VARIAÇÕES SAZONAIS DE PARÂMETROS METEOROLÓGICOS EM ECOSSISTEMAS DE MANGUEZAIS NO MUNICÍPIO DE BRAGANÇA-PA Bergson Cavalcanti de Moraes Avenida Marquês de Herval, 1607/ apt. 102 CEP 66085 – 310 Belém – Pará [email protected] Antonio Carlos Lôla da Costa Universidade Federal do Pará [email protected] ABSTRACT The mangrove are ecosystems very important for ecological equilibium and, inrecent times’ surfer the effects of human degradation. During 17 months we studied the seasonal variation of meteorological parameters in a mangrove ecosystems in Bragança-PA (01º 03' S; 46º 45' W; altiude 29 m). March and September are choosen to represent the dry and wet seasons, respectively. We also analysed the effects of degradation in air temperature and humidity. INTRODUÇÃO As florestas de manguezal cobrem mais de 100.000 km2 das costas tropicais do mundo. Esse ecossistema de estrutura peculiar abriga uma grande variedade de plantas, animais e microorganismos, que têm de se adaptar a condições ambientais instáveis, como por exemplo, a mudança constante de marés. Ao mesmo tempo, manguezais são sistemas muito produtivos. Eles oferecem espaço vital para numerosas espécies de peixes, moluscos e caranguejos, apresentando alto rendimento pesqueiro e representando assim, a base de existência para grande parte da população local. Em vastas regiões do planeta, tais ecossistemas vêm sendo progressivamente perturbados pela industrialização, turismo, crescimento demográfico e construção de cidades. Em muitos locais, as florestas de manguezal já se encontram totalmente destruídas. Os manguezais apresentam maior desenvolvimento na faixa entre os trópicos de Câncer e de Capricórnio (23o 27'N e 23o 27'S). Ocasionalmente se estendem até latitudes de aproximadamente 32o N e 39o S, quando apresentam menor desenvolvimento devido ao clima mais rigoroso. O desenvolvimento estrutural máximo dos manguezais tendem a ocorrer próximo à linha do Equador. No Brasil, desde o Amapá os manguezais são encontrados ao longo de praticamente todo o litoral, margeando estuários, lagunas e enseadas, até Lagunas (28o 30'S), em Santa Catarina, limite austral desse ecossistema no Atlântico Sul Ocidental. O clima atual da região Amazônica, onde se encontra o manguezal bragantino, é uma combinação de vários fatores, sendo que o mais importante é a disponibilidade de energia solar, através do balanço de energia. A Amazônia, situada na região entre 5°N e 10°S recebe no topo da atmosfera um valor máximo de 36,7 MJ.m-2.dia-1 em Dezembro/Janeiro e um valor mínimo de 30,7 MJ.m-2.dia-1 em Junho/Julho (Salati e Marques, 1984). Medidas realizadas na Amazônia Central (Manaus-AM) indicam que os maiores totais de radiação que chegam na superfície ocorrem nos meses de Setembro/Outubro, sendo que os mínimos são nos meses de Dezembro à Fevereiro. Esta distribuição é controlada pela nebulosidade advinda da migração SE/NW da convecção amazônica (Horel et al., 1989). A precipitação é um dos elementos climáticos mais importantes a ser analisado na região tropical, pois induz as características e comportamento dos outros, tais como temperatura, umidade relativa, ventos, etc. Entretanto, a despeito da simplicidade de sua medida, é uma das variáveis meteorológicas mais difíceis de ser medida, uma vez que possuem erros instrumental, de exposição e mesmo de localização (Molion e Dallarosa, 1990). Uma das maiores importâncias das florestas de manguezais é a contribuição generativa de várias espécies e, não servem de maternidade apenas para espécies marinhas: fêmeas de aves como pelicano e o guará passam a viver nos manguezais durante a época de reprodução. Outros animais fixam sua residência nesses bosques litorâneos para o resto de sua vida. Vários produtos podem ser obtidos dos manguezais, como remédios, álcool, adoçantes, óleos, tanino, etc. 2366 Sua área pode ser utilizada para turismo ecológico, educação ambiental, apicultura, piscicultura e criação de outras espécies marinhas, além de sua principal função que é o de ser berçário de várias espécies vegetais e animais. O presente trabalho tem como objetivo analisar as variações sazonais de direção e velocidade do vento, temperatura e umidade relativa do ar, radiação global e líquida em ecossistema de manguezal, e as mudanças na temperatura e umidade relativa do ar, ocasionada pela degradação dos bosques de manguezal, parâmetros estes que são de extrema importância para a preservação e desenvolvimento de várias espécies vegetais e animais que habitam em áreas de manguezal. MATERIAIS E MÉTODOS CLIMATOLOGIA DA REGIÃO Com base em 18 anos de dados obtidos das Normais Climatológicas do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), a classificação climática segundo Thornthwaite & Mather (1955), para Bragança, caracteriza um clima do tipo AwA'a', ou seja, clima muito úmido, megatérmico, com deficiência de água moderada no período de agosto a dezembro, com evapotranspiração anual de 1.449 mm e concentração de ETP nos três meses mais quentes (outubro, novembro e dezembro) iguais a 28%. A precipitação pluviométrica apresenta uma grande oscilação anual, tendo valores máximos em fevereiro, março e abril (inverno regional) e mínimos em setembro, outubro e novembro (verão regional) conforme apresentado na tabela 01. A temperatura do ar apresenta uma pequena variação anual, com as máximas, médias e mínimas oscilando entre 29,8ºC e 32,8ºC; 25,2ºC e 26,7ºC; 20,4ºC e 22,0ºC, respectivamente. Estas baixas oscilações térmicas anuais, no âmbito individual das categorias de temperatura, devem-se ao fato da pequena variação na inclinação dos raios solares durante todo o ano. Porém, é evidente que grandes amplitudes térmicas diárias são verificadas, principalmente na estação menos chuvosa, que se estende de julho a dezembro, sendo tais amplitudes superiores a 10ºC. Os valores médios mensais de umidade relativa do ar apresentam-se sempre elevados durante todo o ano, variando entre 77% e 91%. De forma análoga à temperatura do ar, sua amplitude diária pode apresentar valores elevados, principalmente na estação menos chuvosa daquela região. TABELA 01 – Climatologia da Região Bragantina – PA Fonte: INMET (1992) Meses Janeiro Fevereiro Março Abril Maio Junho Julho Agosto Setembro Outubro Novembro Dezembro Ano Balanço Precipitação(mm) Evapotranspiração Temperatura hídrico (mm) (mm) média mensal (ºC) 14 239,3 127 25,7 302,8 407,8 105 25,2 351,8 467,8 116 25,2 338,6 453,6 115 25,4 210,1 328,1 118 25,4 112,5 223,5 111 25,2 59,1 173,1 114 25,1 -2 101,2 119 25,6 -41 28,6 121 25,8 -90 19,2 131 26,3 -115 11,7 135 26,6 -45 90,9 137 26,5 1388,9 2544,8 1449 25,7 SÍTIOS EXPERIMENTAIS O município de Bragança localiza-se a Nordeste do Estado Pará, na micro-região Bragantina, com uma área de 3258 Km2. Limita-se ao norte com o Oceano Atlântico, a Leste com os municípios de Augusto Corrêa e Viseu, ao Sul com os municípios de Ourem e a Oeste com os municípios de Tracuateua e Capanema. A sede municipal dista 217 Km 2367 em linha reta da capital (Belém -PA) e esta localizada entre nas coordenadas 01º 03' S e 46º 45' W, com uma altitude de 29 m. Na área experimental de manguezal natural a classe de cobertura vegetal do mangue é do tipo exuberante, denso e alto, com altura média das árvores em torno de 18 m. As espécies de mangue mais encontradas são as Rhizophora e Avicennia, nesta ordem de predominância. Sob o ponto de vista estrutural o manguezal natural é do tipo arbório de dossel semi-fechado, sobre vaza da maré. Faz parte da franja externa do manguezal, de maior proximidade do canal e troca mais frequente das águas de inundação por efeitos da maré. A característica da produção foliar é de aumento na estação chuvosa (inverno regional) com redução da salinidade intersticial, favorecendo a formação de folhas novas e diminuindo a produção foliar na estação menos chuvosa (verão regional). O substrato orgânico dessa comunidade vegetal é espesso com tonalidade cinza escuro e textura granular. A área de manguezal natural possui um aspecto quase plano, cuja superfície é revestida por matéria orgânica particulada e decomposta, misturada a partículas sedimentares de origem mineral. As folhas liberadas pelas árvores revestem as formações superficiais de espessas camadas de aparência escura e úmida, associadas aos componentes dissolvidos do tecido foliar decomposto. A área de manguezal degradado apresenta aspecto plano, com modificações estruturais de caráter total devido ao desmatamento facilitado pelo acesso através da estrada. A textura do substrato e menos espessa e a tonalidade é cinza claro. A ausência de árvores favorece a exposição do substrato com alguns troncos de árvores e pequenos arbustos. COLETA DE DADOS Foi instalada uma torre micrometeorológica de 23 metros de altura, em área de manguezal natural. No topo da torre, uma estação automática coletou 17 meses de dados meteorológicos, de agosto de 1996 à dezembro de 1997. Os meses de março e setembro de 1997 foram escolhidos para representar a estação chuvosa e menos chuvosa, respectivamente. Para a verificação dos efeitos da degradação, foi realizada uma intensa campanha de 15 dias de coleta de dados, em áreas de manguezal natural e degradado. Foram instalados abrigos meteorológicos nas duas áreas de manguezal. Dentro de cada abrigo encontrava-se instalado psicrômetros não ventilados. As leituras dos psicrômetros foram realizadas a intervalos horários e durante 24 horas consecutivas. Na área de manguezal natural, o abrigo encontrava-se na base da torre e, na área de manguezal degradado, o abrigo estava localizado no centro do então deserto, uma área de aproximadamente 4 km2 . RESULTADOS E DISCUSSÕES EFEITOS DA DEGRADAÇÃO DOS MANGUEZAIS NA TEMPERATURA E UMIDADE RELATIVA DO AR A temperatura do ar apresentou maior amplitude térmica na área de manguezal degradado, quando comparado com a área de manguezal natural, variando de 23,2º C a 33,8º C às 06:00 h e 14:00 h respectivamente, apresentando com isso uma amplitude de 10,6º C (Figura 1.a). A área de manguezal natural manteve menor oscilação no decorrer do dia, apresentando uma amplitude térmica de apenas 3,1ºC, o que representa 29,2 % da amplitude térmica da área de manguezal degradado. Este resultado era esperado, uma vez que a área de manguezal natural “ainda” apresenta sua cobertura vegetal intacta, favorecendo com isso um menor ganho radiativo durante o dia e menor perda dessa radiação durante o período noturno, devido o dossel vegetativo funcionar como agente aprisionador de radiação de ondas longas liberada pela superfície durante a noite; caso inverso ocorre com a área de manguezal degradado, onde os ganhos e as perdas radiativas são mais atenuados devido a ausência de vegetação e modificação das condições naturais do solo. A umidade relativa do ar, na área de manguezal natural, apresentou valores mais elevados, embora tenha apresentado uma menor variação, cerca de 33% em relação a outra área. As maiores amplitudes ocorreram na área de manguezal degradado, que apresentaram valores extremos às 06:00 h e 15:00 h, com 92% e 61% de umidade relativa respectivamente, apresentando com isso uma variação abrupta de 31% de umidade relativa do ar em apenas 8 horas (figura 1.b). 2368 Temperatura do ar (ºC) 1.a 34,0 32,0 30,0 28,0 26,0 24,0 22,0 Umidade Relativa (%) 1.b 100 90 80 70 60 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 Horas Manguezal Devastado Manguezal Natural FIGURA 01 – Variações da temperatura e umidade relativa do ar em áreas de manguezal natural e degradado na região Bragantina – PA. VARIAÇÕES SAZONAIS DE ALGUNS ELEMENTOS METEOROLÓGICOS EM ÁREAS DE MANGUEZAL NATURAL Quando analisada a variação sazonal da radiação solar global (Figura 2a), observa-se que no período menos chuvoso os máximos valores ocorreram por volta das 13 horas, com totais de aproximadamente 1000 W/m2. Já na estação chuvosa, estes valores não ultrapassaram os 600 W/m2, evidenciando a grande importância da nebulosidade no sentido de redução desta radiação. Comportamento sazonal semelhante foi verificado em relação ao saldo de radiação (Figura 2b), sendo que neste caso, os máximos foram da ordem de 550 W/m2 na época menos chuvosa, contra apenas 150 W/m2 na estação chuvosa, mostrando novamente a grande importância da nebulosidade sobre a radiação nestes ecossistemas. A figura 2c mostra o comportamento sazonal da temperatura do ar, onde observa-se que durante todas as horas do dia, na época menos chuvosa, a temperatura do ar apresenta valores superiores aos observados na época chuvosa, sendo tal diferença da ordem de 2,0ºC. A velocidade média sazonal do vento ( Figura 2d) apresentou os maiores valores também na época menos chuvosa, com máximos da ordem de 8,0 m/s, ao passo que, os máximos na época chuvosa não ultrapassaram os 4,0 m/s. Uma característica importante é o fato de que estes máximos ocorreram sempre nos horários diurnos, em ambas as épocas estudadas. Em relação a direção predominante do vento (Figura 2e), observa-se que na época menos chuvosa houve uma predominância dos ventos na direção NW, durante todas as horas do dia, ao passo que na época chuvosa, esta predominância sofreu grandes variações, tendo estas ocorrido nos quadrantes SW durante as primeiras horas do dia e NW após as 13 horas, evidenciando a possível influência da atuação de sistemas de grande escala naquela região nesta época do ano. A umidade relativa do ar (Figura 2f) apresentou, como já era esperado, os maiores valores durante a época chuvosa, com valores médios superiores a 90% durante todas as horas do dia, devido a presença de grande umidade atmosférica naquela época do ano na região. Durante a época menos chuvosa, apesar de apresentar os valores menores de umidade relativa do ar, estes foram sempre superiores a 80%, evidenciando a grande umidade atmosférica presente naquela região durante toda a época do ano. 2369 2.a Radiação (W/m2) 1000 800 600 400 200 0 2.b Radiação (W/m2) 550 450 350 250 150 50 -50 Temperatura (ºC) 2.c 29,0 28,0 27,0 26,0 25,0 24,0 1 3 5 7 9 11 13 15 17 Horas Março Setembro 2.d Velocidade (m/s) 10 8 6 4 2 0 2370 19 21 23 2.e Direção (graus) 350 300 250 200 150 Umidade Relativa (%) 2.f 100 95 90 85 80 1 3 5 7 9 11 13 15 17 19 21 23 Horas Março Setembro FIGURA 2. Variação sazonal horária dos parâmetros meteorológicos nos meses de março e setembro de 1997, medida acima do dossel vegetativo da floresta de manguezal. (a) Radiação solar global (b) Saldo de radiação. (c) Temperatura do ar. (d) Velocidade do vento (e) Direção do vento. (f) Umidade relativa do ar. CONCLUSÃO Os possíveis efeitos da conversão de manguezal em área degradada influenciam diretamente no microclima da região e principalmente no microclima do manguezal, fato este que altera toda uma cadeia alimentar e consequentemente o equilíbrio ecológico das espécies que habitam o ecossistema de manguezal. Altas oscilações de temperatura durante o decorrer do dia fazem com que a principal função do ecossistema de manguezal fique comprometida. No presente estudo observou-se que a degradação dos manguezais proporciona o aumento da temperatura do ar, em função da maior exposição aos raios solares. Em termos de umidade relativa do ar, esta sofreu uma considerável diminuição, em função, basicamente, da ausência da vegetação, que proporcionou uma diminuição de evapotranspiração da região degradada. A variabilidade sazonal mostrou que em termos de radiação solar, na época menos chuvosa, este elemento apresentou valores bem superiores aos verificados na época chuvosa, o que deve estar associado ao aumento de nebulosidade naquela época do ano. Os ventos sofreram grande variabilidade, tanto na direção predominante, como na sua intensidade, o que certamente, deve estar associado a influência de fatores meteorológicos de grande escala atuantes na região. Finalmente, a combinação de maiores temperaturas com menores umidades na área degradada, poderá proporcionar a ocorrência de ambientes hostis a inúmeras espécies de vida deste ecossistema. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS CHAVES, G. J., COSTA, A. C. L. Variação Comportamental da Geotemperatura em Ecossistemas de Manguezais Natural e Devastado em Região Amazônica. Atmosfera & Água, v.3, 1998. 88 p. 2371 HOREL, J.D.; HAHMANN, A.N.; Geisler, J.E. An investigation of the annual cycle of convective activity over the tropical Americas. Journal of Climate, 2(11), 1388 - 1403, 1989; INMET - Instituto Nacional de Meteorologia. Normais Climatológicas (1973–1990). Brasília, DF, 1992. MOLION, L.C.B., DALLAROSA, R.L.G. Pluviometria da Amazônia: são os dados confiáveis? Climanálise - Boletim de Monitoramento e Análise Climática, 5(3): 40 - 42, 1990; MORAES, B. C., COSTA, A. C. L. Estudo de correlação entre a precipitação pluviométrica e o fenômeno el niño na região bragantina – pa. Anais-X Congresso Brasileiro de Meteorologia, Brasília – DF, 1998. NOVELLI, Y.S., CINTRON, G. Guia para estudo de áreas de manguezal - Estrutura, função e flora. Caribbean Ecological Research. São Paulo - SP, 1986, 150 p. RIBEIRO, J. B. M.; COSTA, A. C. L.; SOUZA FILHO, J. D. C. Uma abordagem meteorológica preliminar sobre “Impacto Ambiental” – Projeto MADAM. Belém –PA, 1997. p. 1-27 SALATI, E. e MARQUES, J. Climatology of the Amazon region. In The Amazon - Limnology and landscape ecology of a mighty tropical river and its basin. Sioli, H. (ed.). Dr. W. Junk Publishers, 763 p. 1984; SMITH III, T.J. Effects of seed predators and light level on the distribuition of Avicennia marina (Forsk.) Veirh. In tropical, tidal forest. Estuarine, Costal and Shelf Science, v.25, 1987. p 43-51. 2372