20, 21 e 22 de junho de 2013 ISSN 1984-9354 NEGÓCIOS SOCIAIS: UMA ANÁLISE DE SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA O FOMENTO E DESENVOLVIMENTO DE ECOSSISTEMAS EMPREENDEDORES Mateus Aguiar Sampaio dos Santos (CEFET-RJ) Yaro David Tavares Neves de Carvalho (CEFET-RJ) Úrsula Maruyama (CEFET-RJ) Marcelo Sampaio Dias Maciel (CEFET-RJ) Resumo Este trabalho refere-se à análise do papel das empresas na nova economia frente aos principais desafios globais, como a pobreza e desigualdade social. Por meio de uma pesquisa bibliográfica são apresentadas tendências e alternativas de comoo as empresas têm se ajustado às novas perspectivas de compartilhamento de valor e resolução de problemas da base da pirâmide. Além disso, o trabalho busca avaliar o Empreendedorismo e as implicações no desenvolvimento econômico e social dos países, ao realizar a analise da forma como os Negócios Sociais brasileiros, quanto ao seu perfil, podem contribuir para o fortalecimento de Ecossistemas Empreendedores locais. Palavras-chaves: Negócios Sociais; Valor Compartilhado; Empreendedorismo na Base da Pirâmide; Ecossistema Empreendedor IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013 1. Introdução Em um mundo onde a ideia de que estamos próximos do colapso das estruturas econômica e social que sustentaram a humanidade ao longo de décadas ganha mais força a cada dia, o entendimento sistêmico de como o homem se relaciona entre os seus iguais e com o seu meio também cresce na mesma velocidade. O desenvolvimento da nossa mentalidade sobre a maneira como estamos conectados traz novas perspectivas para diversas áreas do conhecimento humano, dentre elas a área de negócios e o seu impacto na sociedade (GHEMAWAT, 2012). Por conseguinte, é apresentada a seguinte questão norteadora desta pesquisa: Como o negócio social pode contribuir ao ecossistema empreendedor? Este trabalho tem como finalidade analisar tendências e propostas sobre como, ao mudarmos a maneira de pensar e fazer negócios, é possível encontrar oportunidades viáveis para o desenvolvimento nas suas dimensões econômica, financeira e social. Como objetivo geral, busca-se encontrar pontos de convergência entre o negócio social e o ecossistema empreendedor, seguindo com os seus respectivos objetivos específicos: Pesquisar na literatura o contexto dos negócios sociais no cenário nacional e internacional; Identificar pontos de inflexão onde possam ser considerados os fatores-chave para o desenvolvimento de negócios empreendedores; Verificar a teoria de Isenberg sobre a formação dos ecossistemas baseado no reforço positivo do ambiente nesta perspectiva; Relacionar estes estudos com a realidade brasileira. O presente estudo também procura entender como alguns tipos de negócios, devido a suas particularidades, podem contribuir com todo um ecossistema indo além da sua finalidade social primária e gerando valor compartilhado com a sociedade. 2. Cenário atual do desenvolvimento humano e ecnômico 2 IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013 Nos últimos 40 anos o mundo tem se desenvolvido em diversos aspectos: de acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano de 2010, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) aumentou cerca de 41% no mundo desde a década de 70. Sendo que dos 135 países utilizados como amostra apenas três demonstraram redução no IDH dentro do mesmo período. Entretanto, apesar dos importantes avanços que foram conquistados nos últimos 40 anos, também surgiram grandes desafios que se mostram preocupantes à medida que a população cresce e a economia busca novas maneiras para se tornar sustentável. Assim, conforme Ghemawat: O problema não está apenas na situação atual, mas em nossas relações a ela. Simplesmente repetir o mantra do livre mercado parece inadequado, mas alguns pensadores se aferram a esse lema, com sua insistência na mágica dos mercados e no equívoco inevitável de todas as intervenções governamentais. Outros se deslocaram para o extremo oposto e proclamam que os mercados são ruins e os governos, bons. Outros ainda odeiam ambos os lados e depositam sua fé no mutualismo ou até mesmo na anarquia. O problema com todas essas ´soluções’, é que elas remontam ao passado e a meios retrógrados de ver o mundo (GHEMAWAT, 2012, pp.3-4). Alguns estudos mais detalhados realizados pela Organização das Nações Unidas (ONU) mostram que entre 1990 e 2005, países com alto IDH como Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia e grande parte dos países Europeus, demonstraram um significante aumento em sua desigualdade de distribuição de renda (PNUD, 2012). Nesses países supracitados, o índice de desigualdade de Atkinson aumentou cerca de 23,3%, e esta tendência se repetiu em cerca de três quartos dos países que fazem parte da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (34 países no total), e em muitas economias emergentes. O Relatório de Desenvolvimento Humano de 2010 também aponta que o agravamento da desigualdade de distribuição de renda muitas vezes neutraliza melhorias significativas nas áreas de saúde e educação, ao ponto da perda agregada do desenvolvimento humano devido a desigualdade atingir os 24% no IDH. As tendências globais também apontam para um aumento da desigualdade na educação na Ásia e no acesso à saúde na África, e também demonstram que a América Latina é a região com a maior desigualdade no acesso à renda. Além desses dados, o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) aponta para outras informações igualmente importantes e impactantes. Dados do estudo realizado em 2010 demonstram que, no mundo, mais de 1 bilhão de pessoas não tinham acesso a água 3 IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013 limpa, outras 2,6 bilhões de pessoas não tinham acesso a saneamento básico adequado, cerca de 4 bilhões não têm acesso à eletricidade constante, sendo que 1,8 bilhões não têm acesso a nenhum tipo de eletricidade, e mais de 1,8 milhões de jovens entre 15 e 24 anos morrem a cada ano por enfermidades que poderiam ser prevenidas. Somando-se a estes dados as projeções de que em 2050, de acordo com a ONU, a população mundial pode superar 9,2 bilhões de pessoas, e desta forma, podemos traçar um panorama claro de que se a tendência de aumento de riqueza versus aumento de desigualdade persistir, o mundo poderá enfrentar uma grave crise social nos próximos anos. Trazendo o assunto para a realidade brasileira, de acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano de 2011, desenvolvido pelo PNUD (2012), o Brasil é um país onde mais de 5 milhões de pessoas ainda sofrem privações ou se encontram em situações de pobreza. Neste relatório consta que o Índice de Pobreza Multidimensional (IPM) do Brasil é de 0,11, o que coloca o país num patamar abaixo da Colômbia (0,15) e México (0,22) por exemplo, e segundo este índice, o nível de privações das famílias que passam dificuldades no Brasil é de 39,3%. Isso quer dizer que no Brasil, apesar de haver certo nível de privações e dificuldades enfrentadas pela população mais pobre, as pessoas que por ventura melhoram seus níveis de renda também conseguem acesso a níveis superiores de qualidade de vida. Isso é um ponto positivo, visto que em alguns países da África e Ásia nem sempre uma melhoria financeira e econômica consegue ser traduzida na diminuição da pobreza e das privações enfrentadas quando analisamos pela perspectiva da Pobreza Multidimensional. Entretanto, o grande problema do Brasil é a disparidade entre a riqueza do país e o seu nível de equidade social. Apesar do país figurar em 7º na lista dos maiores PIB do mundo (IBGE, 2012), se encontra apenas na 84ª posição no Ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), e é apenas o 20º quando comparamos o IDH exclusivamente entre os países da América Latina. Além disso, o Brasil é o 16º no ranking dos países com o maior nível de desigualdade social no mundo, de acordo com o Índice de Gini. Dentro deste quadro, o setor privado está se tornando cada vez mais importante no desenvolvimento da economia global (ATKINSON et al, 2005). Corporações multinacionais possuem operações em todo o globo, e em alguns casos, os seus recursos e redes de influência superam a capacidade administrativa de alguns governos. Portanto, apresenta um papel 4 IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013 importante a desempenhar na difusão das oportunidades da globalização e na mitigação de alguns dos seus riscos. Um dado que demonstra o crescimento relativo das grandes empresas quando as comparamos com Governos, é o fato de que se somarmos as 20 maiores receitas de Empresas do Mundo em 2012, teríamos um valor capaz de superar o PIB da Alemanha, que é o 5º maior entre os países. Essa tendência do crescimento absoluto das Empresas dentro da economia global é algo que vem se desenhando desde o fim da Guerra Fria, quando se iniciou uma maior abertura nos mercados globais (HART, 2005). Nas últimas duas décadas, as transformações políticas, econômicas, a inovação tecnológica e a globalização resultaram em uma transferência de poder para o setor privado sem precedentes, tornando este setor o centro da agenda de desenvolvimento no mundo (HART, 2002). Enquanto pequenas, médias e micro-empresas são as principais responsáveis pelo desenvolvimento econômico e pela criação de empresas em muitos países, o alcance e influência das empresas multinacionais também tem crescido substancialmente. Associadas a estas tendências, fluxos de capital privado para os países em desenvolvimento aumentaram mais de cinco vezes desde 1990. Embora a maioria destes fluxos sejam dirigidos a um pequeno número de mercados emergentes e nem sempre tragam benefícios sociais para os países receptores há um crescente consenso (YUNUS, 2008; PRAHALAD, 2009; ISENBERG, 2011b; PORTER, 2011), de que o investimento do setor privado tem um papel vital no desenvolvimento econômico global e na superação de questões relacionadas à pobreza Sob as condições corretas, as empresas privadas oferecem o potencial de aumentar a inovação, estimular criação de riqueza, a transferência de tecnologia, aumentar a produtividade e atender às necessidades básicas, e melhorar a qualidade de vida de milhões de pessoas ao redor do globo (PORTER, 2011). Mercados eficientes e boa governança, tanto a nível global quanto nacional, são condições essenciais para permitir que o setor privado possa atingir esse potencial (ISENBERG, 2001a). Assim como uma liderança em negócios que seja baseada em princípios claros, e comprometida em desenvolver tanto valor de mercado quanto valor social. 5 IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013 . 3. Tendências e transformações percebidas para os negócios Nos últimos anos, as empresas têm buscando cada vez mais desenvolver iniciativas que minimizem as externalidades negativas do seu negócio para a sociedade, ou que potencializem suas externalidades positivas. E independente das razões para que isto aconteça terem as suas origens, seja na pressão por parte da sociedade, seja em decisões relacionadas a valores e credos da organização, ou até em decisões relacionadas à estratégia e negócios, existe uma clara tendência que aponta para um maior envolvimento das empresas com as sociedades nas quais estão inseridas (PRAHALAD, 2009). A Responsabilidade Socioambiental apresenta uma área bastante discutida para trazer alternativas à gestão (ASHLEY, 2005). No entanto, ela não tem mostrado uma solução permanente para a difícil questão de como as empresas podem desenvolver o seu contexto social e diminuir significativamente o impacto negativo causado. Esta afirmativa é justificada pelo fato das políticas de RSA (Responsabilidade Socioambiental) nem sempre interferirem na cadeia produtiva e no modelo de negócio das organizações. Portanto, a RSA tem cedido cada vez mais espaço para novas ideias e modelos que visam resolver estes problemas sociais de maneira sustentável. Uma destas ideias é o conceito de valor compartilhado que de forma generalista, pode ser definido como a aplicação de políticas e práticas operacionais que aumentam a competitividade de uma empresa, ao mesmo tempo em que aumentam o avanço das condições econômicas e sociais nas comunidades em que atua. Porém, este conceito ainda é pouco difundido, e diversas vezes os avanços econômicos e avanços sociais são considerados temas antagônicos, e de responsabilidade de diferentes agentes. Enquanto os avanços econômicos da sociedade são muitas vezes relacionados às empresas e organizações comerciais, a solução dos problemas sociais é comumente direcionada aos Governos e às Organizações não Governamentais. Por parte das empresas, os Programas de Responsabilidade Empresarial, como citado no parágrafo anterior (Responsabilidade Socioambiental), surgem com o intuito de responder às pressões externas da sociedade, como forma de demonstrar preocupação com os meios sociais e ambientais ao redor da organização e melhorar a reputação da mesma. Estes projetos, muitas vezes, representam gastos com baixo retorno - e cada vez mais considerados necessários- , 6 IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013 uma vez que, por não avaliarem seu potencial de atuação da melhor maneira possível, não agregam valor, ou agregam pouco valor de forma compartilhada, tanto para a empresa quanto para à sociedade. Para ilustrar a idéia de Valor Compartilhado, apresentamos o exemplo do movimento conhecido como Fair Trade no comércio. No Fair Trade - ou Comércio Justo - (FairTrade Foundation - fairtrade.org.uk), o objetivo é aumentar o montante da receita destinada aos agricultores de baixa renda, através do pagamento de preços mais elevados e mais justos pelos mesmos produtos, melhorando também a qualidade de condições de trabalho e de vida dos agricultores. Podemos notar neste movimento, algo semelhante ao modelo adotado pela sociedade, empresas e stakeholders, ao relacionar o tema sustentabilidade econômica com redistribuição, mantendo o ciclo capitalista: Embora o sentimento possa ser nobre, o comércio justo tem a ver basicamente com redistribuição, não com a expansão do bolo total de valor gerado. Já a perspectiva do valor compartilhado se concentra em melhorar técnicas de cultivo e fortalecer o cluster local de fornecedores e outras instituições de apoio, a fim de aumentar a eficiência, o rendimento, a qualidade e a sustentabilidade das lavouras. Isso leva a um bolo maior de receita e lucro que beneficia tanto o lavrador como a empresa que compra dele. (PORTER, KRAMER,2011, p.64). Para embasar sua teoria, Porter e Kramer em The Big Idea - Creating Shared Value (2011) apresentam alguns dados interessantes, realizando um estudo inicial onde plantadores de cacau na Costa do Marfim sugerem que, enquanto o comércio justo pode elevar em 10% a 20% a renda do agricultor, investimentos de valor compartilhado podem aumentar essa renda em mais de 300%. O conceito de Criação de Valor Compartilhado (PORTER, KRAMER, 2011) abre novas possibilidades para entender a interação das organizações com o seu ambiente, e quebra diversos paradigmas a respeito da competitividade de empresas socialmente responsáveis. Mostrando que as empresas não precisam ser competitivas apesar de gerar valor social, mas ao invés disso a tendência para o futuro é que as organizações cada vez mais precisem entender e interagir com a sociedade como um pré-requisito para a sua sobrevivência e sucesso (YUNNUS, JOLIS, 2000; YUNNUS, 2008; PRAHALAD, 2009). 7 IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013 O Empreendedorismo é um fenômeno importante quando falamos sobre potencializar as oportunidades das pessoas, e desenvolvimento de países. Entretanto, ainda existem alguns mitos e mal entendidos quando debatemos o tema e a sua relevância. Ao estudarmos o Empreendedorismo como um fator-chave para o desenvolvimento de um país, ou para a redução de desigualdades sociais, é necessário entendê-lo dentro do seu conceito mais amplo, por meio de dados que possam relacioná-lo com o ambiente cultural, social e econômico que o cerca, bem como entender a sua relação com as demais esferas de transformação social (MARIANO, 2011). Entendemos que o Empreendedorismo é um universo de possibilidades quando falamos em transformação social, pois o seu impacto acontece desde a escala do indivíduo, que cria alternativas de mudança para a sua própria realidade, até a escala de países, cujo empreendedorismo pode ser um importante fator de desenvolvimento econômico e social. Entretanto esse é um fenômeno cercado de mitos, e que precisa ser observado pelas lentes certas, para que realmente seja entendido e utilizado como uma ferramenta para o desenvolvimento humano. A relação entre empreendedorismo e seus impactos na solução de problemas sociais vem ganhando cada vez mais destaque, culminando na criação do conceito de Empreendedorismo na Base da Pirâmide, introduzida por Prahalad e Hart (A Riqueza na Base da Pirâmide) na década de 90. Segundo este conceito, as empresas e a própria sociedade são prejudicadas pelo fato de ignorarem as Classes C, D e E (que formam a base da pirâmide social) como mercado. Essa ignorância por parte das empresas, também contribuía para a exclusão social das pessoas mais pobres, pois até então as organizações não entendiam a realidade dessa camada social, e não desenvolviam produtos e serviços tendo como foco as pessoas mais pobres. Após a popularização do conceito de Base da Pirâmide, diversas empresas começaram a desenvolver ações específicas para esse tipo de mercado, e mesmo que muitas vezes não fossem as iniciativas ideais que realmente gerassem valor para a Base da Pirâmide, esse período foi um momento de amadurecimento e experimentação importante. Ao longo da década de 2000, Stuart Hart começou a desenvolver os conceitos de Base da Pirâmide, para o que ele chamou de Base da Pirâmide 2.0, onde ele considera que ao invés das empresas apenas empurrarem (estratégia pull) produtos para as pessoas mais pobres, elas devem criar relacionamentos de cooperação e geração de valor mútuo entre as partes. 8 IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013 A visão de Hart sobre o Empreendedorismo na Base da Pirâmide é algo que converge com o amadurecimento do mercado frente a questões tanto econômicas quanto sociais. E a ideia do Salto Verde pode abrir oportunidades sem precedentes para a inovação e desenvolvimento de novos mercados, além de promover a criação de valor por parte da própria base da pirâmide. Nesse contexto, os Negócios Sociais surgem como uma alternativa que se utiliza dos próprios mecanismos de mercado existentes para gerar um impacto social positivo, através de negócios que promovem o lucro não como finalidade, mas como um meio para gerar soluções sustentáveis para a pobreza, desigualdade social e degradação ambiental. Os Negócios Sociais, portanto, são empresas cuja principal atividade está ligada ao impacto que se propõem a causar, seja através do seu produto final, seja através dos seus meios de produção. Seguindo a linha sobre negócios e impacto social, é importante que exista uma linguagem consistente para que as empresas criem parâmetros e possam medir o seu impacto. Entretanto, essa problemática ainda é relativamente recente, assim como a quebra do paradigma de que o impacto econômico e social de uma organização não precisam ser objetivos contrapostos. Portanto, ainda existe pouco consenso sobre quais seriam as dimensões de geração de valor social, e como estas se relacionariam com variáveis econômicas. Pensando nisso, Portocarrero e Delgado (2010) buscaram aprofundar essa discussão e conceituar como as organizações poderiam entender melhor a maneira como geram Valor Social. Tomando como base os estudos realizados por Prahalad e Hart em A Riqueza na Base da Pirâmide, Delgado e Portocarrero criaram um modelo que pudesse integrar a geração de valor para a Base da Pirâmide dentro da perspectiva mercadológica. A ideia é entender como as empresas, seja por meio de seus produtos, seja por meio da sua cadeia de produção, conseguem gerar valor para estas pessoas e ampliar as suas possibilidades sociais para que desenvolvam o seu potencial que está limitado pela pobreza. Como desenvolvimento dessa proposta, eles definiram o conceito de Valor Social como uma busca pelo progresso social, mediante a remoção de barreiras que dificultam a inclusão, o apoio àqueles temporariamente debilitados ou que carecem de voz própria, e a mitigação de efeitos secundários indesejáveis da atividade econômica. Este conceito pode ser desdobrado em quatro eixos principais, que permitem entender as diversas dimensões de impacto, sejam estas mais tangíveis (i.e. aumento de renda e acesso a 9 IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013 bens e serviços), ou mais intangíveis, porém igualmente importantes (i.e. promoção de cidadania e desenvolvimento de capital social). Os quatro eixos desenvolvidos por Delgado e Portocarrero (2010) serão tomados como base para avaliarmos as dimensões de impacto das organizações: 1. Aumento de renda 2. Acesso a bens e serviços 3. Promoção de cidadania 4. Desenvolvimento de capital social Destarte, o modelo proposto por Portocarrero e Delgado (2010) pode ser importante para a evolução do entendimento de como as organizações interagem com o seu ecossistema social (ISENBERG, 2011a) de maneira holística. E o fato desse modelo ser aplicável a diversos setores e organizações independentemente de qual seja a sua finalidade social, permite a criação bases para que no futuro seja mais fácil parametrizar o impacto causado pelas oraganizações e a maneira como elas influenciam o seu ambiente. Além dos conceitos de Negócios Sociais, Negócios Inclusivos e Geração de Valor, muitos estudiosos vêem o Empreendedorismo como uma resposta interessante para os problemas Sociais. Em alguns países é discutida a importância do Empreendedorismo como um dos fatores-chave para o seu desenvolvimento econômico e social, e inclusive no Brasil se iniciou a discussão sobre a criação de uma Política Nacional de Empreendedorismo por parte do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC, 2012). O Professor Daniel Isenberg, especialista em Empreendedorismo do Babson College, traz uma abordagem de que o Empreendedorismo precisa ser entendido de maneira sistêmica , e que para criar centros onde o empreendedorismo floresça, é preciso envolver diversos agentes atuando em diversas frentes. Após alguns anos de estudo, e de auxílio na implantação deste conceito em algumas cidades ao redor do mundo, Isenberg desenvolveu o Diagrama dos Pilares do Ecossistema Empreendedor que nos permite entender quem são esses agentes e quais frentes precisam ser desenvolvidas para criamos um Ecossistema propício para o desenvolvimento do Empreendedorismo. A ideia desenvolvida por Isenberg é que o Ecossistema Empreendedor é composto por seis principais dimensões, compostas por pessoas e organizações de diversos níveis da sociedade. As dimensões na qual Isenberg se baseia são: 10 IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013 1. Politica 2. Finanças 3. Cultura 4. Suporte 5. Capital Humano 6. Mercado Segundo Isenberg (2011b), a abordagem de entendimento do Empreendedorismo por meio do conceito de Ecossistemas pode nos trazer insights, que nos permitem entender e atuar sobre o fenômeno do Empreendedorismo de uma maneira melhor direcionada mesmo em ambientes com alto grau de incerteza. O primeiro insight é o de entender o Ecossistema sob o ponto de vista do empreendedor, que acaba interagindo com todos aqueles pilares dentro do seu dia-a-dia. O segundo ponto, é que ao entendermos o Empreendedorismo como um sistema, não precisamos criar uma linha lógica do “o que causa o quê”, mas entender que o Ecossistema é influenciado pelas seis dimensões ao mesmo tempo, como um sistema complexo. O terceiro ponto é completamente conectado ao segundo, pois uma vez que tratamos de um sistema complexo e com alto grau de incerteza, não existe outra forma de entender o seu comportamento que não seja agir e observar o resultado desta ação. Portanto a ideia de Ecossistema deve levar à ação, ao teste, e posteriormente ao aprendizado, sendo impossível o desenvolvimento de um plano perfeito de maneira prévia. Logo, o aprendizado faz parte do próprio processo de desenvolver esses ecossistemas. O quarto ponto é que é preciso envolver diversos agentes que compõem o Ecossistema, pois uma vez que o Empreendedorismo é entendido como uma questão sistêmica, é preciso envolver aqueles que fazem parte deste sistema, pois nenhuma destas organizações sozinhas conseguirá desenvolver esse Ecossistema por si mesma. Logo, é preciso definir metas e diretrizes, mesmo que no início estas ainda sejam imprecisas e incertas, pois elas permitem que todos os agentes envolvidos possam compartilhar de uma Visão e trabalhar juntos para o alcance da mesma. E o último ponto, é que é necessário focar em Empreendedorismo com grandes aspirações. Quando empresas de alto crescimento são criadas, ou casos de sucesso de empreendedores são destacados, esses exemplos acabam atuando em todo o Ecossistema. Portanto, apesar das 11 IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013 pequenas empresas e micro empreendedores individuais serem importantes, quando pensamos em desenvolver um Ecossistema precisamos focar em Empreendedorismo de alto impacto. 4. Proposta utilizando os modelos para o caso brasileiro A principal proposta deste projeto é – levando-se em conta o grande desafio que é a Pobreza no Brasil e no mundo e as oportunidades emergentes que vão de encontro a este desafio – identificar sinergias e convergências entre negócios que trabalham com uma visão mais ampla de criação de valor e o desenvolvimento do Empreendedorismo como campo de oportunidades para as pessoas mais pobres. Ao cruzarmos as informações sobre Criação de Valor Compartilhado, com o conceito de Negócios Sociais e tipos de impacto social, conseguimos identificar que os Negócios Sociais, pela sua própria natureza, se encaixam com o modelo proposto por Porter. E, apesar dos Negócios Sociais serem heterogêneos entre si, quando examinamos de maneira mais ampla eles guardam diversas semelhanças conceituais que permitem que possamos analisá-los como um grupo. Figura 1 – Modelo de Ecossistema Empreendedor Fonte: Adaptado de Human Development Report (2011) 12 IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013 Além disso, tomando como base as dimensões de impacto e criação de valor social proposta por Delgado e Portocarrero, identificamos que as mesmas têm total compatibilidade com os seis eixos de estudo dos Ecossistemas Empreendedores, desenvolvido por Isenberg Logo, a proposta é entendermos de que forma os Negócios Sociais, como mais um dos agentes de uma determinada rede ou ecossistema, conseguem contribuir para a criação de “Ecossistemas Empreendedores”. A ideia é analisar as dimensões de impacto de Negócios Sociais Brasileiros, e entender de que maneira esses Negócios podem contribuir para desenvolver um ambiente mais favorável ao Empreendedorismo. Figura 2 – Relação Ecossistemas Empreendedores / Eixos de Valor Social Fonte: Adaptado de Human Development Report (2011) Para isso, iremos tomar como base a pesquisa “Mapeamento do Campo de Negócios Sociais/Negócios Inclusivos”, realizada em 2010 pelo Plano CDE, e coordenada pelo ANDE Polo Brasil. Fundação Avina e Potencia Ventures (2012). Essa pesquisa entrevistou 50 Negócios Sociais/Inclusivos no Brasil. A partir desta pesquisa, serão feitas análises para 13 IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013 entender o papel dos Negócios Sociais dentro dos eixos de atuação do Ecossistema Empreendedor. Ao final dessa análise, será demonstrada a importância do entendimento do impacto das Empresas de maneira mais holística dentro de um determinado Ecossistema, e demonstrar como Negócios Sociais e Inclusivos conseguem gerar um impacto que vai além do seu próprio mercado e dos seus respectivos meios de produção. 5. Resultados da Análise Para realizar esta análise foram utilizados alguns resultados da Pesquisa “Mapeamento do Campo de Negócios Sociais/Negócios Inclusivos”, de 2010, cruzando-os com as dimensões do Ecossistema Empreendedor, representadas por cores, como pode ser visto no gráfico abaixo (base: 50 entrevistas / 234 menções | Índice de multiplicidade de respostas: 2,34): 4.1.1. Foco/Setor de atuação Educação 34% Serviços Financeiros / Microcrédito 24% Cultura 24% Canais de distribuição 18% meio-ambiente 16% artesanato 16% agricultura 14% tecnologia da informação / comunicacao 12% turismo 10% habitacao 10% transporte / logistica 8% saude 8% servicos de assistencia tecnica 6% agro-industria 4% agropecuaria / agropecuaria familiar 4% infraestrutura 4% agua e saneamento basico 4% prestacao de servico 2% Política consultoria de sustentabilidade 2% Finanças industria de alimentos 2% Cultura qualificacao para o trabalho 2% Suporte capacitacao / gestao de negocios 2% servico de alimentacao 2% Capital Humano Mercado consultoria comercio de exportacao de artesanato 2% Outros industria e comercio 2% energia 2% 14 IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013 Gráfico 1 - Mapeamento por foco e setor de atuação dos negócios sociais Fonte: Adaptado de Mapeamento do campo de Negócios Sociais 2010 (ANDE / Plano CDE) Levando em consideração as empresas que foram entrevistadas, foi identificada uma relação direta entre o seu setor de atuação e os eixos de valor do modelo de Isenberg, sendo possível observar que 50% das empresas contribuem para ecossistemas locais naturalmente através do seu próprio setor de atuação. Já ao examinar os tipos de serviços prestados pelos Negócios Sociais no Brasil, fica claro que a maior parte deles contribui para as dimensões de Microcrédito, Finanças e Suporte, conforme é apresentado no gráfico abaixo: 4.1.3. Produtos ou Serviços Oferecidos Microcrédito e capacitação empreendedora 18% Educação e Capacitação 12% Artesanato e vestuário 12% Agricultura e serviços ambientais 8% alimentos 8% viagens e turismo 8% Política Finanças Arquitetura, construção e regularização fundiária 6% Cultura Arte e Cultura 6% Suporte Intermediação entre comunidades e canais 6% Saúde 6% Capital Humano Mercado Tecnologia Outros 4% Gráfico 2 – Produtos ou serviços oferecidos pelos negócios sociais Fonte: Adaptado de Mapeamento do campo de Negócios Sociais 2010 (ANDE / Plano CDE) No que diz respeito à maneira como os Negócios Sociais tornam acessíveis seus produtos ou serviços para a comunidade, boa parte das empresas contribuem para o aumento de renda disponível ao oferecerem produtos com um valor mais acessível aos seus clientes. 4.1.4. Acessibilidade de Produtos Estrategia Comercial / Condicoes de Pagamento 40% Inovacao no Processo de Producao Economia de Escala / Volume 32% 30% 15 Política IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013 Gráfico 3 – Acessibilidade de produtos nos negócios sociais Fonte: Adaptado de Mapeamento do campo de Negócios Sociais 2010 (ANDE / Plano CDE) No que diz respeito ao principal impacto social visado pelos Negócios Sociais no Brasil, a grande maioria das empresas busca oferecer valor no eixo do acesso à renda e desenvolvimento de capital humano: 4.1.5. Principal Impacto Social Aumento da Renda / Produtividade 36% Acesso a educação 16% Acesso a moradia 8% Capacitacao 8% Desenvolvimento da comunidade 8% Política Acesso a servicos financeiros 6% Geração de empregos 6% Finanças Cultura Melhora das condicoes de saude 4% Suporte Produtividade Agricola 2% Prevencao e combate a doenca 2% Acesso a bens de consumo 2% Acesso a informacao 2% Capital Humano Mercado Outros Gráfico 4 – Principal Impacto Social nos negócios sociais Fonte: Adaptado de Mapeamento do campo de Negócios Sociais 2010 (ANDE / Plano CDE) 4.1.6. Impacto Social associado aos Pilares do Ecossistema Empreendedor 16 4% 14% IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013 Gráfico 5 – Impacto Social associado aos pilares do Ecossistema Empreendedor Fonte: Adaptado de Mapeamento do campo de Negócios Sociais 2010 (ANDE / Plano CDE) No gráfico anterior, ao analisar a perspectiva dos pilares do ecossistema empreendedor, fica ainda mais claro que os Negócios Sociais do Brasil podem exercer um papel importante no que diz respeito à geração de renda. 6. Conclusão Ao cruzar as informações relativas aos tipos de impacto gerados pelos Negócios Sociais Brasileiros e ao identificar os seus respectivos fatores-chave para o desenvolvimento de ecossistemas empreendedores, é importante ressaltar o resultado de que os Negócios Sociais – talvez pelo fato de possuírem uma proposta de maximização de valor social – tem potencial para contribuir para o desenvolvimento do empreendedorismo localmente. Mesmo que esta não seja a sua intenção primordial, não é menos interessante o fato de que parte dos benefícios gerados pelos Negócios Sociais para o desenvolvimento desses ecossistemas acontece como externalidades positivas desses negócios, não sendo este o seu principal esforço ou foco de atuação. Isso vai de encontro com a teoria de Isenberg, de que os Ecossistemas são formados à medida que passam a acontecer diversas iniciativas que reforçam positivamente o ambiente, e quanto maior o número de iniciativas que acontecem simultaneamente, mais propício aquele 17 IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013 ambiente se torna para que novas empresas, iniciativas e organizações possam surgir. Logo, empreendedorismo traz mais empreendedorismo. Encerra-se esta pesquisa, com a resposta positiva sobre a necessidade e relevância para que os negócios se reinventem e se adaptem aos novos tempos e desafios globais. Por conseguinte, a sociedade deve promover um diálogo entre os seus principais setores para que seja possível a criação de acordos e de uma visão compartilhada para o desenvolvimento humano. Nesse sentido, o Empreendedorismo se estabelece cada vez mais como uma alternativa otimista para a resolução de problemas sociais, pois, ao mesmo tempo em que promove a inclusão de pessoas e a diminuição da pobreza – seja através da criação de novos empregos, seja através da própria oportunidade de empreender – também pode ser um caminho para o desenvolvimento de soluções inovadoras para a sociedade por meio da criação de novos modelos de negócios e empresas conscientes do seu papel social. Em paralelo a isso, o conceito de Negócios Sociais aponta para um fenômeno igualmente otimista, no qual cada vez mais as empresas buscam se conectar com um propósito maior que não seja apenas a maximização do seu lucro, promovendo uma interação cada vez maior e benéfica entre as organizações e o ambiente nos quais estão inseridas. Referências Bibliográficas ASHLEY, P.(org.) Ética e Responsabilidade Social nos Negócios. 2ed. São Paulo: Saraiva, 2005. ATKINSON, T. et al. Social Indicators: The EU and Social Inclusion, Oxford University Press, Oxford, 2002. FUNDAÇÃO AVINA/POTENCIA VENTURES. Mapeamento do campo de negócios sociais/negócios inclusivos. 2011.Disponível em: http://epoca.globo.com/edic/689/Mapeamento_Neg%C3%B3cios%20Sociais_Inclusivos.pdf. Acesso em: 10 jan. 2012. GHEMAWAT, P. Mundo 3.0: como alcançar a prosperidade global. Porto Alegre: Bookman, 2012. HART, S.; CHRISTENSEN, C. The Great Leap: Driving Innovation from the Base of the Pyramid. 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