRASIL, 1999, p.18). Os PCNs como um todo, sugerem que os estudantes percebam o homem como pertencente ao mundo natural sem a dicotomia homem vs natureza. Mas não abordam adequadamente a evolução humana. Já na atualização do PCNEM, as Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs +) trazem detalhadamente os Temas estruturadores do ensino de Biologia entre os quais está presente o Tema Origem e Evolução da Vida, compreendendo o assunto origem do ser humano e a evolução cultural (BRASIL, 2000, p.51), com os seguintes pontos exemplificados: árvore filogenética dos hominídeos; linguagem e evolução; evolução cultural vs evolução biológica que decorre de alterações nas freqüências gênicas. Pontos estes que dialogam entre paleontologia e arqueologia. O objetivo principal deste trabalho foi analisar as concepções, dos alunos que estão concluindo a educação básica, sobre a Paleontologia, com o intuito de investigar a coerência e presença dos conceitos e noções relevantes para a formação básica. 2-METODOLOGIA O presente artigo foi realizado com alunos do 3º ano do Ensino Médio do Colégio Cenecista Athayde, Niterói-RJ. Para a entrevista foi escolhido como técnica de pesquisa, a metodologia grupo focal, pois permite em pouco tempo e com baixo custo levantar dados qualitativos. O objetivo central do grupo focal é identificar percepções, sentimentos, atitudes e idéias dos participantes, a respeito de um determinado assunto, VI Encontro Regional de Ensino de Biologia da Regional 2 RJ/ES CEFET/RJ, 2012 produto ou atividade. Seus objetivos específicos variam de acordo com a abordagem de pesquisa (DIAS, 2000, p.1-2). A entrevista foi realizada nas dependências da instituição, contando com a participação de sete estudantes, com idades entre 16 e 18 anos. Para realização da entrevista as cadeiras foram posicionadas em semicírculo permitindo o enquadramento de todos os participantes no vídeo. A filmagem dos participantes permite obter informações que vão além da fala como expressões faciais, gestos etc. O equipamento utilizado foi uma câmera Mini-DV. Posteriormente o vídeo foi digitalizado, permitindo que fosse assistido diretamente no computador, facilitando sua transcrição. Os dados obtidos foram transcritos e os nomes dos alunos foram substituídos por pseudônimos. Com base nas informações contidas no dialogo transcrito da entrevista, as falas dos alunos foram classificadas, categorizadas e analisadas. CATEGORIAS Cada categoria e subcategorias foram organizadas a partir do agrupamento de idéias comuns demonstradas pelos alunos, desencadeadas e ligadas através das questões levantadas durante a entrevista ou presentes em diferentes momentos. Em todos os casos, transmitem idéias em comuns ou complementares a respeito dos conceitos, noções e fenômenos que permeiam o tema Paleontologia e Educação. A transcrição completa da entrevista encontra-se no apêndice do trabalho de SILVA, 2009, assim como todas as categorias formuladas. Abaixo estão destacadas as categorias mais relevantes para a discussão neste artigo. 3-RESULTADOS E DISCUSSÃO A visão da Paleontologia e identificação do seu objeto de estudo. O universo da paleontologia é permeado por conceitos, inferências e interpretações referentes ao mundo e aos organismos pretéritos (SCHWANKE, 2004, p.123). As falas selecionadas e analisadas nesta categoria revelam os conceitos que os alunos possuem sobre a paleontologia e sobre os fósseis. Bruno: Estudo dos fosseis. Rodrigo: Que conta história de paradas bem antigas (...) Rodrigo: Saber como era antigamente, saber a diferença e poder VI Encontro Regional de Ensino de Biologia da Regional 2 RJ/ES CEFET/RJ, 2012 comparar... Estas falas mostram que de uma maneira geral os alunos reconhecem a Paleontologia como uma ciência histórica, como sugerida por SCHWANKE (2004, p.123). Correlacionam corretamente a Paleontologia ao estudo dos fósseis, apresentam também a noção da paleontologia como ferramenta para interpretar o passado, elemento contido na fala do Rodrigo. Quando indagados sobre exemplos de fósseis, os alunos revelaram corretamente a idéia, que fósseis são restos de organismos pretéritos: Daniel: Acharam tipo (...) um túmulo com milhares de anos de uma mulher com filho. Bruno: Encontraram um filhote de mamute congelado, praticamente inteiro. Vi na Discovery. Fabiano: Estuda animais antigos, bem antigos [...] tipo folha antiga, vestígio. Confusões conceituais Nesta categoria estão destacados os erros conceituais e confusões que os alunos fizeram. Quando os alunos foram questionados a dar exemplos de fósseis, Fabiano da à seguinte resposta: Fabiano: Encontraram aqueles negócios de civilizações bem antigas, vasos essas paradas. Podemos ver que a noção de fóssil apresentada pelo aluno Fabiano não está clara. Pois ele acaba confundido fóssil com objetos que não são fósseis. Tal confusão é compartilhada pelos outros estudantes entrevistados, e será destacada e analisada na categoria a baixo. Outro problema, em relação à clareza dos conceitos, apareceu quando um dos alunos descreve processos de formação dos fósseis: Bruno: Estudos dos mares cara (...) onde baixou o nível ou então VI Encontro Regional de Ensino de Biologia da Regional 2 RJ/ES CEFET/RJ, 2012 subiu (...) eles sabem onde procurar os fósseis. Nesta fala Bruno apresenta uma noção que se aproxima do conceito científico ao associar a localização dos fósseis a bacias sedimentares. No entanto, em outro momento Bruno sugere que fósseis se formam em rochas de origem vulcânicas. Contudo os fósseis ocorrem em sua maioria em rochas sedimentares. Excepcionalmente, alguns foram encontrados em rochas metamórficas de baixo grau e ígneas eruptivas (RÖHN, 2000, p.47). Bruno: Pô eles sabem quando tem uma área que teve erupção vulcânica, as pessoas que foram soterradas pela lava... aí eles procuram o fóssil. ...geologia ! É possível que o aluno Bruno tenha feito uma confusão entre lava e cinzas vulcânicas, esta sim, ao soterrarem corpos de organismos, podem proporcionar um processo de fossilização, como os fósseis chineses, da região Liaoning, ou os moldes dos corpos de pessoas, preservados pelas cinzas vulcânicas na Antiga cidade de Pompéia, destruída por uma violenta erupção do vulcão Vesúvio, no ano de 79 d.C. (CARVALHO, 2000). Podemos ver que tanto a definição de fóssil quando a compreensão do processo de fossilização, e por conseqüência as regiões onde encontramos os fósseis, são pontos conceituais que não estão claros para os alunos. Da mesma forma foi possível observar confusões entre as ciências Paleontologia e Arqueologia Fabiano: Encontraram aqueles negócios de civilizações bem antigas,vasos essas paradas...(falando provavelmente sobre documentários). Julia: tem um monte (...) A Múmia (...) que fala sobre a história do faraó, das escritas, cultura ... (referência ao filme A Múmia) Fabiano: Ver aquelas cuias que os índios usavam...ai saber o que ele comiam... Podemos observar nestas falas uma confusão entre as ciências Arqueologia e Paleontologia. Uma diferença fundamental entre a Arqueologia e a Paleontologia, consiste em que a primeira preocupa-se com os objetos e fenômenos relacionados à atividade VI Encontro Regional de Ensino de Biologia da Regional 2 RJ/ES CEFET/RJ, 2012 humana (resultantes da cultura humana), enquanto a paleontologia estuda os fósseis, que são restos ou vestígios de organismos pretéritos preservados nas rochas com mais de 11 mil anos de idade. Possivelmente uma falta de contexto do tempo geológico com o tempo de existência da espécie humana e aliada a noção de quando nossa espécie começou a deixar registros culturais mais abundantes se somam para confundir estes diferentes, contudo intricados, cenários. Tempo Geológico Nesta categoria estão destacadas as percepções dos estudantes sobre o tempo geológico. A noção do tempo geológico é de fundamental importância para a compreensão da Evolução Biológica, assim como as alterações ambientais globais, alterações dos relevos, etc. (GOULD, 2002, p.15). Daniel: Acharam tipo (...) um túmulo com milhares de anos, mulher com filho. Fabiano: E uma discussão cientifica, pô é uma parada maneira os caras descobriram fósseis que ficam lá milhões e milhões de ano.... Bruno: Pô os humanos não viveram ao mesmo tempo que os dinossauros. Os humanos historicamente vieram depois... Rodrigo: é não foram ao mesmo tempo! (confirmando, com gesto e verbalmente o que o Bruno disse.) Duas compreensões sobre o tempo geológico estão presentes nestas falas. A primeira está ligada à idéia de uma grande escala de tempo, quando os alunos Daniel e Fabiano, referem-se à idade de fósseis contendo [...] milhares de anos [...] e [...] milhões e milhões de ano [...]. Isto demonstra que os estudantes possuem uma concepção do tempo geológico profundo, ou seja, que a idade dos fósseis, das rochas e conseqüentemente da Terra chegam a vários bilhões de anos. A segunda noção, demonstrada pelas falas do Bruno e do Rodrigo, esta ligada à ordem cronológica, do surgimento e extinção de organismos ao longo do tempo geológico e a separação temporal entre determinados grupos de organismos, pelo menos no que diz respeito aos dinossauros e seres humanos. VI Encontro Regional de Ensino de Biologia da Regional 2 RJ/ES CEFET/RJ, 2012 Será que outras extinções em massa e suas conseqüências para a história evolutiva estão claras para os alunos? Portanto é necessário investigar noções sobre extinções em massa. Evolução biológica e a sua compreensão pelos alunos Esta subcategoria refere-se à utilização de conceitos e exemplos vindos da paleontologia para construção dos saberes dos alunos sobre a evolução biológica, especificamente a evolução humana. Bruno: Tá ligado com a evolução. Maria: Tipo (...) como a gente surgiu, nossos ossos (...) Ah que eles falam que a gente veio do macaco num sei o que?!!! (...) Nessa época a gente era igual aos macacos, ai mostra assim os ossos. (gestos com as mãos, mostrando uma seqüência). Podemos observar que existe uma percepção, dos alunos, sobre a relação entre a ciência paleontologia e a evolução biológica. Maria explica como é possível, através dos fósseis, conhecermos os ancestrais humanos, apesar de sua fala apresentar fortemente a idéia de uma ancestralidade direta (macaco homem). A noção que os fósseis são “pistas” para se estudar a evolução biológica está presente. Será que o papel do registro fóssil, como sugeridos pelo PCNs, para compreensão sobre a evolução biológica, teorias evolutivas e diversidade biológica atual e passada, está claro para estes alunos? 5- CONCLUSÃO Os PCNs foram analisados para se saber quais pontos eram destacados, suas relevâncias e presenças. A leitura crítica revelou que os PCNs dão importante destaque à compreensão do mundo no tempo e no espaço por meio de concepções, noções e conceitos relativos ao tempo geológico, à história geológica, com alterações ambientais, à evolução biológica, à existência de organismos pretéritos, conhecidos atrás dos fósseis, à compreensão do processo de fossilização, assim como a formação das camadas geológicas, dos solos e rochas, à compreensão dos fenômenos biológicos e VI Encontro Regional de Ensino de Biologia da Regional 2 RJ/ES CEFET/RJ, 2012 geológicos, e suas inter-relações, o que é chamado de eixo ecológico-evolutivo. E ainda, como o homem está inserido neste contexto, por meio da compreensão da nossa evolução biológica, do nosso desenvolvimento cultural e tecnológico através do tempo, com uma perspectiva em escala histórica e geológica. Os saberes sobre paleontologia revelados pelos estudantes a concebem como uma ferramenta para a interpretação do passado do planeta. Porém não foi possível perceber se os alunos compreendem com clareza este papel, devido a diversas concepções que apresentam confusões conceituais, como vimos. Percebemos que alguns pontos destacados nos PCNs estão presentes nas concepções dos estudantes, contudo conceitos importantes como o de fóssil e o processo de fossilização não estão claros para os estudantes; os alunos confundem arqueologia com paleontologia, isto pode está relacionado com problemas na percepção do tempo geológico e o tempo histórico. Os próprios PCNs deixam a desejar quanto às sobreposições, e conseqüentemente as possíveis confusões entre as ciências Paleontologia e Arqueologia, confusão presente nas concepções dos estudantes. A relação entre paleontologia e evolução biológica está presente nas falas dos alunos, mas os conceitos de relações de parentesco, ancestrais comuns e mesmo de mudanças morfológicas dos animais parecem confusos. Pelo menos no que diz respeito à evolução biológica da nossa espécie. REFERÊNCIA BIBLIOGRAFICA BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: quinta a oitava séries do ensino fundamental, ciências naturais. Brasília, MEC/SEF, p.1-139, 1998. BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: ensino médio: ciências naturais. Brasília, MEC/SEF, p.1-58, 1999. BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. 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