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JESUS, O JUDEU DO SEU POVO
Antonio Carlos Coelho *
RESUMO: Constata-se na história a dificuldade em aceitar a condição judaica de Jesus, filho
do povo de Israel e do próprio judaísmo. Com as descobertas arqueológicas do último século,
obteve-se maior conhecimento sobre o modo de vida, costumes e leis dos tempos bíblicos. Temse, então, uma melhor compreensão de quem é Jesus. Propõe-se uma análise mais judaica do que
cristã – assente sobre o título. Jesus é descrito como judeu e integrado em sua cultura. Destaca-se
a prática da cura, tida como um atributo do homem que se relacionava diretamente com Deus.
Também as pregações de Jesus seguiam o estilo farisaico, tanto em sua estrutura como na forma
de ensinar. Não se pode afirmar categoricamente, pois, não há nenhuma referência histórica, que
o mestre dos cristãos era um‘prushim’, todavia podemos reconhecer a semelhança em sua prática
e sua proximidade ao pensamento de Hillel. Fariseu ou não, Jesus era um ‘darsham’ – interprete
da Torá – possuía discípulos e ensinava por onde passava.
PALAVRAS CHAVE: Jesus judeu; Jesus messias; Pregação farisaica; Cultura judaica.
ABSTRACT: We looked at the story difficult to accept the Jewishness of Jesus, son of Israel and
of Judaism itself. With the archaeological discoveries of the last century, we got more knowledge
about the way of life, customs and laws of biblical times. So we can have a better understanding
of who Jesus is. We propose here further analysis Jewish than Christian - based on the title.
Jesus is described as Jewish and integrated into their culture. Also we highlight the practice of
healing, regarded as an attribute of man which related directly to God. Also the preaching of
Jesus followed the Pharisaic style, both in its structure and in the way of teaching. We may not
say categorically, because there is no historical reference that the master was a Christian ‘prushim’,
but we can recognize the similarity in their practice and its proximity to the thought of Hillel. A
Pharisee or not, Jesus was a ‘darshan’, an interpreter of the Torah, and he had disciples, and also
taught wherever he went.
KEY WORDS: Jewish Jesus, Jesus Messiah; Preaching Pharisaic; Jewish Culture.
* Especialista em arqueologia bíblica e tradição judaíca, em Israel; Professor de Ecumenismo e diálogo
interreligioso, no Studium Theologicum, e Diretor do Instituto Ciência e Fé (Curitiba).
9
INTRODUÇÃO
Antes de começar a falar sobre o tema desta manhã - “Jesus, o judeu”
- recordo que estou assumindo um dos temas que tinham sidos reservados
ao Doutor Pablo Berman1, primeiro convidado para tratar deste assunto nesta
32ª Semana Teologia. Sinto-me, portanto, no dever de cuidar para que minha
apresentação observe a neutralidade que teria Dr. Berman ao tratar sobre
Jesus. Enfatizarei aspectos que o caracterizam como um fi de Israel, sem a
preocupação com questões do âmbito doutrinário e teológico.
Há alguns anos percebia que entre religiosos e leigos católicos era comum
a difi
em aceitar a condição judaica de Jesus. Ora, como poderiam ter
essa difi
se a Bíblia apresenta a genealogia de Jesus e o coloca como
fi do povo de Israel? Na realidade nunca houve essa dúvida entre os cristãos,
mas não podemos esquecer que por séculos o cristianismo.....
10
Foi só após a Segunda Guerra Mundial, com a tomada de consciência
da Europa cristã sobre os horrores da Shoá perceberam o quanto a religião
contribuiu ou falhou em seus princípios humanitários. Vinte anos após o
término do confl o mundial o Concílio Vaticano II apelou para a necessidade
urgente para uma mudança de postura diante do judaísmo. Promoveu, assim,
a aproximação fraterna e o conhecimento da religião berço do cristianismo.
Desta forma, a condição judaica de Jesus deixou de ser um tabu dentro do
ambiente católico.
Apesar da nova e sincera postura da Igreja diante do judaísmo e das outras
religiões não cristãs, os meios acadêmicos não se sentiram sufi temente
motivados para pesquisar sobre a condição judaica de Jesus. De certa forma
isso é compreensível, pois não existem informações sobre Jesus. Sabemos o que
sabemos pelo Evangelho. Seus autores não tiveram a preocupação em retratar a
vida de um pregador judeu, e sim, daquele que a comunidade cristã reconheceu
como o fi
de Deus e Messias anunciado pelos Profetas.
Embora se reconheça a importância do conhecimento do Jesus da
História, muitos acadêmicos, fundamentalistas, insistem em afi mar que
qualquer investigação sobre o Homem da Galiléia está fadada ao fracasso,
desestimulando, assim, qualquer pesquisa histórica, restringindo o estudo
sobre Jesus ao âmbito da teologia e do dogma.
Próximo aos fundamentalistas está o teólogo luterano Rudolf Bultman
(1884-1976) que, apesar de desacreditar da possibilidade de se conhecer
o homem Jesus, oferece uma possibilidade — em algum momento isso será
possível: “Estou efetivamente convencido de que, no momento, não podemos
saber quase nada que se refi a à vida e à personalidade de Jesus, visto que as fontes
cristãs primitivas não revelam nenhum interesse por esses temas”. 2
Se considerarmos a impossibilidade de se saber da vida do homem Jesus
por ausência de informações nos textos evangélicos, teríamos que descartar
pelo mesmo motivo, a chance de se conhecer outros personagens bíblicos. Se
sobre Jesus temos poucas informações, o que dizer, então, sobre os Patriarcas
e Moisés? No entanto, não conheço nenhuma objeção sobre as “descrições
históricas” de Abraão ou Moisés, embora, sobre eles, muito mais do que Jesus há
ausência de fontes históricas. Não há dúvida que a paixão de alguns estudiosos
desestimulou as pesquisas sobre Jesus. Paixão vencida pelo tempo.
É verdade que temos um alcance mínimo à biografi de personagens
bíblicos. Todavia, as descoberta arqueológicas do último século, principalmente
a partir dos estudos de Kathleen Kenyon3 e outros arqueólogos e historiadores,
obtivemos maior conhecimento sobre o modo de vida, costumes, leis, dos
tempos bíblicos. Isto possibilita situar os patriarcas e seus descendentes no
cenário em que viveram e traçar um perfi aproximado das suas vidas, bem
como superar os anacronismos do texto sagrado.
Com maior precisão podemos fazer o mesmo em relação a Jesus. As
fontes históricas do primeiro século são mais abundantes e retratam mais
precisamente o ambiente da época. Portanto, encontrar Jesus, o judeu da
Galiléia não é impossível, afi , ele não teve uma vida excêntrica a ponto de
não se poder falar sobre o homem Jesus.
O Rabino Berman, em sua palestra na manhã de ontem, ao se referir à
condição judaica de Jesus disse:“Ela (a condição) é um problema para os cristãos
e para os judeus”. — E é exatamente sobre esse problema, ou problemas, que
tratarei neste texto. Veremos o que difi
ou, por muitos séculos, situar e aceitar
a condição judaica daquele que é centro da fé cristã.
Difi
Para os judeus, a difi
em relação a Jesus não está na sua condição
histórica, mas sim, no que ele representou ao longo da história. É o Jesus do
cristianismo, o Jesus Messias e Filho de Deus que causa o afastamento e a perda
de interesse por parte dos estudiosos judeus. Tanto que, são raros os autores
judeus que situam Jesus na sua condição judaica.
Por muitos séculos as igrejas se apresentaram como uma fé superior e
completa, colocando-se em condição oposta o judaísmo (projeto de salvação
11
está completo – Cristo superou o judaísmo – e, o judeu perfeito é o cristão,
como afi mam acintosamente alguns evangélicos excluindo da salvação todos
aqueles que não são “verdadeiramente cristãos”).
Duas estátuas colocadas numa das portas da Catedral de Strasburg
traduzem o sentimento vitorioso da Igreja sobre a Sinagoga. Tal soberba
dos cristãos, manifestada por séculos de preconceitos e perseguições às
comunidades judaicas da Europa, contribuiu para uma imagem negativa do
cristianismo. Os que patrocinavam as perseguições eram os mesmos que, em
suas igrejas, pregavam a Boa Nova de Jesus.
Também, devemos ter em conta, que foi o cristianismo que nasceu do
judaísmo e, portanto, o interesse sobre sua gênese e contexto é cristão e não
judaico. São os cristãos que, para conhecer suas origens e fundamentos da fé,
interessam-se pela vida do homem de Nazaré.
12
Após o Concílio Vaticano II e a sincera aproximação dos Papas João XXIII
e João Paulo II aos judeus, houve um maior interesse sobre a pessoa de Jesus e
o seu signifi . Isso contribui, em parte, para uma reabilitação da imagem de
Jesus aos judeus, mostrando-o como homem religioso, fi à tradição judaica,
bem como para superar anos de confl os entre Igreja Católica e Judaísmo.
O que sabemos de Yeshua Ben Iosef?
Os frutos das pesquisas modernas multiplicaram-se em publicações
que, apesar de muitas não considerarem aspectos bíblicos, oferecem subsídios
consistentes para o conhecimento do ambiente social e cultural do primeiro
século da nossa era.
Tais pesquisas superam em muito a difi
de se encontrar o Galileu
do século I. Pelo estudo comparado, como se faz com outros personagens
bíblicos, é possível nos aproximarmos do homem Jesus. As pesquisas dos
textos antigos referentes aos anos que envolvem a sua vida, as descobertas
da Arqueologia, os pergaminhos do Mar Morto e outras fontes, nos permitem
construir um cenário cultural do tempo em foco e situar Jesus em seu ambiente,
saber como vivia e o que fazia.
Os evangelhos não são biográfi os. As referências históricas sobre Jesus
neles contidas são insufi
tes para uma biografi mesmo porque, não foi essa
a intenção dos seus autores. O personagem principal dos retratado nos textos
dos quatro evangelistas é o “ressuscitado”, o Jesus da experiência comunitária
– o que está bem explicito nos textos cristãos. Mesmo assim, contamos com
algumas referências sobre a história e o cotidiano d e Jesus. Poucas, mas o
sufi
te para mostrá-lo como humano e a sua vida junto aos contemporâneos.
Os relatos inserem Jesus no berço da família de Davi descrevendo
seu nascimento na vila de Belém4. Sua infância se passa na Galiléia, mais
precisamente na cidade de Nazaré. Quando adulto, após iniciar sua vida pública,
Jesus aparece como um pregador itinerante. Percorria as regiões próximas ao
Mar da Galiléia – cidades como Tiberíades, Cafarnaum, Corazin... e algumas um
pouco mais distante na Decápole, ao norte - Cesárea de Felipe, ou a oeste Nazaré e Caná. Três vezes por ano5 (pelo menos) ia a Jerusalém, ocasiões em
que passava por cidades do caminho, Siquém, Jericó, Betânia.
A Galiléia era uma província ao norte de Israel, governada por Herodes,
o Grande, até o ano 4 a.C. Posteriormente foi governada por Herodes Antípater.
Foi crucifi
por ordem de Pôncio Pilatos, prefeito da Judéia, provavelmente
nos primeiros anos da década de 30.
Durante os anos da vida pública de Jesus, Yosef Bar Kayafa (Caifás) exercia
o sumo-sacerdócio, a presidência do Sanhedrim e a lideranças dos Saduceus.
Tibério César, sucessor de Júlio César, era o imperador de Roma. Valério Graco e
Pôncio Pilatos administravam a província romana da Síria e o território do atual
Estado de Israel (Judéia, Samária, Galiléia) e a Peréia.
Os evangelhos dão destaques aos grupos político-religioso dos fariseus
e dos saduceus e, outros grupos de menor importância nos textos como, os
zelotas e os “Issi’im” essênios (curadores) e os herodianos.
A presença romana não era bem aceita em Israel, principalmente pelos
grupos que herdaram, de certa forma, o espírito libertário dos Macabeus: os
pacífi os fariseus, com forte caráter nacionalista e invejável aceitação popular,
e os zelotas, grupo que fazia oposição direta aos romanos através de ataques às
guarnições e autoridades romanas.
As relações entre Jerusalém e as regiões da Samária e Galiléia nunca
foram as melhores. Os que vinham dessas duas regiões situadas ao norte de
Jerusalém carregavam a fama de revoltosos e separatistas. Grupos de zelotas
tinham origem nessas regiões e levava os romanos a desconfi daqueles
nortistas que falavam o aramaico. Acredita-se que entre os seguidores próximos
a Jesus havia um zelota6.
Duas escolas rabínicas (farisaicas) dominavam as discussões entre fariseus
e seus discípulos. Eram as escolas de Shammai, mais rigorosa na interpretação
da Halachá e, a de Hillel, um pouco menos ortodoxas nas questões legais. Hillel,
13
após sua morte no ano 10 d.C. foi sucedido por Gamliel, “o Velho”, mestre de
Shaul (Paulo de Tarso).
Na infância e juventude:
Temos referências nos textos sobre eventos que confirmam que Jesus e
seus pais guardavam os costumes e preceitos judaicos. Por exemplo:
 Noivado dos pais (Lc 1; 27).
 Foi circuncidado no oitavo dia. (Lc 2; 21)
 Passou pelo rito de Pidyon ha’ben – resgate dos primogênitos (Lc
2; 23).
14
 Fez o bar mitzvá – Jesus passou pela prova dos doutores – isto
é – mostrou estar preparado para assumir a maioridade judaica.
 Jesus observava o mandamento das festas de peregrinação –
shalosh regalim - indo em peregrinação ao Templo três vezes ao
ano. (Mt 20;17 – Mc 10;32 – Lc 18;31– Jo 12;12)
 Maria – Mirian – “guardava todos esses acontecimentos em seu
coração” – como uma mãe piedosa e responsável pela formação
judaica de seu filho7.
 “Jesus progredia em sabedoria e em estatura, e em graça diante
de Deus e dos homens” (Lc 2;32). Este é um ideal judaico (entre os
religiosos). Buscar a sabedoria através do estudo, da oração e da
justiça é o que todo judeu deve fazer, segundo o ensinamento da
Torá e dos mestres do Talmud. Um rabi só teria autoridade junto aos
seus discípulos se esse entregasse sua vida à busca da sabedoria e
da santidade. O evangelista apresenta Jesus, desde a sua infância,
como um mestre que, à medida que ganhava porte físico, preparava
a sua missão com uma vida dedicada às coisas de Deus.
Os evangelistas tiveram o cuidado de mencionar ritos próprios da vida
de um garoto, filho de uma família religiosa. Tais menções confirmam o vínculo
étnico religioso de Jesus ao povo judeu. Todavia, essas referências têm suas
interpretações de cunho cristão, mas, não deixam de ser indicadoras de reais
práticas e sentimentos próprios dos judeus religiosos.
As curas:
As curas milagrosas estão descritas na Bíblia. Não eram estranhas no meio
judaico dos tempos antigos. Elas eram interpretadas como respostas divinas ao
poder do mal, uma vez que, por falta de outro conhecimento, acreditavam que
certos males eram frutos do pecado. Assim é o caso da cura de Naaman, o leproso
(2Rs 5).
As curas eram realizadas por toques e palavras ou, às vezes, a distância,
como é o caso da cura que Jesus promoveu à filha do soldado romano. Elas,
também, estavam vinculadas à fé do que procurava a intercessão divina.
Os escritos judaicos também relatam curas. Por exemplo:
Aconteceu de, quando o filho de Rabi Gamliel adoeceu, este enviou dois
dos seus discípulos a Rabi Hanina ben Dosa para que este rezasse. Quando os viu,
Rabi Hanina dirigiu-se ao quarto superior da casa e rezou. Quando desceu, disselhes:
- Vão, pois a febre o deixou.
Eles, então, disseram:
- Tu és um profeta?
Ele respondeu:
- Não sou profeta nem filho de profeta, mas tenho a minha bênção:
se a minha oração for fluente na minha boca, sei que o homem
doente será favorecido; se não, sei que a doença é fatal.
Os discípulos anotaram a hora em que estiveram com Rabi Hanina.
Quando voltaram Rabi Gamliel contaram sobre o encontro e em que hora se deu.
E Rabi Gamliel disse:
- Céus! Vocês nada tiraram nem acrescentaram, mas foi assim que
aconteceu. Foi nessa hora que a febre o deixou e ele pediu água
para beber. (B.Ber 34b)
Assim como eram aceitas as curas entre os judeus, aquelas promovidas
pelo Judeu de Nazaré eram igualmente vistas como uma interferência divina
sobre o mal.
15
Aqui é importante destacar que, a prática da cura, tida como um atributo
do homem que se relacionava diretamente com Deus – assim como eram os
profetas. A Galiléia – só esta região - era berço de uma corrente carismática do
judaísmo, e entre seus membros, havia os que eram capazes de realizar curas
independentes de qualquer mediação institucional. Portanto, isto parece ser um
fenômeno localizado, vinculado a corrente carismática dentro do judaísmo dos
primeiros séculos, confirmada por Flávio Josefo em Antiguidades Judaicas XVIII.
Josefo refere-se a Jesus como “realizador de obras maravilhosas”, semelhante o
que está nos evangelhos de Mateus e Lucas (Mt11;2 – Lc 24; 19) 8
As repreensões feitas pelos judeus a Jesus pelo fato dele curar no Sábado
estavam relacionadas com as diferentes correntes de interpretações sobre o que
era permitido ou não fazer no Sábado. Uma das correntes, mais rigorosa, defendia
que nada poderia ser realizado no dia de Sábado. Outra, mais flexível, ensinada
pela Casa de Hillel, julgava um dever a realização de trabalhos em favor da vida,
fosse ela humana ou animal9.
16
Rabi Meir, um dos sábios da Mishná, ensinava que o valor da vida é superior
ao valor do Sábado. E, não foi só ele a ensinar. Muitos outros orientavam para
que a observância do Sábado e das datas festivas não comprometessem o trato
com a vida. Aliás, a mensagem bíblica e a legislação hebraica são muito claras ao
defender o valor da vida, sobrepondo a toda Halachá(Lei).
Portanto, o que lemos nos evangelhos sobre Sábado e sua observância não
destoa do judaísmo farisaico (ensinado por Hillel) e, muito menos, do judaísmo
rabínico posterior à destruição do Templo.
A Pregação:
As pregações de Jesus seguiam o estilo farisaico, tanto em sua estrutura
como na forma de ensinar. Havia o pregador/mestre itinerante e havia aqueles que
ensinavam nas sinagogas e nas escolas criadas pelos fariseus cento e cinquenta
anos antes da era cristã10. Esses mestres usavam métodos e construções
diferenciadas para cada situação: o colar, a abertura, a parábola. Métodos todos
usados por Jesus em suas pregações feitas em torno do Mar da Galiléia e Jerusalém
e nas sinagogas em que frequentava costumeiramente.
Suas referências eram próprias dos rabinos do seu tempo: referências às
Escrituras, situadas no cotidiano, nas coisas da natureza - água – vento, nos fatos
da vida. Assim era transmitida a Lei Oral. Por esta forma de ensinar conquistou a
aceitação popular. Suas palavras estavam de acordo com a Tradição Oral aceita e
difundida pelos fariseus aos seus discípulos.
Sua orientação assemelhava-se com a flexibilidade de Hillel – e, também,
com a interpretação da Torá e da Halachá (Lei). O exemplo mais clássico está no
texto sobre “o maior mandamento”. Já havia, desde os tempos dos profetas, o
interesse por encontrar mandamentos que sintetizassem os 613 mandamentos da
Torá. No tempo de Jesus era corrente a discussão sobre qual seria “o mandamento
de ouro”, aquele suficiente para traduzir a essência das Escrituras. Uns afirmavam
ser – “Lembra-te que foste criado a imagem e semelhança de Deus” e, outros
defendiam –“Amarás o Senhor com todo seu coração, com toda a sua alma e com
todo o seu poder; e ao próximo como a ti mesmo”. A adoção de um ou outro
mandamento identificava a escola farisaica, a Casa de Shammai ou a Casa de
Hillel.
Relação de Jesus com os fariseus:
Na conferência do Doutor Pablo ficou bastante claro a importância dos
fariseus para o judaísmo do primeiro século e, também, para a continuidade da
religião após a destruição do Templo. No entanto, foi com os fariseus – prushim
– com quem, segundo os evangelhos, Jesus teve as discussões mais valorizadas.
Temos que considerar o papel e a aceitação dos fariseus no meio popular
da época. Eles eram, antes e depois da destruição do Templo, os que mais exerciam
influência no meio popular. Eram, também, aqueles que mais se aproximavam,
tanto na prática como na doutrina, do modo dos primeiros pregadores cristão.
Lembre-mos que Jesus se avizinhava do pensamento de Hillel, inclusive, nos
evangelhos há interpretações iguais ao do mestre fariseu. Sem dúvida, os
textos cristãos traduzem “uma competição” entre o grupo judaico e a primeira
comunidade cristã, isto é, a suposta inimizade entre Jesus e os fariseus refletem
a relação posterior à morte de Jesus – refletem os embates entre a primeira
comunidade cristã e os fariseus ou os cristãos nascentes e os judeus durante o
período da guerra com Roma.
Quanto ao judeu Jesus, é explicita a sua forma farisaica de ensinar. Não
podemos afirmar categoricamente, pois, não há nenhuma referência histórica,
que o mestre dos cristãos era um prushim, todavia podemos reconhecer a
semelhança em sua prática e sua proximidade ao pensamento de Hillel. Fariseu
ou não, Jesus era um darsham – interprete da Torá – possuía discípulos e ensinava
por onde passava.
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Para que um mestre da Torá tivesse credibilidade era necessário que não
vivesse do ensino, isto é, não cobrasse por seu trabalho de mestre, logo, era preciso
que tivesse uma profissão. Hillel, por exemplo, era um vendedor de água. Buscava
água na fonte e entregava nas casas. Disso tirava seu sustento. Os evangelhos não
falam da atividade de Jesus. Talvez, ganhou a vida como carpinteiro, assim como
fez seu pai. Todavia, na sua vida pública, os textos o situam próximo ao mar da
Galiléia, junto aos pescadores. Embora nenhum escrito confirme que Jesus tirava
seu sustento de alguma atividade, há escritos judaicos do período do I d.C. que
alertam sobre a proibição de se cobrar pelo ensino da Torá.
18
Os fariseus implantaram escolas “públicas” em muitas cidades e vilas de
Israel. Eram escolas para meninos. Ensinavam a ler e escrever – desde Ezra o ensino
da Torá ganhou importância no ambiente judaico. Todo homem deveria saber ler
para estudar a Torá, o que era uma forma de acolher a revelação divina. Conforme
o Evangelho Jesus sabia ler – leu na sinagoga – sabia escrever – deve, portanto,
ter freqüentado alguma escola “pública” na vila de Nazaré, onde aprendeu com
mestres fariseus.
O que disse nesta manhã da Semana Teológica, não esgota o tema, mas
já é uma boa dose. Espero ter, juntamente com Rabino Pablo Berman, oferecido
subsídios para uma melhor da história, das instituições judaicas do período em
que Jesus e os primeiros autores cristãos viveram. Espero, também, que a melhor
compreensão do judaísmo, principalmente do judaísmo do primeiro século da
nossa era, contribua para recuperar séculos de mal entendidos entre judeus e
cristãos e, ainda, que católicos possam encontrar as suas raízes espirituais, pois,
lembrando Paulo na carta aos romanos, nossas qualidades vem de uma boa
origem - raiz – que é o judaísmo.
(Endnotes)
1 Dr. Pablo Berman é Rabino da Comunidade Israelita de Curitiba.
2
Vermes, Geza; Jesus e o mundo do judaísmo, p.12, Ed. Loyola, São Paulo, 1996.
3
Kathleen Mary Kenyon, arqueóloga inglesa (1906-1978) destacou-se por suas pesquisas na
cultura do neolítico no Crescente Fértil e, também, por suas escavações em Jericó. Kathleen
Kenyon deu à arquelogia bíblica o cunho e seriedade científica, afastando-se da ideologia
religiosa que marcaram as pesquisas anteriores. A Arqueologia bíblica visava, antes de Kenyon
comprovar que as histórias da Bíblica eram cientificamente comprováveis.
4
Não temos nada que garanta ser Belém o local do nascimento de Jesus. Não há registros
históricos de um recenseamento exigido por ordem de Roma, nem mesmo uma lógica que
explique o dominador promover o deslocamento de pessoas a troco de um censo.
5
Afirmamos três vezes baseados na obrigação judaica de peregrinar a Jerusalém nas festas de
Pessach, Shavuot e Sukot.
6
O termo zelota ou zelote vem do hebraico kanai, que significa seguidor, zeloso – aquele que
zela pelo nome de Deus. Portanto, não podemos afirmar com segurança se o qualificativo
atribuído ao apóstolo Simão( Lc 6; 15 e At. 1; 13) referia-se a sua pertença ao grupo revoltoso
(de zelo nacionalista) ou se era considerado alguém de zelo religioso.
7
É de responsabilidade da mãe judia transmitir aos filhos a educação, os valores da religião e da
tradição aos filhos. Daí se reconhecer como judeu aquele que nasce de mãe judia. No livro do
Êxodo encontra-se um fato que ilustra o cuidado com a educação da criança e o papel da mãe
na transmissão da herança hebraica ao filho, uma herança que se transmite como alimento que
dá a vida e crescimento aos pequenos: A irmã dele(Moisés) disse à filha do Faraó:“Queres que eu
vá chamar uma ama de leite entre as mulheres dos hebreus? Ele poderia amamentar o menino
para ti”. Ex 2; 7
8
Vermes, Geza: Jesus, o Judeu, p. 84, Ed. Loyola, São Paulo, 1990.
9
Ver referências sobre Hillel e Shammai em Wikipédia: http://en.wikipedia.org/wiki/Hillel_and_
Shammai; e na Jewish Encyclopedia: http://www.jewishencyclopedia.com/search?utf8=%E2%9
C%93&keywords=Bet+Hillel+and+Bet+Shammai&commit=search
10 Já no tempo de Ezra existiam escolas para se ensinar a Torá. Mas foram os fariseus que se
empenharam em espalhar tais escolas por todo o território de Israel.
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