p28-29 maira_Onco& 02/09/12 11:33 Page 28 política pública Tratamento para o câncer de mama chegará ao SUS após dez anos no mercado privado A INCORPORAÇÃO DO MEDICAMENTO TRASTUZU- Arquivo pessoal MABE PARA O TRATAMENTO DO CÂNCER DE MA- Maira Caleffi * é médica, especialista em mastologia e presidente da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama) Contato: [email protected] 28 setembro/outubro 2012 Onco& MA NO ROL DE MEDICAMENTOS DO SISTEMA Único de Saúde (SUS) foi comemorada desde que o Ministério da Saúde anunciou oficialmente a medida, por meio das portarias 18 e 19, publicadas em 25 de julho de 2012, no Diário Oficial da União (DOU). De fato, a oferta desse medicamento pela rede pública de saúde representa uma conquista para as pacientes que lutam para ter acesso ao tratamento do câncer de mama no país. Mas o que poucos mencionaram foi que a tão aguardada incorporação pelo SUS aconteceu uma década depois que o trastuzumabe passou a ser utilizado e comercializado no Brasil para tratar o tumor HER2-positivo, diagnosticado em 20% a 25% dos casos de tumores malignos de mama. É importante ressaltar que esse é um tipo de câncer de mama agressivo, com altos índices de metástase em órgãos nobres se não for usada a medicação adequada. Até a publicação das portarias, apenas pacientes do sistema de saúde privado poderiam ter acesso imediato ao trastuzumabe, que é comprovadamente um medicamento que tem grande impacto na sobrevida de mulheres com câncer de mama. Do outro lado, milhares de mulheres que dependem do SUS para os tratamentos tinham apenas duas alternativas: custear por conta própria ou entrar com uma ação judicial contra o governo. Por que essas pacientes ainda precisam esperar um prazo de seis meses para que a oferta do trastuzu mabe pela rede pública de fato aconteça? A primeira opção é quase inviável, pois o tratamento com trastuzumabe, que tem um valor apro - ximado de 8 mil reais por unidade, deve ser administrado por 18 doses. Já a ação judicial, além de também ter custo elevado para a paciente e para o Estado, representa um grande desgaste para as pacientes. Se enfrentar o câncer de mama já é uma experiência difícil, imagine como é ter que acionar o Poder Judiciário – que no Brasil, como todos sabem, é bastante lento – e esperar pela aprovação para, a partir daí, iniciar o tratamento. Apesar disso, só neste ano o Ministério calcula ter gasto 12,6 milhões de reais com a compra do trastuzumabe por demandas judiciais. Valor que poderia ter sido mais bem investido se a incorporação do medicamento no SUS já fosse uma realidade. Não existe uma justificativa plausível para a demora do Ministério da Saúde em incorporar o trastuzumabe no SUS. Essa defasagem, infelizmente, não é uma exclusividade do setor de oncologia, mas fica mais evidente, uma vez que o câncer é a segunda doença que mais mata no país. São várias as drogas aguardando incorporação, mesmo com a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Também são muitos os pacientes sem tratamento adequado. O maior obstáculo é que o Brasil não possui uma política pública de saúde definida para o acesso a alguns medicamentos. A discussão é longa. Há anos se tem notícia de que várias instâncias do governo se mostravam favoráveis para a inclusão do trastuzumabe na rede pública, mas só agora temos o anúncio oficial. Nesse meio tempo, foi criada a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec), que, em tese, deveria agilizar processos p28-29 maira_Onco& 02/09/12 11:33 Page 29 como esse. Na prática, pelo que vimos nas portarias 18 e 19 do DOU, a comissão reafirma a burocracia nacional em diversos setores do governo. Outro ponto que ainda não está claro, pelas portarias 18 e 19 do Diário Oficial, é como o Estado disponibilizará a cobertura para pacientes que realizam os tratamentos pelo SUS. Para pacientes da saúde suplementar, o trastuzumabe é indicado por, no mínimo, 52 semanas de tratamento, que é o tempo adequado para evitar reincidência e metástase. Qualquer oferta do medicamento por período inferior vai contra os estudos que comprovam o benefício prolongado, dentro do conceito de terapiaalvo para o câncer de mama. Não podemos admitir que o bem-estar e a vida das pacientes façam parte dessa imensa fronteira que separa a saúde suplementar da saúde pública. E vale ressaltar: o trastuzumabe foi liberado pelo Ministério da Saúde para ser utilizado em apenas uma das etapas do tratamento, logo após a cirurgia. No caso de haver recorrência da doença, na vigência do tratamento, o medicamento será descontinuado, diferentemente do praticado em outros países. Sem sombra de dúvida, a oficialização da oferta na rede pública é uma conquista importante também para a classe médica, que vivia o dilema de conhecer a medicação sem poder oferecê-la aos pacientes. Até que seja concluída a consulta pública que determinará como o medicamento será disponibilizado, não poderemos dimensionar qual o real avanço dessa incorporação, após todos esses anos de espera. A sociedade aguarda essa definição. E com urgência. “Não podemos admitir que o bem-estar e a vida das pacientes façam parte dessa imensa fronteira que separa a saúde suplementar da saúde pública”