Teoria e filosofia da História em Nietzsche

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Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo e Flávia Florentino Varella (orgs.). Anais do 3º.
Seminário Nacional de História da Historiografia: aprender com a história? Ouro Preto: Edufop, 2009.
ISBN: 978-85-288-0061-6
Teoria e filosofia da História em Nietzsche
Frederick Gomes Alves∗
[email protected]
O ambiente
Poderia aqui ser feita uma aproximação ao pensamento de Nietzsche a partir de sua
relação com o historicismo, um relacionamento deveras complexo e incerto, pois o filósofo
de Zaratustra censura a filosofia pela sua falta de sentido histórico e, ao mesmo tempo,
repreende a história pelo seu “excesso de objetividade científica” (FOUCAULT, 2007: 26).
De modo que esta relação permanece inconclusa. Fica a indicação de que o esforço de
Nietzsche é introduzir a história no agir filosófico.
Falta de sentido histórico é o defeito hereditário de todos os filósofos. (...) Mas
tudo veio a ser; não há fatos eternos: assim como não há verdades absolutas. –
Portanto, o filosofar histórico é necessário de agora em diante e, com ele, a virtude
da modéstia. (NIETZSCHE v.1, 1991: 48).
Outra via possível de acesso ao pensamento nietzschiano seria através da
constituição de sua filosofia da vida. Inicialmente pareceu um caminho válido para
articular sua reflexão com o romantismo alemão, mas com o avanço das pesquisas ficou
claro que esta é outra questão. Tal filosofia da vida constitui-se a partir do debate que
Nietzsche vinha acompanhando dentro da biologia, entre duas correntes particulares, os
pró-darwinistas e aqueles que eram contra o pensamento darwinista, encabeçado por Rolph
e Rütimeyer – este último reencontrando Lamarck para criticar Darwin (MARTON, 1990:
61). Assim, não creio ser possível aproximar Nietzsche ao romantismo pela constituição de
sua filosofia da vida, o caminho seguido deverá então ser outro.
O romantismo surge na Alemanha como uma reação ao projeto iluminista e à
revolução francesa, cujas conseqüências desta última foram as invasões das tropas
napoleônicas em terras alemãs. Esta reação se deu em todos os âmbitos: social, existencial,
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político, religioso e cultural. É marcado por um pensamento nostálgico de volta dos
Faculdade de História – UFG, graduando, bolsista PIBIC- CNPq.
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elementos culturais e religiosos da Idade Média, e pela visão de mundo irracionalista em
clara oposição ao racionalismo iluminista1.
Contudo, sua fundamentação filosófica dá-se por intermédio de uma contínua
articulação com a filosofia kantiana, no sentido de uma apropriação da metafísica de Kant,
e em conformidade com as ferramentas teóricas do idealismo, pela reflexão de importantes
pensadores, dos quais se destacam: Schelling, os irmãos Schelegel, Novalis e também
Schiller.
São pelo menos três os elementos os quais possibilitam uma articulação entre o
romantismo alemão e Nietzsche, quais sejam, a preeminência da arte sobre a filosofia, a
oposição entre Apolo e Dioniso, e os desdobramentos concernentes à filosofia do sujeito –
ou seja, a questão a respeito do gênio (ARALDI, 2004:1).
A notoriedade do romantismo é a preeminência da arte sobre a filosofia. A função
ontológica da arte é para Novalis a única via de acesso ao absoluto, entendido aqui como a
unidade das aporias. Para os românticos, a filosofia e o pensamento racional em geral,
apenas trabalhavam com a dualidade dos conceitos, com a relação entre dois elementos
opostos, a arte em contrapartida possuía a capacidade, garantida pelas suas especificidades
criativas, de acessar o absoluto em sua unidade completa, a unidade primordial. Schelling
afirmava que somente a arte possuía a capacidade, apenas hipotética e inconcebível para
Kant, da intuição intelectual, a capacidade de acessar a coisa-em-si.
Heidegger (HEIDEGGER, 2007: ) percebeu esta preeminência da arte sobre a
filosofia no pensamento nietzschiano, sua intenção é asseverar que a vontade de poder é o
acabamento da metafísica. Nietzsche é um Pensador por ter o pensamento único da
vontade de poder, é visto como o último metafísico. A vontade de poder é o elemento
fundamental para Nietzsche, segundo Heidegger, assim sendo, a afirmação heideggeriana
de que “a arte é a figura mais transparente da vontade de poder” e de que “ a arte tem mais
valor que ‘a verdade’” está em conformidade dentro do pensamento nietzschiano de que a
arte é superior à filosofia.
A oposição apolíneo-dionisíaca é talvez um dos traços mais marcantes na filosofia
de Nietzsche, todavia não fora ele o iniciador desta discussão, alguns dos pensadores
românticos já haviam apontado o elemento dionisíaco em seus estudos sobre Grécia, entre
os quais se destacam F. Schlegel, F. Hölderlin ou F. Creuzer (ARALDI, 2004). A
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Este irracionalismo não significa, no entanto, irrazão ou anti-razão, mas oposição a uma forma específica de
racionalidade.
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originalidade de Nietzsche fora explicitar a relação e não-oposição entre Apolo e Dioniso,
e também em entendê-los enquanto impulsos estéticos do mundo. A respeito deste último
ponto Hayden White exibe de forma clara em seu texto sobre Nietzsche (WHITE, 1995:).
Não obstante, o ponto principal de aproximação entre Nietzsche e o romantismo é a
partir da filosofia do sujeito. O tema da subjetividade é central para se pensar a filosofia da
história de Nietzsche, ela auxilia na configuração dos cinco conceitos fundamentais para a
compreensão desta. A subjetividade em Nietzsche: o “si”, traduz, de certa forma, a crítica
nietzschiana à modernidade, ao tipo conservativo de vida, ao niilismo sobre o qual esta se
assenta – utilizo aqui a noção de niilismo de Heidegger, uma verdade que se instaura como
valor supremo e se esquece que é apenas uma criação, é o declínio de valor de uma
verdade para a vida, uma ilusão esquecida como tal, e tomada como verdade – o sujeito
nietzschiano se sabe dinâmico, reconhece a mudança constante da vida e encara a
contingencialidade desta. Ele é afirmativo do instante, do devir (DELEUZE, 1976).
O “si” nietzschiano incorre em uma atualização da noção de gênio do romantismo
alemão. Ambos são críticos da filosofia do sujeito da modernidade, calcada em seus dois
membros emblemáticos, Descartes e Kant. Em sua tarefa de desmontagem da noção de
sujeito, metafisicamente fundamentado, Nietzsche critica a saída que a modernidade deu
para a morte de Deus, afirmando que esta elegeu a ciência como nova forma de conduta, o
pensamento racional, mas que é garantido pelo sujeito que, assim como as outras saídas
pré-modernas, novamente é fixo, eterno e imutável, coadunante à idéia de uma divindade
absoluta A diferenciação entre “eu” e “si”, ambas noções de sujeito, assim como sua
conseqüente problematização em Nietzsche segue as indicações de Onate (ONATE, 2003).
Sucede que a subjetividade nietzschiana e romântica incide na consideração da
gravidade do sujeito para a constituição do mundo, não apenas na importância dele mas na
supremacia do sujeito sobre as forças externas a ele. Entretanto, isso não significa que haja
elementos místicos nesta afirmação, considerar o sujeito enquanto elemento basilar,
imprescindível, para a constituição do mundo ao invés de atribuir esta função para as
forças externas ao homem, à natureza ou o que quer que seja não é nenhum problema
insolúvel. Estamos aqui falando do mundo humano, demasiado humano e não do mundo
das sensações, “A nós seres orgânicos nada interessa originariamente em cada coisa, a não
ser sua relação conosco” tal como diz Nietzsche em um texto de 1873, Sobre verdade e
mentira no sentido extra-moral.
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Acreditamos saber algo das coisas mesmas, se falamos de árvores, cores, neve e
flores, e no entanto não possuímos nada mais do que metáforas das coisas, que de
nenhum modo correspondem às entidades de origem. (NIETZSCHE v.1, 1991: 33)
Assim, acredito ser válido reiterar o que Casa Nova diz em um seu artigo sobre a
constituição do mundo em Nietzsche.
O que resulta daí pode ser acompanhado plenamente através de uma formulação
paradigmática de Hegel em uma passagem da introdução à sua “Fenomenologia do
Espírito”: “se investigarmos agora a verdade do saber, parece que estamos
investigando o que o saber é em si. Somente nesta investigação ele é nosso objeto:
é para nós. O em-si do saber resultante dessa investigação seria antes seu ser para
nós: o que afirmássemos como sua essência não seria sua verdade, mas sim nosso
saber sobre ele. A essência ou o padrão da medida estaria em nós, e o (objeto) a ser
comparado com ele não teria necessariamente de reconhecer sua validade” (Hegel
3, “introdução”, p.76)”. (CASA NOVA, 2001: 30).
Com tudo isto, fica claro também algumas diferenciações do pensamento
nietzschiano para com a filosofia romântica. Estas assertivas de/e sobre Nietzsche deixam
claro sua posição, na segunda etapa de seu pensamento, claramente anti-metafísica.
Entretanto, sua posição com relação a esta não gera grandes problemas na sua concepção
sobre o sujeito ser criador do mundo em que vive, antropomorficamente por ele criado,
aproximando-o da noção de sujeito romântica.
Compreender a filosofia da história de Nietzsche desde o ponto de vista de seu
diálogo com o romantismo justifica-se pelo fato de sua filosofia da história constituir-se
como uma crítica das anteriores, de matriz kantiana e hegeliana. Ora, muitos são os autores
que aproximam Hegel ao romantismo, entendendo-o como uma peça chave no debate a
respeito da formatação filosófica deste movimento, sobretudo no primeiro romantismo de
Jena (HABERMAS, 1990; MACHADO, 2006). O mesmo é verdadeiro para Kant, sua
influência filosófica para o romantismo, como já vimos, é inconteste.
Passo agora para a caracterização e exame da filosofia da história de Nietzsche
tendo como base as considerações feitas neste primeiro momento. Com um quadro
formado a respeito do filósofo em articulação com o romantismo acredito ser possível
partir para esta nova etapa do trabalho.
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A problemática
A filosofia da história de Nietzsche constrói-se em uma constante crítica dos
modelos anteriores, de matriz kantiana e hegeliana. Suas asseverações sobre a
impossibilidade de uma finalidade para o conjunto global da história humana pode ser
visto em Humano, demasiado humano:
[O homem] (...) se conseguisse captar em si a consciência total da humanidade e
senti-la, ele sucumbiria, amaldiçoando a existência – pois a humanidade como um
todo não tem nenhum alvo e, conseqüentemente, o homem, ao considerar o decurso
inteiro, não pode encontrar nele seu consolo e trégua, mas seu desespero.
(NIETZSCHE v.1, 1991: 53).
Não é apenas à finalidade para a humanidade como um todo que Nietzsche critica,
mas também a idéia de causalidade, inerente nos modelos de filosofia da história
precedentes. Isto fica claro em dois fragmentos póstumos um de 1883 e outro de 1884.
O aspecto mais importante: chegar à inocência do devir excluindo os objetivos.
Necessidade, causalidade – nada mais! E designar como mentira tudo aquilo que
fala de “objetivos” e onde há sempre um resultado necessário! A história nunca
pode provar “os objetivos”, pois a única coisa clara é que aquilo que os povos e os
indivíduos quiseram era sempre essencialmente diferente daquilo que era
alcançado. Em poucas palavras, tudo o que se alcançava era absolutamente
incongruente com o que se queria. (NIETZSCHE, 2005: 138).
Considero todos os modos metafísicos e religiosos de pensar como resultado de
uma insatisfação no homem de um impulso para um futuro superior e sobrehumano. Só que os homens quiseram refugiar-se no além em vez de construir o
futuro. (NIETZSCHE, 2005: 194).
Ficam claros aqui ao menos dois apontamentos de Nietzsche sobre a consciência
história, e sobre sua filosofia da história de um modo geral. Primeiro que a consciência
histórica constrói-se mediante a experiência da contingência na vida, que muda e quebra
suas intenções de agir no tempo. Segundo que não há nenhum objetivo pré-determinado ou
necessário na história; a indicação de Nietzsche parece sugerir que este objetivo, não sendo
dado a priori deve então ser construído artisticamente, criado mesmo, pelo homem que
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deve “construir o futuro”. Sigo aqui as recomendações de Hayden White sobre a
consciência história em Nietzsche.
O problema se acha posto: como pensar uma filosofia da história se a humanidade
como um todo não possui nenhum sentido, causa ou finalidade? Como reorientar a
consciência histórica para uma forma de ação significativa na vida humana? Note-se que a
pergunta não é sobre o que fazer, sobre a possibilidade de tal empresa ser levada a cabo; a
questão dirige-se para o como, pois que esta possibilidade já está de certo modo intuída.
Para solucionar tal problema pautar-me-ei em cinco conceitos fundamentais para o
encaminhamento da questão: vida; vontade de poder; eterno retorno; transvaloração de
todos os valores e além do homem.
Dados os limites da exposição, não será possível aqui problematizar cada um deles,
nem aprofundá-los de um modo que seja plenamente satisfatório. Todavia, isso não
significa que eles podem ser apresentados sem um devido controle conceitual. O que será
feito na medida em que os mesmos serão aqui trabalhados sempre referenciando-se aos
autores que melhor explicitação dos mesmos fizeram. Ou seja, aos pensadores que
apresentaram uma leitura mais clara dos conceitos de Nietzsche, são eles: Martin
Heidegger, Gilles Deleuze e Hayden White.
Meu escopo é apresentar suas leituras sobre os conceitos nietzschianos com o
intuito de perceber de que modo alguns de seus elementos podem ser pensados
tangencialmente, em uma rearticulação para a construção de um quadro que permita
compreender a filosofia da história de Nietzsche. É no esforço de elucidar os conceitos
nietzschianos à luz destas leituras que me oriento.
A vontade de poder, segundo Heidegger é o princípio de uma nova instauração de
valores. É o que orienta a transvaloração de todos os valores. A vida designa todo o ente,
contudo ela possui a significação acentuada de vida como o ser do homem. A essência da
vida não está na auto-conservação, mas sim na superação de si. O valor positivo afirma a
vida, o negativo conserva-a. A vida depende do valor que lhe é atribuído, todavia a
essência do valor é determinada pela essência da vida. Esta essência é vontade de poder.
Vida e vontade de poder estão deste modo, em intensa relação, a vontade de poder serviria
para afirmar a vida mediante a superação de si, que é constante intensificação da vida.
O terceiro conceito é o eterno retorno, utilizo aqui a definição de Deleuze, que o
entende como a afirmação do instante, da necessidade do acaso, o eterno retorno é “o ser
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do devir enquanto tal, o um do múltiplo” (Deleuze, 1976: 26). A afirmação do instante que
deve ser desejado mil vezes está de acordo com as determinações de Heidegger, assim
podemos pensar com estes dois autores o eterno retorno como o elemento que possibilita a
afirmação da vida através da vontade de poder, entendendo o eterno retorno como um
elemento auxiliar da vontade de poder, o que está indicado nos trabalhos de Heidegger e
Deleuze.
A Transvaloração de todos os valores e o Além do homem são de certo modo os
dois elementos utópicos da filosofia da história de Nietzsche. Segundo Hayden White e
Heidegger para Nietzsche houve uma vez no passado uma transvaloração de todos os
valores, a vitória da moral do escravo diante da moral do senhor, e ainda haveria uma
segunda transvaloração de todos os valores, a que possibilitaria o advento do além do
homem e superaria o niilismo da cultura ocidental.
O além do homem é identificado por H. White com um dos personagens mais
famosos de Nietzsche, ou seja, Zaratustra. Com Deleuze podemos perceber que o além do
homem é o que poderia suportar a idéia do eterno retorno, a afirmação do instante. Como
já vimos, a afirmação do instante leva à intensificação da vida pela vontade de poder, logo,
tudo converge para o além do homem.
A partir da importância da afirmação da vida e da vontade de poder é que podemos
ter algumas sugestões para a filosofia da história de Nietzsche, seguindo uma indicação
oferecida por H. White, em seu texto pode-se inferir que a vida serve de ponto de
orientação para a história, sua afirmação ou negação determinaria o sentido da filosofia da
história em Nietzsche.
Essa linha de reflexão forneceu as bases para a história subterrânea do homem
ocidental concebida por Nietzsche. Desde o tempo dos gregos, afirmava Nietzsche,
a história do homem ocidental tem sido a história de enfermidades auto-induzidas.
Desde aquela época, o homem, outrora uma ponte entre o caos e a forma, assumiu
o aspecto de um touro abatido suspenso entre os dois postes de sua auto-ilusão.
Num poste está o cristianismo com sua negação dos direitos da vida sobre o
homem e sua insistência em que o homem encontra suas metas em outro mundo,
que só lhe será revelado no fim dos tempos; no outro poste está a ciência
positivista, que sente prazer em desumanizar o homem reduzindo-o à condição de
um animal, concebendo-o como simples instrumento de forças mecânicas sobre as
quais ele não pode exercer nenhum controle e das quais não pode libertar-se. E a
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história do homem ocidental desde o declínio do espírito trágico descreve uma
alternância dessas duas tendências negadoras da vida; primeiro uma, depois a
outra, se revezam na tarefa de degradar o homem. (WHITE, 1995: 350-351).
Com estes elementos podemos arriscar uma resposta para as indagações feitas logo
acima: pensar uma filosofia da história para a humanidade como um todo não parece ser o
que pretende Nietzsche, seguindo H. White, fica claro que sua preocupação é com o
sentido da história do Ocidente, suas indagações sobre a tragédia grega, sobre o niilismo,
sempre convergem para sua época e a falta de sentido histórico da mesma.
Seu escopo é o de criar, a partir dos cinco conceitos aqui apresentados, um novo
sentido histórico tendo como modelo a cultura da Grécia arcaica. O método genealógico,
apóio-me aqui em Foucault, implica em uma preocupação com o sentido da história
ocidental e produz algumas indicações de como é possível reorientar a consciência
histórica para a formulação de uma cultura de tipo afirmativo de vida, uma cultura trágicoartística, produtora de sentido e criadora de seu próprio futuro. Uma cultura que possibilite
o advento do além-do-homem.
Se em alguns textos Nietzsche preocupa-se com a origem da linguagem, da moral e
mesmo da verdade, que ele logo deixa claro não ser a Grécia arcaica a fonte de tudo, isso
não quer dizer que o mesmo esteja buscando um sentido para a história universal. São
antes questões antropológicas que podem ajudar na compreensão do que é humano e na
precisão das singularidades do homem ocidental e de sua forma de agir histórico.
Em um texto de 1873 A filosofia na época trágica dos gregos, Nietzsche deixa
claro que estes não foram os precursores da história do mundo, mas os elege como a
proveniência do ocidente, pela sua originalidade em, a partir de outras culturas produzirem
algo novo e original, construindo assim seu próprio sentido histórico.
Nada é mais tolo do que atribuir aos gregos uma cultura autóctone: pelo contrário,
eles sorveram toda a cultura viva de outros povos e, se foram tão longe, é
precisamente porque sabiam retomar a lança onde um outro povo a abandonou,
para arremessá-la mais longe. (NIETZSCHE v.2, 1991:5).
A partir de outras culturas produzir uma cultura autêntica, eis a originalidade
pretendida por Nietzsche para a cultura ocidental, tal é o ponto que permite ao mesmo
criticar o excesso de sentido histórico que impede a ação criativa do homem moderno. Esta
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é a limitação, niilista vale dizer, da consciência histórica. Nietzsche, assim como Marx,
fora um crítico da modernidade, e tal qual este, possuía um projeto para sua época. Sua
saída é o agir criativo diante da história, o agir do artista trágico.
Conclusões
Assim, debater a filosofia da história de Nietzsche é buscar respostas e
apontamentos para pensar a consciência histórica da cultura ocidental, em uma tentativa de
elucidar as formas e princípios que orientam nosso agir histórico.
Claro está que não é possível responder a todas as perguntas e nem deixar claro
todos os caminhos que são propostos. Este trabalho teve como princípio norteador a
intenção de contribuir para o debate sobre filosofia da história, assim como pensar tal
temática a partir de um filósofo que refletiu profundamente sobre seu tempo, algo que
acredito ser de importância fundamental para o trabalho histórico. Ficam aqui indicações
para futuras pesquisas que tentarão melhor elaborar pontos inconclusos do presente
trabalho.
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Referências
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Obras incompletas. Seleção de textos de Gérard Lebrun;
Tradução e notas de Rubens Rodrigues Torres Filho; posfácio de Antônio Cândido. 5
Edição: 2 volumes. São Paulo: Nova Cultural, 1991. (Os Pensadores)
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Sabedoria para depois de amanhã. Seleção dos
fragmentos póstumos por Heinz Friedrich; Tradução Karina Jannini. São Paulo: Martins
Fontes, 2005. (Tópicos)
ARALDI, Clademir Luís. Nietzsche e o romantismo alemão. Revista Dissertatio, Pelotas,
edição comemorativa (19-20), 2007, p. 235-254.
CASA NOVA, Marco Antônio. Interpretação enquanto princípio de constituição do
mundo. Cadernos Nietzsche 10, 2001, p.27-47.
DELEUZE, Gilles. Nietzsche e a filosofia. 1ª edição brasileira. Rio de Janeiro: Editora Rio,
1976.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 25. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2008.
HABERMAS, Jurgen. O discurso filosófico da modernidade. Lisboa: Dom Quixote, 1990.
HEIDEGGER, Martin. Nietzsche. 2 volumes. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.
MACHADO, Roberto. O nascimento do trágico: de Schiller a Nietzsche. Rio de Janeiro: J.
Zahar, 2006.
_______________. Nietzsche e a verdade. 2. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2002.
MARTON, Scarlett. Nietzsche: das forças cósmicas aos valores humanos. São Paulo:
Brasiliense, 1990.
ONATE, Alberto Marcos. Entre eu e si, ou a questão do humano na filosofia de Nietzsche.
Rio de Janeiro: 7 Letras, 2003.
RÜSEN, Jörn. Razão histórica: teoria da história, fundamentos da ciência histórica.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001.
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__________. Reconstrução do passado: teoria da historia II : os princípios da pesquisa
histórica. Brasília: UnB, 2007.
WALSH, William Henry. Introdução à filosofia da história. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
WHITE, Hayden. Nietzsche: a defesa poética da história no modo metafórico. In: MetaHistória: a Imaginação Histórica do Século XIX. São Paulo: Edusp.1995, p. 339-382.
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