Shutterstock OPORTUNIDADE P OR BRUNO MOR E S CHI No ritmo da criação Nosso país ainda caminha a passos lentos quando o assunto é economia criativa. Mas as incubadoras podem ajudar a recuperar o tempo perdido 28 Da música à gastronomia, passando por ção, produção e distribuição de produtos e moda, folclore e artes visuais, a economia serviços que tenham o conhecimento como criativa sempre se mostrou uma vocação principal recurso. Aliando criatividade e tec- brasileira. Porém, ao longo de décadas esse nologia, valoriza o componente intelectual e potencial deixou de ser explorado para ge- associa o talento a objetivos econômicos. rar negócios, trabalho e renda. Em meio a Para quem imagina a economia criativa diversos conceitos, a economia criativa pode pequena em comparação com outros seto- ser considerada um ciclo que envolve cria- res, vale a pena olhar os números. Ela movi- OPORTUNIDADE menta US$ 3 trilhões por ano e já é responsável por 10% da economia mundial. Além disso, o setor tem um crescimento anual de _PONTOS ESTRATÉGICOS 6,3%. Em outras palavras, é um tema de exShutterstock trema importância para qualquer mercado. De acordo com o relatório de Economia Criativa 2010, publicado pela Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento, o mundo, de fato, amarga uma crise, com a queda de 12% no comércio global. O mesmo documento, porém, aponta que a economia criativa pode compensar essa perda, já que só em 2008 cresceu 14%. A lista dos países que mais investem na criatividade é liderada pela China. Em segui- Engana-se quem pensa que os locais para a instalação do Rio Cria- da, estão os Estados Unidos e a Alemanha. tivo foram aleatórias. Ciente de que as incubadoras são capazes de O Brasil, apesar de toda vocação, ainda não transformar radicalmente a região onde estão inseridas, a Secre- está entre os 20 maiores. Essa preocupante taria de Cultura do Estado tinha na escolha do local onde os em- realidade pode mudar a partir da transfor- preendimentos serão instalados. A expectativa era fazer com que mação que acontece no Rio de Janeiro – e além dos novos negócios, a comunidade também fosse beneficiada, tende a tornar-se um belo modelo para o por meio da geração de novos postos de trabalho e a revitalização resto do Brasil. urbana no entorno das incubadoras. Após uma série de estudos foi decidido que, na primeira fase do Exemplo fluminense projeto, dois lugares serviriam como mais novo habitat da econo- Foi em 2009 que a secretária de Cultura mia criativa: a zona portuária da capital fluminense e o município do Estado do Rio de Janeiro, Adriana Rattes, de São João de Meriti. se deu conta de um potencial pouco explo- Na cidade do Rio, 16 empreendimentos inovadores serão insta- rado. Em uma viagem para Europa, ela e lados. A razão da escolha da capital carioca é bastante justificá- sua equipe foram ver com os próprios olhos vel: a cidade é internacionalmente conhecida, não só pela beleza o que países como Inglaterra e Espanha natural, mas por ser cenário de eventos culturais que têm tudo a faziam para incentivar empreendimentos ver com a criatividade. O Carnaval é apenas um dos mais emble- ligados à economia criativa. A impressão máticos exemplos. foi de que o Brasil ainda engatinhava em relação ao tema. Além disso, um dos maiores objetivos do Rio a ser cumprido antes das Olimpíadas é justamente revitalizar a zona portuária, hoje Na tentativa de acelerar o processo, o bastante degradada. A expectativa do governo é que a instalação governo estadual criou o projeto Rio Criati- de empresas criativas sirva como incentivo para que a região seja vo, que já selecionou 21 empreendimentos vista com outros olhos, atraindo mais investimentos e pessoas. Se para ocupar duas regiões do Rio de Janeiro. depender das previsões, a região de fato deverá mudar. A Prefeitura A partir de janeiro de 2012, a zona portu- estima que a população da zona portuária irá saltar de 20 mil para ária e a Baixada Fluminense irão se tornar 100 mil habitantes nos próximos cinco anos. sede das chamadas incubadoras de empre- A segunda região onde serão abrigados os demais empreendi- endimentos da economia criativa, que ofe- mentos do Rio Criativo é um município que quer deixar de ser uma recerão toda a infraestrutura necessária ao “cidade dormitório”. Com cerca de 470 mil habitantes, São João de o desenvolvimento de projetos que têm na Meriti é cortada pela rodovia Presidente Dutra, que interliga diver- criatividade seu maior diferencial. Respon- sos pontos do estado do Rio de Janeiro. sável por inaugurar a primeira incubadora 29 Fotos: Divulgação OPORTUNIDADE mil pessoas. A opção por incentivar o surgimento desses negócios em incubadoras também pode ser facilmente compreendida, pois pode reduzir o índice de mortalidade das novas empresas de 56% para 33% nos primeiros anos de atuação. Para o coordenador do Instituto Gênesis, José Alberto Aranha, investir no desenvolvimento da economia criativa também representa um forte incentivo à inclusão social. “As empresas desse setor são inclusivas. Elas aceitam pessoas de regiões pobres, sem a necessidade de um mestrado ou doutorado. O que essas empresas querem são pessoas criativas e isso pode ser encontrado em qualquer região e classe social”, afirma. Um exemplo disso foi o projeto Cinema Nosso, que nasceu quando o diretor Fernando Meirelles filmava o premiado Cidade de Deus. Ciente de que precisava de pessoas do bairro para atuar no filme, o diretor ocupou quatro andares de um prédio para capacitar pessoas que gostariam de trabalhar no cinema. A experiência despertou em alguns jovens da comunidade a vontade de seguir no ramo. A ajuda necessária veio com a incubação do Cinema Nosso no Instituto Gênesis. Cursos e oficinas baseados em diversas linguagens e tecnologias relativas ao setor de produção audiovisual, incluindo as áreas de cinema e animação, são o grande mote Cinema Nosso em ação: capacitação de adolescentes e jovens para inclusão no mercado de produções audiovisuais 30 cultural da América Latina, ainda em 2002, do Cinema Nosso, que segue capacitando o Instituto Gênesis, da Pontifícia Universi- adolescentes e jovens para incluí-los no dade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), mercado de trabalho. Do projeto que nas- coordenará o projeto. ceu na favela, saem atores, iluminadores, Para se ter ideia do pioneirismo da ini- produtores, sonoplastas e diretores, que ciativa, o Rio Criativo é o primeiro projeto hoje totaliza 1,5 mil pessoas beneficiadas. do país que conta com verba pública para Em nove anos de existência, foram realiza- fomentar ações ligadas à criatividade. En- dos cerca de 50 cursos e 70 oficinas, além tender o interesse do governo estadual nes- da produção de mais de cem curta-metra- se fomento é simples. Dados da Federação gens, apresentados em diversas partes do das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro Brasil e do mundo, incluindo o prestigiado (Firjan) apontam que, mesmo ainda sem Festival de Cannes. uma política de incentivo, esse setor já re- Outra característica das incubadoras presenta 17,8% do PIB do estado – o que ligadas à economia criativa diz respeito à equivale a R$ 54,6 bilhões – e emprega 82 ocupação do espaço urbano. “O aconselhá- OPORTUNIDADE vel é seguir o modelo do Rio e tentar criar as incubadoras em regiões que se apresen- _AJUDA PRECIOSA tam praticamente esquecidas pelo poder público”, explica Aranha. “Temos um exemplo de um país vizinho perfeito para mos- Para integrar as incubadoras do Rio Criativo, os empreendimen- trar a eficácia dessa ação. Trata-se do Puer- tos passaram por uma seleção foi rigorosa. De 2750 propostas, to Madero, uma região de Buenos Aires que apenas 21 foram selecionadas. Os contemplados poderão contar estava completamente abandonada e hoje com uma série de ações para suporte e desenvolvimento. Entre é um centro gastronômico importante na elas, destacam-se: América Latina”, afirma. O exemplo citado pelo coordenador do - Consultoria e orientação completa para planejamento estratégico, Instituto Gênesis é emblemático quando gestão de planos de negócios e plano de marketing; se trata de revitalização urbana a partir do fomento a novas atividades econômicas. - Sala de uso privativo para sediar o empreendimento; Hoje uma das áreas mais nobres da capital argentina, o porto que deu origem ao bair- - Serviços de assessoria jurídica, assessoria de imprensa, programa- ro Puerto Madero foi criado ainda no final ção visual, marketing e seleção de recursos humanos; do século XIX e cerca de 30 anos depois tornou-se obsoleto devido à inauguração - Rede de negócios entre empreendedores culturais, clientes e par- de um outro terminal portuário, que tinha ceiros; maior capacidade para receber grandes navios de carga. Abandonado por décadas, - Espaço físico e serviços de infraestrutura para uso de todos os Puerto Madero transformou-se em uma das selecionados. Isso inclui salas de reuniões e auditório, serviços áreas mais degradadas da cidade. Depois de de manutenção predial, de segurança patrimonial e suporte de diversas tentativas sem sucesso, a revitali- rede; zação começou na década de 1990, a partir de fortes investimentos públicos e privados. - Serviços de apoio para a legalização do empreendimento; A recuperação da paisagem urbana se deu com a restauração de antigos armazéns, - Acompanhamento periódico do desempenho. transformados em universidades, hotéis de que hoje atraem turistas de todo o mundo. Não há como negar: ainda temos muito o que fazer quando o assunto é economia criativa. Entretanto, exemplos como o Rio Shutterstock luxo e, principalmente, restaurantes e bares, de Janeiro nos mostram que é possível reverter essa situação. Recentemente, o governo federal deu um passo importante nessa direção, criando a Secretaria da Economia Criativa. “A possibilidade de se desenhar políticas públicas nesse setor permitirá uma verdadeira transformação no Brasil”, afirma a secretária de Economia Criativa, Claudia Leitão. Resta agora transformar as palavras em ações concretas, pois não temos tempo a perder. Puerto Madero, em Buenos Aires: revitalização urbana a partir do investimento em novas atividades econômicas 31 OPORTUNIDADE _UM NOVO MODELO Criado em 2010, o Rio Criativo é um projeto do Estado do Rio de Janeiro com um objetivo claro e bastante promissor: estimular o potencial das mais diversas áreas da economia ligadas a práticas criativas. O carioca Marcos André Carvalho, 38 anos, é quem coordena as ações do projeto. Formado em Jornalismo pela PUC-RJ, ele concorda que o Rio de Janeiro tem muito a ganhar com as Olimpíadas, anunciadas como um grande marco do desenvolvimento local. Mas quer ir além: “Nossas iniciativas não podem se ater apenas a um grande evento. Pensamos a longo prazo”, diz. Diante Divulgação das promessas do que virá e também do que já foi feito ele acredita que o Estado está no caminho certo. as artes cênicas, a gastronomia e o desenvolvimento de games. Mas esses setores variam muito de acordo com a região. Nosso trabalho no Rio de Janeiro, por exemplo, mapeou 19 setores ligados à economia criativa. E como veio a ideia de criar o Rio Criativo? Podemos dividir esse início em duas partes. Em primeiro lugar, a ideia surgiu da secretária de Cultura, Adriana Rattes em conversas com o economista e presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), André Urani. Ele e a equipe do Instituto desenvolvem um interessante projeto no Rio de Janeiro que discute opções alternativas à indústria do petróleo no estado. Nessas conversas, ele mostrou que há uma tendência mundial para fomentar as indústrias criativas. A força desse setor nos impressionou muito. Mesmo assim, ficava claro para todos nós que o Rio de Janeiro e o Brasil como um todo não estavam priorizando esse tema. Ou seja, inicialmente foi essa percepção de que não estávamos atentos a Locus > Antes de qualquer coisa, uma pergunta bási- um setor que muitos países consideram essencial. ca, mas importante para entendermos o assunto. O que diferencia um projeto ligado à economia criativa de um E como isso evoluiu? projeto tradicional? Veio uma questão especialmente ligada ao Rio de Carvalho > A maioria dos especialistas concordam que Janeiro. Muitas pesquisas apontam que o Rio possui a economia criativa é um conceito que está em constru- grande parte do seu PIB relacionado a áreas da econo- ção. Provavelmente, nunca iremos chegar a um conceito mia criativa. Essa participação é muito maior do que em fechado, já que se trata de um tipo de economia em cons- qualquer outro estado brasileiro. tante evolução. Mas para não ficar apenas na abstração, é possível definir a economia criativa como um grupo composto por até 20 setores e que hoje são os que mais 32 Quais são as razões que levam o Rio a se destacar tanto na economia criativa? crescem e geram empregos no mundo. Como exemplo, A criatividade é a vocação do Rio. Temos aqui emissoras posso citar o audiovisual, a arquitetura, as artes visuais, de televisão, companhias teatrais, produtoras de cinema, OPORTUNIDADE (Entrevista: Marcos André Carvalho) gravadoras e projetos ligados à moda. Além disso, o Rio dem ser usadas por apenas os 21 contemplados. Elas costuma atrair grande parte dos artistas brasileiros. A estarão abertas para o público geral e terão a obrigação maioria deles querem morar aqui, pois acham o estado de oferecer consultorias gratuitas. E a razão disso está na um local inspirador. Em resumo, temos isso no nosso DNA sua pergunta: trata-se de dinheiro público. e precisávamos usar a nosso favor. Foi dessa maneira que se criou essa política pública voltada à economia criativa. Antes de começar o Rio Criativo, uma equipe da Secretaria de Cultura participou de uma missão para E como funciona o projeto? ver como outros países estão incentivando esse se- Nossa intenção inicial é ocuparmos com incubadoras tor. Como o Brasil está em comparação aos locais dois espaços do Rio de Janeiro. Trata-se do Porto do Rio visitados? de Janeiro e a Baixada Fluminense da cidade de São João Isso aconteceu em 2009 e focamos nossa viagem na In- do Meriti. São áreas maravilhosas, mas que precisam ser glaterra e Espanha. Tivemos duas impressões. A primei- revitalizadas. Queremos fazer isso com a instalação dessas ra é que de fato temos muito o que fazer. Esses países incubadoras. realmente investem em projeto criativos. Mas também vimos que não adianta apenas copiar as ações desenvol- Como escolher as empresas que serão abrigadas nessas incubadoras? É preciso selecionar de uma maneira transparente. Por vidas por lá. Temos que incentivar ações ligadas à nossa vocação e história. Aprendemos muito nessa viagem. Mas também temos muito o que ensinar. isso, fizemos um processo seletivo para empreendedores de 19 setores ligados à economia criativa. Como pensamos em um projeto de longo prazo, a seleção pedia Foram as Olimpíadas que estimularam a criação do Rio Criativo? não apenas uma ação pontual desses empreendedores, Não há dúvida que as Olimpíadas e a Copa do Mun- mas sim, um modelo de plano de negócio. No total, do irão mostrar o Rio de Janeiro para o mundo de uma 2.750 projetos se inscreveram, número esse que consi- forma nunca antes apresentada. Nossas iniciativas não deramos muito grande e que nos impressionou pela qua- podem se ater apenas a um grande evento. Pensamos lidade das propostas. Desse total, escolhemos apenas 21 em longo prazo. Queremos aproveitar essa oportunida- empreendimentos. Foram projetos muito diversos: de de para reforçar o Rio de Janeiro no imaginário mundial. artesanato a cinema, passando por moda, gastronomia Queremos mostrar que somos a cidade da música, da e tantas outras áreas. Agora estamos na fase de adequar moda, onde todos querem morar. os locais das incubadoras. A inauguração está prevista para janeiro de 2012. A partir dessas iniciativas, como você vê o Rio daqui a 10 anos? Como o Rio Criativo é um projeto custeado pelo di- É muito difícil responder, pois estamos em meio a um nheiro público, qual será o ganho para a sociedade flu- enorme processo de construção. Nossa grande respon- minense? sabilidade é unir poder público, universidades e a socie- O ganho mais óbvio é termos um Estado que incenti- dade civil imediatamente, pois o tempo é, de fato, curto. va a criatividade na sua mais ampla concepção. Mas há Vivemos um momento único para a região e precisamos também outro ponto muito interessante que defende- incentivar ao máximo as soluções criativas. Se estiver- mos desde o início da ideia. Essas incubadoras não po- mos articulados e decididos, tudo vai dar certo. L 33