Estado do Piauí Prefeitura de Teresina Fundação Municipal de Saúde - FMS Diretoria de Vigilância em Saúde Gerência de Epidemiologia NOTA TÉCNICA no. 001 / 2015 – SMS / FMS / DVS / GEEPI Assunto: sensibilização da vigilância e abordagem da Doença Neuroinvasiva pelo Vírus do Nilo Ocidental: orientações aos profissionais de saúde de Teresina. 1. A Febre pelo Vírus do Nilo Ocidental (FNO) é uma arbovirose (doença transmitida por mosquitos) com distribuição territorial ampla no mundo. O “Vírus do Nilo Ocidental” (VNO) pertence à família Flaviviridae, à semelhança dos vírus da Dengue, Febre Amarela e Chikungunya. O VNO é transmitido principalmente através da picada de mosquitos pertencentes ao gênero Culex (“muriçoca”, “pernilongo”, “carapanã”) e tem como reservatório aves silvestres (potencialmente migratórias). O homem, os equídeos e as aves domésticas não são capazes de infectar mosquitos, pois apresentam viremia baixa e transitória. Não há relato de transmissão por contado direto entre os seres humanos e nem através do consumo de carne ou de vísceras de animais submetidas à cocção. Até a década de noventa, pequenos surtos ou epidemias de FNO ocorreram em países da África, da Europa e em Israel. Entretanto, a partir de 1999 os Estados Unidos da América registraram milhares de casos da doença. Em subsequência, FNO também foi detectada no Canadá e em países da América Central. Nos últimos quinze anos, foram divulgadas evidências de circulação do VNO entre animais em alguns países da América do Sul. 2. A partir de 2003, o Ministério da Saúde incluiu a FNO na Lista Nacional de Doenças e Agravos de Notificação Compulsória. Em 2011, inquéritos sorológicos mostraram positividade para VNO em aves e equídeos das regiões amazônica e do Pantanal. É possível que este vírus tenha sido introduzido em território nacional através da migração de aves silvestres provenientes do hemisfério norte ou de outros países da América do Sul. 3. Em setembro / 2014, amostras biológicas de um vaqueiro procedente da cidade de Aroeiras do Itaim – PI (340 Km da capital) foram encaminhadas à Seção de Arbovirologia e Febres Hemorrágicas do Instituto Evandro Chagas (IEC), através do Programa de Vigilância das Encefalites Virais em Teresina. Em outubro / 2014, os primeiros resultados sorológicos indicaram a presença de anticorpos da classe IgM contra o VNO. Exames adicionais realizados em nova amostra de soro e no líquor do paciente subsidiaram a confirmação do primeiro caso de FNO no país. Entre outubro e dezembro/2014, estudos de campo realizados pelo Ministério da Saúde em parceria com o Instituto Evandro Chagas, Secretaria de Estado da Saúde do Piauí (SESAPI), Agência Estadual de Defesa Agropecuária do Piauí e Fundação Municipal de Saúde de Teresina mostraram: (1) presença de mosquitos do gênero Culex na região de domicílio do paciente; (2) positividade sorológica para VNO em aves domésticas e em equídeos da região; (3) ausência de anticorpos da classe IgM contra VNO entre os vizinhos do paciente acometido pela doença. 4. Cerca de 80% dos indivíduos picados por mosquito infectado pelo VNO não desenvolvem sintomas. Após um período de incubação de até duas semanas, quase 20% das pessoas infectadas podem manifestar febre, vômitos, mialgia, artralgia, dor abdominal e rash cutâneo. Os sintomas podem ter duração de alguns dias até duas semanas; estes pacientes apresentam recuperação espontânea e completa (evolução benigna) e seu quadro clínico pode ser confundido com o da Dengue ou de outras viroses. Entretanto, menos de 1% dos pacientes podem evoluir para formas neuroinvasivas da doença, ao apresentar sinais de meningite, encefalite ou de paralisia flácida (mielite ou polirradiculoneurite) agudamente. 5. Meningite por VNO geralmente manifesta-se por febre, cefaléia intensa, fotofobia, rigidez de nuca e sinais de Brudzinski, Kernig e Laségue, com líquor claro (meningite asséptica). O quadro clínico de encefalite é caracterizado por alterações do nível de consciência (sonolência, obnubilação, torpor ou coma), mudanças no comportamento e na personalidade, febre, crises epiléticas, ataxia, tremor / parkinsonismo, rigidez muscular ou outros sinais neurológicos focais. Paralisia flácida aguda pode manifestar-se por mielite transversa (paraparesia ou tetraparesia, nível sensitivo e retenção ou incontinência urinária ou fecal) ou por polirradiculoneurite / Síndrome de Guillain-Barré (fraqueza flácida ascendente, arreflexia miotática, dor radicular). Cerca de 90% dos casos de doença neuroinvasiva por VNO são acompanhados por febre, mas é possível que o período febril preceda as manifestações neurológicas em alguns dias ou semanas e que nem mesmo seja percebido ou detectado. 6. O tratamento da Febre do Nilo Ocidental restringe-se a medidas de suporte clínico, medicamentos sintomáticos e prevenção de complicações. Não existe medicação específica contra o VNO. Até que sejam descartadas as naturezas bacteriana ou herpética, algumas apresentações neuroinvasivas graves requerem utilização empírica intravenosa de antibióticos ou de aciclovir. Nesses casos, o benefício decorrente da administração de imunossupressores e de imunomoduladores ainda não está bem estabelecido. 7. Pacientes com mais de 50 anos de idade ou portadores de condições de imunodepressão são mais suscetíveis ao desenvolvimento de manifestações neuroinvasivas graves, cuja mortalidade chega a 10%. Sequelas neurológicas podem acometer até 50% dos sobreviventes, como: fraqueza muscular, déficit cognitivo, alterações de humor, comportamento ou personalidade, epilepsia secundária e parkinsonismo. 8. São recomendadas as seguintes medidas preventivas: I) utilização de repelentes e de roupas compridas que protejam antebraços e pernas nos horários e locais de maior exposição aos mosquitos; (II) evitar a presença de potenciais criadouros do mosquito (qualquer depósito que favoreça o acúmulo de água, como: jarros, calhas, pneus, brinquedos, latas, garrafas, piscina não-tratada e outros); (III) não manipular animais encontrados mortos por causa desconhecida sem proteção de luvas ou pelo menos de sacos plásticos. Não existe vacina disponível para humanos. 9. Até o momento não é possível distinguir se a FNO já era endêmica (em baixos níveis) mas até então não era detectada no Piauí e no restante do país ou se o programa de vigilância das encefalites flagrou um surto ou uma epidemia em fase inicial, pois existe extensa sobreposição entre as manifestações clínicas de várias doenças virais, mesmo nas formas neuroinvasivas. Portanto, faz-se necessário reforço às medidas de vigilância regional para que se defina o status epidemiológico da doença e para que as medidas de saúde pública pertinentes sejam instituídas. Com objetivos de “sensibilizar” a vigilância local e torná-la mais efetiva em detectar precocemente o surgimento de novos casos da doença, no município de Teresina poderá ser notificado como caso suspeito de FNO: “Indivíduo que apresente febre associada a manifestações neurológicas compatíveis com meningite, encefalite ou paralisia flácida aguda na ausência de explicação clínica mais provável.” 10. Pacientes com possível apresentação clássica de FNO (síndrome febril inespecífica) deverão ser conduzidos seguindo-se classificação de risco e fluxo de investigação / tratamento sugerido pelo Manual de Diagnóstico e Manejo Clínico da Dengue do Ministério da Saúde (disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/dengue_manejo_adulto_crianca__4ed_2011.pdf). Algumas amostras de soro enviadas ao LACEN-PI com resultado negativo à tentativa de detecção de anticorpos da classe IgM contra o vírus da Dengue poderão ser encaminhadas ao IEC para testagem quanto à presença de anticorpos contra o VNO. Os casos com apresentação neuroinvasiva deverão ser notificados (ficha de investigação do SINAN disponível em: http://dtr2004.saude.gov.br/sinanweb/novo/Documentos/SinanNet/fichas/NILO_NET_v5.pdf, bem como nos Núcleos Hospitalares de Epidemiologia e nas Comissões de Controle de Infecção Hospitalar) e os pacientes encaminhados às unidades de referência terciária mediante contato com a Central Estadual de Regulação de Internações Hospitalares (fone: 0800 280 3654), sob condições adequadas de suporte. A investigação laboratorial pertinente aos casos de doença neuroinvasiva deverá ser realizada preferencialmente nas unidades de referência estabelecidas. Os demais aspectos e procedimentos da vigilância da FNO (incluindo-se os critérios de confirmação e de descarte de casos) estão disponíveis no Guia de Vigilância em Saúde (Capítulo 6 – Febre do Nilo Ocidental: http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2014/novembro/27/guia-vigilancia-saude-linkado-27-1114.pdf). Os fluxos de atendimento e de investigação laboratorial de casos suspeitos estão ilustrados no quadro a seguir: Fluxo de atendimento e investigação clínica / laboratorial Meningite asséptica* Encefalite Mielite Polirradiculoneurite Notificar FNO à Fundação Municipal de Saúde de Teresina (86 3215-7736 / 32157735 / 3216-5084; [email protected]) e à SESAPI (86 3216-3596); a ficha de investigação encontra-se disponível em: http://dtr2004.saude.gov.br/sinanweb/novo/Documentos/SinanNet/fichas/NILO_NET_v5. pdf, bem como nos Núcleos Hospitalares de Epidemiologia e nas Comissões de Controle de Infecção Hospitalar; Iniciar suporte clínico / terapêutico pertinente e diagnóstico diferencial; Solicitar vaga em unidade de referência em atenção terciária através da Central de Regulação de Internações Hospitalares (0800 280 3654) e providenciar a remoção do paciente caso sua condição clínica assim a permita, em condições adequadas;** Encaminhar ao LACEN – PI (sob refrigeração) amostra de sangue (2ml colhidos preferencialmente até o 5º. dia de febre, para isolamento viral), amostras pareadas de soro para detecção de anticorpos (2ml colhidos no ato do atendimento e após 14-45 dias) e (se possível) amostra de líquor (3ml);*** Nos casos de meningite e paralisia flácida aguda (< 15 anos), as respectivas rotinas laboratoriais e conduções clínicas específicas deverão ser procedidas prioritariamente. * Meningite de líquor claro com poucas células e exames bacteriológicos negativos. ** A rede hospitalar privada deverá solicitar a investigação específica para FNO mediante notificação, permanecendo ou não o paciente no serviço a partir de decisão da equipe médica assistente, de acordo com a estrutura assistencial oferecida. *** Instruções para coleta, armazenamento e transporte de amostras disponíveis no “site” do LACEN-PI: http://www.lacen.pi.gov.br Teresina – PI, 09 de março de 2015. Kelsen Dantas Eulálio Marcelo Adriano C S Vieira Márcio Dênis Mascarenhas Maria do Amparo Salmito Oriana Bezerra Lima Gerência de Epidemiologia – DVS/FMS/SMS - Teresina Aprovo Nota Técnica. Em: 10 de março de 2015. AMARÍLES DE SOUZA BORBA Diretoria de Vigilância em Saúde BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de Vigilância em Saúde. 1ª ed., Brasília: Ministério da Saúde, 2014. Caderno 6: Febre do Nilo Ocidental, p. 437-444. ______. Ministério da Saúde. Nota Técnica no. 28/2011– CGDT/DEVEP/SVS/MS - sobre a Febre do Nilo Ocidental, a detecção de anticorpos em animais e as recomendações para a Vigilância no Brasil. 2011, p. 1-3. CENTER FOR DISEASES CONTROL AND PREVENTION. Arboviral diseases - neuroinvasive and non-neuroinvasive: case definition. http://wwwn.cdc.gov/nndss/script/casedef.aspx?CondYrID=946&DatePub=1/1/2014%2012:00:00%20AM. (Acessado em 15/01/2015). DAVIS, L.E. et al. West Nile Virus Neuroinvasive Diseases. 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