da produção

Propaganda
Instituto Politécnico de Viana do Castelo
Escola Superior de Educação
Grupo Disciplinar Educação e Formação de Professores
ATAS
2016
2
4º CRIA
Atas do 4º Encontro Ensinar e Aprender
com Criatividade dos 3 aos 12 anos
(4º CRIA)
Ficha técnica
Título: Atas do 4º Encontro Ensinar e Aprender com Criatividade dos 3 aos 12 anos –
2016
Editores: Ana Barbosa e Isabel Vale
Edição: EdProf e Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do
Castelo
Data: Dezembro de 2016
ISBN: 978-989-8756-09-1
Depósito Legal: 418241/16
4º CRIA
3
O 4º CRIA foi organizado pelo Grupo de Educação e Formação de Professores do
Instituto Politécnico de Viana do Castelo e realizado em 6 de julho de 2016 na
Escola Superior de Educação.
Comissão Organizadora: Ana Barbosa, Ana Peixoto, Elisabete Cunha, Fátima
Fernandes, Gabriela Barbosa, Isabel Vale, Lina Fonseca, Linda Saraiva, Luísa Neves,
Teresa Pimentel.
Comissão. Cientifica: Ana Barbosa, Ana Peixoto, César Sá, Gabriela Barbosa, Isabel
Vale, Lina Fonseca, Linda Saraiva, Luísa Neves, Teresa Pimentel.
Revisão científica: Alexandra Esteves, Ana Barbosa, Ana Peixoto, Benjamim Pereira,
Elisabete Cunha, Fátima Fernandes, Fátima Pereira, Gabriela Barbosa, Gonçalo
Marques, Isabel Vale, Joana Oliveira, José Portela, Lina Fonseca, Linda Saraiva, Luís
Mourão, Luísa Neves, Raquel Leitão, Rosa Faneca, Teresa Gonçalves e Teresa
Pimentel.
Apoios
4
4º CRIA
ÍNDICE
INTRODUÇÃO............................................................................................................... 7
PAINEL.......................................................................................................................... 11
A criatividade nas práticas de professores.......................................................................13
Moderadora: Teresa Pimentel, Participantes: Conceição Cerqueira, Sandra Pinheiro e
Hélia Pinto
CONFERÊNCIA PLENÁRIA..................................................................................... 15
Jogo e Criatividade: como contribuir para crianças mais ativas, saudáveis e felizes......17
Carlos Neto
COMUNICAÇÕES ORAIS..........................................................................................19
À descoberta da célula com textos de divulgação científica........................................... 21
Maria Laura Oliveira e Ana Sofia Afonso
Desenvolvimento e integração curricular: Como incluir a educação cinematográfica no
1.º Ciclo do Ensino Básico.............................................................................................. 33
Manuel Montenegro e Pedro Duarte
Recursos Educativos Digitais e ensino da gramática – contributos do referencial
TPACK............................................................................................................................ 47
Daniela Melo e Gabriela Barbosa
A adaptação de uma história ao sistema SPC – uma estratégia criativa de promoção da
inclusão de Crianças com NEE....................................................................................... 69
Andreia Novais e Gabriela Barbosa
As noções espaciais e o mundo da criança...................................................................... 81
Filipa Balinha e Ema Mamede
Trilhando uma quinta pedagógica com a Matemática.....................................................99
Fátima Fernandes, Isabel Vale e Pedro Palhares
COMUNICAÇÕES COM DEMONSTRAÇÃO.......................................................113
Matemática + Histórias Infantis = Conexões Criativas no Pré-escolar......................... 115
Maria Vaz e Ana Barbosa
Pensar não tem de ser escolarizar! ................................................................................137
Florbela Soutinho e Ema Mamede
Construir pontes entre a Matemática e a Educação Financeira..................................... 153
Dárida Fernandes, Maria Santos e Susana Sá
Consciência Histórica e Património Local na Didática da Educação Pré-Escolar........ 167
Gonçalo Marques
POSTERS..................................................................................................................... 185
À descoberta das formigas: uma intervenção didática com crianças de 4 e 5 anos...... 187
Letícia Alves Bouçada
Faz-se Luz na promoção da articulação horizontal do currículo pelo recurso a projetos:
uma experiência de intervenção.................................................................................... 191
Daniela Caramalho, Fátima Lima, Sara Cunha e Fátima Sousa-Pereira
4º CRIA
5
O papel da biblioteca escolar e dos projetos na construção de ambientes de
aprendizagem criativos e promotores de sucesso: uma experiência de intervenção..... 199
Patrícia Fernandes, Joana Martins, Rita Cruz e Fátima Sousa-Pereira
À Descoberta de Portugal pela metodologia de trabalho de projeto: uma experiência de
intervenção no pré-escolar.............................................................................................207
Lídia Neves, Anais Cerqueira, Marina Machado, Paula Coelho e Fátima Sousa-Pereira
6
4º CRIA
INTRODUÇÃO
4º CRIA
7
8
4º CRIA
À semelhança dos três anos anteriores, o Encontro Ensinar e Aprender com
Criatividade dos 3 aos 12 anos pretendeu sensibilizar a comunidade educativa,
particularmente educadores de infância e professores do 1.º e 2.º ciclos do ensino
básico, para a importância da criatividade como uma estratégia inovadora a utilizar no
ensino e aprendizagem das várias áreas do currículo. Por outro lado, este encontro
pretende ser um espaço de divulgação do trabalho desenvolvido nas Instituições de
Formação de Professores, dando oportunidade em particular aos jovens estudantes e
recém-diplomados de apresentar as suas experiências, estudos e/ou projetos.
Para isso, foram constituídos vários espaços de informação, debate e reflexão, com
momentos diferenciados de participação e partilha, que se dividiram em comunicações
orais, comunicações com demonstração, comunicações em poster, sessões práticas, uma
conferência plenária, um painel e uma feira de ideias criativas, nos quais se procurou
evidenciar a importância da criatividade em diferentes contextos educativos e em várias
áreas de conhecimento.
Esta compilação contém os textos integrais referentes a diferentes tipos de participações
no encontro, nomeadamente comunicações orais, comunicações com demonstração e
comunicações em poster, e também os resumos da conferência plenária e do painel. Os
catorze artigos abrangem áreas diferenciadas e incidem sobre vários níveis de ensino.
Por fim, salienta-se que os textos constantes desta publicação foram aceites após revisão
científica.
4º CRIA
9
10
4º CRIA
PAINEL
4º CRIA
11
12
4º CRIA
A criatividade nas práticas de professores
Moderadora:
Teresa Pimentel
Escola Secundária de Santa Maria Maior, Viana do Castelo
Participantes:
Conceição Cerqueira, Agrupamento de Escolas Monte da Ola, Viana do Castelo
Sandra Pinheiro, Agrupamento de Escolas Frei João de Vila do Conde
Hélia Pinto, Instituto Politécnico de Leiria
Resumo. Neste painel pretende-se ouvir as vozes de professores no domínio da
criatividade. As três professoras intervenientes, de diferentes níveis de ensino, vão
apresentar-nos o seu trabalho e experiência. Embora centrando-se mais no domínio da
Matemática procurar-se-á estabelecer pontes com outras áreas do saber. Haverá
oportunidade para questões e debate de ideias.
4º CRIA
13
14
4º CRIA
CONFERÊNCIA PLENÁRIA
4º CRIA
15
16
4º CRIA
Jogo e Criatividade: como contribuir para crianças mais ativas,
saudáveis e felizes
Carlos Neto
Faculdade de Motricidade Humana, Universidade de Lisboa, [email protected]
Resumo. A investigação científica tem vindo a demonstrar que o comportamento lúdico
durante os primeiros anos de vida tem muitas vantagens no desenvolvimento humano:
na estruturação do cérebro e respetivos mecanismos neurais; na evolução da
linguagem e literacia, na capacidade de adaptação física e motora; na estruturação
cognitiva e resolução de problemas; nos processos de sociabilização e finalmente na
construção da imagem de si próprio, capacidade criativa e controlo emocional. Neste
sentido, aprender com o corpo em ação na sala de aula permitirá encontrar várias
soluções pedagógicas que serão muito gratificantes para as culturas de infância e
permitirão mais sucesso académico. Esta conferência permitirá analisar e refletir sobre
a necessidade de uma redefinição dos modelos de uma pedagogia ativa e centrada nas
necessidades das crianças e de uma nova postura dos professores quanto à definição
do projeto educativo da sua escola.
4º CRIA
17
18
4º CRIA
COMUNICAÇÕES ORAIS
4º CRIA
19
20
4º CRIA
À descoberta da célula com textos de divulgação científica
Maria Laura Oliveira1, Ana Sofia Afonso2
Universidade do Minho, [email protected]
2
Cied, Universidade do Minho, [email protected]
1
Resumo. Escrever textos nas aulas de ciências constitui um processo ainda
pouco habitual, mas relevante na promoção da aprendizagem. Neste
trabalho procura-se estimular a criatividade dos alunos na produção
textual na área das ciências. A produção textual é um processo cognitivo
complexo que requer, entre outros aspetos, que o indivíduo relembre e
reestruture conceitos, coloque hipóteses, interprete, sintetize e confronte
ideias. Neste trabalho, analisa-se a qualidade dos textos de divulgação
científica produzidos por 6 grupos de alunos do 5º ano de escolaridade.
Este processo ocorreu após a lecionação do conteúdo programático “A
célula – unidade na constituição dos seres vivos”, a qual fez uso, entre
outros recursos, da exploração de um texto de divulgação científica
proveniente de uma revista de divulgação destinada ao público infantil e
juvenil. Envolveu quatro momentos principais: 1) planificação do conteúdo
do texto e organização da informação, tendo como guião um mapa de
conceitos construído no final da lecionação do conteúdo programático
supramencionado; 2) textualização apoiada por um guião com a estrutura
textual de textos de divulgação científica para revistas; 3) auto revisão e
revisão por pares dos textos produzidos, apoiadas por um guião de
avaliação e 4) edição de um número de uma revista de divulgação com os
textos produzidos. Os resultados obtidos apontam para a necessidade de
desenvolver o espírito crítico dos alunos bem como de estimular a sua
criatividade.
Palavras-chave: textos de divulgação científica; ciências naturais;
socioconstrutivismo; produção textual.
Introdução
Estudos internacionais como o TIMSS e o PISA (Ferreira, 2012; Ferreira, 2013)
revelam a necessidade de melhorar o desempenho dos alunos portugueses na área das
ciências. Esta necessidade é premente na sociedade atual marcada pela influência das
ciências e da tecnologia nos modos de vida em sociedade (Magalhães & TenreiroVieira, 2006). Assim, torna-se imperativo dotar os cidadãos de competências que lhes
permitam posicionar-se ativa e criticamente perante as mais variadas situações com que
se deparam no seu dia-a-dia e que influenciam o rumo das suas vidas, quer sejam a nível
cultural (ex.: conhecer as principais ideias históricas e modo como foram
desenvolvidas); pessoal (ex.: enquanto pais, tomar decisões informadas sobre a
criopreservação das células estaminais do cordão umbilical); social (ex.: compreender a
relevância do estudo da célula no tratamento de doenças cancerígenas e na melhoria da
4º CRIA
21
qualidade de vida dos cidadãos afetados); económicos (ex.: compreender os custos da
criopreservação de células estaminais). Assim, é necessário que a educação em ciências
não se centre na aprendizagem de conteúdos, mas no desenvolvimento de competências
chave que possam ser mobilizadas para a ação e que acompanhem a aceleração
científica e tecnológica do mundo ocidental atual, nomeadamente: aprender a aprender;
comunicar; exercer uma cidadania ativa; pensar criticamente; resolver situações
problemáticas e gerir conflitos (Cachapuz, Sá-Chaves & Paixão, 2004).
Vários recursos são disponibilizados aos cidadãos para que estes possam aprender
ciências ao longo da vida, tais como os museus e centros interativos de ciência,
televisão, rádio, internet, ou materiais impressos (ex.: livros e revistas de divulgação
científica), sendo os textos de ciências em revistas de divulgação científica o enfoque
deste trabalho.
Compreender textos de divulgação científica (doravante TDC) publicados em revistas
vai para além de saber os conteúdos científicos, pois requer que o leitor se encontre
familiarizado, entre outros aspetos, com os géneros de texto usados e com o seu
propósito. Globalmente estes textos recorrem a sequências textuais expositivas e
descritivas (Ramos, Marques & Duarte, 2015) para comunicar com o leitor. Contudo,
alguns destes textos podem ser classificados como de divulgação científica mediática,
os quais se caracterizam por utilizar estratégias verbais e iconográficas, organizadas
numa híper-estrutura, para cumprir dois objetivos ilocutórios: informar e explicar
(fazer-saber e fazer-compreender); captar e manter a atenção do leitor (ibidem). Outros
textos procuram informar o público sobre assuntos científicos, constituindo uma espécie
de “janela” para o mundo da ciência (Mcclune & Jarman, 2010).
A integração de TDC no contexto escolar constitui uma oportunidade de familiarizar os
alunos com estes géneros de textos, ajudando-os a tornarem-se leitores críticos,
favorecendo também o desenvolvimento de uma atitude positiva face à aprendizagem
das ciências, pela atribuição de significado aos conteúdos explorados em sala de aula,
dada a ligação existente entre este tipo de textos e a realidade social. Possibilitam ainda
uma aprendizagem interdisciplinar, aliando as Ciências Naturais a outras áreas
curriculares como Português e Matemática. Desta forma, a utilização de TDC nas aulas
de Ciências Naturais permite interligar a área das ciências com a área das humanidades,
contribuindo, assim, para a diminuição do fosso entre estas “duas culturas” (Snow,
1959).
22
4º CRIA
A maioria dos trabalhos relacionados coma integração de TDC em sala de aula
encontrados, provenientes de investigação brasileira no ensino das ciências, debruçamse sobre o ensino secundário e superior. Contudo, o estudo desenvolvido por Rocha
(2012) com professores de ciências do ensino fundamental 1 permitiu concluir que a
principal estratégia didática utilizada pelos docentes era a leitura de TDC em grupo
seguida de produção de textos escritos ou imagéticos. Os dados obtidos revelaram que
esta estratégia gera maior motivação nos alunos e promove a partilha e confronto de
ideias e opiniões. Um outro estudo levado a cabo por Rosa e Terrazan (2002) analisou a
eficácia da utilização de TDC no ensino das ciências com alunos da 4ª série do ensino
fundamental2. Os dados obtidos permitiram constatar que a estratégia utilizada (leitura
de um TDC seguida de produção escrita) contribuiu para a aprendizagem dos alunos a
partir de temas atuais e próximos da realidade dos alunos.
A produção textual é um processo cognitivo complexo que implica a ativação de vários
processos cognitivos, designadamente organização de ideias, (re)construção e
elaboração do conhecimento, sistematização e confronto de ideias (Carvalho, 2011).
Pode ser realizada de forma individual ou em grupo. Contudo, a escrita colaborativa
beneficia da troca de saberes entre pares e permite desenvolver competências de
comunicação e pensamento crítico, através da argumentação, procura de alternativas,
confronto de opiniões, tomada de decisões, entre outros (Barbeiro & Pereira, 2007).
Esta estratégia de escrita pode ser posta em prática segundo diferentes modalidades: coescrita (escrever em conjunto); ou cooperação em componentes e momentos específicos
(ibidem). Este trabalho desenvolve-se em torno do processo de escrita de TDC enquanto
estratégia pedagógica no ensino das Ciências Naturais.
Objetivos
Este trabalho tem como objetivos:
1) Analisar o processo de produção textual de TDC pelos grupos de alunos;
2) Analisar a qualidade dos TDC produzidos.
Metodologia
O processo de produção textual
O processo de produção textual, enquadrado numa perspetiva construtivista social,
ocorreu no final da lecionação do conteúdo programático “A célula – unidade na
1
2
Equivalente aos anos de escolaridade compreendidos entre o 1º e o 3º Ciclo do Ensino Básico, em Portugal.
Equivalente ao 5º ano de escolaridade em Portugal.
4º CRIA
23
constituição dos seres vivos” (2º ciclo) que culminou com a construção no grupo turma
de um mapa de conceitos sobre os assuntos abordados. Este mapa incluía não só
conceitos de ciência fundamental como também relações entre a ciência, a tecnologia e
a sociedade. Ao longo da lecionação do tema os alunos foram familiarizados com TDC,
nomeadamente: género de texto, linguagem e processos de produção. Para a produção
textual foi proposto aos alunos que escrevessem um texto de divulgação científica com
o intuito de ser publicado numa revista de divulgação (edição especial sobre a célula)
com circulação no ambiente escolar. Este processo desenvolveu-se em sala de aula ao
longo de três aulas: duas de 45 minutos e uma de 90 minutos.
Uma vez apresentada a tarefa, o ciclo de escrita desenvolveu-se em pequenos grupos,
tendo cada um estado envolvido em três grandes fases:
1) planificação – na fase de planificação foi pedido a cada grupo de alunos que,
partindo do mapa de conceitos elaborado no final da lecionação do conteúdo
programático “A célula – unidade na constituição dos seres vivos”, escolhessem o
assunto sobre o qual se iria focar o texto e quais os conteúdos científicos, tecnológicos,
e/ou que interações entre a ciência, a tecnologia e a sociedade a abordar, sequenciandoos pela ordem com que iriam surgir no texto. Esta fase foi apoiada por um guião.
2) textualização – na fase de textualização foi entregue a cada grupo de alunos um
esquema da estrutura do TDC, explicitando os elementos principais a incluir em cada
parte, designadamente: 1) título, o qual deveria conter palavras-chaves do artigo, ser
curto e expressivo para chamar a atenção do leitor; 2) introdução, resumida a um
parágrafo inicial, o qual deveria exprimir a relevância do assunto do texto para o leitor e
motivá-lo para a leitura 3) desenvolvimento, o qual deveria explanar o assunto do texto
e relacionando-o com a ilustração que o acompanha; 4) conclusão, a qual deveria
resumir o conteúdo do texto.
3) revisão – a revisão textual dividiu-se em duas etapas: autoavaliação, seguida de
uma avaliação cega pelos pares. A autoavaliação realizada pelos autores do texto
produzido incidiu sobre os aspetos: qualidade científica e interesse do conteúdo dos
textos; género do texto e estrutura; correção linguística; estrutura do texto (ex.: clareza e
organização das ideias). Esta avaliação ocorreu alguns dias após a escrita do texto e
fundamenta-se na necessidade de uma visão distanciada do texto escrito que só é
alcançável por distanciamento temporal dos autores do texto com o mesmo (Barbeiro &
24
4º CRIA
Pereira, 2007). A revisão por pares é importante na medida em que, dada a proximidade
existente entre o autor e o texto escrito, este perde a capacidade de o analisar de forma
não subjetiva. Na avaliação dos textos pelos pares, procedeu-se à troca dos textos
produzidos entre grupos, sem identificação dos autores de modo a garantir uma análise
imparcial, e pediu-se a cada grupo de alunos para efetuarem a avaliação do texto que
lhes foi atribuído com o auxílio de um guia de revisão. Este guião semiestruturado
apresentava um conjunto de itens de análise (ex.: respeito pelas características do
género textual; estilo de escrita capaz de cativar o leitor; respeito pelo tema proposto;
inclusão de ideias relevantes, interessantes e cientificamente adequadas sobre a célula;
pertinência e qualidade científica da ilustração; relação entre a ilustração e o texto
escrito; e algumas questões abertas relacionadas com a apreciação global do texto
produzido e sugestões de melhoria. Estas avaliações foram enviadas aos autores dos
textos pedindo-lhes que as comentassem e, se concordassem, introduzissem as
sugestões dadas.
Participantes
O presente trabalho foi desenvolvido com 22 alunos do 5º ano de escolaridade, com
idades compreendidas entre os 10 e os 13 anos de idade. Estes alunos apresentavam
características heterogéneas a nível cognitivo. Assim, participaram alunos avaliados nas
disciplinas de Ciências Naturais e Português desde o nível qualitativo “não satisfaz” até
alunos classificados no nível “excelente”. Para a produção textual dos textos, os alunos
foram divididos em seis grupos heterogéneos (a nível cognitivo) de 4 a 5 elementos
cada.
Recolha e análise de dados
O corpus de análise é constituído por 6 guiões de planificação, 6 guiões de
textualização, 6 guiões de avaliação por pares e por 6 textos produzidos por 6 grupos de
alunos. A análise de dados consistiu na aplicação da técnica de análise de conteúdo,
tendo-se formado categorias à posteriori.
Resultados e discussão
A análise dos dados permite constatar que a extensão dos textos produzidos é variável
entre os grupos (entre 62 e 222 palavras), não tanto pelo nível de desenvolvimento das
ideias apresentadas, mas pela diversidade de conteúdos incluídos. Constata-se ainda que
para a elaboração dos textos, os alunos nem sempre respeitaram a planificação do texto
efetuada: em dois textos ocorreu a ausência de conteúdos previamente planificados e em
4º CRIA
25
outros dois a inclusão de novos conteúdos (Quadro 1). Estes novos conteúdos estão, na
sua maioria, relacionados com factos sobre a célula que vão para além do programa,
nomeadamente a teoria celular ou referência a células estaminais:
“Em 1837, Matthias Jakob Schleiden e Theodor Schwann desenvolveram a
teoria celular que indica que todos os organismos vivos são compostos por
uma ou então mais células e que todas as células vêm de células
preexistentes” (G4)
“Um tipo de células animais são as células estaminais e são elas que
formam todas as outras células do nosso corpo” (G5).
Quadro 1. Comparação entre a informação planificada e aquela textualizada
G1
G2
Ausência de alguns conteúdos planificados
e acréscimo de outros
G4
G5

Ausência de alguns conteúdos planificados
Acréscimo de conteúdos aos planificados
G3

G6




No que se refere aos assuntos do programa inseridos nos textos, constata-se que todos
os textos descrevem os “tipos de células” e as “estruturas das células”; muitos
apresentam uma definição de célula (4) e poucos fazem referência aos níveis de
organização biológica (2) e aos seres unicelulares e pluricelulares (1) (Quadro 2). A
informação incluída sobre cada um destes aspetos é semelhante em todos os textos.
Assim, a célula é considerada a “unidade básica na constituição” de todos os seres vivos
(G3, G2), sendo mencionado em alguns textos que a célula é a “unidade básica dos
seres vivos” em termos “estruturais” e funcionais” (G1, G4). Quanto à estrutura das
células, os textos mencionam o núcleo, o citoplasma e a membrana celular como
constituintes de todas as células, sendo acrescentada a “parede celular” (G2, G3, G4,
G5, G6) como um elemento da estrutura das células vegetais, como se constata no
seguinte excerto:
“Assim, as células animais e vegetais são constituídas por: membrana
celular, citoplasma, núcleo e outras estruturas. As células das plantas
(células vegetais) estão rodeadas por uma parede celular” (G6)
26
4º CRIA
Quadro 2. Conteúdos textualizados e contemplados no programa de Ciências Naturais
para o 5º ano de escolaridade
G1
G2
G3
G4
G5
G6
Definição de célula




Tipos de células






Estrutura das células






Dimensão da célula


Fundamentos sobre a célula
Marcos históricos
Seres unicelulares e seres
pluricelulares
Níveis de organização
biológica
Contributos da evolução da
microscopia na descoberta
da célula
Cientista responsável pela
descoberta da célula








Para além dos fundamentos sobre a célula, três textos fazem referência a marcos
históricos no estudo da célula: em dois dos textos é possível constatar a relação entre a
ciência e a tecnologia, pondo em evidência o contributo do microscópio e seu
aperfeiçoamento para a descoberta da célula:
“Com a evolução do poder de ampliação e de resolução do microscópio, foi
possível descobrir o mundo microscópico da célula” (G1);
“A dimensão da grande maioria das células é muito reduzida, por isso, a sua
descoberta só foi possível quando se inventou o microscópio que é um
instrumento de ampliação (...)” (G2).
No texto do G2 e também noutro texto, é mencionado Robert Hooke como o cientista
responsável pela descoberta da célula:
“(...) tendo sido pela primeira vez observada por Robert Hooke, em 1665,
quando observava cortiça ao microscópio” (G2);
“A célula foi descoberta por Robert Hooke em 1665” (G4).
Todos os textos são acompanhados por ilustrações, sendo a maioria (5) elaboradas pelos
próprios alunos. Estas ilustrações são mencionadas no texto e representam a estrutura de
células animais e vegetais. Em todos os grupos as ilustrações são identificadas enquanto
célula animal ou vegetal e acompanhadas por uma legenda:
4º CRIA
27
“Existem células vegetais e animais (...) As células vegetais e animais são
constituídas pelo núcleo, citoplasma e membrana celular. As células
vegetais possuem ainda parede celular. A estrutura destes dois tipos de
células encontra-se nas imagens abaixo” (G5)
Figura 1: Representações da célula animal e vegetal ilustradas pelo G5.
Existe um desfasamento entre as ilustrações apresentadas e o texto escrito, na medida
em que são incluídas mais estruturas nas células ilustradas do que aquelas descritas no
texto. Estas estruturas (mitocôndrias, complexo de golgi, cloroplastos, etc.) foram
observadas e mencionadas em sala de aula aquando da observação de células animais e
vegetais em microscópios com poder de ampliação superior ao microscópio ótico
composto. Estas estruturas são legendadas como “outras estruturas” ou “organelos” (3)
(Quadro 3).
Quadro 3. Análise das ilustrações dos textos produzidos pelos grupos de alunos
G1 G2 G3 G4 G5 G6
Complementam o texto






Explicadas no texto

Elaboradas pelos alunos

Retiradas da web





Quanto à qualidade científica das ilustrações constatou-se que três ilustrações
representam corretamente os vários organelos celulares presentes nas células animais e
vegetais (G1, G2 e G5) e as restantes três apresentam incorreções (G3, G4 e G6). As
incorreções observadas prendem-se com a incorreta identificação do citoplasma (G4),
da parede celular (G6) e com a incorreta representação e identificação da membrana
celular (G3).
28
4º CRIA
A análise dos guiões de revisão permitiu constatar ausência de espírito crítico uma vez
que nenhum dos grupos de alunos analisou criticamente os textos produzidos pelos seus
pares e/ou sugeriu possíveis alterações para melhoramento dos textos. Assim, todos
assinalaram a qualidade dos textos em todos os parâmetros em análise, isto é, cativar o
leitor para a leitura, respeitar as características do género textual, incluir ideias
relevantes, interessantes e cientificamente adequadas sobre a célula, pertinência e
qualidade científica da ilustração; relação entre a ilustração e o texto escrito.
Conclusão
O estudo parece indicar que embora os alunos se tenham envolvido na tarefa de
construção de textos de divulgação científica, os textos elaborados tratam conteúdos
semelhantes e ilustram os mesmos tipos de células e estruturas. Embora os alunos
tenham estudado vários tipos de células e as relações entre a biologia celular, a
tecnologia e a sociedade, nenhum grupo focou o seu texto numa célula específica, antes
apresentou apenas ideias gerais sobre a célula; episódios históricos ou contemporâneos
relacionados com o desenvolvimento do conhecimento científico ou temas sociocientíficos sobre o estudo da célula. Assim, não foram criativos na escolha de um tema
que pudesse cativar o leitor, cingindo-se aos princípios básicos sobre a célula. Tal
poderá refletir a pouca familiaridade dos alunos com o tema, o qual foi abordado pela
primeira vez com um enfoque no manual escolar para procurar informação. Também ao
nível das ilustrações se verificam incorreções que revelam a incompreensão da
localização e representação de determinadas estruturas celulares, apesar de terem sido
observadas e representadas várias vezes em sala de aula pelos alunos. A função das
ilustrações também necessita de ser trabalhada com os alunos dado que existe algum
desfasamento entre as ilustrações apresentadas e a informação apresentada no texto.
Contudo, os dados obtidos apontam para um contributo positivo deste recurso para a
aprendizagem das ciências, tal como referido por Rosa e Terrazzan (2002).
As variações verificadas no conteúdo entre a fase de planificação e de textualização
manifestam o caráter dinâmico do processo de produção textual e transparecem a
dificuldade inerente a este processo, uma vez que exige a tomada de decisões e a
reflexão sobre o que é relevante e acessório de acordo com a função que o texto irá
desempenhar, reforçando o referido por Carvalho (2011). Apesar do aluno tomar
decisões aquando do momento de planificação acerca do conteúdo do texto pode,
durante a escrita propriamente dita, modificar esse seu plano inicial, retirando ou
4º CRIA
29
acrescentando conteúdo. Esta dinâmica relaciona-se com o desenvolvimento da
capacidade de gerar e gerir diferentes possibilidades para a construção do texto.
As dificuldades de autoavaliação e de revisão dos textos pelos pares sugere a
necessidade de se desenvolver nos alunos a capacidade e atitudes de espírito crítico, as
quais são essenciais quando os alunos se deparam com textos de revistas científicas cuja
produção é condicionada por fatores ideológicos e de mercado.
Referências bibliográficas
Barbeiro, L. F. & Pereira, L. A. (2007). O Ensino da Escrita: A Dimensão Textual. Lisboa:
Ministério da Educação - Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular.
Acedido
em
julho
9,
2016,
em
http://area.dge.mec.pt/gramatica/ensino_escrita_dimensao_textual.pdf
Carvalho, J. A. B. (2011). Escrever para aprender. Contributo para a caracterização do contexto
português. Revista Interacções, 7 (19), 219-237. Acedido em maio 24, 2016, em
https://cld.pt/dl/download/a9ef75d3-cc14-48f2-a8958a33384efd80/ESCREVER%20PARA%20APRENDER.pdf
Cachapuz, A.; Sá-Chaves, I.; Paixão, F. (2004). Saberes Básicos de todos os Cidadãos no
Século XXI. Lisboa: Conselho Nacional de Educação (CNE).
Ferreira, A. S. (Coord.); Grupo de Projeto para a Avaliação Internacional de Alunos (ProjAVI);
Gonçalves, C.; Lourenço, V. & Araújo, A. (2012). TIMSS 2011- Principais Resultados
em Ciências. Lisboa: ProjAVI Grupo de Projeto para a Avaliação Internacional de
Alunos.
Acedido
em
maio
14,
2016,
em
http://www.dgeec.mec.pt/np4/246/%7B$clientServletPath%7D/?newsId=371&fileName=
TIMSS2011_PrincipaisResultados_Ciencias.pdf
Magalhães, S. I. R. & Tenreiro-Vieira, C. (2006). Educação em Ciências para uma articulação
Ciência, Tecnologia, Sociedade e Pensamento crítico. Um programa de formação de
professores. Revista Portuguesa de Educação. 19(2), 85-110. Acedido em maio 14, 2016,
em http://www.scielo.mec.pt/pdf/rpe/v19n2/v19n2a05.pdf
Mcclune & Jarman (2010). Critical reading of science-based news reports: Establishing a
knowledge, skills and attitudes framework. International Journal of Science Education,
32 (06), 727-752. Acedido em julho 9, 2016, em https://hal.archives-ouvertes.fr/hal00582121
Ferreira, A. S. (Coord.); Grupo de Projeto para a Avaliação Internacional de Alunos (ProjAVI)
(2013). PISA 2012, Portugal – Primeiros Resultados. Lisboa: ProjAVI Grupo de Projeto
para a Avaliação Internacional de Alunos. Acedido em maio 14, 2016, em
http://www.dgeec.mec.pt/np4/246/%7B$clientServletPath%7D/?newsId=371&fileName=
PISA_Primeiros_Resultados_PORTUGAL.pdf
Ramos, Rui; Marques, M. A & Duarte, Isabel M. (2015). Hiperestrutura em textos mediáticos
de divulgação científica para crianças. In Novas perspectivas linguísticas no espaço
galego-português, ed. M. A. Marques e X. M. Sanchéz Rei (pp.133 - 149)
Rosa, D. C. & Terrazan, E. A. (2002). O uso de textos de divulgação científica para ensinar
ciências em séries iniciais e a produção textual de crianças. In Seminário de Pesquisa em
Educação da Região Sul, 2002 (pp-27-39). Florianópolis: Universidade do Estado de
Santa Catarina.
Rocha, M. (2012). Contribuições dos textos de divulgação científica para o ensino de Ciências
na perspetiva dos professores. Acta Scientiae, 14(1), 132-150.
30
4º CRIA
Snow, C. P. (1959) The two cultures and the scientific revolution. The Rede Lecture. Nova
Iorque: Cambridge University Press.
4º CRIA
31
32
4º CRIA
Desenvolvimento e integração curricular: Como incluir a educação
cinematográfica no 1.º Ciclo do Ensino Básico
Manuel Montenegro1, Pedro Duarte2
1
[email protected]
2
[email protected]
Resumo. O presente trabalho pretende explorar, do ponto de vista teórico, a
importância da educação artística e cinematográfica e a necessidade da sua
introdução curricular, de forma integradora e criativa.
Pretende-se, mais que espelhar as perspetivas estudadas no âmbito do
currículo, incluindo a influência da didática sobre a temática, relacionar os
contributos da Filosofia da Arte (e da própria Arte), para que seja possível
compreender, de uma forma mais holística, a importância da educação
cinematográfica no contexto curricular.
Face ao exposto o trabalho incidirá em: i) breve sustentação teóricafilosófica da inclusão da educação cinematográfica em contexto escolar,
com especial ênfase no 1.º Ciclo do Ensino Básico; ii) proposta de uma
estratégia criativas e específica, no âmbito da educação cinematográfica,
para o nível de ensino já referido.
Palavras-chave:
Integração
Curricular;
Cinema;
Educação
Cinematográfica; 1.º Ciclo do Ensino Básico; Trabalho de Projeto
1. O Currículo: das dimensões teóricas às implicações práticas
Assume-se que o currículo se tornou a base da definição da existência escolar (Roldão,
1999; Pacheco, 2001), ao estruturar os conteúdos culturais a trabalhar e as componentes
pedagógicas e didáticas, revelando o fator social inerente à escola (Diogo, 2010).
Todavia, apesar do termo currículo ser utilizado com regularidade no contexto
educacional, ainda não é possível estabelecer consensos sobre a definição de currículo
(Young, 2014), uma vez que o conceito de currículo é passível de inúmeras perceções e
perspetivas (Roldão, 1999).
Leite (2001) considera que não faz sentido continuar-se a conceber o currículo como
uma mera súmula de conteúdos a explorar. A visão de um currículo meramente
prescritivo, relaciona-se com uma visão de escola (e de sociedade, implicitamente) que
promove o funcionamento diretivo, impessoal e uniforme, em que o foco da decisão é,
impreterivelmente, um gestor central (Morgado, 2014; Roldão, 1999), podendo ser
instrumentalizado de forma a promover a imposição e afirmação da racionalidade
4º CRIA
33
administrativa (Morgado, 2014). De acordo com Pacheco (2009), essa perspetiva
acompanha a instituição escolar desde a sua génese, e reforça a ideia de currículo ao
serviço da instrução, implicitamente associado à transmissão de conhecimento como
processo educativo primordial. Este tipo de perspetiva tende a focar o processo de
ensino e de aprendizagem em elementos mais tradicionais, como: saberes a serem
transmitidos/ensinados; planeamento; objetivos; métodos; avaliação (Martins, 2014).
De acordo com Leite (2001), o currículo compreende, implicitamente, tudo o que é
desenvolvido e aprendido no contexto escolar. Pacheco (2001), numa perspetiva
homóloga, reconhece a existência de diferentes fases do currículo, evidenciando
diferenças entre aquilo que é indicado pela tutela (currículo prescrito) e aquilo que é
aprendido pelos estudantes (currículo real). Por sua vez, Roldão (2010) recorda a
importância da decisão curricular local, por forma a que se consiga incorporar nos
projetos próprios de cada escola, promovendo o sucesso .
De acordo com esta perspetiva, compete ao professor, tomando em consideração as
necessidades próprias dos seus estudantes o currículo prescrito, decidir sobre o modo e
o que os alunos desenvolvem aprendizagens em contexto de sala de aula (Diogo, 2010).
Assim, o currículo inclui, inevitavelmente, um processo de interpretação (Zabalza,
2000) e construção curricular (Mesquita, Formosinho, & Machado, 2012), em que o
professor se assume como responsável pelo projeto curricular e gestão das suas
abordagens pedagógicas (Zabalza, 2000).
Neste sentido, reconhece-se que currículo implica um continuum de tomada de decisões
de diferentes agentes educativos, em diversos níveis e contextos (Pacheco & Paraskeva,
1999), em que o currículo é encarado como um processo dinâmico (Diogo, 2010), como
um projeto (Alonso, 2002a; 2002b; Martins, 2014), para que se consiga adequar ao
contexto e aos estudantes em específico (Dinis & Roldão, 2004; Leite, 2000; 2012),
fazendo com que o processo educativo possibilite a formação integral de indivíduos
completos (Alonso, 2002a; Roldão, 1999). É através deste processo que se incorporam
as diferentes dimensões de formação, promovendo a articulação entre o saber, o ser, o
conviver, o formar-se, o transformar-se, decidir e intervir (Leite, 2001).
Este facto torna-se especialmente relevante quando se considera a características
específicas no 1.º Ciclo do Ensino Básico: organização em áreas interdisciplinares e
regime de monodocência (Dinis & Roldão, 2004). Atualmente a matriz curricular, nesta
34
4º CRIA
etapa de ensino, organiza-se de acordo com quatro componentes curriculares distintas:
Português; Matemática; Estudo do Meio; Expressões Artísticas e Físico-Motoras (e o
Inglês, a partir do 3.º ano). Recorde-se, porém, que de acordo com Alonso (2002b),
mesmo
no 1.0 ciclo do ensino básico, em que o(a) professor(a) tem nas suas mãos a possibilidade de uma
gestão integrada do currículo, esta fragmentação persiste na forma desarticulada e
descontextualizada de trabalhar as diferentes áreas, sem um sentido e finalidade comum, e na
hierarquia do conhecimento que se estabelece no currículo, dando prioridade às chamadas áreas
académicas em detrimento das áreas artísticas, tecnológicas e motoras, limitando a formação global
dos alunos (p.63).
Num outro estudo, Mesquita, Formosinho e Machado (2012), revelam que os
professores reconhecem alguns aspetos que se apresentam como inibidores para o
desenvolvimento de um currículo integrado neste ciclo de estudo, como a organização
curricular em disciplinas e falta de formação. Todavia, estes professores, tendo em
ponderação a monodocência, reconhecem possibilidade de gerirem o currículo no 1.º
Ciclo do Ensino Básico.
De acordo com Martins (2014), os professores são, por referência, os principais agentes
de orientação do processo de ensino de aprendizagem. Porém, tal como é referido por
Roldão (2010), o sistema educativo português tem perpetuado um sistema curricular de
carácter diretivo e decidido pela tutela.
Em concomitância com o que é referido por Alonso (2002b), mesmo no 1.º Ciclo do
Ensino Básico, em que se procura um trabalho pedagógico de cariz globalizante,
perpetuam-se um conjunto vasto de práticas que inviabilizam esse trabalho. Entre os
motivos identificados pelo autor, salientam-se três: i) manutenção de uma perspetiva
balcanizada e estática da realidade e do processo educativo; ii) desequilíbrio curricular,
em que há uma maior valorização das áreas científicas e culturais em detrimentos das
áreas artísticas, tecnológicas e do desenvolvimento pessoal; iii) inflexibilidade
curricular, uma vez que a própria estrutura curricular, tendencialmente disciplinar,
promove o ensino estandardizado, estanque e balcanizado.
Face a este panorama, evidencia-se a dificuldade de construção de espaços de
autonomia por parte do professor. Mas, tal como é referido por Roldão (1999) e Leite
(2001), é através do processo de Gestão/Flexibilização Curricular que o docente, ao
responsabilizar-se, e ao responder socialmente por essas decisões, tem possibilidade de
4º CRIA
35
se afirmar como um profissional intelectual e autónomo. Este processo incorpora e
articula a realidade local, por forma a dar sentido ao processo educativo, com o estudo
reflexivo do currículo definido a nível nacional (Leite, 2001). Este tipo de abordagem
pedagógica possibilita que os diferentes conteúdos abordados em contexto escolar se
desenvolvam tendo em consideração o contexto e a sua relação com o que é
desenvolvido em aula, possibilitando uma abordagem pedagógica que promova a
integração curricular (Alonso, 2002a; Mesquita, Formosinho, & Machado, 2012).
Como é defendido por Pacheco e Paraskeva (1999), o professor assume-se como um
agente preponderante neste âmbito, uma vez que compete aos docentes interpretar e
refletir sobre os diferentes textos curriculares para tomar decisões sobre a sua prática
pedagógica. Nas palavras dos autores, prática «exige que cada professor tenha de
refletir, de modo crítico, sobre o impacto que o currículo efetivamente tem sobre os
alunos» (p.11). Esta perspetiva assenta na relação, referida por Martins (2014), entre a
gestão flexível do currículo e possibilidade de cada professor decidir autonomamente
sobre a sua prática pedagógica. Neste âmbito, a gestão do currículo cruza-se,
implicitamente, com a autonomia (relativa) do professor, e com aquilo que considera
mais relevante para os seus estudantes..
Como é defendido por Alonso (2002a) e Mesquita, Formosinho e Machado (2012),
reconhece-se a possibilidade e importância do professor, principalmente nas primeiras
etapas escolares, promover e implementar uma perspetiva integradora da gestão
curricular, possibilitando que os alunos tenham acesso a “um currículo relevante e
significativo para a sua formação integral, enquanto indivíduos e cidadãos” (Alonso,
2002a, p. 71).
2. Arte, cinema e pensamento
A realização de um projeto de cinema pode, no contexto de ensino, ser bastante
pertinente numa perspetiva artística, criativa e filosófica, capaz de se integrar no
currículo e nas suas vertentes disciplinares e sociais. A importância do cinema encontrase, mais do que nos processos técnicos, na sua qualidade de percepto (Deleuze, 2009),
com o potencial de se moldar conforme uma simbiose entre perceção e pensamento que
revertem para a sua própria forma, e pela capacidade de abordagem de toda uma
variedade temática, potencialmente integrada curricularmente no ensino. Entende-se
que estes princípios devem proporcionar uma constante análise criativa não só dos
36
4º CRIA
temas abordados nos projetos, como também do próprio significado da palavra
criatividade em função tanto dos processos de realização de uma curta-metragem, como
das diferentes personalidades e contextos de cada aluno.
É impossível falar de cinema e de arte sem se falar de estética. Uma estética, não como
padronização do belo, mas como problematização crítica da própria definição artística e
criativa. Para Sousa Dias (2016), «não há arte, não há criação estética, sem esse
sentimento de falta, de uma ausência, e na necessidade de uma comunidade em potência
de vinda» (p.11). Neste aspeto, a ausência é encarada como uma necessidade de sentido
existencial pessoal e coletivo, e que parte do princípio que a realidade não é um dado,
mas uma construção e atualização da perceção e do pensamento. Neste sentido, criar
dirige-se sempre para o futuro, como «criação de possibilidades, relançamento dos
possíveis» (p. 11), possibilidades
de sentido
constantemente atualizadas
e
problematizadas.
Assume-se, que criação e criatividade são transversais a todas as práticas. Releva-se,
assim, por inspiração de Guattari (2000), um paradigma ético-estético, tendo em conta a
importância simbiótica que a arte e a filosofia podem ter no pensamento político e
social, assim como no crescimento intelectual e existencial individual tanto de
estudantes como de professores. Recorda-se que já Freire (1967) referiu a importância
de uma educação dialogal e ativa, voltada para a responsabilidade social e política, que
se caracteriza pela profundidade na interpretação dos problemas.
Em concordância com esta perspetiva, e segundo Beuys (2011), «cada homem um
artista», no sentido em que a criatividade é uma parte importante do sentido existencial
do ser humano, individual e coletivamente. Insiste-se numa visão de arte que aponta
para o futuro mais do que naquilo que já é dado, que se baseia na «criação de
possibilidades, de mundos possíveis» (Sousa Dias, 2016, p. 11), que participe na
construção de realidades individuais e coletivas.
É preciso explorar ainda um outro aspeto: a Imagem. Considera-se que a Imagem como
conceito é o elemento central do cinema e transversal a toda a arte, e todos os campos
de estudo, através do seu enquadramento fenomenológico e ontológico. Rancière (2011)
questiona pertinentemente se
será mesmo uma realidade simples e unívoca aquilo que nos falam? Não existiram, sob essa
mesma designação – “Imagem” – diversas funções cujo ajustamento problemático
constitui, precisamente o trabalho da arte? (...) já não existe realidade mas unicamente
4º CRIA
37
imagens, ou, inversamente, já não há imagens mas tão-só uma realidade que
incessantemente se representa a si própria? (p. 7).
Uma resposta seria impossível, principalmente numa era dominada pelo entretenimento
e pela publicidade visual, nos quais o verdadeiro valor de uma imagem se dissipa. Para
John Berger (2015), “uma imagem é uma visão recriada ou reproduzida. Um conjunto
de aparências que foi separado do lugar e do tempo em que apareceram pela primeira
vez, e que implica modos de ver sempre diferentes” (p. 9).
Numa perspetiva complementar, Rancière (2011) considera que a imagem remete para o
outro, enquanto que o visual remete para si próprio Esta definição implica uma rede de
significados que se alarga não apenas à reprodução fotográfica e cinematográfica, ou à
pintura e escultura, mas também ao próprio pensamento e à forma como o ser humano
interpreta o mundo e o seu próprio sentido de ser.
Será possível uma orientação não limitada por estas “imagens” objetivas? Para Sousa
Dias (2016), torna-se necessário neste contexto recusar a instituição de imagens dadas
como absolutas, e questioná-las
num movimento imanente auto-afirmativo e autodiferenciante (..) ou de superação de
limiares irredutível à sua organização em formas orgânicas e às subjectividades
constituídas, à vida biológica e à vida psíquica (p. 15).
A realização de um filme torna-se muito pertinente como um modo de problematizar os
temas e as realidades ditas como imagens partindo da relação que o cinema estabelece
entre elas e assume a sua modulação visual e temporal. Esta modulação pode adaptar-se
a processos de pensamento que estando para além da racionalidade das palavras, se
encontra instalados nos processos perceptivos.
Segundo a perspetiva de Deleuze (2015), é possível aliar o cinema à filosofia,
acreditando-se que os conceitos filosóficos podem ultrapassar a realidade e serem,
entendidos de uma forma sensitiva, assim como os processos formais cinematográficos
se podem atualizar em conceitos filosóficos. O autor defende a necessidade de “unir o
cinema à realidade íntima do cérebro, mas essa realidade íntima não é o Todo, é pelo
contrário, uma fenda” (p. 263). O Todo é, para o filósofo, aberto, indeterminado, e em
constante mutação e criação.
O cinema e a videoarte baseiam-se na relação e nos intervalos entre as imagens,
explorando as suas temporalidades através da montagem. A videoarte surge como «um
38
4º CRIA
meio ímpar de quebra com convenções de tempo dominantes, aceleração notável e
linearidade temporal” (Ross, 2006, p. 83) muito utilizada como forma de exploração e
problematização de temporalidades ou noções de tempo da sociedade capitalista. A
montagem, como estabelecimento de relações entre a imagens, tem um papel crucial na
desconstrução do significado e dos processos percetivos do filme. Diz-se relação entre
imagens, centrada nos seus intervalos e não nas ligações, visto que “as imagens não dão
tudo a ver; elas conseguem mostrar as ausências a partir do nem tudo a ver que elas nos
propõem constantemente” (Didi-Huberman, 2012, p. 160), ausências essas que estão no
centro de problematização e do pensamento.
A grande importância de um projeto de realização cinematográfica está na forma como
se podem compreender as relações das imagens, para além do seu conteúdo, podendo
ainda transversalizar esse pensamento adquirido para as várias áreas de uma sociedade
mediatizada, e desse modo obter uma visão cada vez mais consistente e heterogénea do
mundo e de todas as possibilidades que precisam de ser atualizadas. Esta perspetiva
assenta no facto de considerar-se que a
montagem só é válida quando não se apressa a concluir ou a enclausurar: quando abre e
complexifica a nossa apreensão da história, e não quando esquematiza abusivamente.
Quando nos permite aceder às singularidades do tempo e, por conseguinte, à sua
multiplicidade essencial (Didi-Huberman, 2012, p. 156).
Para além da importante problematização do funcionamento e do estatuto das imagens
como forma de sentido social, um projeto de realização de uma curta-metragem surge
também como uma prática interativa transversal às várias disciplinas curriculares, e
como forma de trabalhar autonomia, num projeto que terá várias fases, como será
explicado de seguida.
3. Proposta Didática: Educação Cinematográfica como um Projeto
A presente proposta incide em introduzir o pensamento transversal através do cinema,
de uma forma que não choque superficialmente com a realidade de cada criança. Lidar
com os intervalos e com os vazios inerentes à imagem e, por conseguinte, à maneira
como o mundo humano é concebido. Mais do que a simples apresentação de referências
de cinema, é a prática do pensamento da montagem e do tempo que se pretende
desenvolver, com foco no processo filosófico/cinematográfico.
De acordo com o que foi abordado as secções anteriores, e em concordância com outros
trabalhos (Fantin, 2006; 2007; Leite, 2012), identifica-se que a educação
4º CRIA
39
cinematográfica potencia o desenvolvimento de elementos essenciais para a formação
integral das crianças e jovens, como o pensamento crítico e reflexivo, a consciência
ética e estética, a apropriação e alargamento cultural, entre outros. No presente trabalho,
propõe-se a abordagem desta temática de forma integrada com as restantes áreas
curriculares, recorrendo à metodologia de projeto.
Como tem sido aludido por diferentes autores (Mateus, 2011; Rangel & Gonçalves,
2011), e o trabalho de projeto é uma opção pedagógica que visa possibilitar uma maior
relação entre os aspetos teóricos e os aspetos práticos de como é aprendido, tendo
especial impacto no processo de aprendizagem no 1.º Ciclo do Ensino Básico.
Mateus (2011) condissera que a metodologia de projeto, no 1.º Ciclo do Ensino básico
possibilita a «convergência de diferentes áreas do saber» promovendo uma «visão mais
flexível e unificadora do pensamento, a partir de diferentes pontos de vista» (p.15). Esta
perspetiva e resultados vão ao encontro do que é preconizado no âmbito da integração
curricular (Alonso, 2002a; Kysilka, 1998). Assume-se, neste sentido, que o currículo
deverá possibilitar momentos de aprendizagem genuínos, relacionando-os com os
interesses e necessidade dos alunos e com uma perspetiva holística do conhecimento,
uma vez que este se realiza no contacto com a realidade. A metodologia propicia, ainda,
o desenvolvimento do pensamento porque professor trabalha em cooperação com os
estudantes, as crianças tem possibilidade de refletir sobre o que pensam e como pensam
(Kysilka, 1998).
O trabalho de projeto deverá possibilitar uma abordagem inter/transdisciplinar (Mateus,
2011), integrando aprendizagens académicas, sociais e/ou culturais (Rangel &
Gonçalves, 2011). A metodologia de trabalho de projeto caracteriza-se assim, por se
desenvolver de forma aberta e ampla, na qual que se valoriza o processo e que através
deste trabalho se constroem novos conhecimentos de forma ativa e na prática real e
contextualizada (Mateus, 2011).
Face ao que foi sumariamente apresentado, propõe-se que, no contexto de uma turma do
1.º Ciclo do Ensino Básico, se desenvolve, em moldes idênticos ao trabalho de projeto,
a construção e realização de uma curta-metragem. É através do processo de realização
da curta metragem que as diferentes áreas curriculares se integram e agregam de forma
coerente e coesa.
40
4º CRIA
Referências Cinematográficas
Objetivos da etapa: Aproximar os estudantes ao cinema; Discutir sobre diversas curtasmetragens
Áreas curriculares: Português; Estudo do Meio – Ciências Humanas e Sociais;
Expressão Plástica.
A visualização de filmes e curtas-metragens deve desenvolver-se de forma transversal
ao processo de realização da curta-metragem. Através da visualização de curtasmetragens pretende-se que os estudantes se familiarizem com diferentes géneros
cinematográficos e possam refletir e discutir sobre os componentes conceitos base
inerentes ao cinema, aludidos no na secção 2.
Através desta visualização, pretende-se que as crianças consigam desenvolver o seu
sentido estético para que o sejam capazes integrar no processo criativo, e construir
noções que lhes possibilitem realizar uma curta-metragem no seu todo.
Conceção
Objetivos da etapa: Discutir tema; Definir perspetiva geral da curta-metragem;
definição/construção da história base (narrativa ou não narrativa)
Áreas curriculares: Português; Estudo do Meio – Ciências Humanas e Sociais.
Esta etapa consiste na decisão temática, na forma como será abordado o tema escolhido
e na definição/construção da história base (narrativa ou não narrativa) para a curtametragem. Para tal, propõe-se uma discussão inicial em que o grupo, com a orientação
do docente, irá explorar a importância do tema e o modo como este poderá ser
trabalhado. Aconselha-se, tendo em conta o que foi explorado anteriormente, que o
professor conduza a discussão de forma a que se escolha temas socialmente relevantes.
Com o intuito de promover a discussão propõe-se que o docente, de forma imparcial,
estabeleça um conjunto de questões que problematizem o tema escolhido e processo a
ser utilizado:

Qual a importância deste na escola/sociedade?

Qual é o posicionamento dos estudantes face a este tema?

Podem existir outras perspetivas não equacionadas?

Que perspetiva se vai tomar para o projeto, ou de que forma se poderá
desenvolver o projeto sem recusar nenhuma perspetiva?
4º CRIA
41

Que modelo terá a curta-metragem (cómico, dramático, narrativo ou não
narrativo...)?

Qual história e de que forma ela sustentará a curta-metragem?
Planificação
Objetivos da etapa: Escrever argumento; Planificar gravações; Atribuir tarefas.
Áreas curriculares: Português; Estudo do Meio – Ciências Humanas e Sociais.
Após a definição da história base os alunos, com a orientação do docente, discutem e
elaboram o argumento que sustentará a curta-metragem. Com base no argumento
construído pelos estudantes será possível definir-se de que forma as gravações
decorrerão.
Nesta fase será necessário explicitar-se quando, como e onde os alunos poderão gravar
cada cena do argumento, bem como que materiais necessitarão, e de que forma os
estudantes se deverão organizar mediantes com as funções necessárias ao desenrolar do
projeto. As funções de cada estudante podem variar de acordo com os diferentes
momentos da gravação.
Produção
Objetivos da etapa: Providenciar locais, materiais e recursos necessários para a
filmagem.
Áreas curriculares: Português; Matemática; Estudo do Meio – Ciências Humanas e
Sociais; Expressão Plástica; Educação Tecnológica.
Na fase de produção os alunos devem organizar-se por forma a ser possível:

Adquirir ou construir os materiais necessários para as gravações;

Escolher ou fazer as roupas e acessórios para os atores, caso os haja.

Adquirir câmaras, gravadores e demais recursos.

Escrever os pedidos de autorizações ou requerimentos.

Elaborar o orçamento.
Ainda cada criança possa ter uma função específica para cada uma das tarefas
mencionadas, será relevante que a discussão e reflexão sobre a pertinência de cada um
dos materiais ou recursos seja realizada em conjunto.
42
4º CRIA
Ensaios e gravação
Objetivos da etapa: Ensaiar; Gravar as diferentes cenas.
Áreas curriculares: Português; Expressão Plástica; Expressão Dramática; Educação
Tecnológica;
Neste momento do projeto, os estudantes procederão, com o apoio do professor, aos
ensaios das diferentes cenas definidas no argumento e à sua posterior gravação. Insistese que o professor medeie o grupo de modo a que todos os estudantes reconheçam e
contactem com todas as funções inerentes à realização do filme promovendo o trabalho
colaborativo.
Montagem/Edição
Objetivos da Etapa: Montar os vídeos gravados; Discutir a pertinência e sequência da
montagem.
Áreas curriculares: Matemática; Estudo do Meio - Ciências Humanas e Sociais;
Expressão Plástica; Educação Tecnológica.
A montagem é o momento final da realização do filme. Inicialmente projetam-se os
vídeos gravados, para que os estudantes tenham a oportunidade de selecionar os mais
pertinentes para a sua integração na curta-metragem. Durante este processo, o professor
deve promover a reflexão e a discussão sobre o que está a ser visualizado. A montagem
proceder-se-á de acordo com a sequencialidade e temporalidade discutidas pelos alunos
durante todo este processo.
Visualização do projeto final e discussão
Objetivos da etapa: Visualizar o filme; Integrar a comunidade educativa na prática
pedagógica.
Este momento deve marcar o final do projeto e integrar, por um lado, a apresentação,
por parte dos alunos, do trabalho desenvolvido à comunidade educativa, promovendo o
processo de visualização da curta-metragem. Por outro lado, servir de discussão e
reflexão do resultado final, mas também todo o processo de construção. Essa discussão
englobará duas vertentes, a primeira relacionada com as temáticas em questão e a
segunda, com próprio processo de ensino e de aprendizagem.
4º CRIA
43
4. Notas finais
A proposta apresentada insere o cinema como prática artística, criativa e filosófica,
capaz de se integrar no currículo e nas suas vertentes disciplinares e sociais, e num
pensamento artístico e filosóficos contemporâneos.
Os recursos utilizados ao longo do que é proposto não precisam de ser muito
específicos, a utilização das câmaras integradas nos telemóveis e os programas de
edição de vídeos disponibilizados de forma gratuita possibilitam o desenvolvimento do
projeto nos moldes do que foi apresentado.
Considera-se relevante que existam princípios de ensino transversais ao pensamento
teórico e ético. Sugere-se, assim, uma aproximação entre currículo e didatismo, no que
se refere ao funcionamento dos dois, a uma sinergia capaz de constituir um processo
cuja reformulação mútua é fulcral na definição dos valores de ensino e da sua adaptação
aos diversos contextos locais e temporais.
Pretende-se, assim, proporcionar momentos pedagógicos em que as crianças têm que se
posicionar como agentes ativos no seu processo de construção como (pequenos):
realizadores, guionistas, atores, produtores, entre outros. Através deste processo ativo,
as crianças têm a possibilidade de aprender como se faz e de forma se podem exprimir
fazendo através do cinema.
Também. se reconhece que este tipo de projetos é essencial para o desenvolvimento
integral e integrador da criança. Por um lado promove o desenvolvimento do
pensamento crítico, estético e reflexivo, durante o momento de desenvolvimento da
curta-metragem. Por outro, possibilita um trabalho pedagógico que articula e integra
diferentes componentes do currículo, o que propicia uma aprendizagem mais
contextualizada e significativa.
Referências
Alonso, L. (2002a). Para uma Teoria Compreensiva sobre Integração Curricular - O contritubo
do Projecto "PROCUR". Investigações e Práticas, 5, 62-88.
Alonso, L. (2002b). Do Projeto de "Gestão Flexíveel do Currículo" à Reorganização Curricular.
Actas do Encontro sobre a (Re)organização e revisão curriculares: sentidos e trajectos
(pp. 59-62). Guimarães: Centro de Formação Francisco de Holanda.
Berger, J. (2015). Modos de Ver. Barcelona: Editorial Gustavo.
Beuys, J. (2011). Cada Homem Um Artista. (J. d. Gomes, Trad.) Lisboa: 7 Nós.
Deleuze, G. (2009). A Imagem-Movimento: Cinema 1. (S. Dias, Trad.) Lisboa: Assírio &
Alvim.
44
4º CRIA
Deleuze, G. (2015). A Imagem-Tempo: Cinema 2. (Sousa DIas, Trad.) Lisboa: Sistema Solar
(Documenta).
Didi-Huberman, G. (2012). Imagens Apesar de Tudo. (V. Brito, & J. P. Cachopo, Trads.)
Lisboa: KKYM.
Dinis, R., & Roldão, M. d. (2004). Gestão curricular no 1.º Ciclo do Ensino Básico: discursos e
práticas. Em J. A. Costa, A. I. Andrade, A. Neto-Mendes, & C. Nilza (coords.), Gestão
curricular: percursos de investigação (pp. 59-78). Aveiro: Universidade de Aveiro.
Diogo, F. (2010). Desenvolvimento Curricular. Luanda; Maputo: Plural Editores.
Fantin, M. (2006). Crianças, Cienema e Midia-Educação: Olhares e experiências no Brasil e
na Itália. Tese de Doutoramento, Universidade Federal de Santa Catarina , Ilha de
Santa Catarina.
Fantin, M. (2007). Mídia-Educação e Cinema na Escola. TEIAS, 8(15-16), 1-13.
Freire, P. (1967). Educação como prática da Liberdade. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra.
Guattari, F. (2000). The Three Ecologies. (I. Pindar, & P. Sutton, Trads.) Londres: The Athlone
Press.
Kysilka, M. L. (1998). Understanding integrated curriculum. The Curriculum Journal, 9(2),
197-209.
Leite, C. (2000). Flexibilização Curricular na Construção de uma Escola mais Democrática e
mais Inclusiva. 7, 20-27.
Leite, C. (2001). A reorganização curricular do Ensino Básico–problemas, oportunidades e
desafios. Em J. M. Alves (Direc.), A reorganização Curricular do Ensino Básico.
Fundamentos, fragilidades e perspectivas (pp. 29-38). Porto: ASA Editores.
Leite, C. (2012). A articulação curricular como sentido orientador dos projetos curriculares.
Educação Unisinos, 16(1), 87-92.
Leite, G. P. (2012). Linguagem Cinematográfica no Currículo de Educação Básica: Uma
experiência de introdução ao cinema na Escola. Tese de Mestrado, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Educação, Rio de Janeiro.
Martins, M. A. (2014). A Gestão Curricular em Escolas do 1.º Ciclo de um Agrupamento de
Escolas: Entre os Projetos, os Discursos e as Práticas. Tese de Doutoramento,
Universidade do Minho, Instituto de Educação, Braga.
Mateus, M. d. (2011). Metodologia de trabalho de projecto: Nova relação entre os saberes
escolares e os saberes sociais. EDUSER: revista de educação, 3(2), 3-17.
Mesquita, E., Formosinho, J., & Machado, J. (2012). Formação de Professores em Portugal,
Culturas de Colaboração e Gestão Integrada do Currículo. Revista Educere Et Educare,
7(3), 4-17.
Morgado, J. C. (2014). Currículo e formação contínua de professores em Portugal: dissonâncias
entre discursos e práticas. Em M. R. Oliveira (org.), Professor: Formação, Saberes e
Problemas (pp. 67-90). Porto: Porto Editora.
Pacheco, J. A. (2001). Currículo: Teoria e Práxis. Porto: Porto Editora.
Pacheco, J. A. (2009). Currículo: Entre Teorias e Métodos. Cadernos de Pesquisa, 39(137), pp.
383-400.
Pacheco, J. A., & Paraskeva, J. M. (1999). As tomadas de decisão na contextualização
curricular. Cadernos de Educação [UFPEL], 13(8), 7-18.
Rancière, J. (2011). O Destino das Imagens. (L. Lima, Trad.) Lisboa: Orfeu Negro.
4º CRIA
45
Rangel, M., & Gonçalves, C. (2011). A Metodologia de Trabalho de Projeto na nossa prática
pedagógica. Da Investigação às Práticas, 21-43.
Roldão, M. d. (1999). Gestão Curricular: Fundamentos e Práticas. Lisboa: Ministério da
Educação: Departamento da Educação Básica.
Roldão, M. d. (2010). A Função Curricular da Escolar e o Papel dos Professores: Polísticas,
discurso e práticas contextualização e diferenciação curricular. Nuances: estudos sobre
Educação, 17(18), 230-241.
Ross, C. (2006). The Temporalities of Video: Extendedness Revisited. Art Journal, 65, 82-99.
Sousa Dias. (2016). O Riso de Mozart. Lisboa: Sistema Solar (Documenta).
Young, M. (2014). What is a curriculum and what can it do? The Curriculum Journal, 25(1),
pp. 7-13.
Zabalza, M. A. (2000). Planificação e Desenvolvimento Curricular na Escola (5.ª ed.). Lisboa:
ASA Editores.
46
4º CRIA
Recursos Educativos Digitais e ensino da gramática – contributos do
referencial TPACK
Daniela Melo1, Gabriela Barbosa2
Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo,
[email protected]
2
Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo,
[email protected]
1
Resumo. A utilização efetiva dos recursos educativos digitais (RED) no
ensino da gramática pressupõe que o professor esteja na posse de um
conjunto alargado de conhecimentos, pedagógicos, tecnológicos, de
conteúdo (TPACK- Technological Pedagogical Content Knowledge) e
contextuais (Mishra, Koehler & Harris, 2009). Neste quadro realizou-se um
estudo que teve como objetivo planificar uma sequência didática assente no
referencial TPACK e na metodologia do laboratório gramatical (Duarte,
2008). A partir de um conjunto de atividades criativas “As máquinas do
laboratório de Dexter” envolveram-se alunos do 4.º ano de escolaridade em
tarefas de conhecimento dos conteúdos gramaticais: sujeito e predicado,
com enfoque nos tipos de sujeito. O estudo enquadra-se numa metodologia
de natureza qualitativa e interpretativa, numa dimensão explratória. Nesta
comunicação pretende-se apresentar os resultados deste estudo, centrandonos na apresentação das etapas do laboratório gramatical, nos RED
utilizados e nas tarefas realizadas, e concluindo que o entusiasmo dos
alunos na participação das atividades, a compreensão dos conteúdos e as
aprendizagens aferidas permitiram-nos perceber a importância da
interseção dos vários conhecimentos implícitos no TPACK e a consideração
dos mesmos na planificação de uma aula com integração de RED.
Palavras-chave: RED; ensino; gramática; TPACK; laboratório gramatical
Contextualização
O estudo apresentado foi desenvolvido no âmbito do Mestrado em Educação Préescolar e ensino do 1º Ciclo do Ensino Básico, na unidade curricular Prática de Ensino
Supervisionada II, numa turma do 4.º ano de escolaridade. A turma era constituída por
20 alunos, 10 do sexo feminino e 10 do sexo masculino, com idades compreendidas
entre os 9 e 10 anos. A maioria dos alunos apresentava pouca motivação para a
aprendizagem, evidenciando na área do Português dificuldades, mais especificamente,
nos conteúdos da gramática.
Face ao exposto, recorreu-se à utilização de RED como estratégia para tornar as aulas
mais dinâmicas, apelativas, desafiando os alunos à descoberta de novos conhecimentos
linguísticos. Para que esta prática fosse exequível, encontrámos na literatura um
4º CRIA
47
referencial teórico que menciona um conjunto de conhecimentos, tecnológicos,
pedagógicos, de conteúdo e contextuais, fundamentais para que o professor possa
realizar uma efetiva integração dos RED em sala de aula, o referencial TPACK Technological Pedagogical Content Knowledge (Mishra, Koehler & Harris, 2009).
Tendo como princípio que o ensino da gramática deve ser realizado com o propósito de
incentivar os alunos a uma aprendizagem pela descoberta, a utilização da metodologia
do laboratório gramatical provoca nestes um “olhar cientista” sobre os fenómenos que
observa, levando-os a criar hipóteses, a elaborá-las e aplicar as regras (Duarte, 2008).
Face a este enquadramento, pretendemos perceber de que modo o referencial TPACK se
revela adequado para a integração efetiva dos RED no ensino da gramática. Tendo por
base o objetivo geral, pretendeu-se: planificar um conjunto de atividades criativas “As
máquinas do laboratório de Dexter”, através de um laboratório gramatical em torno do
sujeito e predicado, com enfoque nos tipos de sujeito; integrar RED numa sequência
didática de aprendizagem da gramática; e analisar a mobilização do TPACK no
planeamento e o envolvimento dos alunos na aprendizagem da gramática face à
integração dos RED.
O estudo aqui apresentado enquadra-se numa metodologia de natureza qualitativa e
interpretativa, numa dimensão exploratória. Os dados foram recolhidos através das
reflexões do diário de bordo e de registos de vídeo. No tratamento dos dados
privilegiou-se a análise de conteúdo.
Enquadramento teórico
Tecnological Pedagogigal Content Knowledge (TPACK)
A introdução das novas tecnologias no processo de ensino/aprendizagem está
relacionada com a aprendizagem dos alunos e com a metodologia de ensino do
professor. Atualmente tem-se investigado sobre a eficácia da integração da tecnologia
no ensino, dando particular importância ao conjunto alargado de conhecimentos que o
professor necessita, o Technological Pedagogical Content Knowlegde (TPACK), para
ser capaz de integrar as tecnologias na sala de aula. O TPACK implica adotar
estratégias pedagógicas que integram as tecnologias apropriadas para abordar
conteúdos, não só para ir ao encontro dos interesses dos alunos, mas também para
colmatar as suas dificuldades.
48
4º CRIA
O TPACK dá, assim, ênfase à interseção das tecnologias, do conteúdo e da pedagogia,
resultando num ensino inovador e promotor de novos conhecimentos. Os autores deste
referencial teórico referem três tipos de conhecimento necessários para a integração da
tecnologia na educação, nomeadamente Technological Knowledge (TK) ou
conhecimento tecnológico, Pedagogical Knowlegde (PK) ou conhecimento pedagógico
e Content Knowlegde (CK) ou conhecimento do conteúdo (Mishra et al., 2009).
O Technological Knowlegde (TK) é aquele que está em constante evolução. Os
professores devem manter-se atualizados e acompanhar o desenvolvimento das novas
tecnologias, como forma de obter um conhecimento mais amplo dos conhecimentos
básicos tecnológicos, para os aplicarem de forma exequível na sua ação pedagógica
(Mishra et al., 2009).
O Pedagogical Knowlegde (PK) é aquele que os professores têm sobre os processos,
práticas ou métodos de ensino. Esse conhecimento implica também que o professor
saiba o modo como os alunos constroem o seu saber, quais são as estratégias mais
adequadas a aplicar na gestão de sala de aula.
O Content Knowledge (CK) diz respeito ao conhecimento que os professores têm
acerca dos conteúdos da matéria. Harris, Mishra e Koehler (2009) referem que este
conhecimento é aquele que Shulman (1986, citado em Harris, Mishra & Koehler, 2009),
um dos grandes estudiosos no campo da educação, considera ser o conhecimento de
conceitos, teorias, ideias, evidências e provas, práticas que desenvolvem determinado
conteúdo.
Conforme a figura 1 abaixo apresentada, segundo os autores Mishra et al. (2009),
verifica-se que estes tipos de conhecimento intersetam-se entre si, resultando em outros
conhecimentos, nomeadamente, o Pedagogical Content Knowlegde (PCK) ou
conhecimento pedagógico do conteúdo, o Technological Pedagogical Knowlegde
(TPK) ou conhecimento tecnológico pedagógico e o Technological Content Knowledge
(TCK) ou conhecimento tecnológico do conteúdo.
4º CRIA
49
Figura 1. Quadro teórico TPACK ( Mishra, et al., 2009, p. 396)
O Pedagogical Content Knowlegde (PCK) resulta da interseção da pedagogia e do
conhecimento do conteúdo. De acordo com Shulman (1986, citado em Mishra et al.
2009), este conhecimento ocorre aquando da adoção adequada dos métodos e técnicas
pedagógicas pelo professor para transmitir os conteúdos, baseando-se nos
conhecimentos prévios dos alunos. De acordo com Mishra et al. (2009), é essencial que
o professor esteja a par do conteúdo do currículo, seja flexível na maneira como expõe
os conteúdos, para que os alunos tenham diferentes maneiras de pensar e de expressar o
seu conhecimento, realizando uma constante avaliação da aprendizagem dos alunos.
O Technological Pedagogical Knowlegde (TPK) diz respeito ao conhecimento que os
professores devem ter sobre as possibilidades e limitações pedagógicas, aquando da
utilização das tecnologias, como as devem utilizar segundo um determinado contexto de
modo a que sejam propícias para a aprendizagem. Um importante aspeto deste
conhecimento é a adequação das ferramentas utilizadas para fins pedagógicos
específicos (Mishra et al. 2009).
O Technological Content Knowledge (TCK) é aquele que interliga a tecnologia e o
conteúdo. Um professor que tenha conhecimentos tecnológicos e que domine bem os
conteúdos programáticos pode criar os seus próprios recursos e utilizá-los em sala de
aula. Os professores precisam de saber quais as tecnologias específicas mais adequadas
para abordar determinado conteúdo, como também devem saber analisá-las de forma a
verificar as que podem limitar a abordagem desse conteúdo (Mishra et al. 2009).
A par da dinâmica deste conjunto alargado de conhecimentos, Mishra et al. (2009) vêm
acrescentar a importância do conhecimento do contexto para uma efetiva integração das
tenologias em sala de aula, ou seja, o conhecimento das tecnologias que estão
50
4º CRIA
disponíveis, o tempo disponível, as limitações do espaço físico, a dinâmica interpessoal,
a diversidade cultural, os diferentes níveis socioeconómicos, as caraterísticas e
conhecimentos prévios dos alunos.
O ensino da gramática através da metodologia do laboratório gramatical
Ao longo dos tempos, o ensino da gramática tem sido abordado de uma forma
tradicional, partindo-se de definições, que, por sua vez, se mostram incompletas,
incapazes de permitir a observação dos dados, em que a sistematização ocorre no final
de um percurso de observações. Neste contexto, não há uma valorização do
funcionamento da língua, uma vez que os alunos se limitam a registar as indicações do
professor, sendo esta aprendizagem associada à memorização, em detrimento do seu
treino (Beacco, 2010, citado em Xavier, 2013).
Partindo do princípio que o ensino da gramática tradicional não apresenta resultados
consideráveis na avaliação dos alunos e, por conseguinte, estes não conseguem obter
um conhecimento significativo a longo prazo, urge a necessidade de recorrer a novos
métodos de ensino, capazes de sustentar a aprendizagem da gramática numa perspetiva
de abordagem pela descoberta. Com a metodologia do laboratório gramatical, os alunos
são confrontados com situações de problematização, de experimentação, de confronto
de ideias, de análise, de exposição, de demonstração, de exemplificação, de
argumentação e de aplicação das conclusões em exercícios e em textos escritos e/ou
discursos orais (Xavier, 2013)
A abordagem desta metodologia, desenvolvida por Inês Duarte, implica que o professor
tenha em conta o conhecimento implícito do aluno e, a partir de situações
contextualizadas, hierarquizar a informação, de modo a que os alunos possam construir
hipóteses, verificar a sua validade perante novas informações e tirar conclusões (Xavier,
2013). Deste modo, o aluno é detentor de um “olhar cientista” sobre os fenómenos que
observa, cria hipóteses, elabora-as e aplica as regras (Duarte, 2008). Duarte (1992,
1996, 1997, 2008, citado em Silvano & Rodrigues, 2010) considera quatro fases do
laboratório gramatical (Tabela 1):
4º CRIA
51
Tabela 1. Fases do laboratório gramatical
Na primeira fase, o aluno observa os dados ou a situação-problema, identifica padrões
comuns ou de regularidade, formula hipóteses, a partir das suas intuições sobre a língua
e suas observações. Na segunda fase, o aluno, após observar os dados, realiza pequenas
conclusões, formula hipóteses e generalizações. Nesta fase, o aluno, através da
observação de novos dados, verifica a validade das suas hipóteses. Na terceira fase,
após formuladas as hipóteses, os alunos treinam os conteúdos aprendidos. Na quarta
fase é realizada a aferição dos conhecimentos dos alunos, a fim de se verificar se houve
uma efetiva aquisição do conhecimento.
A abordagem em torno destas fases remete para uma teoria psicológica sobre o
conhecimento e a aprendizagem, a designada teoria do construtivismo. A prática
pedagógica desenvolvida a partir desta metodologia permite aos alunos vivenciar
atividades nas quais podem levantar as suas próprias questões, construir os seus
próprios modelos, conceitos e estratégias, num processo interpretativo e reflexivo
(Fosnot, 1996).
Descrição das atividades
A integração de RED numa sequência didática de aprendizagem da gramática
Na concretização da sequência didática de aprendizagem da gramática, tivemos em
conta as três fases do laboratório gramatical, designadamente: 1.ª Apresentação dos
dados; 2.ª Problematização, análise e compreensão dos dados; 3.ª Realização de
exercícios de treino. Para dar início às atividades do laboratório gramatical e de forma a
contextualizar os conteúdos gramaticais, sujeito e predicado, foi realizada a fase 0. Para
uma melhor visualização por parte dos alunos, a maioria das atividades do laboratório
gramatical foi sustentada num PowerPoint. Após a realização de algumas atividades,
foram efetuadas notas conclusivas com o propósito de registar vários conceitos ou
outras informações sobre os conteúdos gramaticais.
52
4º CRIA
De seguida, apresenta-se a tabela 2, onde consta os objetivos de cada fase do laboratório
gramatical e recursos educativos (digitais) utilizados.
Tabela 2. Fases, objetivos e recursos educativos (digitais) utilizados
Fases
Designação
Recursos educativos
(digitais)
- Contextualizar os conteúdos gramaticais - PowerPoint
(funções sintáticas)
- Ficha de trabalho
- Distinguir os constituintes fundamentais de - PowerPoint
uma frase;
- Dados em cartolina
- Referir o conceito de sujeito e de - Fichas de trabalho
predicado;
- Identificar as funções sintáticas;
Construir
frases
coerentes
e
contextualizadas;
- Identificar as classes de palavras presentes
no sujeito;
- Conhecer o conceito de grupo nominal;
- Verificar que o sujeito pode conter um
nome ou um pronome pessoal.
- Verificar que o sujeito pode ter mais do - PowerPoint
que um grupo nominal;
- RED “Sujeito ou
- Verificar que o sujeito não apresentado na Predicado?”
frase pode ser identificado através da flexão - Fichas de trabalho
do verbo;
- Prever o significado de sujeito simples,
sujeito composto e sujeito nulo;
- Conhecer o conceito de sujeito simples,
sujeito composto e sujeito nulo.
- Treinar os conteúdos gramaticais - Exercícios do Hot
abordados no laboratório gramatical
Potatoes
Objetivos
Fase 0
Contextualização
Fase 1
Apresentação
dos dados
Fase 2
Problematização,
análise
e
compreensão dos
dados
Fase 3
Realização
exercícios
treino
de
de
Fase 0 – contextualização
Na contextualização dos conteúdos gramaticais acerca do sujeito e do predicado, foi
apresentada à turma uma história criada pela investigadora “ As máquinas do
laboratório de Dexter”, através de um PowerPoint (Anexo 1). Antes de se proceder à
leitura da história, foi projetada uma imagem (Figura 2) com as máquinas que a
personagem principal construiu, a “ Máquina
Sujeito” e a “Máquina Predicado”, através da
qual os alunos puderam antecipar alguns dos
acontecimentos que poderiam ocorrer na
história. Posteriormente, procedeu-se à sua
leitura.
A história passa-se na casa dos irmãos Dee Dee e
4º CRIA
Figura 2. Máquinas do laboratório
de Dexter
53
Dexter. Dee Dee é uma personagem divertida, contudo apresenta dificuldade em falar
corretamente o português. O enredo da história começa quando Dee Dee está a dizer em
voz alta a apresentação do espetáculo de dança. Nesse momento, Dexter entra no quarto
da irmã. Ao perceber a sua dificuldade, Dexter, determinado a ajudá-la, leva-a para o
seu sótão, onde mostra as últimas máquinas que construiu e que servem na perfeição
para a ajudar. Após realizarem algumas atividades nas máquinas, Dee Dee consegue
resolver o seu problema, sentindo uma grande alegria.
Após a leitura, procedeu-se à exploração e compreensão da história a partir das
seguintes questões orientadoras:
- Quais são as personagens principais da história?
- Onde se desenrola a ação da história?
- O que estava a fazer Dee Dee quando Dexter entrou no seu quarto?
- Que dificuldades apresentava a Dee Dee?
- De que forma é que Dexter ajudou Dee Dee?
- Que nome deu o Dexter a cada uma das máquinas?
- Conseguiu Dexter o seu objetivo com a utilização das duas máquinas? De que forma?
Fase 1- Apresentação dos dados
Ao apresentar o diapositivo 1 (Figura
3), foi proposto aos alunos observarem
a
imagem
GIF
e
responder
às
respetivas questões.
Figura 3. Diapositivo 1
Ao apresentar o diapositivo 2 (Figura
4),
foi
proposto
aos
alunos
observarem as imagens das diferentes
ações realizadas pelas personagens da
história e responderem, oralmente, às
questões expostas no PowerPoint. Em
simultâneo, registou-se no quadro as
Figura 4. Diapositivo 2
respostas dos alunos.
54
4º CRIA
Os alunos constataram que a junção das respostas “Quem faz?” e “O que faz?”
formulavam uma frase coerente, verificando assim as partes mais importantes da
estrutura de uma frase.
Ao apresentar o diapositivo 3 (Figura
5), foi proposto aos alunos dividirem,
oralmente, as frases nas suas partes
mais importantes, de acordo com as
questões formuladas no diapositivo
anterior.
Figura 5. Diapositivo 3
Ao apresentar o diapositivo 4 (Figura
6), foi proposto aos alunos escrever no
quadro as perguntas destinadas a cada
uma das partes em que a frase estava
dividida, como sugere o exemplo
exposto na tabela. Foi entregue a cada
Figura 6. Diapositivo 4
aluno uma folha de registo idêntica
ao diapositivo, na qual os alunos registaram as
perguntas escritas no quadro.
Ao apresentar o diapositivo 5 (Figura
7), foi proposto aos alunos realizar
uma chaveta por baixo da parte da
frase que correspondesse ao sujeito e
ao predicado, escrevendo a respetiva
função sintática.
Figura 7. Diapositivo 5
Ao apresentar o diapositivo 6 (Figura
8), os alunos verificaram a existência
de vários componentes relativos à
função sujeito e à função predicado.
Figura 8. Diapositivo 6
4º CRIA
55
Ao apresentar o diapositivo 7 (Figura 9),
foi
referido
o
nome
das
partes
constituintes de uma frase. Foi entregue
aos alunos uma folha de registo idêntica
ao diapositivo, na qual os alunos
registaram essa informação.
Figura 9. Diapositivo 7
Seguidamente, foi entregue a cada par
de alunos dois dados em cartolina
(Figura 10), um com a cor laranja
referente aos “sujeitos” e o outro com
a cor azul referente aos “predicados”.
Figura 10. Dados em cartolina
Foi proposto aos alunos que com os
dois
cubos
formulassem
frases
coerentes, tendo em conta a sua
concordância, registando numa folha
de registo (Figura 11). Foi referido que
cada “sujeito” correspondia apenas a
um “predicado”, para que os alunos
Figura 11. Folha de registo
formassem frases que estivessem dentro
do contexto da história.
Após a correção das frases, foi proposto
aos alunos identificar o sujeito e referir
as classes de palavras contidas no
Figura 12. Diapositivo 8
mesmo (Figura 12). Os alunos
registaram numa folha para o efeito
(Figura 13) as palavras do sujeito, bem
como a classe dessas palavras.
Figura 13. Folha de registo
56
4º CRIA
Prosseguiu-se
para
o
seguinte
diapositivo 9 (Figura 14) e propôs-se
aos alunos que referissem as frases que
faziam ou não sentido, verificando o
que faltava (o nome ou o sujeito).
Figura 14. Diapositivo 9
Em
diálogo,
os
alunos
tomaram
consciência da importância do nome
numa
frase.
Ao
apresentar
o
diapositivo 10 (Figura 15), os alunos
tinham que referir quantos nomes
apareciam em cada sujeito de cada
Figura 15. Diapositivo 10
frase, para se proceder ao conceito de
grupo nominal, com função de sujeito.
No diapositivo 11 (Figura 16) foi
referido o conceito de grupo nominal e
foi entregue aos alunos uma folha de
registo idêntica ao diapositivo para se
proceder ao seu preenchimento.
Figura 16. Diapositivo 11
Ao apresentar o diapositivo 12 (Figura
17), os alunos puderam constatar que o
sujeito pode ser substituído pelo
pronome pessoal. Foi entregue aos
alunos uma folha de registo idêntica ao
diapositivo
para
proceder
à
substituição do sujeito pelo pronome
Figura 17. Diapositivo 12
pessoal.
4º CRIA
57
Ao finalizar esta fase, os alunos
puderam concluir que o sujeito pode
conter um nome ou um pronome. Foi
entregue a cada aluno uma folha de
registo idêntica ao diapositivo 13
(Figura
18)
e
realizado
o
seu
Figura 18. Diapositivo 13
preenchimento.
Fase 2 – Problematização, análise e compreensão dos dados
Ao apresentar o diapositivo 14 (Figura
19), os alunos puderam observar que
havia frases que continham apenas um
nome e outras com dois ou três nomes,
e que, estas frases, que apresentavam
mais do que um nome, incluíam
Figura 19. Diapositivo 14
elementos que os separavam, como a
vírgula e a conjunção copulativa “e”.
Ao apresentar o diapositivo 15 (Figura
20), os alunos puderam registar na
folha que lhes foi entregue a conclusão
que obtiveram no diapositivo anterior.
Figura 20. Diapositivo 15
Ao apresentar o diapositivo 16 (Figura 21), os alunos puderam constatar que o sujeito
não estava expresso nas frases, mas que
poderia ser “descoberto” a partir da
flexão do verbo, referindo assim que se
poderia usar um pronome pessoal
correspondente à pessoa e número do
verbo em questão.
58
Figura 21. Diapositivo 16
4º CRIA
Foi entregue a cada aluno uma folha de
registo idêntica ao diapositivo 17
(Figura 22) para que os alunos
pudessem registar o pronome pessoal
que correspondesse à pessoa e número
do verbo de cada frase.
Figura 22. Diapositivo 17
Ao apresentar o diapositivo 18 (Figura
23), os alunos puderam registar a
conclusão anterior, na folha de registo
que foi entregue para o efeito.
Figura 23. Diapositivo 18
Após a abordagem dos conteúdos
gramaticais, foi integrado o recurso
educativo
digital
plataforma
da
selecionado
LeYa
da
Educação,
designado “ Sujeito ou predicado?”
(Figura
24).
O
RED
não
foi
reproduzido na sua totalidade, uma vez
que pretendemos que os alunos chegassem por si
Figura 24. RED “Sujeito ou
Predicado?”
próprios ao conceito de sujeito simples, composto ou
nulo, através das observações realizadas anteriormente. Para tal, foi feita uma pausa no
momento em que o narrador referiu “ O sujeito pode ser simples, composto ou nulo”.
Seguidamente,
foi
apresentado
o
diapositivo 19 (Figura 25), no qual os
alunos puderam intuir que tipos de
sujeito estavam implícitos em cada
frase. Foi-lhes entregue uma folha de
registo, idêntica ao diapositivo, onde
puderam registar os diferentes tipos de
sujeito correspondentes a cada sujeito das frases.
4º CRIA
Figura 25. Diapositivo 19
59
Após esta constatação, foi apresentado
o diapositivo 20 (Figura 26) com uma
nota conclusiva sobre os tipos de
sujeito. Foi entregue a cada aluno uma
folha de registo idêntica ao diapositivo
Figura 26. Diapositivo 20
e registada esta informação.
Após a realização da nota conclusiva, prosseguiu-se com a reprodução do RED “Sujeito
ou Predicado?”, de forma a confirmar as conclusões anteriores.
Fase 3 – Realização de exercícios de treino
Para esta fase, foi construído um recurso educativo digital através do programa Hot
Potatoes, para os alunos treinarem os conteúdos aprendidos. Os alunos dirigiram-se à
sala de TIC, onde puderam pôr em prática os seus conhecimentos. O recurso
disponibilizava 4 exercícios, havendo um período limitado de tempo para a realização
dos mesmos e contendo uma pontuação de 0 a 100%.
1.º Exercício – arrastar os retângulos da coluna direita para o elemento que corresponde
na coluna esquerda (Figura 27).
Figura 27. Exercício do Hot Potatoes
2.º Exercício – arrastar os retângulos da coluna direita para junto do tipo de sujeito que
corresponde (Figura 28)
60
4º CRIA
Figura 28. Exercício do Hot Potatoes
3.º Exercício – clicar na seta de cada retângulo e selecionar o pronome pessoal que
substitui o sujeito da frase (Figura 29).
Figura 29. Exercício do Hot Potatoes
4.º Exercício – Selecionar a opção correta que corresponde ao tipo de sujeito presente
em cada frase (Figura 30).
Figura 30. Exercício do Hot Potatoes
4º CRIA
61
Análise e interpretação dos dados
A análise dos dados foi realizada através das seguintes categorias: (A) a mobilização do
TPACK no planeamento; (B) o envolvimento dos alunos na aprendizagem da gramática
face à integração de RED.
Ao analisarmos a categoria (A), verificámos que na planificação esteve presente todos
os conhecimentos envolvidos no TPACK, ou seja, foi necessário o conhecimento dos
conteúdos gramaticais (conhecimento do conteúdo) por parte da investigadora de forma
a realizar as atividades sustentadas no laboratório gramatical (conhecimento
pedagógico), sendo esta metodologia aquela que melhor se enquadrava para o ensino da
gramática (conhecimento pedagógico de conteúdo). A investigadora evidenciou
conhecimento pedagógico de conteúdo, na medida em que utilizou outros recursos
(fichas de registo e dados em cartolina), demonstrando flexibilidade e coerência na
planificação.
O conhecimento pedagógico foi salientado pela investigadora que teve em conta as
dificuldades dos alunos, criando uma história para facilitar a aprendizagem destes
conteúdos.
O conhecimento tecnológico da investigadora esteve presente na utilização e
manuseamento eficaz dos equipamentos tecnológicos (computador, videoprojector,
colunas), na realização de PowerPoints para a visualização da história e apresentação
das atividades do laboratório gramatical, e na utilização do software Hot Potatoes, para
a construção de diversos exercícios.
O conhecimento tecnológico de conteúdo da investigadora evidenciou-se na medida em
que foi deliberada a utilização do PowerPoint, com o objetivo de apresentar a história e
as questões e atividades do laboratório gramatical. A escolha do RED “Sujeito ou
Predicado?” do DVD-ROM da editora LeYa Educação foi a que mais se adequou ao
objetivo pedagógico, pois incluía os conteúdos pretendidos.
O conhecimento pedagógico tecnológico da investigadora comprovou-se na reflexão
consciente da utilização de RED. Para comprometer os alunos a descobrir os tipos de
sujeito presentes nas frases apresentadas no PowerPoint, reproduziu-se o RED “Sujeito
ou Predicado?”. Porém, este não foi reproduzido na sua totalidade, uma vez que se
achou adequado fazer uma pausa para que os alunos, através das suas observações e
intuições, chegassem por si próprios àquilo que se pretendia. A realização dos
exercícios no software Hot Potatoes veio a auxiliar no treino dos conteúdos gramaticais,
62
4º CRIA
uma vez que este programa se adequava à realização de atividades para esta fase do
laboratório gramatical.
Para proceder a um planeamento da sequência didática consciente e ponderado, a
investigadora inteirou-se do contexto escolar, das caraterísticas e dinâmica da turma,
das tecnologias existentes e do tempo disponível.
Na categoria (B), verificou-se que, sempre que se utilizou os RED, os alunos
demonstraram motivação, concentração, participação e uma maior predisposição para a
aprendizagem da gramática, como foi no momento da reprodução do RED “Sujeito ou
Predicado?”, em que os alunos começaram, espontaneamente, a acompanhar a leitura do
mesmo e, na resolução dos exercícios do Hot Potatoes, os alunos manifestaram alegria
por adquirir a pontuação máxima, referindo o sucedido à investigadora e colegas. A
turma obteve resultados bastante positivos, incluindo aqueles alunos que anteriormente
manifestavam mais dificuldades.
Aquando da abordagem das atividades do laboratório gramatical, o envolvimento dos
alunos foi notório, através de dúvidas que colocavam, de respostas que davam às
perguntas formuladas, de conclusões que obtiveram, das sugestões que davam para
confirmar a compreensão dos conteúdos gramaticais.
Considerações finais
Segundo o referencial TPACK, a integração das tenologias na sala de aula exige uma
interseção entre o conteúdo, a pedagogia, a tecnologia e o contexto. O domínio do
TPACK impõe ao professor uma compreensão das técnicas e métodos pedagógicos que
possibilitam a utilização das tecnologias digitais para a mobilização do conhecimento
por parte do aluno. O contexto é essencialmente importante na utilização das
tecnologias em sala de aula, uma vez que fornece ao professor um conjunto de
informações sobre os alunos, escola, que possibilita realizar uma planificação
consciente, coerente e reflexiva.
A tomada de decisões fundamentadas na planificação, o tipo de estratégias pedagógicas
adotadas, a seleção e sequencialização das atividades, a exploração que se fez em
termos de tempo, a dinâmica da sala de aula, a seleção de RED que melhor se adequam
à abordagem dos conteúdos e a avaliação dos resultados dos alunos, permitiu-nos
perceber a importância que o TPACK tem na integração efetiva dos RED em sala de
aula.
4º CRIA
63
Este quadro teórico veio sustentar o crescimento dos vários conhecimentos implícitos
enquanto investigadora e futura professora, na medida em que se desenvolveu uma
atitude reflexiva na tomada de decisões quanto à integração de RED e adequação de
métodos de ensino, para a abordagem de conteúdos gramaticais, sem descurar do
contexto escolar.
Apesar de exploratório, este estudo permite-nos perceber a necessidade de promover a
formação inicial e contínua dos professores no âmbito do uso educativo e da efetiva
integração das tecnologias ao serviço das aprendizagens escolares.
Referências bibliográficas
Duarte, I. (2008). Conhecimento da Língua: Desenvolver a Consciência Linguística. Lisboa:
Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular.
Fosnot, C. T. (1996). Construtivismo e Educação. Lisboa: Horizontes Pedagógicos.
Mishra, P., Koehler, M. & Harris, J. (2009). Teachers’ Technological Pedagogical Content
Knowlegde and Learning Activity Types: Curriculum-based Technology Integration
Reframed. JRTE 41(4), 393-416.
Silvano, P., & Rodrigues, S. V. (2010). A Pedagogia dos Discursos e o Laboratório Gramatical
no ensino da gramática - uma proposta de articulação. In Gramática: Histórias, Teoria,
Aplicações (Brito, A. M. coord). Porto: UP- Faculdade de Letras, 275-286.
Xavier, L. G. (2013). Ensinar e Aprender Gramática: Algumas Abordagens Possíveis. Exedra
Revista Científica da ESEC, 146-155.
64
4º CRIA
ANEXOS
Anexo 1 – história “ As máquinas do laboratório de Dexter”
4º CRIA
65
66
4º CRIA
4º CRIA
67
68
4º CRIA
A adaptação de uma história ao sistema SPC – uma estratégia criativa
de promoção da inclusão de Crianças com NEE
Andreia Novais1, Gabriela Barbosa2
Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo,
[email protected]
2
Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo,
[email protected]
1
Resumo. A investigação levada a cabo por Barreto (2009) revela a
existência de fatores que devem ser repensados no sentido de melhorar a
inclusão de Crianças com Necessidades Educativas Especiais (NEE) no
ensino, entre os quais, a formação de professores, os recursos materiais e
humanos e a sensibilização dos pares para a diferença. A sensibilização
para a diferença destaca-se, nesta investigação, como o principal fator a
trabalhar, uma vez que importa sensibilizar todas as pessoas que atuam no
espaço educativo para a inclusão efetiva das crianças com NEE nas suas
turmas. Neste quadro, realizou-se um estudo que teve como objetivo geral
promover a inclusão de crianças com Multideficiência numa turma de 3.º e
4.º ano. Envolveram-se os alunos que frequentam diariamente a turma em
dinâmicas de conhecimento e interação com a problemática da inclusão dos
colegas com multideficiência, através da realização de atividades criativas
que conduziram à produção de uma história animada com recurso ao
sistema gráfico de comunicação Símbolos Pictográficos de Comunicação
(SPC). O propósito da comunicação é expor os resultados emergentes do
estudo realizado, colocando como foco a apresentação do recurso criado e
evidenciando como se constituiu numa estratégia muito favorável para
promover a inclusão das crianças com multideficiência pelos seus pares da
turma e para se desenvolverem atitudes mais positivas de aceitação da
diferença, do Eu e do Outro.
Palavras-chave: inclusão; necessidades educativas especiais; aceitação da
diferença; recursos educativos; símbolos pictográficos para a
comunicação.
Contextualização
A investigação desenvolvida intitulou-se de “A adaptação de uma história ao sistema
SPC, uma estratégia criativa de promoção da inclusão de crianças com NEE” e
desenvolveu-se no âmbito da unidade curricular Prática de Ensino Supervisionada II,
integrada no Mestrado de Educação Pré-Escolar e Ensino do 1º Ciclo do Ensino Básico.
Foi concretizada numa escola pública de 1.º Ciclo do Ensino Básico num agrupamento
escolar do concelho de Viana do Castelo, numa turma de 3.º e 4.º anos de escolaridade.
Os participantes deste estudo foram 8 alunos, 3 alunos do 3.º ano e 5 alunos do 4.º ano
de escolaridade, que faziam parte de uma turma de um total de 11 alunos com idades
compreendidas entre os 9 e os 10 anos de idade. Desta turma faziam parte ainda 3
4º CRIA
69
alunos da escola que apenas frequentavam a sala uma hora por semana, decorrendo o
restante período letivo na UAEM (Unidade de Apoio Especializado para Alunos com
Multideficiência e Surdocegueira).
Este estudo foca-se, essencialmente, na temática da educação inclusiva, considerando-a
como uma educação de qualidade e de valorização da diferença. Após a análise da
investigação levada a cabo por Barreto (2009) pode-se constatar a existência de fatores
que devem ser repensados no sentido de melhorar a inclusão de crianças com NEE no
ensino, entre eles a sensibilização para a diferença, a formação dos professores e os
recursos materiais e humanos. A melhoria destes fatores é, então, o princípio de uma
mudança no sentido de promover a inclusão de todos os alunos. Contudo, é a
sensibilização para a diferença que neste estudo se assume como o principal fator a
trabalhar. Importa, em primeiro lugar, sensibilizar todas as pessoas que atuam no espaço
educativo para a inclusão efetiva das crianças com NEE nas suas turmas, começando,
desde logo, pelos alunos.
Assim, este estudo torna-se pertinente pois, para além de contribuir para o
desenvolvimento de uma comunidade solidária com esta problemática, promove a
inclusão e uma escola mais democrática e mais justa, valorizadora da diferença. Para
além disto, é pertinente que se concretizem trabalhos pedagógicos centrados na temática
da inclusão, um tema tão atual e que preocupa todos os intervenientes que atuam no
espaço educativo que são as nossas escolas de hoje.
Enquadramento Teórico
Evolução da Educação Especial
A Educação Especial passou por diferentes fases ao longo do tempo. Após um período
de exclusão das pessoas consideradas diferentes, assistiu-se a uma fase de segregação da
criança diferente. Passaram a ser isoladas em escolas especiais e separadas da sociedade
estando impedidas de frequentar a escola pública e de interagir com outras crianças
(Correia, 1999; Madureira & Leite, 2003).
Cansada de um sistema segregacionista, inicia-se uma mudança de mentalidades da
sociedade e de valorização da criança e da sua infância e escolarização, emergindo a
política da integração. Em Portugal, os primeiros passos da “Educação Integrada” foram
dados através da criação de “classes especiais”, em 1944, pelo Instituto Aurélio da
Costa Ferreira, orientadas por professores especializados neste Instituto, com o intuito
70
4º CRIA
de acolher alunos com dificuldades de aprendizagem (Correia, 1999). Mais tarde, na
década de 60, assistem-se a iniciativas que visavam o apoio a crianças e adolescentes
com deficiências que estavam integrados em escolas regulares. A partir da década de 70
as mudanças no contexto da Educação Especial dimensionaram-se no sentido de uma
progressiva integração escolar daquelas crianças na escola regular (Mesquita, s.d.). Esta
fase veio defender o direito a uma educação não segregada e para todos,
proporcionando a mesma educação aos alunos com NEE e aos seus pares sem NEE,
defendendo que o aluno com deficiência poderia ser educado na turma regular. Nesta
fase, conquistou-se a possibilidade de interação entre todos e a partilha de
aprendizagens (Correia, 1999).
Por fim, com o intuito de dar uma melhor resposta na educação de crianças e
adolescentes com NEE, seguiu-se o movimento de inclusão. Foi em 1986 que
Madeleine Will (Secretária de Estado para a EE) impulsionou este movimento ao apelar
a uma mudança radical relativamente ao atendimento dado às crianças com NEE. A
educação inclusiva passa assim a ser para todos os que apresentam necessidades
educativas, deixando de ser somente para os alunos portadores de alguma deficiência
(Correia, 1999).
Portugal prossegue numa política inclusiva e, por isso, pretende-se trabalhar em torno
de uma escola inclusiva e de sucesso para todos os alunos.
Legislação existente para a Educação Especial
Atualmente a Educação Especial no sistema de educação português é regulamentada
pelo Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro, que tem como propósito promover a
aprendizagem e a participação dos alunos com NEE de caráter permanente. Com esta
legislação estabelece-se a noção de educação inclusiva, definem-se os apoios
especializados e adequa-se o processo educativo às NEE dos alunos.
Como tal, o Decreto-Lei nº 3/2008, de 7 de janeiro, com o intuito de promover a
aprendizagem e a participação dos alunos com NEE de carácter permanente, define, no
artigo 16º, como medidas educativas:
Apoio pedagógico personalizado; adequações curriculares
individuais; adequações no processo de matrícula; adequações no processo
de avaliação; currículo específico individual; tecnologias de apoio.
(Decreto-Lei n.º 3/2008, artigo 16º, p. 158)
4º CRIA
71
Estas medidas educativas especiais “pressupõem o planeamento de estratégias e de
atividades que visam o apoio personalizado aos alunos com necessidades educativas
especiais de carácter permanente que integram obrigatoriamente o plano de atividades
da escola de acordo com o projeto educativo da escola” (Casas-Novas, Gaspar &
Perdigão, 2014, p. 12).
O papel e a formação do professor
Com a implementação de um modelo educativo inclusivo, assiste-se a uma mudança no
papel do professor de ensino regular que deve adquirir conhecimentos e as
competências para ser capaz de proceder à avaliação das necessidades especiais dos
alunos, de adaptar currículos, utilizar apoios tecnológicos e metodologias de ensino
capazes de responder às caraterísticas individuais de todos os seus alunos. Além disso,
deve assumir um papel ativo, positivo e criar um ambiente educativo propício à
aceitação dos alunos com NEE (Nielsen, 1999).
A presença dos alunos com NEE de caráter permanente nos contextos frequentados
pelos seus pares sem deficiências aumenta a aceitação da diferença e a forma como a
criança com NEE é vista pelos seus colegas depende da compreensão que estes têm
relativamente à natureza da deficiência, compreensão esta que deve ser possibilitada
pelo professor, criando dinâmicas de envolvimento e conhecimento. Um ambiente em
que o professor trate a deficiência de forma positiva, desperta na criança atitudes
igualmente positivas face aos seus pares diferentes, favorecendo, assim, a criação de
laços de amizade entre elas e a aceitação de todos (Barreto, 2009).
A formação dos professores do ensino regular é também uma preocupação constante, no
sentido de os preparar para o desenvolvimento de um trabalho adequado junto de alunos
com NEE. A Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994) faz referência à importância
de uma formação inicial de educadores e de professores que englobe todos os tipos de
deficiência para que se alcance uma intervenção diferenciada junto de todos os alunos.
Contudo defende-se ainda que a formação, para além de inicial, deve ser contínua e
especializada.
Recursos educativos no apoio ao trabalho com crianças com NEE
Na impossibilidade de referir todos os recursos existentes no apoio ao trabalho com
crianças com NEE, importa para este estudo, falar das Tecnologias de Apoio, sendo
estas uma das medidas educativas referidas no atual Decreto-Lei n.º 3/2008, que
72
4º CRIA
pretendem adequar o processo de ensino e aprendizagem. De entre estas tecnologias,
podemos distinguir as tecnologias de tipo hardware e software.
Para este estudo em concreto importa destacar o software para a comunicação e
linguagem BoardMaker, pelo facto de ter sido este o escolhido para a construção do
recurso desenvolvido ao longo do estudo. Este software é um programa de computador
que se destina à conceção de pranchas de comunicação e que contém símbolos do
sistema SPC (Símbolos Pictográficos para a Comunicação). Através destes símbolos,
este software permite elaborar recursos de comunicação que podem ser disponibilizados
aos alunos, facto que o torna numa poderosa ferramenta educacional.
Problema e Objetivos
Esta investigação analisa a inclusão de alunos portadores de multideficiência numa
turma de 3.º e 4.º anos de escolaridade. Face a esta preocupação e ao contexto
encontrado, o objetivo geral deste estudo foi desenvolver um percurso educativo de
promoção da inclusão para alunos com multideficiência numa turma regular de
escolaridade. Os objetivos específicos foram: i) compreender como a aceitação da
inclusão dos alunos portadores de deficiência pode ser concretizada; ii) e sensibilizar
alunos para a importância da inclusão dos seus colegas com deficiência na sala de aula.
Com o intuito de alcançar estes objetivos, envolveu-se a turma com a qual se
desenvolveu este estudo, na criação de um recurso educativo que permitisse promover
essa inclusão e, face ao nível de funcionalidade dos alunos que frequentam a unidade,
decidiu-se criar um livro infantil em formato SPC destinado às crianças identificadas
com NEE, adaptando a história de Luísa Aguilar “Orelhas de borboleta”.
Metodologia
A metodologia de um investigador é evidenciada aquando da escolha dos meios que o
ajudarão a obter e interpretar os dados necessários para responder ao seu problema e
assim alcançar os seus objetivos (Coutinho, 2014). Face a isto e analisando a
problemática e os objetivos delineados para o estudo, optou-se por uma metodologia de
natureza qualitativa, privilegiando-se uma abordagem de caráter exploratório.
O estudo
O percurso desta investigação desenvolveu-se em três momentos. No 1.º momento
realizámos uma entrevista semiestruturada aos alunos com o objetivo de compreender
as perceções dos alunos do grupo sobre a UAEM e sobre a inclusão dos seus colegas
4º CRIA
73
com NEE na turma. Para isso, perguntamos se sabiam da existência da unidade da
escola e o que era essa unidade, se conheciam os alunos da unidade e se sabiam os
nomes dos colegas. Para além disso, perguntamos ainda se sabiam que faziam parte da
sua turma alguns alunos da unidade e quem eram, se costumavam e gostavam de
trabalhar com eles e o que poderiam fazer para os seus colegas.
No 2.º momento fizemos a adaptação de uma história previamente selecionada por nós.
Esta adaptação decorreu em diferentes fases que passo a explicar em seguida.
A 1.ª fase foi a apresentação da proposta à turma e a leitura inicial da história, para que
os alunos do grupo se pudessem preparar para a posterior leitura aos seus colegas da
unidade.
Figura 1. Apresentação da proposta à turma
A 2.ª fase foi a leitura da história para seus colegas da unidade.
Figura 2. Leitura da história
Na 3.ª fase realizou-se a análise da história para perceber até que ponto os alunos
compreenderam a sua mensagem, já que esta trata também o tema da diferença.
Figura 3. Análise da história
74
4º CRIA
A 4.ª fase foi a elaboração do resumo da história, na qual os alunos decidiam as
sequências narrativas mais importantes.
Figura 4. Elaboração do resumo da história
A 5.ª fase foi a elaboração da ilustração. Cada um dos alunos ficou responsável por
ilustrar uma sequência narrativa da história, incluindo as personagens e o cenário
envolvente das mesma.
Figura 5. Elaboração da ilustração da história
Na 6.ª fase escolheram-se os símbolos de SPC mais adequados ao texto.
Figura 6. Escolha dos SPC para a história
Por fim, na 7.ª fase, os alunos gravaram a história para posterior construção do seu
formato digital.
No 3.º momento aplicámos, então, uma entrevista semiestruturada final que adotou o
protocolo da entrevista inicial e incluiu algumas questões da mesma, de forma a poder
comparar as respostas dadas pelos alunos no início e no fim do projeto e aferir quais as
4º CRIA
75
principais mudanças nas perceções dos alunos em relação à inclusão dos alunos com
NEE. Como tal, perguntámos, para além das questões já referidas na entrevista inicial,
se achavam que o recurso construído era útil, se estava adequado, se sabiam como é que
os alunos da unidade podiam interagir com o recurso, se achavam importante a
realização de trabalhos como este, se gostavam que os alunos da unidade passassem
mais tempo na sala, se achavam que a sua inclusão era importante e se estavam
satisfeitos com a concretização deste trabalho.
Análise e interpretação dos dados
Para a análise dos dados recolhidos no âmbito deste estudo, a investigadora optou pela
utilização da categorização. A categorização diz-nos Coutinho (2014), é um processo
que permite reunir um grande número de informações e correlacionar acontecimentos
com o fim de ordená-los. As categorias podem surgir de determinadas questões e
preocupações de investigação (Bogdan e Biklen, 1994) e, neste caso em particular, as
categorias aqui definidas surgiram da problemática em estudo, das questões e dos
objetivos aos quais se pretendeu responder.
Sendo o principal objetivo deste estudo promover a inclusão de crianças com NEE no
ensino, a investigadora optou por realizar uma análise em bruto dos dados recolhidos da
entrevista inicial e face àquilo que eram os objetivos, definiu as seguintes categorias:
perceções dos alunos sobre a UAEM e perceções dos alunos sobre a inclusão dos alunos
com NEE na turma.
Para a fase de adaptação da história, definiu três categorias: história; envolvimento dos
alunos na construção do recurso e perspetiva da investigadora.
Por fim, no momento relativo à entrevista final optou por definir três categorias, sendo
que duas delas são as definidas na entrevista inicial: Perceções dos alunos sobre a
UAEM; Perceções dos alunos sobre a inclusão dos alunos com NEE na turma e sobre a
importância deste trabalho e Perceções dos alunos sobre o recurso construído.
Entrevista inicial
Da análise realizada tendo em conta os objetivos definidos para o momento da
entrevista inicial, detetou-se então uma falta de conhecimento da maioria dos alunos do
grupo em relação à UAEM da sua escola e aos alunos que dela fazem parte,
desconhecimento que vem demostrar que estes não estão tão familiarizados com este
assunto como era suposto, sendo assim notória a falta de contacto com o mesmo, aspeto
76
4º CRIA
que não contribui para a inclusão dos alunos da unidade. Além disso detetou-se ainda
uma falta de predisposição por parte de alguns alunos relativamente ao facto de incluir
os seus colegas da unidade na turma e de trabalharem com eles.
Adaptação da história
No momento de adaptação da história percebeu-se que os alunos ficaram entusiasmados
com a realização desta atividade. Ficaram curiosos e com vontade de ler a história,
mostraram-se atentos, preocupados com a preparação da leitura, sendo de salientar o seu
esforço e dedicação nesta fase inicial, mesmo daqueles alunos que apresentam mais
dificuldades. Através da análise do comportamento e das intervenções dos alunos
envolvidos no estudo foi possível detetar ainda uma enorme satisfação por parte dos
colegas que frequentam a UAEM, sendo de destacar a intervenção de um dos alunos
participantes que esteve, ao longo da leitura da história, a ajudar um dos seus colegas da
unidade, a compreender as imagens ao longo da história. Esta fase da elaboração do
recurso, em que foi possível ter a presença dos alunos com multideficiência no contexto
frequentado pelos seus pares sem deficiências, aumentou a aceitação da diferença. Para
além disso, percebeu-se que os alunos participaram com empenho e envolveram-se no
projeto com dedicação. Mostraram preocupação em reduzir e simplificar as frases para
o resumo, para facilitar a compreensão dos colegas da unidade. A fase da elaboração da
ilustração foi a que mais interesse suscitou nos alunos sendo de destacar o facto de
muitos deles revelarem grandes qualidades e competências no que se refere ao desenho,
principalmente os alunos que apresentam mais dificuldades de aprendizagem, tendo-se
mostrado autónomos nas tarefas. É de salientar ainda a existência de um trabalho
colaborativo entre todos, tendo-se ajudado mutuamente nas fases de adaptação da
história. Este trabalho colaborativo ficou marcado pela colaboração de todos na fase do
resumo, da ilustração da história e da escolha dos símbolos pictográficos, tendo
trabalhado em grupo para conseguirem obter um trabalho de qualidade. Nesta fase foi
possível observar ainda a opinião positiva dos alunos relativamente à construção deste
recurso, assim como a sua importância, pelo facto de reconhecerem que os alunos com
NEE têm o direito de ter as mesmas oportunidades.
Perspetiva da investigadora
A categoria “perspetiva da investigadora” pretendeu revelar a sua perspetiva
relativamente a este projeto. Como tal, penso que este recurso é um recurso útil e
essencial, quer para os alunos com NEE, pois ajuda-os na sua comunicação, quer para
4º CRIA
77
os alunos que o construíram, pois passaram a conhecer melhor os seus colegas e a
aceitar a sua inclusão, tendo-se tornado cidadãos mais conscientes para esta
problemática. A adequação da história revelou-se pertinente pelo facto de tratar um tema
relacionado com o contexto da diferença, mas também pelo facto de ser uma história
com uma estrutura discursiva e linguística simples e facilitadora da memorização e
compreensão.
A construção deste recurso mostrou-se promotora da inclusão, colocando os alunos sem
NEE em contacto direto e com a ideia concretizável de incluir os seus pares com NEE,
sensibilizando-os para a importância da inclusão e igualdade de direitos.
Além disso, envolveu os alunos na aquisição e construção de conhecimento e
desenvolvimento de competências sociais e atitudinais. Importa destacar ainda os
conhecimentos implicados neste tipo de trabalho, ao nível tecnológico relacionados com
o funcionamento do software utilizado, e ao nível pedagógico pois foi necessária a
consideração de inúmeros aspetos relacionados com o contexto encontrado e com a
problemática abordada.
Entrevista final
A comparação dos dados da entrevista inicial com os dados da entrevista realizada no
final do estudo, evidenciou claramente que houve uma alteração bastante significativa
naquilo que eram os conhecimentos que os alunos tinham quer da existência de uma
unidade de Multideficiência na escola quer dos seus colegas pertencentes à turma, mas
vinculados à unidade. Ao analisar as suas reações, detetou-se uma manifestação mais
positiva do grupo, pois passaram a mostrar uma maior predisposição e interesse para
abordar e falar sobre este assunto. Mostraram-se também mais familiarizados com a
temática, demonstrando ainda saber os nomes dos colegas que frequentam a unidade.
Além disso, o seu gosto e predisposição para trabalhar, colaborando nas tarefas e
partilhando experiências com os colegas que frequentam a unidade aumentou, assim
como a consciência da importância de integrar os colegas na turma e fazê-los sentiremse parte dela.
Conclusões
A realização deste estudo foi muito compensadora e a recolha de dados permitiu
estabelecer conclusões que mostram a necessidade de uma intervenção educativa que
78
4º CRIA
contemple a inclusão de todos os alunos e a sua aceitação independentemente das
necessidades, especificidades de desenvolvimento e ritmos de aprendizagem.
De entre as conclusões, importa destacar a evolução significativa e positiva no
comportamento e nas perceções dos alunos em relação à inclusão dos seus colegas da
unidade na turma. À medida que a investigação avançava os alunos tomavam cada vez
mais consciência da importância desta problemática e apresentavam uma maior
predisposição e aceitação positiva relativamente à inclusão dos colegas com deficiência.
A promoção da inclusão destas crianças na turma foi então concretizada, pois os alunos
do grupo passaram a olhá-las como parte da turma. Verificou-se ainda que a dinâmica
estabelecida através da criação do recurso mostrou-se uma mais-valia para a
sensibilização e consciencialização do grupo, tendo sido uma oportunidade que
possibilitou a aproximação dos alunos do grupo aos alunos da unidade.
Por fim, os resultados obtidos com este estudo revelaram que a opção pela construção
de um recurso educativo foi uma estratégia muito favorável para promover a inclusão de
crianças com NEE pelos seus pares da turma, uma vez que, no final desta investigação o
grupo com o qual se desenvolveu o estudo passou a aceitar a inclusão dos seus colegas
da unidade e desenvolveu atitudes mais positivas e otimistas em relação a esta
problemática.
Referências bibliográficas
Barreto, A. (2009). Os pares e a inclusão da criança diferente na escola do primeiro ciclo.
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, Portugal.
Bogdan, R. C., & Biklen, K. S. (1994). Investigação Qualitativa em Educação. Porto: Porto
Editora, LDA.
Casas-Novas, T., Gaspar, T., & Perdigão, R. (2014). Relatório Técnico. Políticas Públicas de
Educação Especial. Lisboa: Conselho Nacional de Educação (CNE).
Correia, L. (1999). Alunos com Necessidades Educativas Especiais nas Classes Regulares.
Porto: Porto Editora, LDA.
Correia, L. (2009). Inclusão e Necessidades Educativas Especiais: Um Guia para Educadores e
Professores. Porto: Porto Editora, LDA.
Coutinho, C. P. (2014). Metodologia de Investigação em Ciências Sociais e Humanas: Teoria e
Prática. Coimbra: Edições Almedina S.A.
Madureira, I., & Leite, T. (2003). Evolução das Perspectivas sobre a Educação da criança
diferente. Em I. Madureira, & T. Leite, Necessidades Educativas Especiais (pp. 17-42).
Lisboa: Universidade Aberta.
Mesquita, M. (s.d.). O movimento de integração escolar em Portugal: da reforma veiga simão à
lei de bases do sistema educativo. Castelo Branco: Escola Superior de Educação de
Castelo Branco.
Nielsen, L. B. (1999). Necessidades Educativas Especiais na Sala de Aula. Um guia para
professores. Porto: Porto Editora, LDA.
4º CRIA
79
UNESCO. (1994). Declaração de Salamanca e Enquadramento da Acção na área das
Necessidades Educativas Especiais. Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas
Especiais: Acesso e Qualidade (pp. iii-xii; 5-47). Salamanca: UNESCO.
Decreto-Lei nº 3/2008 de 7 de janeiro. Diário da República nº 4 – I série. Lisboa: Ministério da
Educação.
80
4º CRIA
As noções espaciais e o mundo da criança
Filipa Balinha1, Ema Mamede2
Universidade do Minho, [email protected]
1
Universidade do Minho, [email protected]
1
Resumo. Este artigo foca a exploração do conhecimento informal sobre
geometria, ao nível do pré-escolar. Retrata-se aqui parte de uma
investigação que procura conhecer o sentido espacial de 20 crianças de 3
e 4 anos que frequentam a educação pré-escolar. Procuram-se respostas a
três questões: 1. Como se caracteriza o sentido espacial das crianças? 2.
O sentido espacial das crianças melhora com recurso a atividades
específicas? Analisam-se, neste artigo, as tarefas que se relacionam com
as noções espaciais – desenhos das crianças e mapas. Os resultados
sugerem que as crianças melhoraram ao nível das noções de espaço
espelhadas nos seus desenhos ao longo da intervenção. Constata-se,
também, que as crianças conseguiam utilizar algumas noções espaciais,
confirmadas na leitura de mapas e maquetas.
Palavras-chave: sentido espacial; educação pré-escolar; geometria;
matemática.
Introdução
As primeiras experiências das crianças são geométricas e espaciais, ao tentarem
compreender o mundo que as rodeia, ao distinguirem objetos e ao descobrirem graus de
proximidade entre eles (Abrantes, Serrazina & Oliveira, 1999). Em todos estes
contextos, ainda que inconscientemente, utilizamos capacidades matemáticas que
aprendemos desde crianças e que são necessárias na realização de tarefas básicas da
nossa vida.
Particularmente no pré-escolar, os documentos curriculares orientadores (Departamento
da Educação Básica [DEB], 1997; Direção Geral de Inovação e Desenvolvimento
Curricular [DGIDC], 2010; National Council of Teachers of Mathematics [NCTM],
2007) referem que a matemática está presente nas brincadeiras das crianças, no espaço e
no tempo que estas percecionam. Ressaltam, ainda, que a geometria, nomeadamente, o
sentido espacial, deve ser trabalhado na educação pré-escolar. Por isso, cabe ao
educador questionar, incentivar, encorajar, proporcionar, organizar e combinar materiais
e experiências significativas que permitam construir ideias acerca da matemática e da
geometria (DGIDC, 2010). Nas Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar
alude-se à necessidade do caráter lúdico do processo pedagógico. Assim, a matemática
pode ser útil para trabalhar esta forma lúdica da aprendizagem, pois podemos aprender
4º CRIA
81
conteúdos, por exemplo, na utilização de jogos. Concordando com Dallabona e Mendes
(2004), as atividades lúdicas são indispensáveis para o desenvolvimento da criança. O
recurso ao lúdico não compromete a seriedade nem a importância dos conteúdos
apresentados.
O presente artigo retrata parte de uma investigação que procura conhecer o sentido
espacial das crianças em idade de pré-escolar, tentando, assim, dar resposta a três
questões centrais: 1. Como se caracteriza o sentido espacial das crianças? 2. O sentido
espacial das crianças melhora com recurso a atividades específicas?
Enquadramento teórico
O estudo das formas no espaço e das suas relações é importante na medida em que
ajuda as crianças a relacionarem a matemática com o mundo real (Abrantes, Serrazina,
& Oliveira, 1999). Jones (2002) destaca a utilização da geometria em diversas áreas do
nosso quotidiano como a arte, arquitetura e a música que envolvem princípios
geométricos - simetria, perspetiva, escala e orientação. Assim, torna-se relevante a
exploração do sentido espacial.
O sentido espacial é uma capacidade que tem vindo a ser estudada por diversos autores
(McGee, 1979; Piaget & Inhelder, 1956; Sarama & Clements, 2009) e pode ser dividido
em visualização espacial e orientação espacial. A visualização espacial é a capacidade
para manipular, rodar ou inverter mentalmente um objeto apresentado graficamente. A
orientação espacial engloba a capacidade de compreender e operar com as diferentes
posições no espaço (Clements, 2004; Moreira & Oliveira, 2003). Este sentido espacial é
essencial em muitas situações tais como a escrita de números, letras e na leitura de
mapas. Posto isto, e dado que as crianças utilizam, com frequência, ideias geométricas e
espaciais para resolver problemas e tomar decisões no seu dia a dia (Moreira &
Oliveira, 2003) é importante que tenham, desde cedo, este conhecimento para que o
possam mobilizar mais rápida e eficazmente.
Piaget foi pioneiro nas investigações feitas sobre a forma como as crianças pequenas
aprendem sobre o espaço e a forma. Piaget e Inhelder (1956) acreditavam que as
primeiras noções de espaço das crianças eram as topológicas (por exemplo, perceber as
relações de aberto e fechado) e que só mais tarde as crianças construíam noções
projetivas (como as relações entre crianças e objetos, pontos de vista), euclidianas
(como distância, proporção e amplitude) e coordenadas do espaço. Estes aspetos são
82
4º CRIA
refletidos, por exemplo, na utilização de mapas e maquetas, no reconhecimento das
propriedades de figuras geométricas e nos desenhos das crianças.
Sendo os desenhos espontâneos das crianças o foco deste estudo, de acordo com Barros
e Palhares (1997), podemos encontrar nesses desenhos três estádios, após a fase da
garatuja: incapacidade sintética, realismo intelectual e realismo visual. Neste artigo
vamos estudar apenas o primeiro estádio (incapacidade sintética), dado que ao segundo
correspondem as idades 6/7 anos e 8/9 anos, respetivamente. Nesta fase, da
incapacidade sintética, é comum encontrarem-se “ausência de relações euclidianas
(distância, proporção, amplitude), relações projetivas simplistas e algumas relações
topológicas” (Barros & Palhares, 1997, p. 80) como proximidade, separação, ordenação
e fecho.
Portanto, para ajudarmos a construir o sentido espacial das crianças, devemos envolvêlas em atividades que impliquem a manipulação de materiais para que possam falar
sobre aquilo que experimentam. É fundamental lembrar que só a utilização de materiais
não garante uma aprendizagem eficaz e significativa porque o mais importante no
ensino e aprendizagem da matemática é a atividade mental a desenvolver nas e pelas
crianças. Desta forma, as crianças vão “ampliando o seu repertório e habituando-se a
relacionar o conhecimento espacial com o verbal e o analítico.” (Moreira & Oliveira,
2003, p. 99). Assim, torna-se essencial proporcionar às crianças em idade de pré-escolar
o contato com atividades promotoras do desenvolvimento do seu sentido espacial.
Relembrando que o presente artigo procura conhecer o sentido espacial das crianças em
idade de pré-escolar, tenta dar-se resposta a: 1. Como se caracteriza o sentido espacial
das crianças? 2. O sentido espacial das crianças melhora com recurso a atividades
específicas?
Metodologia
Adotou-se uma metodologia de caráter qualitativo de acordo com Bodgan e Biklen
(2006), com contornos de investigação ação. Segundo Latorre (2004) a investigação
ação constitui uma família de atividades que o educador/professor realiza com
determinadas finalidades: desenvolvimento curricular e profissional, melhoria da prática
educativa, planificação e desenvolvimento. Máximo-Esteves (2008) argumenta que a
investigação ação, procurando melhorar o desempenho e a ação, integra uma espiral
com as seguintes fases: planificar, agir, observar e refletir. Assim, tendo este estudo um
4º CRIA
83
caráter exploratório centrado na prática educativa do pré-escolar, considerou-se ajustada
uma abordagem qualitativa (Bodgan & Biklen, 2006) sustentada na investigação ação.
Participou neste estudo um grupo de 20 crianças com idades compreendidas entre os 3/4
anos, que frequentavam a educação pré-escolar, em Braga. Procurou-se acompanhar as
reações das crianças a uma intervenção composta por 9 tarefas relacionadas com o
sentido espacial, nomeadamente, das noções espaciais – desenhos e mapas. A seleção
destas tarefas resulta de uma preocupação em facultar, às crianças, contacto com
algumas tarefas sobre o sentido espacial.
A apresentação destas 9 tarefas ocorreu durante 9 sessões, de, aproximadamente, 60
minutos. As tarefas propostas foram de resolução individual, estando as crianças
organizadas em pequenos grupos (5 crianças) e em grande grupo (20 crianças).
Neste artigo pretende perceber-se como se caracteriza o sentido espacial das crianças.
Assim, o artigo foi planeado para ocorrer em três grandes momentos (Figura 1) que
integram duas avaliações e um período de intervenção entre eles.
Figura 1. Esquema da intervenção.
A avaliação inicial, aplicada no início do projeto, pretendia diagnosticar e conhecer o
desempenho das crianças, para perceber como se caracteriza o seu sentido espacial no
que respeita à orientação espacial. As crianças tiveram oportunidade de desenvolver as
suas competências espaciais ao nível das noções de espaço – desenhos das crianças e
mapas.
A intervenção ocorreu em 9 sessões, onde foram dadas oportunidades para as crianças
desenharem segundo uma temática, explorarem e construírem mapas e maquetas,
ouvirem histórias, com o intuito de desenvolver competências espaciais.
O projeto terminou com a avaliação final, onde se incluíam tarefas com propósito
semelhante às realizadas na avaliação inicial facilitando, assim, a comparação entre os
desempenhos das crianças. Procurou-se que estas avaliações servissem como
instrumento regulador, permitissem responder às perguntas de investigação e perceber
que alterações ocorreram nos desempenhos e ideias das crianças, para perceber o que
aprenderam durante o período de intervenção.
84
4º CRIA
Tabela 1. Caracterização sucinta das tarefas de investigação.
Avaliação
inicial
Tarefa 1
Tarefa 2
Desenho temático das crianças
Mapa para visita de estudo
Desenho da criança a partir de uma
história
Mapas - lateralidade
Mapa da sala e exploração
Mapas - GPS
Desenho temático das crianças
Exploração de uma maqueta
Tarefa 3
Intervenção
Avaliação final
Tarefa 4
Tarefas 5 e 6
Tarefa 7
Tarefa 8
Tarefa 9
Os dados foram recolhidos com recurso a gravação vídeo e áudio, fotografia, registos
escritos das resoluções das crianças e notas de campo da investigadora, uma das autoras
deste artigo.
Resultados
Avaliação Inicial
Noções Espaciais – Desenhos das Crianças
Na Tarefa 1 foi pedido às crianças que desenhassem o seu pai. Em pequenos grupos,
cada uma tinha uma folha de tamanho A4 e tinha ao seu dispor materiais riscadores
(marcadores, lápis de cor, lápis de cera). Depois de terminarem o desenho, as crianças
deviam recordar o nome do pai e as investigadoras escreviam-no ao lado ajudando-os,
também, a desenvolver a consciência de palavra. Durante esta tarefa, constatou-se que
algumas crianças tinham alguma dificuldade em adequar o tamanho das cabeças e
desenhar o corpo proporcionalmente. Além disso, demostravam dificuldade em
distanciar as pernas e os braços da cabeça juntando-os, muitas vezes. Neste sentido,
dividiram-se os desenhos das crianças em três grupos: 1) Aqueles em que se denota uma
fraca separação, ordenação e proporção (Figura 2); 2) Os que começam a desenvolver
alguma consciência do espaço da folha e a colocar os braços e as pernas abaixo do
cabeça, demonstrando, por isso, ter adquirido noções de separação e de ordenação, e de
proporção ao adequarem a cabeça ao tamanho do corpo, mas não demonstram não ter
utilizado fecho (Figura 3); 3) Um último grupo de crianças que revela utilizar relações
topológicas - proximidade, separação, ordenação e fecho - nos desenhos do corpo
humano que faziam, mostrando perceber que o corpo humano tem conteúdo e não pode
ser representado apenas por traços (Figura 4). Além disso, demonstram noções de
proporção ao adequarem o tamanho das cabeças ao do corpo.
4º CRIA
85
Figura 2. Desenhos que mostram ausência de separação e ordenação.
Figura 3. Exemplo de desenhos que demonstram não ter adquirido fecho.
Figura 4. Desenhos que mostram proximidade, separação, ordenação e fecho.
Perante esta avaliação inicial, mostrou-se relevante trabalhar com as crianças os seus
desenhos, para que pudessem evidenciar, nos mesmos, mais noções espaciais.
Noções Espaciais – Mapas
A Tarefa 2 surgiu durante a preparação da visita à Quinta de Santo Inácio, organizada
pela instituição. Esta visita de estudo ajudou a perceber que noções espaciais tinham as
crianças ao nível da localização espacial. Começou-se por lhes perguntar “Como é que
o senhor motorista vai saber o caminho amanhã?”. Prontamente responderam que ele ia
ver no mapa. Perante isto, foi-lhes perguntado se podiam ver noutro local e uma das
crianças referiu que também podia ver no GPS (Global Position System) e explicou o
seu funcionamento (“Vês assim a estrada e segues”). Assim, decidiu-se fazer a analogia
e perguntar-lhes “Se nós tivéssemos uma formiga na nossa sala, como é que ela sabia ir
86
4º CRIA
de uma área para a outra?” à qual responderam “Temos de fazer um mapa para ela”.
Neste sentido, surgiu a ideia de criarmos um mapa da sala para uma formiga que lá
passasse. No final do lanche, entusiasmadas com os mapas, as crianças decidiram
construir um mapa para levarem no dia seguinte e fizeram-no todas em grupo. À
pergunta sobre o que devemos desenhar no mapa, as crianças apresentaram várias
sugestões e quiseram desenhá-las no mapa (Figura 5). Depois de construído o mapa,
afixamo-lo na sala e explicaram o caminho que seria efetuado pelo condutor do
autocarro – a preto na figura (Figura 5).
Figura 5. Construção do mapa e mapa para a Quinta de Santo Inácio.
Quando chegamos à quinta, uma criança fez questão de mostrar o mapa lá existente
(Figura 6). Com esta tarefa denotou-se que as crianças já tinham ideias sobre para que
servia um mapa e um GPS, contudo, os conceitos de lateralidade (esquerda, direita) e as
noções espaciais frente, trás, à frente, atrás eram ainda incipientes em algumas crianças
(constatou-se durante a visita).
Figura 6. Mapa na Quinta de Santo Inácio.
A avaliação inicial permitiu perceber aquilo que as crianças já sabiam sobre os
conceitos abordados e serviu de base às propostas da intervenção.
4º CRIA
87
Intervenção
Noções Espaciais – Desenhos das Crianças
Na Tarefa 3 as crianças deviam utilizar e demonstrar as noções espaciais que possuíam,
através da realização de desenhos. Para isso, levou-se o computador e, em pequeno
grupo, as crianças puderam ouvir na biblioteca de livros digitais do Plano Nacional de
Leitura (PNL) “Os opostos” (Letria, 2003). Depois, foi-lhes pedido que os recordassem
e os desenhassem ou que dissessem duas palavras contrárias e as desenhassem. Desta
tarefa salienta-se que os desenhos de algumas crianças eram fidedignos às imagens,
mesmo sem as observarem novamente (Figura 7) o que também demonstra a capacidade
de memória visual. Além disso, no desenho desta criança é evidente a presença de
relações euclidianas como distância e proporção. No entanto, este aspeto não foi
encontrado na literatura, que nos diz que neste estádio é comum encontrar-se uma
ausência destas relações (Barros & Palhares, 1997).
Figura 7. Desenho de uma criança e imagem original (desenhou sem voltar a observar).
Outras crianças mostraram, através dos desenhos que fizeram, ter adquiridas algumas
relações euclidianas, nomeadamente, de proporção (a raposa grande e o pintainho
pequeno) ainda que Piaget e Inhelder (1956) considerem que as relações euclidianas
estão ausentes na faixa etária que estas crianças se encontram - o estádio da
incapacidade sintética (Figura 8). Demonstraram, ainda, usar relações topológicas como
separação, fecho e continuidade.
88
4º CRIA
Figura 8. Desenhos que denotam a utilização de relações euclidianas e topológicas.
Os desenhos de um outro grupo de crianças assemelhavam-se ao regresso à fase de
garatuja (Figura 9).
Figura 9. Exemplos de desenhos que revelam poucas noções espaciais.
Desta tarefa concluiu-se que algumas das crianças tinham já atingido o estádio da
incapacidade sintética proposto por Piaget e Inhelder (1956) e para confirmar esse
aspeto aplicou-se a avaliação final - Desenhos para “O livro dos jogos dos pais”.
Noções Espaciais – Mapas
Depois da tarefa da avaliação sobre as noções espaciais - mapas, tornou-se evidente a
necessidade de trabalhar essas noções – Tarefa 4. Para isso, com a ajuda da Educadora
da sala, colocaram-se fitas coloridas nos braços das crianças (uma fita de cada cor para
cada braço) (Figura 10) e foi-lhes dito que a pulseira azul seria a esquerda e a cor de
rosa a direita.
Figura 10. Crianças com as fitas nos braços.
Começou-se por lhes pedir para levantarem a mão direita e depois a esquerda e foramse alternando estes pedidos até constatar que a maior parte do grupo o fazia
corretamente.
4º CRIA
89
De seguida, colocou-se a música “Vem que eu vou-te ensinar” e fez-se o que a mesma
solicitava: “mão direita à frente, mão direita atrás, roda roda, roda e não saias do lugar,
vem que eu vou-te ensinar” que repetia para a mão esquerda e para os pés (direito e
esquerdo). Com esta música também foi possível trabalhar as noções espaciais frente e
trás. De seguida, foi-lhes pedido que se colocassem em fila (Figura 11) e que se
deslocassem para o lado pedido. Para além de identificarem a mão esquerda e direita,
conseguiram fazê-lo também para o pé e ombro (mesmo não tendo fita) e também com
o corpo todo.
Figura 11. Crianças em fila.
Depois de se trabalharem as noções espaciais, era necessário aplicar esse conhecimento
na construção do mapa da sala.
Para a construção do mapa da sala – Tarefa 5 - começou-se por pedir às crianças para
fecharem os olhos e imaginarem a sala vista de cima. De seguida, deu-se a cada uma
delas uma imagem de um objeto da sala visto de cima. Estas deviam identificar onde se
encontrava na sala e colocá-lo no sítio correto do mapa (Figura 12). Salienta-se que
eram fotografias reais, tiradas da sala de atividades, recortadas e plastificadas
previamente.
90
4º CRIA
Figura 12. Construção do mapa da sala.
Durante esta tarefa, as crianças cooperaram umas com as outras, iam discutindo se
estava correto promovendo a comunicação matemática e quando não estava corrigiam o
local onde essa imagem devia ser colocada. Esta construção resultou num produto final
(Figura 13) e, para a construção do mesmo, foi necessário fotografar e medir cada
objeto da sala, de modo a fazer uma escala para cada objeto do mapa. Além disso,
colocou-se velcro e plastificou-se cada um deles para facilitar o manuseamento.
Figura 13. Mapa da sala.
Na Tarefa 6, as crianças deviam localizar uma imagem de um objeto no mapa e
encontrá-lo na realidade. O mesmo acontecia quando lhes era pedido para o
encontrarem na sala e colocarem a imagem do objeto no local correto. No geral, todas
as crianças conseguiram fazer o solicitado (Figura 14). Durante o desenrolar da mesma,
recordaram-se as noções espaciais: cima/baixo; esquerda e direita.
Figura 14. Crianças a colocarem a imagem no mapa e a procurarem o objeto na realidade,
respetivamente.
4º CRIA
91
Depois de manipular os objetos e as imagens correspondentes, utilizou-se o boneco que
as crianças já conheciam da atividade de construção do mapa (que tem uma fita de cada
cor em cada braço que corresponde à esquerda e à direita) e pediu-se-lhes para
identificarem, no mapa, o objeto da sala que estava à esquerda/à direita/à frente ou atrás
do boneco (Figura 15).
Figura 15. Criança a localizar espacialmente o boneco.
Neste sentido, importa salientar que os documentos orientadores da educação préescolar (ver DEB, 1997; DGIDC, 2008; NCTM, 2007) abordam a visualização e a
orientação espacial como necessárias a serem trabalhadas no pré-escolar. Aliás, para
além de a consagrarem no âmbito da geometria e medida, aparecem contempladas em
todas as áreas do saber. Portanto, para ajudarmos a construir o sentido espacial das
crianças, devemos envolvê-las em atividades que impliquem a manipulação de materiais
para que possam criar imagens mentais, ampliando o seu reportório e relacionando o
conhecimento espacial com o verbal e o analítico (Moreira & Oliveira, 2003).
A Tarefa 7 surge na sequência da devolução de uns caracóis que viveram na sala ao seu
habitat natural. Durante a manhã foi planificado, recorrendo ao GPS, o percurso a
percorrer até ao parque da Ponte. À tarde, as crianças seguiram as orientações do
mesmo - iam ouvindo quando dizia “em frente, para a esquerda, para a direita” (Figura
16).
Figura 16. Crianças a seguirem as orientações do GPS.
92
4º CRIA
Avaliação final
Noções Espaciais – Desenhos das Crianças
A Tarefa 8 consistiu na construção de um livro que compilava “Os jogos dos Pais” deste
grupo de crianças quando eram pequenos. Para este artigo, importa perceber as
alterações entre os desenhos da avaliação inicial e os desenhos da avaliação final e, para
tal, os mesmos serão agrupados.
Há crianças em que se nota claramente uma melhoria de algumas relações espelhadas
nos seus desenhos. Ao nível das relações euclidianas, nomeadamente, a proporção ao
adequarem a cabeça ao resto do corpo e de relações topológicas como separação,
ordenação, fecho e continuidade (Figuras 17 e 18.).
Figura 17. Melhoria dos desenhos de SB da avaliação inicial para a avaliação final,
respetivamente.
Figura 18. Melhoria dos desenhos de LE do da avaliação inicial para a avaliação final,
respetivamente.
Um outro grupo de crianças mostrou melhorar na construção de algumas relações
projetivas simplistas, como na colocação das crianças em roda (Figura 19), tal como a
literatura previa (Barros & Palhares, 1997; Piaget & Inhelder, 1956).
4º CRIA
93
Figura 19. Melhoria dos desenhos de D da avaliação inicial para a avaliação final,
respetivamente.
Neste sentido, e em relação às noções espaciais espelhadas nos desenhos deste grupo de
crianças, pode-se concluir que nem todas se encontram ao mesmo nível. Há algumas
que parecem ter melhorado por apresentarem relações euclidianas mais complexas,
como é o caso das crianças que desenhavam as cabeças enormes em relação ao corpo na
avaliação inicial e, na avaliação final, revelaram ter adquirido a proporção. Outras há
que melhoraram ao nível das relações projetivas, ainda que no estádio da incapacidade
sintética, referido por Piaget e Inhelder (1956), estas sejam simplistas. Salienta-se,
ainda, que as crianças demonstraram utilizar relações euclidianas, como a proporção,
apesar de Barros e Palhares (1997) considerarem que neste estádio elas estão ausentes
(Figura 20).
Noções Espaciais – Mapas
Figura 20. Melhoria dos desenhos de P da avaliação inicial para a avaliação final,
respetivamente.
Para compreender que noções espaciais tinham aprendido as crianças, recorreu-se a uma
maquete com casas e, novamente, ao boneco conhecido das crianças. Desta vez, as
crianças tinham de identificar a casa que se encontrava à frente do boneco, atrás, à
esquerda e à direita, mesmo quando se mudava o boneco de sítio. Começou-se por
94
4º CRIA
perguntar a uma das crianças e as outras concordavam ou refutavam e, neste último
caso, teriam de explicar a sua resposta, promovendo, desta forma, a comunicação
matemática (Figuras 21 e 22).
Figura 21. Maquete e boneco.
Figura 22. Manipulação do boneco e respetiva discussão.
De facto, com esta atividade, compreendeu-se que um maior número de crianças
conseguiu responder corretamente e que se corrigiam entre elas o que evidencia, uma
vez mais, o desenvolvimento da sua comunicação matemática.
Constatou-se, deste modo, que as crianças conseguiam utilizar as noções espaciais:
esquerda, direita, frente, trás, atrás, à frente, em cima e em baixo, algumas delas já sem
se fixarem nas cores das mãos dos bonecos, tal como utilizado com as crianças durante
a tarefa 6, a de exploração do mapa da sala.
Considerações Finais
Depois de analisadas as tarefas, chegaram-se a algumas conclusões. Da análise dos
desenhos das crianças, nomeadamente, das noções de espaço espelhadas nos seus
desenhos, as crianças revelaram melhorias. Na faixa etária em que se encontram, de
acordo com Piaget e Inhelder (1956), – estádio da incapacidade sintética – é comum
encontrarem-se “ausência de relações euclidianas (distância, proporção, amplitude),
simplistas relações projetivas e algumas relações topológicas” (Barros & Palhares,
1997, p. 80). Apesar das opiniões destes autores, surpreendentemente, houve crianças
4º CRIA
95
que começaram a separar uns objetos dos outros (distância) nos desenhos que faziam,
evidenciando a utilização de relações euclidianas. Outras desenharam as cabeças
enormes em relação ao corpo na avaliação inicial, mas na avaliação final revelaram ter
adquirido algumas noções de proporção, ajustando as dimensões das partes dos corpos
nos seus desenhos. Nas relações topológicas, as crianças melhoraram e mostraram ter
adquirido proximidade, separação, ordenação, fecho e continuidade. Ao nível das
relações projetivas, confirma-se o que a literatura afirma pois eram, ainda, simplistas.
Constatou-se, ainda, ao nível das noções espaciais, nomeadamente, na utilização de
mapas e maquetas, que as crianças conseguiam utilizar as noções espaciais esquerda,
direita, frente, trás, atrás, à frente, em cima e em baixo, algumas delas já sem se fixarem
nas cores das mãos do boneco utilizado. Este aspeto confirma a ideia de que o sentido
espacial é essencial na leitura de mapas (McGee, 1979; Piaget & Inhelder, 1956;
Sarama & Clements, 2009) e que a perceção das relações espaciais se encontra
adquirida.
Concordando com Bishop (1980), desenvolver o conhecimento informal da geometria
na educação infantil é bastante benéfico porque estimula nas crianças ideias positivas
sobre a geometria e fornece às crianças saberes que lhes são úteis no seu dia a dia.
Facilita, também, a relação do saber matemático com as outras áreas do saber, como o
português. Por isso, crianças que desenvolvem relações espaciais e que dominam a
geometria estão melhor preparados para aprender números e outros temas matemáticos
avançados porque desenvolvem o seu pensamento e agem positivamente face à
matemática (NCTM, 1996, 2007).
Além disso, e como a matemática também pode ser considerada uma forma de
comunicação, é essencial que as explorações que fazemos nesse âmbito funcionem
como um espaço onde as crianças podem comunicar as suas ideias, tal como aconteceu
na exploração do mapa. Neste sentido, as atividades em grupo são extremamente
importantes, uma vez que permitem à criança aprender a trabalhar com os colegas e,
logicamente, a comunicar. A comunicação matemática favorece a concentração,
enriquece o vocabulário espacial da criança e ajuda-a a desenvolver as competências de
visualização (Alves & Gomes, 2012).
Durante todo este processo, denotou-se, ainda, que a motricidade fina das crianças
melhorou de uma avaliação para a outra. O sentido espacial das crianças em idade préescolar parece poder ser compreendido por cada um dos tópicos em que foi divido, ou
seja, noções espaciais – desenhos das crianças e mapas.
96
4º CRIA
Esta investigação torna evidente a necessidade de proporcionar às crianças em idade
pré-escolar, o contacto com a matemática e com a utilização correta dos vocábulos. Se
estes forem introduzidos e utilizados de forma contextualizada, enriquecem o
vocabulário das crianças e fazem-nas falar corretamente sobre o seu mundo, o mundo
da criança.
Mais investigação é necessária sobre o desenvolvimento das noções espaciais em
crianças em idade pré-escolar. Seria pertinente ampliar o conjunto de desenhos
propostos a cada criança obtendo uma maior visão das relações neles espelhadas.
Referências Bibliográficas
Abrantes, P., Serrazina, L., & Oliveira, I. (1999). A Matemática na Educação Básica. Lisboa:
Ministério da Educação - Departamento da Educação Básica.
Alves, C. S., & Gomes, A. (2012). Perceção de relações no espaço por crianças dos 3 aos 7
anos. Atas Seminário em Investigação em Educação Matemática SIEM (pp. 181-192).
Coimbra: APM.
Barros, M. G., & Palhares, P. (1997). Emergência da Matemática no Jardim-de-Infância. Porto:
Porto Editora.
Bishop, A. J. (1980). Spatial abilities and mathematics education - a review. Educational
Studies in Mathematics, 11(3), 257-269.
Bivar, A., Grosso, C., Oliveira, F., & Timóteo, M. C. (2013). Programa e Metas Curriculares
Matemática - Ensino Básico. Lisboa: Governo de Portugal - Ministério da Educação e
Ciência.
Bodgan, R., & Biklen, S. (1991). Investigação qualitativa em educação - Uma introdução à
teoria e aos métodos. Porto: Porto editora.
Clements, D. H. (2004). Geometric and Spatial Thinking in Early Childhood Education. In D.
H. Clements, & J. Sarama, Engaging Young Children in Mathematics (pp. 267-298).
United States of America: Lawrence Erlbaum Associates.
Dallabona, S. R., & Mendes, S. M. (2004). O Lúdico na Educação Infantil: Jogar, brincar, uma
forma de educar. Revista de divulgação técnico-científica do ICPG, 1(4), 107 - 112.
Departamento da Educação Básica. (1997). Orientações Curriculares para a Educação PréEscolar. Lisboa: Editorial do Ministério da Educação.
Direção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular (2010). Metas de aprendizagem.
Retirado em 22 de abril de 2014, de http://metasdeaprendizagem.dge.mec.pt/educacaopre-escolar/apresentacao/.
Jones, K. (2002). Issues in the teaching and learning geometry. In L. Haggarty (Ed.), Aspects of
Teaching Secondary Mathematics: perspectives on pratice (pp. 121-139). London:
RoutledgeFalmer.
Letria, A. (2003). Os opostos. Porto: Ambar.
Martins, I. M. (2010). Siga a seta. Carcavelos: Planeta Tangerina.
Máximo-Esteves, L. (2008). Visão Panorâmica da Investigação-Ação. Porto: Porto editora.
4º CRIA
97
McGee, M. G. (1979). Human Spatial Abilities: Psychometric Studies and Environmental,
Genetic, Hormonal, and Neurogical Influences. Psychological Bulletin, 86(5), 889-918.
Moreira, D., & Oliveira, I. (2003). Iniciação à Matemática no Jardim de Infância. Lisboa:
Universidade Aberta.
National Council of Teachers of Mathematics. (1996). Curriculum and Evaluation standards
for school mathematics. Virginia, United States of America: Lybrary of Congress.
National Council of Teachers of Mathematics. (2007). Princípios e Normas para a Matemática
Escolar. Lisboa: Associação de Professores de Matemática
Piaget, J., & Inhelder, B. (1956). The child's conception of space. United States of America: The
Norton Library.
Sarama, J., & Clements, D. H. (2009). Geometry and Spatial Thinking. In J. Sarama, & D. H.
Clements, Early Childhood Mathematics Education Research (pp. 159-269). New York:
Routledge.
98
4º CRIA
Trilhando uma quinta pedagógica com a Matemática
Fátima Fernandes1, Isabel Vale2, Pedro Palhares3
1
Escola Superior de Educação de Viana do Castelo, [email protected]
2
Escola Superior de Educação de Viana do Castelo, [email protected]
3
Instituto de Educação (CIEC), Universidade do Minho, [email protected]
Resumo. Os contextos não formais oferecem oportunidades de exploração
do meio envolvente que não podem ser replicadas dentro da sala de aula,
uma vez que permitem às crianças explorar, experimentar, fazer escolhas,
desenvolver a autonomia, arriscar e identificar ou resolver desafios de
forma criativa, segura e significativa. Neste contexto surgem os trilhos
matemáticos como forma de os alunos usarem e aplicarem, em contexto
real, a matemática que aprenderam na sala de aula, através da resolução
de situações propostas ao longo de um trilho. No âmbito de um estudo mais
abrangente sobre a matemática fora da sala de aula, construíram-se três
trilhos matemáticos, e implementaram-se com alunos do 3º ano de
escolaridade, com o objetivo de analisar o envolvimento, o desempenho e a
criatividade dos participantes nas resoluções apresentadas. Neste texto,
tendo por base apenas um desses trilhos, mostra-se que os alunos
manifestaram grande envolvimento na resolução das tarefas propostas pelo
trilho, pois as situações eram-lhes familiares; conseguiram mobilizar o
conhecimento adquirido durante as aulas estabelecendo, nalguns casos
conexões com outras áreas; e identificaram-se traços de criatividade nas
produções apesentadas.
Palavras-chave: Tarefas matemáticas; Contextos não formais de
aprendizagem; Trilhos matemáticos; Criatividade.
Introdução
As constantes mudanças da sociedade colocam os indivíduos perante múltiplos desafios
aos quais têm que dar resposta. A escola assume um papel importante na preparação dos
jovens na medida em que pode incrementar o potencial criativo dos mesmos para
produzir novas ideias e encontrar soluções individuais ou coletivas para esses desafios
(Vale, 2012). Nas últimas décadas a investigação tem-se debruçado sobre a criatividade,
conceito amplo e para o qual não há consenso sobre o significado.
Na matemática, a resolução e formulação de problemas tem-se revelado um campo
privilegiado para desenvolver a criatividade (Silver, 1997), pelo que importa criar
situações de aprendizagem desafiantes e criativas que promovam a motivação e o
envolvimento cognitivo dos alunos para resolver e formular problemas na procura de
soluções válidas.
4º CRIA
99
Este artigo decorre da conceção e implementação de um trilho matemático com o
propósito de perceber como é que estas crianças do 1º ciclo do ensino básico reagem às
tarefas matemáticas fora da sala de aula, que tarefas preferem, que conhecimentos
mobilizam e que evidências de criatividade manifestam na resolução das tarefas.
De seguida, faz-se a fundamentação teórica dos principais temas envolvidos,
nomeadamente o papel das tarefas e dos contextos não formais na aprendizagem da
matemática e a criatividade em matemática. Posteriormente, apresentam-se o contexto,
as opções metodológicas, os procedimentos e alguns resultados preliminares do estudo
referentes a opções de enquadramento das tarefas, ao conhecimento mobilizado e às
reações e desempenho dos alunos em quatro dessas tarefas.
Os trilhos matemáticos - um contexto não formal para a aprendizagem da
matemática
Os contextos não formais de ensino e aprendizagem da matemática podem contribuir de
forma significativa para a expansão e para o enriquecimento do conhecimento dos
alunos (Kenderov et al., 2009), complementando a aprendizagem considerada formal,
que ocorre em instituições escolares e está vinculada a currículos oficiais. São espaços
privilegiados para experiências de interação entre indivíduos e entre estes e o meio
ambiente, o que pode estimular a “disposição produtiva” para aprender e,
consequentemente, ajudar a reconhecer a utilidade e a pertinência da matemática e
encará-la como uma área do conhecimento acessível a todos (Dooley, Dunphy & Shiel,
2014).
As tarefas matemáticas realizadas nestes contextos alternativos à sala de aula habitual
são consideradas mais motivadoras (Hayden, 2009) e favorecem o envolvimento dos
alunos incluindo os mais relutantes (Patterson, 2009). Essas tarefas podem ser
exploradas a partir de situações reais, contribuindo para a construção ou consolidação
do significado de conceitos ou processos de forma consistente (Wager, 2012) e para o
conhecimento e interpretação da realidade de forma mais crítica (Bonotto & Basso,
2001).
A generalidade dos ambientes não formais permite a formulação e resolução de tarefas
que envolvam diversos conteúdos. De acordo com Boavida, Paiva, Cebola, Vale e
Pimentel (2008), esta articulação é importante para que os alunos entendam a
matemática como uma “teia de relações” entre os diferentes domínios matemáticos e
entre estes e outras áreas curriculares. Neste sentido, sugerem a realização de situações
de aprendizagem que proporcionam relações entre conteúdos matemáticos distintos
100
4º CRIA
(conexões dentro da matemática), conexões entre a matemática e a realidade e da
matemática com outras áreas curriculares. Estas conexões contribuem para uma
compreensão mais profunda e duradoura e para que a matemática seja reconhecida
como útil (NCTM, 2000).
De entre vários tipos de experiências de aprendizagem que podem decorrer em
contextos não formais, encontram-se os trilhos matemáticos. Os trilhos ainda não são
um recurso frequente nas aulas de matemática em Portugal, contudo há já trabalhados
realizados no âmbito da Formação de Professores (e.g. Barbosa, Vale, & Ferreira,
2015).
Por trilho matemático entende-se uma série de paragens ao longo de um percurso prédefinido, nas quais os participantes exploram matemática no espaço envolvente (Cross,
1997). Constituem oportunidades de levar para o contexto conceitos ou processos
abordados, por vezes de forma abstrata, na sala de aula e tomar consciência da
aplicabilidade dos mesmos em situações reais (Richardson, 2004).
Nas paragens dos trilhos, os alunos realizam um conjunto de tarefas matemáticas que
estão na base da aprendizagem, pois são segmentos da atividade da aula cujo propósito
é desenvolver uma ideia matemática específica (Stein & Smith, 2009). Na realização
das tarefas, os estudantes, num tempo predefinido, raciocinam conceptualmente e
envolvem-se por forma a criarem conexões (Stein & Smith, 2009). A aprendizagem da
matemática implica que haja atividade ao ouvir, observar, investigar, resolver,
comunicar, raciocinar ou refletir sobre conceitos, estratégias e procedimentos
matemáticos (Copley, 2000; NCTM, 2000; Ponte, 2005), o que pode ser proporcionado
pelos trilhos. Na verdade, estas experiências de aprendizagem podem fomentar a
resolução e formulação de problemas, a comunicação, o estabelecimento de conexões, a
aplicação de conhecimentos a situações reais e o desenvolvimento de capacidades em
situações diversificadas, algumas das quais nem sempre suscetíveis de realizar em sala
de aula. Permitem experimentar, observar, medir, recolher e registar dados que podem
ser manipulados e interpretados posteriormente na sala de aula (Richardson, 2004) e
proporcionam a articulação da aprendizagem formal e não formal, contribuindo para
uma aprendizagem mais significativa (Wager, 2012).
A Criatividade em matemática
4º CRIA
101
Numa sociedade que evolui de forma tão célere é essencial que, em todos os domínios,
haja criatividade para procurar soluções válidas, rápidas e inovadoras para os problemas
que vão emergindo.
Nas últimas décadas têm surgido diversos estudos em torno da criatividade no processo
de ensino e aprendizagem de várias áreas, incluindo a matemática (e.g. Leikin, 2009;
Mann, 2006; Silver, 1997; Vale & Pimentel, 2012), manifestando preocupação com o
desenvolvimento desta capacidade nos estudantes. Parece haver múltiplas definições
para criatividade matemática pelo facto de existirem diferentes formas de a expressar
(Mann, 2006). A partir das definições que Mann (2006) selecionou para mostrar a
diversidade e as diferentes perspetivas, Vale e Pimentel (2012) identificaram ideias
convergentes em algumas dessas definições, das quais destacaram a relação da
criatividade com o pensamento divergente, com conceitos como a fluência, a
flexibilidade e a originalidade e com a resolução e formulação de problemas.
O pensamento divergente é associado à criatividade, pelo facto de envolver uma forma
de pensar que procura todas as possibilidades e a melhor forma de encontrar a ou as
respostas para uma situação, opondo-se assim ao pensamento convergente que é
orientado para encontrar apenas uma solução e de uma única forma considerada mais
correta (Guiford,1967, referido por Mann, 2006; Vale & Pimentel, 2012).
Os conceitos de fluência, flexibilidade e originalidade são considerados três dimensões
da criatividade e são três das componentes da resolução de problemas (Vale, 2011). A
fluência refere-se à capacidade de produzir um grande número de ideias, a flexibilidade
é a capacidade de pensar de formas diferentes e a originalidade refere-se à capacidade
de pensar de forma única (Vale, 2011).
A resolução e formulação de problemas são situações de aprendizagem privilegiadas
para desenvolver as capacidades de fluência, flexibilidade e originalidade, sendo que
estas duas últimas estimulam o pensamento divergente (Vale & Pimentel, 2012). Ao
resolver problemas, sobretudo os que são pouco estruturados e apresentam um elevado
grau de abertura, os alunos devem ser estimulados a procurar diversas respostas, se
possível, e originais. Ao formular problemas, os alunos tomam consciência da sua
estrutura, o que contribui para desenvolver o raciocínio, o pensamento crítico e a
comunicação matemática (Vale & Pimentel, 2012). Deste modo, a criatividade pode ser
desenvolvida na aula de matemática quando são propostas tarefas de resolução de
problemas, que suscitem vários modos de resolução, dentro e fora da sala de aula.
102
4º CRIA
Metodologia
Para este trabalho foram considerados apenas os resultados de um dos trilhos
produzidos e realizados no âmbito de uma investigação mais abrangente. Trata-se de
uma investigação qualitativa, com uma abordagem do tipo estudo de caso, que incide
sobre uma turma do 3º ano de escolaridade.
Como a investigadora não era professora da turma, houve vários contactos prévios com
os alunos, na sala de aula, para falar sobre os trilhos e para recolher dados sobre o
comportamento, o tipo de dinâmicas a que estão habituados e o nível de conhecimentos
sobre os tópicos programáticos selecionados para as tarefas.
As tarefas do trilho, com diferentes graus de desafio, foram elaboradas com base em
elementos do percurso. Abrangem os conteúdos matemáticos programados para o 3º
ano de escolaridade e alguns temas de outras áreas do saber. Alguns enunciados focam
objetivos definidos pelo contexto onde se realizou o trilho, nomeadamente: sensibilizar
para problemáticas ambientais e respetivas soluções e dar a conhecer espécies animais e
vegetais autóctones, técnicas e dinâmicas da exploração agrícola minhota e algum
património rural.
Este contexto refere-se a uma quinta pedagógica, localizada junto à escola, que foi
criada com a intenção de aproveitar e dinamizar a exploração agrícola, silvícola e
pastoril. Integra um núcleo de albergue e produção animal (parques ao ar livre,
estábulos e cavalariças, galinheiro, picadeiro, apiários e um lago) e um núcleo de
produção vegetal (horta, viveiros, estufa, pomares, campo de aromáticas e medicinais,
jardins e floresta). Em paralelo, organiza atividades de (in)formação com vista à
sensibilização da preservação e valorização do ambiente e do espaço rural e ao ensino
de técnicas de culturas agropecuárias e florestais. Concentra, ainda, várias
infraestruturas e equipamentos relacionados com alojamento, recreio e lazer.
Para a realização do trilho, os alunos foram organizados, pela docente da turma, em seis
grupos de três elementos, mais ou menos uniformes a nível de conhecimentos. Cada
grupo foi acompanhado por um aluno do 2º ano da Licenciatura em Educação Básica,
que transportou material suplente, registou dados, leu as orientações do guião e
esclareceu dúvidas relacionadas com a interpretação da informação. Estes orientadores
já conheciam o percurso a realizar, porém só conheceram as tarefas no dia da
implementação.
4º CRIA
103
Cada participante recebeu material de escrita e um guião com 16 tarefas, com o total de
32 questões. No guião, havia sempre informação introdutória ao tema de cada tarefa e,
no final de cada página, havia pistas sobre o percurso a realizar até à próxima tarefa.
Os grupos iniciaram o percurso em momentos diferentes para evitar que se
aglomerassem nas paragens. Esta experiência de aprendizagem demorou cerca de três
horas.
Os dados foram recolhidos através dos guiões, fotografias, gravações áudio, notas de
campo decorrentes da observação participante e das entrevistas semiestruturadas
realizadas alguns dias após o trilho.
Resultados e discussão
Neste campo descreve-se o enquadramento das tarefas no património da quinta,
evidencia-se o conhecimento mobilizado pelos alunos, descrevem-se algumas reações e
apreciações sobre esta experiência, apresentam-se algumas revelações dos participantes
registadas durante e após a implementação do trilho e infere-se quanto à originalidade
na resolução. A originalidade é analisada por comparação de cada resposta com as dos
colegas da turma. A flexibilidade e a fluência não serão analisadas pelo facto de a
generalidade das questões não sugerir a apresentação de mais do que uma solução.
Na impossibilidade de analisar os resultados de todas as tarefas, apresentam-se apenas
as quatro mais apreciadas pelos participantes.
Tarefa 2 - Plantação de vinha
Numa Visita a esta quinta, o Sr. João observou diversas formas de condução das
videiras. Depois disse para a esposa:
- Mulher, vamos conduzir as videiras que plantamos utilizando duas formas das que
estão aqui expostas.
Quantas opções é que o Sr. João pode fazer?
Esta tarefa surge, no guião, na sequência de uma introdução sobre as possibilidades de
conduzir as videiras para a produção de vinho verde.
A quinta possui um campo reservado a esta cultura onde estão expostas e identificadas
cinco formas de condução das videiras: cruzeta, cordão simples, cordão sobreposto,
ramada e enforcado. Para resolver a tarefa, os alunos tiveram que percorrer o espaço e
descobrir os painéis informativos que se encontravam junto da vinha onde a técnica
correspondente havia sido aplicada.
104
4º CRIA
Todos os grupos conseguiram resolver a questão, embora alguns apenas tivessem
combinado quatro formas alegando que não repararam na ramada que estava sobre uma
parte do percurso que tinham que realizar.
Houve representações diferentes, mesmo dentro do mesmo grupo, como se pode ver na
imagem que se segue:
Figura1: Algumas resoluções da tarefa 2
À esquerda encontra-se uma resposta, única na turma, que inclui uma representação
icónica evidenciando detalhes do que existe na realidade.
Na resposta mais à direita vê-se um esquema em árvore, onde o aluno fixa cada uma das
formas de condução das videiras e faz a respetiva combinação com as restantes, tendo o
cuidado de não colocar as combinações repetidas. Esta forma de resolução foi a mais
frequente.
A última resposta revela que o aluno recorreu à representação geométrica, colocando
cada forma de conduzir a videira no vértice de um retângulo e depois traçou as
diagonais para que cada uma das formas ficasse ligada às restantes. Como ainda havia
4º CRIA
105
outra forma de conduzir as videiras, fez, depois, a combinação desta com as restantes
possibilidades. Este tipo de resolução é comum a dois elementos deste grupo e a outro
grupo que apenas identificou quatro formas de condução.
Quanto à originalidade, apesar da representação icónica ser única na turma, parece-nos
mais óbvia para o ano de escolaridade em estudo do que a representação geométrica,
pelo que consideramos esta última mais original.
Os participantes apreciaram esta tarefa por envolver uma situação real que lhes é
familiar, por ser necessário deslocação para obter informação, por“obrigar a pensar” e
por requerer desenhos ou esquemas.
Tarefa 9 – Floreira vertical
Observa a floreira que está bem perto de ti, composta por sete filas de botas usadas.
Imagina que em cima desta floreira se colocava outra exatamente igual.
Quantas botas teria a 12ª fila a contar de baixo?
Esta tarefa surge em torno de uma situação que evidencia preocupação ambiental. Tratase de uma floreira vertical com sete patamares, na qual as plantas são colocadas em
botas reutilizadas. Parece uma tarefa simples, mas revelou-se complexa, porque o
número de botas não alternava interminavelmente de um nível para o subsequente, entre
uma e duas botas, pois do nível 7 para o 8 o número de botas mantinha-se. Trata-se de
um padrão de repetição do tipo 1212121 1212121.
Esperava-se que os alunos associassem os níveis de ordem ímpar a uma bota e os de
ordem par a duas botas, como fizeram as crianças com quem foram testadas as tarefas.
Na verdade, isto verifica-se na primeira parte do padrão, ou seja, na floreira que
estavam a observar, mas não é válida para o 12º nível. Houve muita discussão entre os
elementos de cada grupo.
Na resposta foi apenas registado o número de botas do 12º nível e o lado para o qual
estavam voltadas, o que impossibilita uma análise sobre a originalidade do raciocínio.
Os alunos identificaram a relação entre os elementos que serviram de base à tarefa e
domínios de Estudo do Meio, nomeadamente as bandeiras dos países (pintadas nas
botas) e a reutilização de materiais e os respetivos efeitos na pegada ecológica.
Apreciaram estar perante uma sequência pouco óbvia, mais exigente que o habitual, e a
decoração das botas.
106
4º CRIA
Tarefa 12 – Animais do lago
No domingo passado avistaram-se, neste pequeno lago, 6 animais que tinham, no
total, 6 patas. Não eram os cisnes que estás a observar.
Que animais poderiam estar no lago?
Esta tarefa foi proposta num passadiço de madeira junto ao lago. No guião, o enunciado
surge após uma breve introdução que refere a importância destes ambientes aquáticos
enquanto ecossistemas que hospedam múltiplos seres vivos.
A generalidade dos participantes começou por dividir o número de animais pelo número
de patas, obtendo uma pata por animal, mas de imediato reconheciam a inexistência de
animais com uma pata. Esta questão despoletou muita discussão, sobretudo sobre as
hipóteses que iam surgindo em cada grupo, uma vez que era necessário satisfazer três
condições: número de animais, número de patas e tipos de animais possíveis. Houve um
grupo que levantou a hipótese de as patas serem os próprios animais e não membros
inferiores dos animais. Foi necessário sugerir que não considerassem essa hipótese.
Cada participante só registou uma resposta, à exceção do aluno BP do grupo 2 que
apresentou duas. Na figura 2 apresentam-se três das respostas registadas.
Resposta do aluno MR (Grupo 1)
Resposta do aluno TG (Grupo 3)
Resposta do aluno BP (Grupo 1)
Figura 2: Algumas resoluções da tarefa 12
A segunda opção da última resposta acima apresentada parece ser a mais original, pois é
a única que envolve uma espécie (rã) em duas fases de desenvolvimento – fase larvar e
fase adulta. Há mobilização de conhecimentos de Estudo do Meio, especificamente as
4º CRIA
107
características morfológicas dos animais e do meio ambiente em que vivem. É evidente
a flexibilidade deste aluno, uma vez que apresenta duas respostas de forma espontânea.
Para além disso, participou na discussão em grupo, mas registou duas respostas
diferentes dos outros dois colegas.
Quase todos os participantes elegeram esta tarefa como preferida, valorizando o local
onde a tarefa se realizou e, sobretudo, o facto de se tratar de uma tarefa diferente, que
obriga a “puxar pelo cérebro”.
Tarefa 13 – As abelhas
Questão 3 – As abelhas criam favos em forma de hexágono.
a) Desenha, na grelha que se segue, uma pavimentação (figura) com hexágonos,
do lado esquerdo do eixo marcado.
b) Faz a reflexão dessa figura no lado direito do eixo de simetria.
Esta tarefa realizou-se num local alusivo a uma atividade frequente na região – a
apicultura.
No guião, o enunciado emerge na sequência de uma breve introdução sobre o
crescimento desta cultura nos últimos anos, neste concelho, e sobre as principais
finalidades: produção de mel, pólen, própolis, geleia real e enxames. Foram colocadas
três questões: a primeira consiste num problema de processo que requer dedução lógica;
a segunda implica recolha de dados no local sobre a quantidade de mel produzido por
cada colmeia; a terceira, subdividida em duas alíneas, solicita a construção de uma
figura com hexágonos e a reflexão dessa figura segundo um eixo já desenhado. Esta
última foi apontada pela maioria dos alunos como sendo uma das preferidas.
Os grupos apresentaram resoluções distintas como as que se mostram na figura 3.
108
4º CRIA
Resposta do aluno MCO (Grupo 1)
Resposta do aluno LG (Grupo 2)
Resposta do aluno BP (Grupo 2)
Figura 3: Algumas resoluções da questão 3 da tarefa 13
Na primeira situação, o grupo pavimentou tudo com hexágonos regulares e losangos.
Na segunda, veem-se quatro hexágonos regulares que, em conjunto com seis triângulos
pequenos, formam um hexágono maior não regular construído de forma não intencional.
Resoluções semelhantes a esta, com três ou com quatro hexágonos, foram as mais
frequentes.
A última resolução, embora não respeite a distância ao eixo de reflexão, foi a única que
envolveu hexágonos regulares e não regulares desenhados de forma intencional.
O assunto parece ter despertado o interesse dos alunos, porque estava relacionado com
um tema explorado, no ano anterior, no âmbito de um projeto da escola. Apreciaram,
também, o facto de envolver vários conteúdos, bem como a utilização do desenho e a
importância da imaginação, concentração e do rigor na realização da tarefa.
Os participantes conseguiram mobilizar facilmente os conhecimentos matemáticos e
outros para resolver as tarefas. Reconheceram a ligação entre os assuntos que serviram
de base às tarefas e algumas temáticas de outras áreas, sobretudo de Estudo do Meio, de
projetos nacionais e internacionais em que a escola participou e vivências familiares,
4º CRIA
109
manifestando apreço por situações de que já ouviram falar. Também manifestaram
gosto por poderem deslocar-se no terreno, recorrer várias vezes a desenhos ou esquemas
na resolução das tarefas, trabalhar em grupo, resolver tarefas que não são muito óbvias e
que exigem concentração, rigor e imaginação. Estas últimas características e o tipo de
tarefas mais apreciadas, nomeadamente a 12 e a 13, parecem indicar que estes
participantes mostram interesse por tarefas de estrutura mais aberta e promotoras do
desenvolvimento da criatividade.
Embora se faça referência à originalidade de algumas resoluções, não se pode aferir
quanto à criatividade, por não estarem reunidas condições para que possam ser
avaliadas as três dimensões.
Considerações Finais
Apesar de haver vários estudos sobre as potencialidades dos espaços educativos não
formais para o ensino e aprendizagem da matemática, a criatividade nestes contextos
parece ser um campo ainda a aprofundar.
Este trabalho sugere que nos contextos não formais é necessário criar condições aos
alunos para desenvolverem e manifestarem as diferentes capacidades que compõem a
criatividade, à semelhança do que que Silver (1997) sugere para dentro da sala de aula.
Os alunos mostram-se motivados na realização de tarefas fora da sala de aula e
empenham-se na resolução das mesmas, mas preferem as que proporcionam interação
com os colegas e o meio e as que são mais desafiantes, como constatou Hagen (2013)
quando procurou investigar os fatores que incrementavam a motivação. Preferem,
também as que se realizam em locais atrativos, as que se relacionam com as suas
vivências, as que são observáveis e palpáveis, as que lhes proporcionam atividade física
e as que abrangem várias áreas do saber.
Atendendo às reações positivas a esta experiência de aprendizagem, incluindo o
reconhecimento do aumento de conhecimentos sobre a cultura local, parece fazer
sentido que se continuem a trilhar os contextos educativos não formais, proporcionando
a contextualização da matemática escolar em situações reais e a respetiva exploração de
forma prazerosa.
Para isso, os professores devem criar situações de aprendizagem diversificadas, em
consonância com o currículo, que estimulem o pensamento divergente (Vale &
Pimentel, 2012) e que impliquem a mobilização de conhecimentos de dentro para fora
da sala de aula e vice-versa, envolvendo situações que favoreçam a compreensão da
110
4º CRIA
matemática e da comunidade, como sugerem Garii e Silverman (2009). Estas
experiências de aprendizagem devem, ainda, permitir contrariar tendências pouco
saudáveis cada vez mais frequentes na nossa sociedade, como o sedentarismo e a parca
interação física e verbal entre as crianças, resultado do tempo excessivo dedicado às
tecnologias.
Para responder aos interesses e necessidades dos alunos, os docentes também terão que
ser criativos em três dimensões: fluentes e flexíveis sobretudo nos contextos que
selecionam, nos assuntos e áreas que propõem explorar, no grau de abertura e no nível
de desafio das tarefas, e originais, no sentido de criar oportunidades de aprendizagem
com detalhes que as tornem singulares e repletas de significado face aos conhecimentos
que os alunos possuem e ao contexto onde são realizadas, como sugere Bonotto (2005).
Referências bibliográficas
Barbosa, A., Vale, I. & Ferreira, R. (2015). Trilhos matemáticos: promovendo a
criatividade de futuros professores. Educação e Matemática, 135, 57-64.
Boavida, A., Paiva, A., Cebola, G. Vale, I., & Pimentel, T. (2008). A experiência
matemática no ensino básico. Lisboa: ME-DGIDC.
Bonotto, C. (2005) How Informal Out-of-School Mathematics Can Help Students Make
Sense of Formal In-School Mathematics: The Case of Multiplying by Decimal
Numbers. Mathematical Thinking and Learning, An international journal 7(4),
313-344
Bonotto, C. & Basso, M. (2001). Is it possible to change the classroom activities in
which we delegate the process of connecting mathematics with reality?
International Journal of Mathematical Education in Science and Technology, 32
(3), 385-399.
Copley, J. V. (2000). The young child and mathematics. Washington, DC: National
Association for the Education of Young Children.
Cross, R. (1997). Developing Maths Trails. Mathematics Teaching, 158, 38–39.
Dooley,T., Dunphy, E. &, Shield, G. (2014). Mathematics in Early Childhood and
Primary Education (3–8 years):Teaching and learning. Acedido em 15 de julho
de
2016
em
http://ncca.ie/en/Publications/Reports/NCCA_Research_Report_18.pdf
Garii, B. & Silverman, F. (2009) Beyond the classroom walls: helping teachers
recognize mathematics outsider of the school. Revista Latinoamericana de
Investigación en Matemática Educativa (2009) 12(3): 333-354.
Hagen, C. (2013). Why students enjoy integrated outdoor mathematics activities. That’s
the
question.
Acedida
em
20
de
outubro
de
2016
em
http://dspace.library.uu.nl/bitstream/handle/1874/266325/Why%20students%20en
joy%20integrated%20outdoor%20mathematics%20activities.pdf?sequence=1
Hayden, L. (2009). Leaving the Classroom Behind: Increasing Student Motivation
through Outdoor Education. Acedido em 12 de julho de 2016 através de
4º CRIA
111
http://www.smcm.edu/mat/educational-studies-journal/a-rising-tide-volume-2summer-2009/
Kenderov, P., Rejali, A., Bartolini Bussi, M., Pandelieva, V., Richter, K., Maschietto,
M., Kadijecich, D. & Taylor, P. (2009). Challenges Beyond the Classroom Sources and Organizational Issues. In E. Barbeau, P. Taylor (Eds.), Challenging
mathematics in and beyond the classroom, New ICMI Study Series 12 (pp. 5396). Springer.
Leikin, R. (2009). Exploring mathematical creativity using multiple solution tasks. In R.
Leikin, A. Berman & B. Koichu (Eds.), Creativity in mathematics and the
education of gifted students (pp. 129-145). Rotterdam: Sense Publishers.
Mann, E. (2006). Creativity: The Essence of Mathematics. Journal for the Education of
the Gifted, 30(2), 236-260.
NCTM (2000). Principles and standards for school mathematics. Reston: NCTM.
Patterson, A. (2009). Effectively Incorporating the Outdoor Environment into the
Standard Curriculum.Acedido em 12 de julho de 2016, em
http://www.smcm.edu/mat/educational-studies-journal/a-rising-tide-volume-2summer-2009
Ponte, J. P. (2005). Gestão curricular em Matemática. In GTI (Ed.), O professor e o
desenvolvimento curricular (pp. 11-34). Lisboa: APM.
Richardson K. (2004). Designing Math Trails for the Elementary School. Acedido em
16
de
julho
de
2016
em
http://britton.disted.camosun.bc.ca/geometry/NCTM_Math_Trail.pdf
Stein, M., & Smith, M. (2009). Tarefas Matemáticas como quadro para a reflexão.
Educação e Matemática, Nº 105, 22-28.
Silver, E. (1997). Fostering creativity through instruction rich in mathematical problem
solving and problem posing. ZDM, 3, 75-80.
Vale, I. (2011). Tarefas Desafiantes e Criativas. Actas do SERP -Seminário em
resolução de problemas, CD-ROM (pp. 1-12). Rio Claro, Brasil: UNESP.
Vale, I. (2012). As tarefas de padrões na aula de Matemática: um desafio para
professores e alunos. Interações, 20, 181-207.
Vale, I., & Pimentel, T. (2012). Um novo-velho desafio: da resolução de problemas à
criatividade em Matemática. In A. P. Canavarro, L. Santos, A. M. Boavida, H.
Oliveira, L. Menezes, & S. Carreira (Eds.), Investigação em Educação
Matemática - Práticas de Ensino da Matemática (pp. 347-360). Lisboa: SPIEM.
Wager, A. (2012) Incorporating out-of-school mathematics: from cultural context to
embedded practice. Acedido em 15 de julho de 2016 em
http://link.springer.com/article/10.1007/s10857-011-9199-3
112
4º CRIA
COMUNICAÇÕES COM
DEMONSTRAÇÃO
4º CRIA
113
114
4º CRIA
Matemática + Histórias Infantis = Conexões Criativas no Pré-escolar
Maria Vaz1, Ana Barbosa2
Q.I. Colégio, [email protected]
2
Instituto Politécnico de Viana do Castelo, Escola Superior de Educação,
[email protected]
1
Resumo. Com este trabalho pretendia-se compreender de que modo as
histórias infantis podem contribuir para o desenvolvimento de capacidades
transversais, como a resolução de problemas e a comunicação matemática, de
crianças em idade pré-escolar, promovendo a criatividade. Para isso, adotouse uma metodologia qualitativa, realizando um estudo exploratório com
dezassete crianças com idades entre os 3 e os 5 anos. Foi desenhada uma
sequência de tarefas, tendo como ponto de partida histórias com
potencialidades para permitir a exploração de capacidades e temas
matemáticos. A análise dos dados permitiu verificar que as histórias usadas
contribuíram para que as crianças mantivessem a motivação e o empenho
durante a realização das tarefas, participando na resolução dos problemas
propostos e comunicando usando termos matemáticos específicos com
correção. Foi evidente que, ao longo do estudo, usaram diferentes estratégias
na resolução dos problemas propostos. Do mesmo modo, foi notório o
refinamento de vocabulário relacionado com os temas abordados, sendo
coerentes e claras na exposição dos seus raciocínios, usando terminologia
adequada. Os resultados deste estudo permitiram ainda concluir que, durante
o período em que as crianças realizaram as tarefas, foi havendo sempre uma
evolução significativa, quer ao nível da resolução de problemas quer ao nível
da comunicação matemática.
Palavras-chave: Educação Pré-escolar; Matemática; Histórias infantis;
Resolução de Problemas; Comunicação matemática
Introdução
O educador tem um papel “crucial no modo como as crianças vão construindo a sua
relação com a Matemática” (Castro & Rodrigues, 2008, p. 9), sendo desejável que parta
do que já sabem, aproveitando situações que sejam do seu interesse para aprofundar
noções matemáticas (DEB, 1997). Tendo em consideração que “neste nível etário, não
se pode perder de vista que um dos objetivos é relacionar a matemática com outras áreas
e que este aspeto é em si uma nova aprendizagem com relevância para a matemática”
(Moreira & Oliveira, 2003, p. 163) e que as histórias têm, por norma, boa recetividade
por parte das crianças, optou-se por desenvolver um estudo no qual se privilegiou as
conexões entre a Matemática, em particular através da resolução de problemas e da
comunicação matemática, e as histórias infantis, procurando compreender de que forma
4º CRIA
115
contribuem para o desenvolvimento de capacidades transversais. Esta opção é reforçada
pela literatura da especialidade onde se refere que as crianças aprendem com mais
facilidade se for sugerida uma tarefa que parta da exploração de uma história, sendo que
o recurso a contos infantis torna os conceitos abordados mais relevantes (Hong, 1999).
Tendo em conta as ideias expostas, procurou-se neste estudo compreender de que modo
as histórias infantis podem contribuir para o desenvolvimento de capacidades
matemáticas transversais, como a resolução de problemas e a comunicação matemática,
de crianças em idade pré-escolar, promovendo a criatividade. De modo a refletir sobre a
problemática do estudo, foram formuladas as seguintes questões de investigação: 1)
Como se caracteriza o desempenho das crianças na resolução de problemas emergentes
e histórias infantis e que estratégias utilizam?; 2) Como evoluem na expressão das suas
ideias matemáticas e que representações usam?
Enquadramento teórico
A Resolução de Problemas
A atividade de resolver problemas é intrínseca à natureza humana desde sempre (Vale
& Pimentel, 2004). No âmbito da educação pré-escolar, salienta-se a sua
transversalidade, pois, nesta etapa educativa, deverá atravessar todas as áreas e
domínios do currículo, constituindo assim uma situação de aprendizagem significativa
(e.g. DEB, 1997; Moreira & Oliveira, 2003). Ao longo da educação pré-escolar o
desafio passa por desenvolver as inclinações inatas das crianças para a resolução de
problemas e preservar e estimular uma disposição ou atitude que a valorize (NCTM,
2007). Assim, é importante que o educador proponha situações problemáticas e permita
que as crianças encontrem as suas próprias soluções (DEB, 1997), levando o grupo a
considerar mais do que uma estratégia para a resolução dos problemas, assumindo o
papel de orientador.
A resolução de problemas é um excelente meio através do qual a criança se pode
apropriar de novos conhecimentos matemáticos ou consolidar aprendizagens já
realizadas. No entanto, sendo uma tarefa à qual se atribui um grau de complexidade
elevado, nem sempre as crianças têm sucesso. A maior parte das vezes, as dificuldades
decorrem sobretudo “não da falta de conhecimentos matemáticos mas sim da ineficácia
do uso desses conhecimentos” (Vale & Pimentel, 2004, p. 17). Frequentemente o que
acontece é que quem resolve o problema não sabe mobilizar os conhecimentos que já
116
4º CRIA
possui para os aplicar à nova situação, assim importa conhecer estratégias de resolução
de problemas, pois são uma boa ajuda para a organização do pensamento individual, o
que ajudará na procura de caminhos válidos para a resolução e exploração de diferentes
situações (Vale & Pimentel, 2004). Podem então distinguir-se várias estratégias
passíveis de serem usadas na resolução de problemas diferentes, como: descobrir um
padrão; fazer uma lista organizada ou uma tabela; reduzir a um problema mais simples;
relacionar um novo problema com outro já conhecido; trabalhar do fim para o princípio;
usar dedução lógica; fazer tentativas; fazer um desenho, um diagrama ou um gráfico;
fazer uma simulação ou dramatização. Estas e outras estratégias são, sem dúvida,
ferramentas às quais se pode recorrer para se estar apto a analisar e resolver com
sucesso um problema, concebendo um plano para chegar à solução. A investigação tem
mostrado que as crianças possuem uma variabilidade no modo como exploram
problemas e nas estratégias que usam nas suas experiências matemáticas, não sendo o
seu conhecimento uniforme e explícito (e.g. Barody, 2002). As estratégias usadas pelas
crianças pequenas podem variar na mesma sessão e na mesma tarefa tanto na resolução
de problemas orais e escritos como na utilização dos símbolos, sendo as suas respostas
influenciadas por vários fatores, como por exemplo o material utilizado.
A Comunicação Matemática
As competências comunicativas começam a desenvolver-se na criança desde cedo,
manifestando-se quando lhe são dadas oportunidades de interagir com outros (Moreira
& Oliveira, 2003). A linguagem da qual a criança se vai apropriando constitui um meio
de excelência usado para comunicar, podendo ser mobilizada no sentido de exprimir
ideias, mas também no sentido de as aprender e interpretar (NCTM, 2007). A
comunicação apresenta-se assim como parte essencial da educação matemática, sendo a
linguagem “uma ferramenta muito poderosa que deverá ser utilizada para promover a
aprendizagem” (NCTM, 2007, p. 148).
A comunicação matemática desenvolve-se sobretudo pela linguagem oral, no entanto
“existe uma estreita interdependência entre as representações em Matemática e a
comunicação” (Boavida, Paiva, Cebola, Vale & Pimentel, 2008, p. 70), podendo assim
usar-se representações convencionais e não convencionais, cuja partilha é essencial para
o processo de comunicação. É então possível que as crianças representem os seus
pensamentos e conhecimentos sobre ideias matemáticas através da linguagem verbal,
oral e escrita, utilizando os gestos, desenhos ou símbolos inventados e/ou convencionais
4º CRIA
117
(NCTM, 2007). Estas representações, para além de constituírem métodos viáveis de
comunicação, são poderosas ferramentas de raciocínio e permitem tornar as ideias
matemáticas mais concretas e disponíveis para reflexão (NCTM, 2007). Segundo
Bruner (1962, referido por Boavida et al., 2008) existem várias formas de representar
ideias matemáticas, podendo comunicar-se através de representações ativas,
representações icónicas e representações simbólicas. As representações ativas, estando
associadas à ação, dizem respeito à manipulação direta e adequada de materiais
manipuláveis ou objetos e simulação de situações. As representações icónicas, baseadas
na organização visual, surgem quando são usadas figuras, imagens, esquemas,
diagramas ou desenhos com o objetivo de ilustrar conceitos, procedimentos ou relações
entre eles. Por fim, as representações simbólicas recorrem a símbolos que não são
obrigatoriamente os formais, partilhados por quem domina a linguagem matemática,
podendo estes até ser criados pelas crianças, e plenos de significados próprios, eficazes
na comunicação de ideias.
As histórias infantis e a aprendizagem da Matemática
No ensino da matemática o ponto de partida para a aprendizagem devem ser tarefas
ricas, diversificadas e organizadas de modo coerente, propostas e supervisionadas pelo
educador. Atendendo a que as tarefas matemáticas deverão ser adequadas ao nível de
desenvolvimento da criança, devendo envolvê-las e mantê-las interessadas, o recurso à
literatura infantil pode ser considerado uma boa estratégia para abordar conceitos
matemáticos (Yoop & Yoop, 2009).
Sabendo que a literatura infantil tem um papel importante nesta etapa educativa, o
educador poderá proporcionar experiências bastante significativas às crianças ao ler em
voz alta e ao articular a literatura com outras áreas/domínios do currículo. Desta forma,
as crianças beneficiam de diferentes modos de aceder ao conhecimento, a partir de
experiências ricas e significativas. Tendo o poder de envolver e de focar a atenção de
um grupo de crianças, os livros infantis deverão ser um recurso usado recorrentemente
pelo educador já que, por norma, fomentam a imaginação e proporcionam satisfação,
facilitando também o desenvolvimento da linguagem (e.g. Heuvel-Panhuizer, Boogaard
& Doig, 2009; Yoop & Yoop, 2009).
As conexões existentes entre a literatura, em particular as histórias infantis, e a
matemática são ilimitadas, cabendo ao educador selecionar atividades que tenham como
118
4º CRIA
ponto de partida um livro infantil, uma vez que as histórias têm o potencial de suportar
o desenvolvimento matemático, oferecendo várias oportunidades de integrar o currículo
enquanto, ao mesmo tempo, suportam experiências ricas em matemática (Koellner,
Wallace & Swackhamer, 2009). Vários autores (e.g. Heuvel-Panhuizer et al., 2009)
defendem a importância de partir de um contexto que faça sentido para a criança, pois
os contextos familiares permitem que estas invoquem os seus conhecimentos prévios
para darem sentido à matemática, o que torna a aprendizagem mais rica e permite que o
ensino seja construído a partir do conhecimento informal. Deste modo, uma abordagem
à matemática usando a literatura infantil pode ser bastante eficaz pois os livros infantis
oferecem um contexto envolvente e proporcionam experiências onde são apresentadas
várias ideias matemáticas que mais tarde poderão ser exploradas de modo formal.
O educador pode encontrar várias formas de desencadear o potencial da literatura nas
atividades matemáticas. Considerando que deve estar atento de modo a proporcionar
oportunidades para a resolução de problemas significativos a partir de acontecimentos
espontâneos ocorridos na sala de atividades (Young & Marroquin, 2006), a literatura
infantil pode surgir como ponto de partida para o desencadeamento dessas atividades.
Várias ideias matemáticas podem estar presentes nos livros infantis desde que
devidamente explorados, assim, uma vez que a leitura de histórias é uma atividade
familiar no jardim de infância, os educadores deverão propor problemas baseados nas
histórias fazendo uso da sua criatividade (Young & Marroquin, 2006). Smole (1998)
aponta ainda que a utilização da literatura infantil em conexão com o trabalho em
resolução de problemas permite que, tanto o educador como as crianças, utilizem e
valorizem naturalmente diferentes estratégias de procura de uma solução, tais como o
desenho, a oralidade, a dramatização, a tentativa e erro, processos que normalmente são
esquecidos no trabalho tradicionalmente realizado na sala de atividades.
Também se pode assumir que a literatura infantil proporciona um contexto para
promover a comunicação sobre ideias matemáticas pois explorar, criar e comunicar são
atividades que surgem naturalmente nos livros infantis (Heuvel-Panhuizen et al., 2009).
Rodrigues (2011) reforça esta perspetiva, afirmando que as histórias constituem um
bom meio para comunicar ideias matemáticas uma vez que permitem relacioná-las com
a realidade ou com outras áreas/domínios, possibilitam o relacionamento de tópicos, a
abordagem de diferentes representações e conceitos matemáticos e ajudam a explorar
problemas e a descrever resultados. McDuffie e Young (2003) consideram que usar a
4º CRIA
119
literatura infantil nas atividades matemáticas pode ajudar o educador que está a começar
a introduzir as discussões matemáticas nas atividades com o seu grupo, podendo assim
criar mais facilmente um ambiente que promova a comunicação.
A criatividade começa com curiosidade e envolve os alunos em tarefas de exploração e
experimentação, nas quais podem manifestar a sua imaginação e originalidade (e.g.
Barbeau, 2009). As histórias infantis podem ser o motor para despoletar discussões em
grupo e a resolução de problemas que envolvem as crianças. Esta estratégia de
promoção da exploração de ideias matemáticas dá às crianças a oportunidade de
expandir a sua criatividade, pensando em diferentes formas de resolver um dado
problema, desenvolvendo a flexibilidade do seu raciocínio.
Metodologia
Considerando o problema e as questões a ele associadas, optou-se por uma metodologia
de natureza qualitativa de caráter exploratório (e.g. Yin, 2009).
Este estudo realizou-se durante o ano letivo 2014/2015, num jardim de infância da rede
pública, pertencente a um agrupamento de escolas do concelho de Viana do Castelo. O
grupo, com o qual foi desenvolvida esta investigação, era constituído por dezassete
crianças, oito do sexo feminino e nove do sexo masculino, sendo que nove delas tinham
3 anos, sete tinham 4 anos e uma tinha já 5 anos. Pode assim considerar-se que o grupo
era heterogéneo em relação à faixa etária, sendo verificada a mesma heterogeneidade no
que refere aos interesses manifestados pelas crianças e aos seus níveis de
desenvolvimento.
Os dados foram recolhidos ao longo de dois meses, através da implementação de cinco
tarefas, recorrendo à observação participante, a registos fotográficos e gravações vídeo,
a notas de campo e registos realizados pelas crianças. Foi preparada uma sequência de
cinco tarefas, sendo que cada uma incluía a realização de diferentes atividades, tendo
em comum a exploração de histórias infantis com potencialidades para desenvolver
diferentes capacidades e conteúdos matemáticos (e.g. contagens, noções de posição e
orientação espacial, reconhecimento de formas geométricas, estimativas e medições,
divisão). As histórias foram selecionadas de acordo com critérios definidos na literatura
(e.g. Marston, 2010; Price & Lennon, 2009), considerados essenciais neste estudo, tais
como: Correção matemática; Apelo visual e verbal; Conexões; Diversidade de
conteúdos; Promoção da Resolução de Problemas e da Comunicação Matemática; e
120
4º CRIA
Fator “Wow” – Suspense.
Resultados da implementação de uma tarefa
Os resultados que aqui se apresentam referem-se à implementação de uma das tarefas,
intitulada “De que tamanho é um pé?”. Partiu-se da exploração do livro How big is a
foot? (Anexo 1), de Rolf Myller, e a partir da sua exploração foram abordados
conteúdos relacionados com o tema Medida, sendo os principais objetivos: (1) Perceber
como se pode medir usando unidades não padronizadas; (2) Usar uma unidade e
instrumento adequados para realizar medições; (3) Ter em conta referências comuns
para fazer comparações e estimativas; (4) Compreender que os objetos têm atributos
mensuráveis; (5) Usar expressões como “maior do que” e “menor do que” para
comparar grandezas.
Esta tarefa dividiu-se numa sequência de sete atividades. Na primeira, “Quem deixou
esta pegada?”, que funcionou como forma de motivação e diagnóstico, foram
distribuídos vários pares de pegadas pelo chão da sala de atividades. Numa primeira
abordagem as crianças teceram alguns comentários acerca do seu tamanho:
L.P.: Umas são maiores, outras são mais pequenas e outras são médias.
Posteriormente, as crianças foram desafiadas a ordenar os pares de pegadas segundo o
critério tamanho, das mais pequenas às maiores. Não se tendo obtido uma representação
correta à primeira tentativa, despoletou-se um diálogo que levou as crianças a
reconhecer que teriam de reordenar as pegadas de modo a obter uma representação
correta. Durante o diálogo, uma das crianças usou no seu vocabulário uma expressão
pouco correta:
I.S.: As (pegadas) rosas são as mais grandes.
Estagiária: As maiores?
I.S.: Sim, as maiores.
Esta foi uma excelente oportunidade de refinamento do vocabulário, tendo a criança
substituído imediatamente o vocábulo menos adequado por outro.
Terminada esta atividade, o grupo foi desafiado a escutar a história “De que tamanho é
um pé?”, uma adaptação da história original. Nesta primeira fase, apenas se procedeu à
leitura da primeira parte da história, que se estendeu até ao final da frase “Por que será
que a cama era demasiado pequena para a rainha?”, deixando assim o desafio ao grupo.
4º CRIA
121
Chamou-se a atenção das crianças para esta frase, questionando-as acerca do porquê de
a cama ser pequena para a rainha. Inicialmente não compreenderam a razão:
Estagiária: O que é que o rei disse acerca do tamanho da cama? Quanto é que ele disse que a
cama tinha de medir?
(o grupo não responde)
Estagiária: O que fez o rei para saber qual o tamanho que a cama tinha de ter? (mostrando uma
das imagens da história – Figura 1)
I.S.: Mediu com os pés.
Estagiária: Como?
L.P.: Assim, 1, 2, 3 e 1, 2, 3, 4, 5, 6. (apontando para os pés na
imagem)
Estagiária: Então o rei mediu 3 pés de... De quê?
I.S., L.P.: Largura.
Estagiária: 3 pés de largura. E 6 pés de...
I.S., L.P.: Comprimento.
Figura 1. Imagem apresentada
Pela análise do diálogo, percebe-se que o grupo adquiriu com facilidade novo
vocabulário relacionado com o tema Medida, nomeadamente os termos “largura” e
“comprimento”, usando-os corretamente. Depois de se perceber como é que o rei mediu
a cama, voltou-se a questionar o grupo sobre se o aprendiz teria cumprido ou não a
ordem do rei. Nesta fase, uma das crianças avançou a hipótese de o aprendiz não ter
usado o mesmo número de pés que o rei para construir a cama. Posto isto, sugeriu-se a
essa criança que comparasse as representações feitas pelas duas personagens, contando
os pés utilizados por uma e outra personagem.
Figura 2. Uma das crianças do grupo compara as duas representações
Depois de se concluir que o aprendiz e o rei tinham usado o mesmo número de pés para
medir a cama, e com a finalidade de envolver o grupo num ambiente de fantasia,
sugeriu-se fazer uma dramatização de modo a tentar compreender o problema, para
122
4º CRIA
assim poderem ajudar o aprendiz. Assim, foram escolhidas várias crianças que
desempenharam os papéis das diferentes personagens. Houve o cuidado de calçar à
criança que desempenharia o papel de rei uns sapatos de adulto, de modo a perceberem
as diferenças nas representações que iriam ser feitas pelo rei e pelo aprendiz. Durante a
dramatização, a estagiária leu a história e encorajou as crianças a agirem segundo o que
era relatado. No momento em que a criança que representava o papel de rei ia medir
com os pés o tamanho que a cama deveria ter, foi estendido no chão papel de cenário
onde a criança que representava a rainha se deitou sendo delineados os pés do rei, à
medida que o mesmo ia caminhando ao lado dela, de modo a que ficasse feita uma
representação de como o rei tinha pedido para fazer a cama.
Figura 3. A estagiária contorna os pés usados pelo rei para medir o tamanho da cama
Do mesmo modo, na altura em que o aprendiz realizou as suas medições, seguindo as
instruções do rei, os seus pés foram também delineados. Ainda durante a dramatização,
no momento em que o rei ofereceu a cama à rainha, e usando para o efeito a
representação feita pelo aprendiz no papel de cenário, o grupo verificou que a rainha
não cabia nela, sendo a cama demasiado pequena.
Figura 4. O grupo verifica que a cama é demasiado pequena para a rainha
4º CRIA
123
Depois de se ter percebido que a cama feita pelo aprendiz era pequena para a rainha, o
grupo foi reunido em redor das representações feitas no papel de cenário, de modo a
refletir novamente sobre o porquê de tal ter acontecido. Durante o diálogo, foi possível
perceber que a maioria das crianças introduzia no seu discurso vocábulos como
“comprimento” e “largura”, ainda que por vezes os confundissem. Quando questionadas
acerca do tamanho das camas, concordaram que a cama construída pelo aprendiz era
mais pequena. Posto isto, a estagiária questionou o grupo acerca desta diferença, tendo
as crianças apresentado respostas distintas:
L.G.: Os sapatos do rei eram muito grandes e os outros eram pequeninos.
B.R.: Olha estes! Estes pés são muito pequeninos e aqueles não (referindo-se respetivamente,
aos pés do aprendiz e aos pés do rei)
L.P.: Os pés do rei chegam quase ali à ponta e estes não. (referindo-se à ponta do papel)
Apesar de as respostas serem bastante distintas, todas estavam orientadas no mesmo
sentido, referindo que o pés do rei eram muito maiores do que os do aprendiz. Assim,
depois de todas as crianças do grupo concluírem que a cama tinha saído demasiado
pequena para a rainha porque os pés do rei eram maiores do que os pés do aprendiz,
questionou-se sobre de que modo poderiam ajudar o aprendiz a resolver o seu problema.
Todas as crianças acharam que deviam contar ao aprendiz a sua descoberta e uma delas
sugeriu que a solução para o problema poderia passar por o aprendiz pedir os sapatos do
rei emprestados para construir a cama, deste modo, calçando-os, conseguiria medir a
cama para a rainha e construí-la corretamente. Sabendo da curiosidade do grupo acerca
de computadores e do seu funcionamento, a estagiária sugeriu ao grupo enviar um email ao aprendiz com a resolução do problema.
Num momento posterior, a estagiária leu a segunda parte da história, que conta como o
aprendiz resolveu o problema da cama da rainha, seguindo as instruções dadas pelo
grupo no e-mail. Esta segunda parte da história teve de ser adaptada de modo a contar
que o aprendiz tinha recebido o e-mail enviado pelo grupo e resolvido o problema,
pedindo ao rei que lhe emprestasse os seus sapatos.
De modo a manter as crianças envolvidas num contexto imaginário, foi proposta a
atividade “O aprendiz agradece”. Informou-se o grupo que o aprendiz tinha respondido
ao e-mail enviado. As crianças mostraram-se curiosas acerca do que o aprendiz teria
dito, tendo ficado satisfeitas e empolgadas por ter conseguido resolver o problema do
tamanho da cama e lhes ter agradecido a ajuda.
124
4º CRIA
Por fim, foi realizada uma atividade prática que deu às crianças a oportunidade de agir
como o rei e o aprendiz da história e utilizar os pés para medir objetos presentes na sala.
Como desconheciam esta estratégia de medição antes de lhes ter sido apresentada a
história, todas referiram nunca terem experimentado medir com os pés, mostrando-se
interessadas por fazê-lo.
Depois de ter verificado que a maioria das crianças sabia como proceder para medir
com os pés, a estagiária apresentou às crianças a folha de registo a ser preenchida
durante a concretização desta atividade. A medição centrou-se no tapete colocado na
área dos jogos de chão, no armário dos jogos calmos e no banco das mochilas. Depois
disto, a estagiária explicou ao grupo o que iria ser registado na folha de registo, dizendo
que na primeira coluna iriam colocar o número de pés que achavam que iam precisar
para medir cada um dos objetos (estimativa) e na segunda iriam colocar o número de
pés que realmente precisaram para medir os objetos, depois de efetivamente terem
realizado a medição.
As crianças mais velhas do grupo realizaram a atividade sem dificuldades, fazendo
previsões, tendo, por exemplo, em conta que se o banco das mochilas era o maior objeto
a medir iriam precisar de mais pés do que para medir os outros objetos. Outras crianças
não foram capazes de fazer previsões com consciência, não atendendo ao tamanho dos
diferentes objetos a medir. Foi ainda percetível que algumas crianças apresentaram
dificuldades no que refere à sequência numérica, o que influenciou as suas capacidades
de medição.
Figura 5. As crianças medem os objetos usando os pés
Conclusões
A literatura infantil assume um papel importante na educação pré-escolar. Deste modo,
foi possível proporcionar experiências significativas ao grupo que participou neste
estudo ao articular as histórias com o domínio da matemática.
Ao longo da investigação foram propostos problemas, decorrentes de histórias
criteriosamente selecionadas, explorados em diferentes momentos, não só durante o
4º CRIA
125
questionamento feito após a leitura de uma história, mas também em atividades de
motivação e como forma de diagnosticar os conhecimentos das crianças. Tal como
sucedeu na tarefa apresentada neste texto, quando confrontadas com um problema,
recorreram a várias estratégias de resolução de modo a chegar à solução, tais como:
fazer tentativas (num problema de divisão; num problema de contagens progressivas e
regressivas), descobrir um padrão (num problema de contagens progressivas e
regressivas), fazer uma simulação ou dramatização (no problema apresentado neste
texto; num problema de divisão; num problema de contagens progressivas e
regressivas) e relacionar um novo problema com outro já conhecido. O processo de
reflexão posterior à resolução de problemas, foi também um aspeto privilegiado neste
estudo, sendo a maioria das crianças capazes de falar acerca do problema acabado de
resolver, relatando como tinha procedido e porquê. Embora se possa afirmar que a
maioria das crianças tenha tido um bom desempenho na resolução dos problemas
propostos, várias revelaram dificuldades no processo de resolução, quer por não
compreenderem o problema ou por não conseguirem acompanhar a estratégia utilizada.
No entanto, a estagiária seguiu de perto estes casos, explicando novamente o que se
pretendia ou pedindo a outras crianças que o fizessem, de modo a que todas
vivenciassem experiências significativas e se sentissem envolvidas no processo.
Sendo uma capacidade transversal a toda a aprendizagem matemática, a comunicação
matemática começa a ser desenvolvida desde cedo. Todas as tarefas desenvolvidas ao
longo deste estudo visavam promover a comunicação centrada em ideias matemáticas,
tendo sido consideradas algumas características que se pretendia que as crianças
adquirissem ou refinassem, tais como: a precisão, a colocação de hipóteses e realização
de generalizações, a clareza, a apresentação de argumentos coesos e o uso de
terminologia matemática adequada. Foi bastante explícito que, durante o estudo, as
crianças foram gradualmente capazes de refinar o seu vocabulário, substituindo alguns
vocábulos menos corretos por outros mais corretos ou adquirindo novo vocabulário,
integrando-o no seu discurso. O recurso a representações emergiu não só para construir
novos
conhecimentos,
mas
também
para
exprimir
ideias
matemáticas.
As
representações privilegiadas neste estudo foram as ativas, essencialmente através da
utilização de materiais manipuláveis e da simulação de situações. As icónicas e as
simbólicas foram também evidenciadas através do preenchimento de folhas de registo
associadas às tarefa propostas.
126
4º CRIA
Ao longo das várias tarefas as crianças foram adotando algumas atitudes consideradas
fundamentais para o sucesso na resolução de uma tarefa matemática, tais como: a
disposição, o interesse, a autoconfiança, a perseverança, as crenças e a flexibilidade.
Foram notórios: a disposição para participar nas tarefas, mostrando que era um
momento significativo para elas; o interesse, dado que as tarefas propostas foram ao
encontro dos seus interesses, tendendo a dedicar-lhes mais tempo uma vez que eram
propostas consideradas relevantes; a autoconfiança ao lidar com a incerteza e a com
possibilidade de errar; a perseverança, mostrando-se persistentes, não desistindo de
imediato quando não encontravam o caminho para a solução; a flexibilidade,
reconhecendo diferentes formas de pensar sobre a mesma situação, considerando por
vezes, o conhecimento já existente de um novo modo, fatores que constituem elementos
incontornáveis para se ser criativo em matemática.
Referências bibliográficas
Barbeau, E. (2009). Chapter 0-Introduction. In E. J. Barbeau & P. J. Taylor (Eds.), Challenging
Mathematics In and Beyond the Classroom – New ICMI Study Series 12 (pp. 1-10).
NewYork: Springer.
Baroody, A. (2002). Incentivar a aprendizagem matemática das crianças. In B. Spodek (Org.),
Manual de investigação em educação de infância (pp. 333-390). Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian.
Boavida, A., Paiva, A., Cebola, G., Vale, I., & Pimentel, T. (2008). A Experiência Matemática
no Ensino Básico - Programa de Formação Contínua em Matemática para Professores
dos 1.º e 2.º Ciclos do Ensino Básico. Lisboa: Editorial do Ministério da Educação.
Castro, J., & Rodrigues, M. (2008). Sentido de número e organização de dados: Textos de
Apoio para Educadores de Infância. Lisboa: DGIDC.
DEB (1997). Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar. Lisboa: Ministério da
Educação.
Heuvel-Panhuizen, M., Boogaard, S., & Doig, B. (2009). Picture books stimulate the learning of
mathematics. Australian Journal of Early Childhood, 34, 30-39.
Hong, H. (1996). Effects of Mathematics Learning Through Children's Literature on Math
Achievement and Dispositional Outcomes. Early Childhood Research Quarterly, 11,
477-494.
Koellner, K., Wallace, F. H., & Swackhamer, L. (2009). Integrating Literature to Support
Mathematics Learning in Middle School. Middle School Journal, 41, 30-39.
McDuffie, A. M., & Young, T. A. (2003). Promoting Mathematical Discourse trough Children's
Literature. Teaching Children Mathematics, 9, 385-389.
Moreira, D., & Oliveira, I. (2003). Iniciação da Matemática no Jardim de Infância. Lisboa:
Universidade Aberta.
NCTM (2007). Princípios e Normas para a Matemática Escolar. Lisboa: APM.
Rodrigues, M. (2011). Histórias com matemática: sentido espacial e ideias geométricas.
Lisboa: Instituto Politécnico de Lisboa.
4º CRIA
127
Smole, K. (1998). Era uma vez na Matemática: uma conexão com a literatura infantil. São
Paulo: IME/USP.
Vale, I., & Pimentel, T. (2004). Resolução de Problemas. In P. Palhares (Ed.), Elementos da
Matemática para professores do Ensino Básico (pp. 7-51). Lisboa: LIDEL.
Yin, R. K. (2009). Case study research: Design and Methods. Nembury Park: CA: Sage
Publications.
Yoop, R. H., & Yoop, H. K. (2009). Using Literature in the Classroom. In R. H. Yoop, & H. K.
Yoop (Eds.), Literature-Based Reading Activities (pp. 1-14). London: Pearson.
Young, E., & Marroquin, C. L. (2006). Posing Problems from Children's Literature. Teaching
Children Mathematics, 12, 362-366.
128
4º CRIA
Anexo 1
DE QUE TAMANHO É UM PÉ? – Adaptado de How Big is a Foot? de Rolf
Myller
Era uma vez um rei que vivia com a sua esposa, a rainha. Eram
um casal muito feliz porque tinham tudo o que existia no
mundo.
Contudo, quando o dia de aniversário da rainha se
estava a aproximar, o rei teve um problema: não sabia o
que lhe ia oferecer. O que se poderia oferecer a alguém
que já tem tudo?
O rei pensou e pensou e pensou até que, de repente, teve
uma ideia! Iria dar à rainha uma cama!
4º CRIA
129
A rainha não tinha uma cama porque até àquele dia as camas
ainda não tinham sido inventadas. Por isso, mesmo alguém que
tinha tudo, ainda não tinha uma cama. Era o caso da rainha!
O rei chamou o seu primeiro-ministro e pediu-lhe para
por favor fazer uma cama. O primeiro-ministro chamou o
carpinteiro chefe e pediu-lhe para por favor fazer uma cama. Por sua vez, o carpinteiro
chefe chamou o aprendiz e pediu-lhe para fazer uma cama.
- Como é uma cama? De que tamanho é? – perguntou o aprendiz que não sabia
porque até àquele dia ainda ninguém tinha visto uma cama.
- Como é uma cama? De que tamanho é? – perguntou o carpinteiro chefe ao
primeiro-ministro.
- Boa pergunta! – respondeu o primeiro-ministro. O primeiro-ministro foi então
ter com o rei.
- Sua alteza! Pediu-me para fazer uma
cama, mas há um problema: nunca vimos uma
cama! Como é uma cama? De que tamanho é? –
perguntou preocupado o primeiro ministro.
O rei pensou e pensou e pensou até que, de repente, teve uma
ideia:
- A cama tem de ser grande o suficiente para que nela caiba a
rainha.
130
4º CRIA
O rei chamou então a rainha. Pediu-lhe para vestir o seu pijama novo e que se
deitasse no chão.
O rei tirou os seus sapatos e caminhou com cuidado ao lado da rainha.
- A cama deve ter três pés de largura e seis pés
de comprimento para ser grande o suficiente para que
nela caiba a rainha. – informou o rei – Incluindo a
coroa, porque às vezes a rainha gosta de dormir com a
sua coroa na cabeça.
O rei agradeceu à rainha e informou o
primeiro-ministro, que informou o carpinteiro chefe,
que informou o aprendiz: A cama deve ter três pés de
largura e seis pés de comprimento para ser grande o
suficiente para que nela caiba a rainha, incluindo a
coroa, porque às vezes a rainha gosta de dormir com a
sua coroa na cabeça!
4º CRIA
131
O aprendiz agradeceu, tirou os seus sapatos e com os seus pés pequeninos mediu
três pés de largura e seis pés de comprimento. O aprendiz trabalhou, trabalhou e a cama
ficou pronta.
Quando o rei viu a cama pensou:
- Que bonita!
O rei estava tão ansioso por mostrar a surpresa à rainha que
nem conseguiu esperar pelo dia do seu aniversário. Então, o rei
chamou a rainha, pediu-lhe para vestir o seu pijama novo e mostroulhe o seu presente.
A rainha quis logo experimentar a sua cama, mas, quando se
deitou nela, reparou que a cama era pequena demais para si.
132
4º CRIA
O rei ficou tão zangado que
mandou logo chamar o primeiro-ministro,
que chamou o carpinteiro chefe, que
chamou o guarda que pôs o aprendiz numa
prisão. O aprendiz estava muito triste. Por
que será que a cama era demasiado pequena para a rainha?
O aprendiz pensou e pensou e pensou até que, de repente, teve uma ideia! Uma
cama que tivesse três pés do rei de largura e seis pés do rei
de comprimento, naturalmente, seria maior do que uma
cama com três pés de aprendiz de largura e seis pés de
aprendiz de comprimento.
Entusiasmado com a sua descoberta o aprendiz
gritou:
- Eu consigo fazer uma cama onde caiba a rainha se souber o tamanho do pé do
rei.
O aprendiz explicou a sua descoberta ao guarda, que
explicou ao carpinteiro chefe, que explicou ao primeiroministro, que explicou ao rei que naquele dia estava muito
ocupado para ir até à prisão. Em vez disso, o rei chamou um
escultor muito famoso e entregou-lhe um dos seus sapatos. O
escultor fez uma cópia do pé do rei em pedra que foi enviada
para a prisão onde estava o aprendiz.
4º CRIA
133
O aprendiz pegou então na cópia do pé do rei em pedra, mediu com ela três pés
de largura e seis pés de comprimento e construiu uma cama à medida da rainha.
A cama ficou pronta mesmo a tempo do aniversário da rainha. Nesse dia, o rei
chamou a rainha e pediu-lhe que vestisse um pijama novo. Depois, o rei mostrou à
rainha a sua nova cama e disse-lhe que a experimentasse.
A rainha entrou na cama e... a cama servia
perfeitamente para a rainha, incluindo a coroa com a
qual a rainha gostava de dormir, de vez em quando.
A cama foi, sem dúvida, o melhor presente
que a rainha alguma vez recebeu.
O rei ficou muito feliz, chamou imediatamente o aprendiz, tirou-o da prisão e
fez dele um príncipe real. O rei estava tão, tão satisfeito que organizou um grande
cortejo e toda a gente veio saudar o pequeno príncipe aprendiz.
134
4º CRIA
A partir desse dia, toda a gente que quisesse medir alguma coisa, usaria uma
cópia do pé do rei em pedra. E quando alguém dizia “a minha cama tem seis pés de
comprimento e três pés de largura” toda a gente sabia perfeitamente de que tamanho
isso era.
4º CRIA
135
136
4º CRIA
Pensar não tem de ser escolarizar!
Florbela Soutinho, Ema Mamede
CIEC, Universidade de Minho, [email protected]
CIEC, Universidade do Minho, [email protected]
Resumo. Entre o “brincar” do Jardim de Infância e o “aprender” da
escolaridade obrigatória existe uma ponte que pode assumir-se como um
fosso se os docentes entenderem que ensinar e aprender discordam de
criatividade. Escolarizar assombra aqueles que tentam ir para além da
rotina diária, como se as crianças do pré-escolar estivessem por natureza
impossibilitadas de pensar antes da escolaridade formal. Ora, desafiá-las a
pensar e encontrar soluções para os seus problemas não é escolarizar.
Proporcionar experiências matemáticas estimulantes às crianças do préescolar é fundamental para a relação que se estabelece entre elas e o
conhecimento. Através de brincadeiras as crianças podem desenvolver o
seu pensamento e adquirem competências matemáticas que serão a base de
aprendizagens futuras. Esta comunicação pretende evidenciar como
crianças de 4, 5 e 6 anos resolvem alguns problemas de estrutura aditiva e
multiplicativa, apresentados sob a forma de desafios. Procura-se perceber:
1) Como resolvem estas crianças problemas de estrutura aditiva e de
estrutura multiplicativa? 2) Que estratégias adotam na sua resolução? 3)
Que explicações apresentam? Os resultados evidenciam sucesso no
desempenho das crianças, acompanhados de argumentos válidos, o que
parece indicar que as experiências matemáticas no pré-escolar traduzem
mais a falta de oportunidades para as crianças do que a sua ausência de
capacidades.
Palavras-chave: Pré-escolar; resolução de problemas; estrutura aditiva;
estrutura multiplicativa.
Introdução
Concebido como a atividade espontânea da criança (Kishimoto, 1998), o brincar é
essencial ao seu desenvolvimento. É através deste que a criança gere a sua relação com
os outros, assimila e se apropria dos significados das ações humanas e se constrói
enquanto sujeito. Mas ser criança é igualmente sinónimo de ser capaz de encontrar
soluções para alguns problemas. Katz (2006) alerta que as crianças devem ser
entendidas como seres sensíveis, pensantes, e que, embora novas, devem ser envolvidas
em “investigações” significativas. Elas nascem naturalmente curiosas, cientistas e com
uma predisposição inata para explorar o ambiente, retirando o melhor sentido das suas
experiências. Para tal, usam predisposições como investigar, levantar hipóteses, analisar
e verificar, mesmo durante os anos da idade pré-escolar. Segundo a autora, as
predisposições intelectuais mais importantes serão as inatas, devendo ser fortalecidas e
apoiadas, em vez de serem “minadas” por pressões académicas prematuras. A
4º CRIA
137
aprendizagem através da exploração, da reflexão, da análise, ou seja, do jogo e do
brincar reforça e aprofunda conhecimentos inatos.
Assim, foi objetivo deste estudo perceber como raciocinam as crianças de 4, 5 e 6 anos
quando resolvem alguns problemas de estrutura aditiva e de estrutura multiplicativa.
Procura-se, para tal, responder às seguintes questões: 1) Que desempenhos apresentam
as crianças quando resolvem alguns problemas de estrutura aditiva e de estrutura
multiplicativa? 2) Que estratégias usam para resolver estes problemas? 3) Que
argumentos utilizam para justificar as suas respostas?
Conhecimento Informal
Gelman e Gallistel (1978) reconhecem que as crianças possuem estruturas elementares
inatas, o que lhes permite, desde cedo, desenvolver as primeiras noções numéricas. As
crianças do pré-escolar dominam de forma intuitiva um conjunto implícito de princípios
matemáticos (Resnick, 1989), entendido como conhecimento informal, e que
posteriormente transportam para o processo de aprendizagem e o usam para interpretar
a matemática escolar (Ginsburg & Seo, 1999). Embora o trabalho que se realiza com
crianças dos 0 aos 6 anos tenha uma identidade própria, conteúdos matemáticos
anteriores vão-se ampliando e relacionando com os seguintes à medida que a
escolaridade avança, sendo a educação pré-escolar o embrião. Deste modo, as
atividades proporcionadas às crianças do pré-escolar assumem relevância.
O jogo favorece o envolvimento das crianças em situações de resolução de problemas e
desenvolve o seu pensamento e procedimento matemático de maneira informal (Sarama
& Clements, 2009). Reconhecer a resolução de problemas como uma competência
transversal e integradora de outras competências remete para a necessidade de refletir
sobre a melhor altura para proporcionar às crianças determinadas experiências,
assumindo que estas já possuem algumas competências matemáticas antes de iniciarem
a instrução formal.
Resolução de problemas de estrutura aditiva e multiplicativa
A literatura tem estudado o desempenho das crianças na resolução de problemas de
estrutura aditiva e problemas de estrutura multiplicativa, ora com crianças mais velhas,
a frequentar o ensino formal (Nunes, Campos, Magina & Bryant, 2005) ora com
crianças em idade pré-escolar, ainda antes de receberem qualquer instrução formal
138
4º CRIA
sobre operações matemáticas (Carpenter, Fennema, Franke, Levi & Empson, 1999;
Kouba, 1989). Entende-se por problemas de estrutura aditiva o conjunto das situações
que requerem a adição e subtração na sua resolução; e por problemas de estrutura
multiplicativa as situações que podem ser analisadas como problemas de proporção
simples ou múltiplas, nos quais normalmente é necessário multiplicar ou dividir.
Os estudos desenvolvidos em diferentes contextos ressaltam a capacidade que as
crianças têm de resolver corretamente alguns problemas de adição, subtração,
multiplicação e divisão, antes ainda de estas operações lhes serem formalmente
ensinadas (Carpenter et al., 1999; Nunes, Bryant & Watson, 2009). Apesar do sucesso
poder estar dependente de fatores como a idade e o tipo de problemas, a investigação
refere um êxito maior quando o procedimento das crianças é acompanhado de materiais
para manipular as ações descritas nos problemas (Hughes, 1986). As crianças resolvem
estes problemas recorrendo a uma grande diversidade de estratégias, baseadas na
situação descrita nos problemas, e revelando progressão no tipo de estratégias que
utilizam, recorrendo a estratégias mais abstratas à medida que vão crescendo e ficando
mais expeditas no seu desempenho (Carpenter et al., 1999; Kouba, 1989; Mulligan,
1992).
Desconhecendo a forma como as crianças de 4, 5 e 6 anos a frequentar a educação préescolar em Portugal resolvem problemas de estrutura aditiva e estrutura multiplicativa, a
que estratégias recorrem para os resolver e de que argumentos se servem para justificar
a sua opção correta, foi levada a efeito esta investigação. Este estudo procura perceber
como raciocinam as crianças de 4, 5 e 6 anos quando resolvem alguns problemas de
estrutura aditiva e de estrutura multiplicativa.
Metodologia
Utiliza-se uma metodologia de investigação quantitativa (Fortin, 2009) com recurso a
entrevistas. Participaram no estudo 180 crianças dos 4 aos 6 anos, a frequentar a
educação pré-escolar pública, nos distritos de Viseu e Aveiro. Divididas aleatoriamente
em dois grupos, garantindo apenas que metade das crianças (4 anos, n=30; 5 anos,
n=30; 6 anos, n=30) resolveu problemas de estrutura aditiva – EA - e a outra metade
problemas de estrutura multiplicativa - EM.
Conduziram-se entrevistas individuais às crianças de cada grupo. As crianças que
resolveram problemas de EA responderam a 10 problemas. As crianças que resolveram
4º CRIA
139
problemas de EM responderam a 6 problemas, de acordo com a classificação de
Vergnaud (1983), conforme mostram as Tabelas 1 e 2.
Tipo de
Problema
Composição de
Duas Medidas
Transformação
Ligando Duas
Medidas
Tipo de
Problema
Isomorfismo
de Medidas
Tabela 1. Problemas de estrutura aditiva.
PROBLEMAS DE ESTRUTURA ADITIVA
Elemento Desconhecido/
Exemplo
Direção
A cadela da Inês teve cachorrinhos. Ela teve 5
Todo
brancos e 3 castanhos. Quantos cachorrinhos
teve, ao todo, a cadela da Inês?
A mãe da Francisca deu-lhe 4 coelhinhos de
Adição
chocolate. Mais tarde deu-lhe mais 3. Quantos
coelhinhos tem agora a Francisca?
Resultado
O Rui tinha 7 rebuçados, deu 5 à sua irmã.
Subtração
Quantos tem agora?
O bibe da Maria tinha 4 botões. A mãe coseu
Adição
mais alguns. Agora o bibe tem 6. Quantos
botões coseu a mãe?
Transformação
O Paulo tinha 5 rebuçados, comeu alguns e
Subtração
ficou com 3. Quantos rebuçados comeu?
Tabela 2. Problemas de estrutura multiplicativa.
PROBLEMAS DE ESTRUTURA MULTIPLICATIVA
Elemento
Exemplo
Desconhecido
Nesta rua há 3 casas. Em cada casa moram 2 coelhos.
Multiplicação
Quantos coelhos moram, ao todo, nas 3 casas?
Tens estes grãos de milho (12) para dar a 3 pintainhos.
Divisão Partitiva
Todos têm que comer a mesma quantidade. Quantos
grãos de milho vai comer cada pintainho?
O Pedro tem estes balões (15) para dar aos amigos. Cada
Divisão por Quotas amigo vai receber 3 balões. A quantos amigos ele vai dar
balões?
A ordem das questões da entrevista foi pré-estabelecida e igual para todas as crianças.
Para cada problema foi disponibilizado material para que pudessem manipular, caso
necessitassem. No final de cada resolução foi-lhes solicitado que explicassem o seu
procedimento e justificassem a sua resposta.
Os dados foram recolhidos com recurso a gravação vídeo e a notas de campo da
investigadora (uma das autoras deste artigo) e tratados com recurso ao software de
estatística Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 20.
Resultados
140
4º CRIA
Para compreender como raciocinam as crianças durante a resolução dos problemas
propostos, analisaram-se os desempenhos das crianças, as estratégias utilizadas nas
respostas certas e os argumentos dados na justificação das suas respostas.
Desempenho das crianças na resolução dos problemas de estrutura aditiva
Para cada criança contabilizaram-se as resoluções certas e erradas em cada problema. A
Tabela 3 resume a média das proporções e o desvio padrão do número de respostas
certas dos problemas de estrutura aditiva propostos, de acordo com a idade.
Tabela 3. Média das proporções (desvio padrão) das respostas corretas nos problemas de EA.
TIPO DE PROBLEMAS
Composição Ligando Duas Medidas
Transformação Ligando Duas
Medidas
Elemento
desconhecido
Todo
Resultado
Transformação
MÉDIA (desvio padrão)
4 anos
5 anos
(n=30)
(n=30)
.67 (.42)
.75 (.34)
.67 (.28)
.79 (.30)
.38 (.31)
.45 (.30)
6 anos
(n=30)
.97 (.13)
.90 (.18)
.70 (.21)
Os resultados sugerem que as crianças mais velhas têm melhores desempenhos do que
as mais novas, contudo, problemas que parecem ser mais fáceis para as crianças de 6
anos, são também acessíveis a crianças de 5 e 4 anos. O sucesso que se verifica difere,
ainda, de acordo com o tipo de problemas. Os problemas que parece terem levantado
mais dificuldade às crianças, independentemente da idade, foram os problemas de
Transformação Ligando Duas Medidas com o elemento de transformação desconhecido.
Ainda assim, observam-se percentagens médias elevadas no grupo das crianças de 6
anos. A resolução dos restantes problemas parece não constituir dificuldade, já que
apresenta percentagens médias de sucesso acima dos 65% no caso das crianças de 4
anos e próximo dos 100% no grupo das crianças de 6 anos. Não é, no entanto, unânime
o tipo de problema resolvido com mais facilidade em todas as idades, pois se para as
crianças de 5 anos os problemas de Transformação Ligando Duas Medidas com o
resultado desconhecido foram os que obtiveram melhores resultados, no grupo das
crianças de 6 anos parece ter havido mais facilidade de resolução nos problemas de
Composição Ligando Duas Medidas.
Nos problemas de Composição de Duas Medidas, apenas 10 crianças não conseguiram
resolver nenhum problema deste tipo. Nos problemas de Transformação Ligando Duas
Medidas, com o resultado desconhecido, 49 crianças acertaram a totalidade destes
problemas, sendo que 9 são de 4 anos. Ainda neste tipo de problemas, mas com a
4º CRIA
141
transformação desconhecida, a maioria das crianças acertou pelo menos metade dos
problemas propostos (Figuras 1 a 3).
Figura 1. Distribuição de respostas certas – Composição de Duas Medidas.
Figura 2. Distribuição de respostas certas - Transformação Ligando Duas Medidas com
resultado desconhecido.
142
4º CRIA
Figura 3. Distribuição de respostas certas - Transformação Ligando Duas Medidas com
transformação desconhecida.
Os problemas de estrutura aditiva propostos parecem ser acessíveis mesmo às de 4 anos.
Em virtude da distribuição dos desempenhos das crianças não ser normalmente
distribuído, para comparar o desempenho das crianças nos diferentes tipos de problemas
de acordo com a idade, conduziu-se um teste de Kruskal-Wallis. Este teste indica que o
desempenho das crianças é influenciado pela idade. Crianças mais velhas, de 6 anos,
têm melhor desempenho do que as crianças mais novas (problemas de Composição de
Duas Medidas, 2kw 2kw (2)=21.159, p<.001; problemas de Transformação Ligando
Duas Medidas, 2kw 2kw (2)=22.484, p<.001; problemas de Relação Estática Ligando
Duas Medidas, 2kw 2kw(2)=24.454, p<.001). Entre os 4 e os 5 anos não se registam
diferenças significativas em nenhum dos tipos de problemas (problemas de Composição
de Duas Medidas, 2kw 2kw = -4,900, n.s; problemas de Transformação Ligando Duas
Medidas,2kw2kw = -10,517, n.s; problemas de Relação Estática Ligando Duas Medidas,
2kw2kw = -8,883, n.s).
Analisaram-se as estratégias das crianças procurando conhecer melhor como raciocinam
quando resolvem corretamente os problemas propostos.
Estratégias de resolução dos problemas de estrutura aditiva
4º CRIA
143
As estratégias que as crianças utilizaram na resolução correta dos problemas propostos
foram analisadas à luz da categorização apresentada por Carpenter et al. (1999). Foi
possível observar três tipos de estratégias: i) estratégias de manipulação direta, em que
as crianças manipulam os objetos na formação dos conjuntos; ii) estratégias de
contagem, identificadas quando as crianças resolvem o problema proposto recorrendo à
sequência de contagem e não manipulam qualquer objeto; iii) estratégias com factos
numéricos, consideradas quando apelam a factos conhecidos já memorizados,
parecendo dominar a composição do número; iv) estratégia inconclusiva para os casos
em que as estratégias usadas pelas crianças não conseguem determinar uma forma de
atuar. A Tabela 4 regista o tipo de estratégias usadas pelas crianças na resolução dos
problemas propostos.
Tabela 4. Tipo de estratégias observadas nos problemas de EA.
TIPO DE PROBLEMAS
Composição
de Duas Medidas
Transformação Ligando Duas Medidas
Todo desconhecido
Resultado
Transformação
desconhecido
desconhecida
4
5
6
4
5
6
4
5
6
anos anos
anos
anos
anos
anos
anos
anos anos
TIPO DE
(%)
(%)
(%)
(%)
(%)
(%)
(%)
(%)
(%)
ESTRATÉGIAS
Manipulação Direta
100
86.6
74.1
92.5
89.4
80.7
80.0
75.9
87.3
Contagem
9.0
10.4
4.2
0.1
2.2
7.2
Factos Numéricos
2.2
15.5
3.2
7.4
11.1
11.9
Inconclusiva
2.2
7.5
3.2
1.8
17.8
13.0
3.6
À medida que a idade das crianças aumenta, diminui o recurso às estratégias de
manipulação direta, aumentando o recurso a estratégias mais abstratas como estratégias
de contagem ou com factos numéricos. O recurso a estratégias de contagem foi mais
frequente em crianças de 6 anos, no entanto, é de notar o recurso a este tipo de
estratégias por crianças mais novas, apesar das baixas percentagens observadas.
Ainda mais abstratas do que as estratégias de contagem são as estratégias com factos
numéricos (Carpenter et al., 1999), e apesar disso, observa-se o recurso a este tipo de
estratégia por crianças com idades inferiores a 6 anos. Em alguns casos, o recurso a
estratégias com factos numéricos chega a ser superior ao uso de estratégias de
contagem.
144
4º CRIA
A maior percentagem de estratégias inconclusivas e das quais resultaram respostas
corretas, situam-se no grupo das crianças de 4 anos. Ainda que a ação das crianças
sugira compreensão na resolução de problemas, analisaram-se os seus argumentos.
Argumentos na resolução dos problemas de estrutura aditiva
As explicações das crianças às respostas corretas foram consideradas na análise como
forma de perceber em que medida conseguem justificar o seu raciocínio, ou seja, a
análise lógica que a criança faz da situação, a sua forma de pensar. Consideraram-se as
categorias: i) argumentos “Válidos”, inclui os casos em que a explicação atende a todas
as quantidades envolvidas no problema (ex.: “porque 5 mais 3 dá 8”); ii) argumentos
“Parcialmente Válidos”, inclui os casos em que a criança atende a uma parte do
problema e a sua explicação não é completa; iii) argumentos “Inválidos”, contempla os
casos em que, tendo a criança resolvido corretamente o problema, apresenta uma
justificação inconclusiva ou descontextualizada; e iv) “Sem Argumento”, nos casos em
que a criança, tendo dado uma resposta correta, não consegue verbalizar a sua
explicação, fica calada ou responde “não sei”.
Como é esperado, as crianças que revelam maior percentagem de argumentos “Válidos”
são as de 6 anos, com valores acima dos 69%. Verifica-se que a percentagem deste tipo
de argumentos aumenta consoante aumenta a idade. Contudo, é de registar que mesmo
as crianças de 4 anos procuram justificar de forma válida as suas opções, alcançando
valores acima dos 31%.
Não se esperavam percentagens muito elevadas nas crianças de 4 e 5 anos devido à
dificuldade que têm em se expressar de forma clara e coerente nestas idades. Mesmo em
crianças de 6 anos não seria de esperar percentagens tão elevadas de argumentação
válida, devido à dificuldade que, segundo Piaget (1967), a criança tem em realizar a
introspeção do seu raciocínio. Todavia, os valores dos argumentos “Válidos” parecem
contrariar esta posição.
Os valores apresentados na categoria “Sem Argumento”, acima dos 33% no grupo das
crianças de 4 anos e abaixo dos 29% em crianças de 5 anos, parece indicar que as
crianças preferem ficar caladas do que dar uma resposta que não justifique corretamente
a solução acertada do problema. De uma forma geral, das diferentes categorias
encontradas para a argumentação, aquela que apresenta menores valores percentuais são
os argumentos “Parcialmente Válidos”. De considerar que estas crianças, tendo dado
4º CRIA
145
respostas corretas, conseguem articular parte da informação, para justificar a sua
resposta.
Análise dos resultados dos problemas de estrutura multiplicativa
Foram analisadas e contabilizadas as resoluções das crianças nos problemas de estrutura
multiplicativa. A Tabela 5 resume a média das proporções e o desvio padrão das
respostas certas dos problemas de estrutura multiplicativa propostos, por idade.
Tabela 5. Média das proporções (desvio padrão) das respostas corretas nos problemas de EM.
PROBLEMAS DE
ISOMORFISMO DE MEDIDAS
Multiplicação
Divisão Partitiva
Divisão por Quotas
4 anos
(n=30)
.28 (.31)
.28 (.34)
.30 (.41)
MÉDIA (desvio padrão)
5 anos
6 anos
(n=30)
(n=30)
.45 (.38)
.45 (.44)
.60 (.42)
.78 (.34)
.72 (.34)
.75 (.41)
O desempenho na resolução dos problemas de EM parece variar consoante a idade das
crianças, com melhores desempenhos para as crianças mais velhas. Estes dados sugerem
ainda níveis de sucesso diferentes consoante o tipo de problema. Os problemas de
Multiplicação parecem ser de mais fácil resolução para as crianças de 6 anos. No grupo
das crianças de 4 e 5 anos, os problemas que tiveram melhores resultados foram os de
Divisão por Quotas.
Apesar de não se observarem resultados tão bons nos problemas de EM como nos de
EA, também aqueles parecem ser acessíveis a crianças do pré-escolar. Da análise
efetuada sobre a distribuição do total de respostas certas de acordo com a idade pode
observar-se que quase metade das crianças resolveu corretamente a totalidade dos
problemas de EM apresentados, sendo que destas, 6 eram de 4 anos, 14 de 5 anos, e 21
de 6 anos (Figuras 4 a 6).
146
4º CRIA
Figura 4. Distribuição de respostas certas - Multiplicação.
Figura 5. Distribuição de respostas certas - Divisão Partitiva.
4º CRIA
147
Figura 6. Distribuição de respostas certas - Divisão por Quotas.
Corrido o teste de Kruskal-Wallis, as crianças de 6 anos têm um desempenho superior e
estatisticamente significativo ao desempenho das crianças de 4 e 5 anos nos problemas
de Multiplicação (2kw2kw (2)=24.375,p<.001) e Divisão Partitiva (2kw2kw (2)=16.761,
p<.001). Já nos problemas de Divisão por Quotas, apenas o desempenho das crianças de
4 anos é significativamente inferior ao das crianças de 5 e 6 anos (entre as crianças de 4
e 5 anos, 2kw2kw =-15,900, p<.05; e entre as crianças de 4 e 6 anos (2kw2kw =-24,300,
p<.001). As estratégias das crianças foram analisadas procurando perceber como é que
elas raciocinam na resolução destes problemas.
Estratégias de resolução dos problemas de estrutura multiplicativa
Também na resolução dos problemas de EM propostos foi possível observar o recurso
a: estratégias de manipulação direta, estratégias de contagem, e estratégias com factos
numéricos. Foi também, aqui, criada a categoria Inconclusiva. A Tabela 6 mostra o tipo
de estratégias usadas na resolução dos problemas de EM, de acordo com a idade.
Tabela 6. Tipo de estratégias observadas nos problemas de EM.
PROBLEMAS DE ISOMORFISMO DE MEDIDAS
Multiplicação
Divisão Partitiva
Divisão por Quotas
4
5
6
4
5
6
4
5
6
anos
anos
anos
anos anos
anos anos
anos anos
TIPO DE
(%)
(%)
(%)
(%)
(%)
(%)
(%)
(%)
(%)
ESTRATÉGIAS
Manipulação Direta
70.6
37.0
46.8
100
88.9
97.7
100
94.4
100
Contagem
5.9
18.5
12.7
3.7
2.3
2.8
Factos Numéricos
17.6
44.5
36.2
3.7
Inconclusivo
5.9
4.3
3.7
2.8
-
148
4º CRIA
Todas as crianças recorrem, maioritariamente, a estratégias de manipulação direta,
sendo que as crianças de 4 anos a usam exclusivamente em problemas de Divisão.
Contudo, tratando-se de problemas de Multiplicação, estas recorrem também a
estratégias mais abstratas como as estratégias com factos numéricos. Importa ainda
notar que as crianças de 5 anos são, de todas, as que recorrem em menor percentagem a
estratégias de manipulação direta, resolvendo muitos dos problemas de estrutura
multiplicativa com recurso a factos numéricos. As crianças de 5 anos chegam a usar
mais este tipo de estratégias do que as de 6 anos. Salienta-se igualmente o uso deste tipo
de estratégia por crianças de 4 anos, ainda que de modo menos expressivo.
Argumentos na resolução de problemas de estrutura multiplicativa
Foi usada a mesma categorização de análise dos problemas de EA: “Válidos” (ex.:
“Porque eu pus 4 grãos em cada pintainho, 4 num mais 4 noutro mais 4 noutro”),
“Parcialmente Válidos”, “Inválidos” e “Sem Argumentos. Era espectável que crianças
de 4, 5 e 6 anos manifestassem alguma dificuldade em expressar, de forma válida, o seu
raciocínio na resolução dos problemas propostos. No entanto, verificam-se percentagens
de argumentos “Válidos” (acima dos 33% no grupo das crianças de 4 anos, acima dos
40% no grupo de 5 anos, acima dos 53% nas de 6 anos) que rebatem aquela ideia.
Considerações Finais
Era objetivo deste estudo aferir a compreensão de problemas de estrutura aditiva e
multiplicativa de crianças do pré-escolar. Desta forma, foram analisados os
desempenhos das crianças na resolução de problemas de EA e EM separadamente, bem
como as estratégias que usaram para resolver os problemas propostos e os argumentos
apresentados que conduziram a respostas corretas.
Os sucessos alcançados em investigações internacionais (Carpenter et al., 1999;
Hughes, 1986; Kouba, 1989; Mulligan, 1992), e também nesta investigação, não deixam
dúvida de que muitas crianças pequenas começam a escolaridade com conhecimentos
que lhes permitem resolver, com sucesso, problemas de estrutura aditiva e
multiplicativa. Esta investigação monstra que crianças de 4, 5 e 6 anos conseguem
resolver problemas de adição, subtração, multiplicação e divisão, apresentados em
forma de histórias, não obstante o grau de sucesso poder estar dependente de alguns
fatores, como a idade e o tipo de problemas que lhes é apresentado.
4º CRIA
149
De uma forma geral, em todos os tipos de problemas de estrutura aditiva, encontram-se
níveis de sucesso que não devem ser ignorados, ainda que estes possam variar com a
idade. Nos problemas de Transformação Ligando Duas Medidas com o resultado
desconhecido, as diferenças significativas ocorrem entre as crianças de 4 e 6 anos, o que
poderá sugerir que este tipo de problemas é mais fácil de interpretar, uma vez que não
implica o conhecimento da relação inversa entre adição e a subtração, logo de perceber
a relação que é estabelecida entre as quantidades (Vergnaud, 1986). Por outro lado,
estas situações estarão mais presentes no dia-a-dia das crianças, dentro e fora do Jardim
de Infância, o que lhes confere maior familiaridade de linguagem e interpretação das
relações presentes. Mesmo a resolução de problemas mais complexos, como os
problemas com a transformação desconhecida, em que há a necessidade de realizar uma
operação de pensamento baseada na propriedade inversa da adição e subtração, parecem
estar ao nível das capacidades das crianças mais novas.
Relativamente aos problemas de estrutura multiplicativa, a investigação já realizada
(Fuson, 2004; Mulligan, 1992; Vergnaud, 1983) salienta a facilidade com que as
crianças resolvem problemas de multiplicação e divisão que envolvem “grupos iguais” e
“medidas iguais”. As crianças Portuguesas envolvidas neste estudo não revelaram
dificuldade em resolver os problemas propostos de multiplicação e divisão,
conseguindo, com facilidade, usar a correspondência em situações de multiplicação e
divisão, ainda que o seu desempenho seja afetado pela idade.
Este estudo evidencia o sucesso de crianças com idade inferior a 6 anos, o que é
revelador da sua capacidade de resolver alguns problemas de Multiplicação, Divisão
Partitiva, Divisão por Quotas, recorrendo a estratégias específicas e adequadas a cada
tipo de problema. Apesar de recorrerem maioritariamente a estratégias de manipulação
direta, é observa-se o recurso a estratégias mais abstratas como as estratégias de
contagem e estratégias com factos numéricos.
Assim, os resultados apresentados não deixam dúvidas de que as crianças conseguem,
desde muito cedo, resolver problemas de EA e de EM antes das operações que lhe estão
associadas lhes serem formalmente ensinadas, modelando as ações descritas nos
problemas e procurando estratégias distintas de acordo com o tipo de problema.
Pode-se também depreender que as crianças estão cientes do que fazem ao resolver as
tarefas propostas, tal é comprovado pela argumentação que usam para justificar as suas
150
4º CRIA
respostas e as opções tomadas na escolha das estratégias usadas. As percentagens de
argumentos “Válidos” registadas dão conta de que as crianças resolvem, com
consciência, os problemas que lhes são propostos. Estes dados parecem contrariar o que
é defendido por Piaget (1967), que afirma uma completa ausência de introspeção e
inconsciência de pensamento diante de si próprio e das suas ações antes dos 7-8 anos de
idade.
Deste estudo ressalta que as crianças dos 4 aos 6 anos conseguem resolver, com
sucesso, muitos problemas de estrutura aditiva e multiplicativa quando estes lhes são
propostos como jogos, em que são desafiadas a pensar em estratégias para encontrar
soluções. As crianças entendem estes desafios como uma brincadeira, o que lhes dá
prazer e motivação para procurarem resolver corretamente problemas que parecem estar
ao alcance das suas capacidades cognitivas.
Levar as crianças a pensar, resolvendo com jogos problemas que envolvem o raciocínio
aditivo e multiplicativo, ao invés de lhes apresentar exercícios monótonos, estimula o
seu pensamento e cria oportunidades para avançarem para níveis de conhecimento
seguintes. Katz (2006) defende que deixar de incentivar as predisposições inatas das
crianças poderá representar oportunidades perdidas de contribuições substanciais para o
resto das suas vidas. O facto de as crianças não terem experiências propiciadoras de
aprendizagens não significa que elas não possuam capacidades e predisposições
intelectuais, levando a crer que, o “não saber” traduz mais a falta de oportunidades
facultadas às crianças do que a ausência de capacidades.
Referências bibliográficas
Carpenter, T., Fennema, E., Franke, M., Levi, L., & Empson, S. (1999). Children’s
Mathematics: cognitively guided instruction. USA: Leigh Peake.
Fortin, M. F. (2009). Fundamentos e Etapas do Processo de Investigação. Loures: Lusodidacta.
Fuson, K. (2004). Pre-K to grade 2 goals and standards: achieving 21st century mastery for all.
In D. Clements, J. Sarama, & A. Dibiase, Engaging young children in mathematics:
standards for early childhood mathematics education (105-148). Mahwah: Lawrence
Erlbaum Associates.
Gelman, R., & Gallistel, C. (1978). The child’s understanding of number. Cambridge, M.A:
Harvard University Press.
Ginsburg, H., & Seo, K. (1999). Mathematics in children's thinking. In Mathematical Thinking
and Learning, 1(2), 113-129.
Hughes, M. (1986). Children and Number: Difficulties in Learning Mathematics. Oxford:
Blackwell.
Katz, L. (2006). Perspectivas actuais sobre aprendizagem na infância. Saber (e) Educar, 11, 7 –
21.
4º CRIA
151
Kishimoto, T. (1998). O brincar e suas teorias. São Paulo: Pioneira.
Kouba, V. (1989). Children’s solution strategies for equivalents set multiplication and division
word problems. Journal for Research in Mathematical Education, 20, 147-158.
Mulligan, J. (1992). Children's Solutions to Multiplication and Division Word Problems: A
Longitudinal Study. Mathematics Education Research Journal, Vol 4 (1), 24-41.
Nunes, T., Bryant, P., & Watson, A. (2009). Key Understandings in Mathematics Learning.
Nuffield Foundation.
Nunes, T., Campos, T., Magina, S., & Bryant, P. (2005). Educação Matemática – Números e
Operações Numéricas. São Paulo: Cortez Editora.
Piaget, J. (1967). O Raciocínio na Criança. Rio de Janeiro: Record.
Resnick, L. (1989). Developing mathematical knowledge. American Psychologist, 44 (2), 162169.
Sarama, J., & Clements, D. (2009). Early Childhood Mathematics Education Research:
Learning Trajectories for Young Children. New York: Routledge.
Vergnaud, G. (1983). Multiplicative structures. In R. Resh, & M. L. (Orgs.), Acquisition of
mathematics concepts and processes (127-174). New York: Academic Press.
Vergnaud, G. (1986). Psicologia do desenvolvimento cognitivo e didática das matemáticas - um
exemplo: as estruturas aditivas. Análise Psicológica, 1, 75-90.
152
4º CRIA
Construir pontes entre a Matemática e a Educação Financeira
Dárida Fernandes, Maria Santos, Susana Sá
Escola Superior de Educação do Politécnico do Porto
[email protected]; [email protected]; [email protected]
Resumo. Esta comunicação tem como objetivo partilhar dados resultantes
do desenvolvimento de um projeto de investigação elaborado no âmbito do
Mestrado em Ensino do 1.º e do 2.º Ciclo do Ensino Básico da Escola
Superior de Educação do Politécnico do Porto. Este trabalho com
características de investigação-ação surgiu do projeto educativo de um
Agrupamento de Escolas do distrito do Porto, num contexto de Território
Educativo de Intervenção Prioritária. Partindo-se da questão-problema:
“De que forma a resolução de problemas relacionados com o quotidiano da
criança no ensino da Matemática contribui para o desenvolvimento da
Educação Financeira em estudantes do 2.º ciclo do Ensino Básico?”
traçou-se uma metodologia adequada ao estudo em causa. Assim, os
estudantes do 5.º ano foram desafiados a construir, através da resolução de
problemas, conhecimentos matemáticos sobre a multiplicação de números
racionais não negativos, mas também a desenvolver conceitos relacionados
com a Educação Financeira. Neste sentido, foi realizado um percurso de
aprendizagem em que foram construídos materiais didático-pedagógicos
criativos como os origamis, o jogo de tabuleiro, o jogo interativo e os
vídeos tendo sido fundamentais, não só para o envolvimento das crianças
neste projeto, mas também para as estimular a desenvolver o gosto pela
Matemática. No final deste trajeto tornou-se possível responder
afirmativamente à questão de investigação mencionada anteriormente uma
vez que existiram fortes indícios (obtidos através de diferentes instrumentos
de recolha de dados) de que é possível o desenvolvimento da Educação
Financeira através da resolução de problemas matemáticos em contexto e
relacionados com o quotidiano da criança.
Palavras-chave:
Financeira.
Matemática;
Resolução
de
problemas;
Educação
Introdução
A Escola está inserida numa sociedade consumista em que o “ter” tem mais valor do
que o “ser” e, sendo importante desenvolver uma educação para e pela Cidadania,
considerou-se fundamental criar oportunidades para que os estudantes construíssem o
seu conhecimento através de uma “relação saudável com o dinheiro” e desafios
matemáticos significativos, adequados e contextualizados (Pereira, Feitosa, Silvério, &
Sousa, 2009). Neste sentido, procurou-se dar resposta à necessidade da educação
financeira nas escolas e, indo do encontro do Projeto Educativo de um Agrupamento de
4º CRIA
153
Escolas do distrito do Porto, num contexto de Território Educativo de Intervenção
Prioritária (TEIP), partiu-se da questão-problema “De que forma a resolução de
problemas com aproximação ao quotidiano no ensino da Matemática contribui para o
desenvolvimento da Educação Financeira com estudantes do 2.º ciclo do Ensino
Básico?”.
Após o enquadramento teórico sobre Educação Financeira e a resolução de problemas
matemáticos traçou-se a metodologia de investigação, condição do projeto de
intervenção com descrição das sessões realizadas. No ponto subsequente, apresenta-se a
análise dos dados bem como a discussão dos resultados obtidos e, por último, são
tecidas as considerações finais que procuram responder à questão problema mencionada
anteriormente.
Problemática em estudo e objetivos
A motivação para a escolha desta temática prende-se com o facto de a Educação
Financeira ser recentemente integrada como linha orientadora das áreas temáticas da
Educação para a Cidadania. Esta nova incorporação presente no Dec. Lei n.º 139/2012
de 5 de julho visa a formação pessoal e social dos estudantes sendo, por isso, um tema
inovador e desafiante tanto na perspetiva de investigador como de professor. Sentiu-se a
necessidade de realizar este projeto num contexto de escola TEIP dado que existe uma
elevada concentração de população carenciada a nível socioeconómico e cultural. Sendo
assim é de extrema relevância o reconhecimento e a compreensão, por parte dos
estudantes, da necessidade de na disciplina de matemática se aprender a gerir o dinheiro
no presente e no futuro, indo ao encontro do que é referido no NTCM (2008, p.4), “a
necessidade de compreender matemática e de ser capaz de usar matemática na vida
quotidiana, e no local de trabalho, nunca foi tão premente.” Neste sentido também
Caraça (2000) reforça esta ideia ao afirmar que a Matemática apesar de contemplar
problemas próprios, também se relaciona com a vida real, defendendo mais uma vez a
ideia do ensino da desta disciplina com aplicabilidade no quotidiano.
No contexto escolar torna-se importante sensibilizar os estudantes para a importância da
formação financeira, fazendo com que estes construíssem conceitos financeiros básicos
para permitir uma melhor compreensão da informação e uma escolha mais adequada de
produtos financeiros.
Assim, foi fundamental a contextualização de todas as tarefas com situações do
quotidiano ou próximas da realidade dos estudantes que envolvessem a gestão
154
4º CRIA
financeira e propiciassem a construção e desenvolvimento do conhecimento financeiro.
A compreensão da Matemática é essencial, sendo considerado um veículo facilitador de
aprendizagem subsequente, do desenvolvimento da autonomia dos estudantes e da sua
capacidade para enfrentar novas situações e problemas (NTCM, 2008).
Numa investigação é fulcral a definição dos objetivos a alcançar, sendo que nesta foram
os seguintes: i) desenvolver um projeto de intervenção no âmbito da Educação
Financeira relacionado com a aprendizagem Matemática; ii) compreender a importância
da Educação Financeira, quando abordada em contexto formal (aulas de Matemática);
iii) analisar a capacidade de construção e mobilização de conhecimentos matemáticos e
financeiros. No que respeita à didática, os objetivos definidos foram: i) construir
conhecimentos matemáticos relativos à multiplicação de números racionais não
negativos com a resolução de problemas do quotidiano relacionados com a poupança e a
gestão do dinheiro; ii) desenvolver conhecimentos sobre a Educação Financeira de um
modo didático; iii) compreender a relação da Matemática com a Educação Financeira.
Por fim, ao longo desta investigação tentou-se compreender se é possível, perante este
contexto educativo, articular a área temática da Educação Financeira com o domínio da
Matemática de maneira a que os estudantes construam conhecimentos que os forneçam
ferramentas para que estes possam desenvolver comportamentos e atitudes racionais
face a questões de natureza económica, financeira e matemática.
Enquadramento teórico
Educação Financeira: um valor social
A Educação Financeira é uma área temática contemplada na Educação para a Cidadania
que, segundo a OCDE (2006), referido por Dias, et al, (2013), é o processo pelo qual os
consumidores financeiros melhoram a sua compreensão dos produtos e conceitos
financeiros e desenvolvem capacidades e confiança para se tornarem mais atentos aos
riscos e oportunidades financeiras. Numa perspetiva mais simplista e segundo Gitman
(2004, referido por Pereira, Feitosa, Silvério, & Sousa, 2009) a educação financeira é “a
arte e a ciência da gestão do dinheiro” (p.4) que pode beneficiar todos os indivíduos
independentemente do seu nível de rendimento (Tavares, 2012).
Conscientes da necessidade de “educar financeiramente” as crianças de modo a que
possam tomar decisões refletidas e construírem e desenvolverem comportamentos que
melhorem o seu bem-estar financeiro, o Conselho Nacional de Supervisores Financeiros
propõe a exploração de conceitos relacionados com a Educação Financeira desde o
4º CRIA
155
ínicio da escolaridade das crianças. Com esse propósito, neste projeto, atentou-se ao
desenvolvimento da Educação Financeira, ou seja, “a capacidade de fazer julgamentos
informados e tomar decisões efetivas tendo em vista a gestão do dinheiro” (Conselho
Nacional de Supervisores Financeiros, 2011, p. 5). Para além da gestão do dinheiro
implícita na resolução dos problemas construídos, as crianças devem ter oportunidade
de explorar assuntos monetários, económicos e financeiro, próprios desta temática
(Orton, 2007, citado por Dias, et al., 2013).
Resolução de problemas: dinâmica de conhecimentos
É com a “leitura” da realidade (Santos, 2012) e através das situações e dos problemas a
resolver que um conceito [sendo ele matemático ou financeiro] adquire significado para
a criança (Claudino, Nunes, & Silva, 2003). Na perspetiva de resolução de problemas,
parte integrante de toda a aprendizagem matemática (NCTM, 2008), é ainda essencial
que as crianças relacionem os conhecimentos e conceitos já construídos, as regras, as
técnicas, as destrezas intelectuais para encontrarem uma resposta aos problemas
(Fernandes, 1994).
O apelo à Matemática Realista, ou seja, dando enfoque aos problemas do contexto na
forma de jogos, histórias e tabelas, permite que os estudantes possam atribuir
significados e usar os seus conhecimentos e a sua experiência pessoal (Pinto, 2004;
Polya, 2003). Considerando o modelo adaptado de Fernandes, Vale, Silva, Fonseca e
Pimentel (1998 referidos em Vale & Pimentel, 2004), deve atender-se a quatro grandes
momentos aquando da resolução de problemas: a leitura e compreensão do problema, a
realização e a execução de um plano, a verificação da resposta e a avaliação. Estes
problemas devem ser desafiantes, adequados e devem fomentar a relação com os
conhecimentos prévios dos estudantes (Smole, 2013) para que as crianças construam
novos conhecimentos, numa perspetiva construtivista, e sejam capazes de resolver
problemas em outros contextos (NCTM, 2008; Polya, 2003), apelando sempre que
possível ao trabalho em equipa (estudante-estudante).
Assim é fulcral fomentar nas crianças o gosto e o interesse pela resolução de problemas
pois assim conseguirão construir melhor a autonomia e a capacidade de enfrentar novos
problemas sem medo e receios (Palhares, 2004).
Metodologia de Investigação
Uma investigação envolve sempre um problema logo é necessário, numa fase prévia, a
definição de uma questão-problemática. Posteriormente, este projeto com características
156
4º CRIA
de investigação-ação (IA) orientou-se pela metodologia de projeto relacionado com o
procedimento in loco cujo objetivo é constatar um problema concreto (Bell, 2002) e
delinear estratégias para o resolver, tendo consciência que será sempre uma resolução
inacabada devido à característica ciclica da IA. Neste caso, havia necessidade de
aprender a gerir corretamente o dinheiro num contexto economicamente frágil. Vilar
(1993) menciona que qualquer projeto parte da vontade de solucionar um determinado
problema que a realidade nos coloca, sendo fundamental a sua concretização na
formação para a docência pois esta encontra-se associada à inovação e à melhoria das
práticas (Barros, 2012).
A IA (Figura 1) promove um posicionamento de elevada criticidade face ao próprio
pensamento e ação, apelando à melhoria da qualidade das aprendizagens de alunos e
professores, com reflexos na transformação dos contextos educativos (Barros, 2012).
Ainda nesta perspetiva, o carácter cíclico da IA implica que o investigador planifique,
atue, avalie e reflita. Caso considere que o problema em causa não foi totalmente
solucionado, deverá diversificar a sua planificação e repetir novamente o processo.
Figura 1 - Características da investigação ação
Os participantes deste projeto foram os estudantes do 5.º ano de uma escola TEIP da
cidade do Porto e os seus encarregados de educação. No processo de amostragem dos
elementos relativos aos estudantes, foi utilizado o método de amostragem casual, tendo
sido selecionados 13 estudantes (tendo sido feito esta seleção através de uma análise
daqueles que tinham assistido à maioria das sessões) e, em relação aos seus
4º CRIA
157
encarregados de educação, a amostra foi 12 elementos (tendo sido o número de
questionários respondidos pelos pais).
Os instrumentos de recolha de dados utilizados foram as gravações áudio das sessões, as
grelhas de observação e os inquéritos por questionário, tendo sido aplicados aos
estudantes no início do projeto e no final de cada uma das sessões e aos pais. As grelhas
de observação utilizadas permitiram que a professora, enquanto investigadora, tivesse
consciência das aprendizagens construídas e desenvolvidas pelos estudantes tanto no
âmbito na Educação Financeira como da Matemática. Por outro lado, o inquérito por
questionário possibilitou uma análise adequada através da informação obtida (Mozzato
& Grzybovski, 2011).
Projeto de intervenção: Multiplicar, Poupar, Gerir, Refletir para Ganhar!
Este projeto de intervenção foi desenvolvido em 6 sessões (Tabela 1) em que se
explorou problemas reais com sentido financeiro (Santos, 2012).
Sessão
1.ª
2.ª
3.ª
4.ª
5.ª
6.ª
Tabela 1 - Enfoques e objetivos das sessões do projeto
Enfoque
Objetivos
Matemática
Ativação de conhecimentos e introdução à multiplicação
de números fracionários por números inteiros.
Matemática
Resolução de problemas envolvendo a multiplicação com
números racionais representados por frações, dízimas e
percentagens.
Matemática
Consolidação da exploração anterior através do jogo
Educação Financeira
Visita de Estudo ao Museu Papel Moeda;
Educação Financeira
Realização, pelas crianças, de um vídeo sobre Educação
Financeira
Educação Financeira
Consolidação de conceitos financeiros através do jogo
A 1.ª sessão deste projeto teve como enfoque a introdução de um novo conteúdo através
de um percurso de resolução de problemas que tinha como objetivo a poupança. Foi
entregue um quadrado com frações e verbos que relacionavam as temáticas em causa de
acordo com as conceções dos estudantes. As crianças depois de dobrar o quadrado,
estiveram a jogar com o “Quantos-queres” e a ativar conhecimentos prévios através do
cálculo com números fracionários. Também resolveram 2 folhas de desafios de maneira
a que refletissem sobre estratégias de poupança e as aplicassem na resolução dos
problemas. No final da aula foi entregue um retângulo em que os estudantes tinham de
preencher de maneira a sistematizar o conhecimento construído (este material foi
adaptado e utilizado nas 3 sessões iniciais). Para além deste material também foi
entregue o questionário.
158
4º CRIA
A sessão seguinte tinha como objetivo a resolução de problemas envolvendo a
multiplicação de números racionais não negativos, alargada às transformações de
frações em frações decimais, numerais decimais e percentagens, tendo em consideração
a construção de um conhecimento intuitivo profundo dos números fracionários em
contextos significativos tanto para o conceito como para as aplicações, fazendo-se
conexões com decimais, percentagens e razões (Pinto, 2004). Utilizou-se um material
passível de ser manipulado (Figura 2) e que respondesse adequadamente aos objetivos
na construção do conhecimento, uma vez que, segundo Reys (1971, citado por Matos &
Serrazina, 1996, p. 193), os materiais manipuláveis correspondem a “objectos ou coisas
que o aluno é capaz de sentir, tocar, manipular e movimentar” e que, através do
envolvimento físico dos estudantes, recorrem a múltiplos sentidos que originam uma
aprendizagem ativa e significativa.
Figura 2 - Criança a manipular material relacionando a parte-todo
Ainda nesta perspetiva e citando Lima (2009, p.6), “os materiais didáticos
contextualizados (…) facilitam os procedimentos didáticos e pedagógicos que serão
desenvolvidos com os estudantes [porém os professores] precisam de construir uma
metodologia adequada que favoreça a utilização eficiente desses recursos pedagógicos”.
No segundo momento de ativação de conhecimentos prévios, através do uso das
Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) desenvolveu-se uma nova fase de
motivação pois os estudantes viram um vídeo construído pela professora estagiária
(https://youtu.be/e2614y_g2y8) que envolvia um problema relacionado com o
4º CRIA
159
quotidiano das crianças de maneira a que pudessem pensar “sobre as operações, seus
significados e suas formas de representação” (Smole, 2013, p. 60) e sobretudo “parar
para pensar” (Fernandes, 1994). Nesta fase da aula explorou-se com os estudantes uma
palavra nova – consumerista (consumo racional, responsável, equilibrado e informado)
- uma vez que as aulas de Matemática requerem a partilha de novos vocábulos para
aumentar o léxico dos estudantes e desenvolver a comunicação matemática.
Depois de realizar uma reflexão sobre estes dois termos: consumista e consumerista, foi
entregue uma folha com um conjunto de desafios contextualizados com o vídeo
mencionado anteriormente de modo a envolver e desafiar os estudantes a resolverem
situações problemáticas relacionadas com o saber poupar. No momento de
sistematização, foram selecionadas e partilhadas as estratégias pessoais dos estudantes
mais adequadas pois um “resolvedor” de problemas necessita de se responsabilizar
pelas soluções que descobre mas para isso é imprescindível que tenha o direito de
apresentá-las, argumentá-las e debater com os seus colegas. É essencial que os
estudantes tenham a perceção que há várias formas de resolver um problema e que tal
como afirma Smole (2013, p. 59), “os estudantes entendem que são capazes de “fazer
matemática”, isto é, a matemática tem vários caminhos, mas tem sempre um fim. Ainda
nesta perspetiva, ao contemplar e analisar diferentes estratégias (Mariz & Fernandes,
2010) e as suas representações, os estudantes ampliam o seu repertório de processos
para resolver problemas, percebendo as vantagens e as desvantagens das representações
e criando autonomia na busca de soluções.
Na 3.ª sessão do projeto, após
reflexão,
decidiu-se
criar
e
desenvolver um jogo de tabuleiro
(Figura 3) com desafios matemáticos
envolvendo os números racionais não
negativos e situações de gestão do
dinheiro, tendo como suporte uma
folha de jogo onde os estudantes
tinham de registar as estratégias
Figura 3 - Crianças jogando "Multiplicar, Poupar e
Ganhar!"
utilizadas e a resolução dos problemas.
Neste jogo definiram-se dois níveis de dificuldade distintos de modo a promover a
diferenciação pedagógica e a procurar ajustar as práticas de ensino aos alunos bem
como às suas características pessoais e coletivas.
160
4º CRIA
Esta última sessão foi direcionada para a sistematização de conteúdos matemáticos uma
vez que tal como defende NCTM (2008), “à medida que os alunos adquirem as bases
conceptuais dos números racionais, deverão começar a resolver problemas, utilizando
estratégias por eles desenvolvidas ou adaptadas à sua experiência com números
inteiros” (p.180), sendo utilizados materais didáticos que, na perspetiva de Reys (1971,
citado por Matos & Serrazina 1996), permitem ao estudante “sentir, tocar, manipular e
movimentar” (p.193) e devidamente contextualizados facilitam os procedimentos
didáticos e pedagógicos (Lima, 2009).
Relativamente à 4.ª e 5.ª sessão do projeto de implementação houve o apoio de uma
Fundação de referência no âmbito da Educação Financeira, tendo sido realizada uma
visita de estudo e a gravação de um vídeo pelos estudantes onde eles próprios foram
atores e criadores de uma história de duas famílias: uma consumista e outra
consumerista.
Na última sessão, os estudantes, realizaram um jogo interativo (Figura 4) em que tinham
de gerir o dinheiro disponível consoante as situações problemáticas que apareciam no
jogo.
Figura 4 - Jogo interativo "Gerir um rendimento familiar!"
Procurou-se atender às necessidades, aos estímulos e à motivação dos estudantes de
modo a contribuir para as suas formações pessoais para que construissem apredizagens
ainda mais significativas.
Análise e discussão de resultados
No processo de análise escolheu-se o sistema de categorias (Figura 5).
4º CRIA
161
Figura 5 - Sistema de Categorias
Na análise da 1.ª categoria – conhecimentos prévios dos estudantes – o objetivo
primordial foi a análise dos conteúdos relativos às conceções prévias da amostra dos
estudantes acerca da Educação Financeira, da Matemática e da relação entre a Educação
Financeira e a Matemática, de modo a compreender através dos indícios concetuais dos
discursos o que a amostra compreendia acerca destas três subcategorias. Relativamente
à Educação Financeira existem indícios que a maioria da amostra (77%) considera que
esta promove a aprendizagem da gestão adequada do dinheiro, sendo os três objetivos
mais referidos a consciencialização para uma má gestão financeira, a promoção da
reflexão acerca dos bens necessários e dos bens supérfluos e o desenvolvimento de
competências no âmbito da poupança do dinheiro.
Em relação à 2.ª subcategoria relativa às conceções prévias dos estudantes acerca da
Matemática realizou-se uma análise da resolução do primeiro problema com que as
crianças se depararam, porém, concluiu-se que apenas duas crianças resolveram e
interpretaram o problema como era pressuposto na medida em que realizaram
corretamente os cálculos e responderam de acordo com o que era solicitado.
Relativamente à 3.ª subcategoria existem evidências nos discursos que apontam para a
compreensão da relação entre a Matemática e a Educação Financeira uma vez que as
crianças relacionaram alguns verbos (como aprender, poupar, gerir, educar) e 77% da
amostra evidenciou que a utilização do dinheiro envolve cálculos.
162
4º CRIA
Na 2.ª categoria foram criadas três subcategorias: conhecimento financeiro,
conhecimento matemático e, por último, a subcategoria que relaciona estes dois tipos de
conhecimento. Na 1.ª subcategoria, a amostra apresenta evidências de aprendizagens
construídas no âmbito da Literacia Financeira, sendo que alguns estudantes referiram
que: i) fiquei consciente de que devemos poupar para termos dinheiro no futuro; ii)
comecei a gerir melhor o meu dinheiro; iii) Aprendi mais sobre poupar e ensinei toda a
minha família. É notória a compreensão da amostra acerca da necessidade da poupança
pois nos registos 10 das 13 crianças utilizam o termos “devemos poupar” e
“aprendemos a poupar”.
Consegue compreender-se que se deu a construção e consolidação de conhecimentos
(Figura 6) pois inicialmente (na categoria 1); as crianças apenas referiam o facto de a
Educação Financeira ser uma forma de poupar e, já no final do projeto estas alargaram a
sua conceção de educação financeira, colocando de parte a ideia de que a educação
financeira apenas “ensina a poupar”, mas aprender a “poupar de forma adequada”.
Figura 6 - Evolução do conhecimento financeiro
Paralelamente à utilização da palavra “poupar” na análise anterior, os estudantes
aquando do registo de consolidação dos conhecimentos matemáticos, utilizaram a
palavra “aprendi”, sendo um indicador evolutivo na construção de conhecimentos
matemáticos pois as crianças admitem “ter aprendido a resolver problemas”.
Na 3.ª subcategoria – relação entre o conhecimento financeiro e o conhecimento
matemático – 62% dos estudantes evidenciaram a capacidade de relacionar estes dois
domínios: i) no futuro já sabemos tomar as decisões corretas relativamente ao dinheiro
(…) aprendemos formas corretas de pagar o que necessitamos (…) e já sabemos
4º CRIA
163
resolver problemas sobre o dinheiro; ii) fiz contas com as despesas e fiz com que a
minha família soubesse poupar e iii) estou a divertir-me ao mesmo tempo que estudo.
A 3.ª categoria – conceções dos encarregados de educação – contempla duas
subcategorias: relativa à Matemática e à sua relação com a Educação Financeira e,
também, em relação ao projeto. Na 1.ª apenas um dos elementos da amostra não
estabeleceu relação entre as duas dimensões, referindo que Matemática não é dinheiro.
Santos (2012) defende que a escola tem a responsabilidade de desenvolver o
conhecimento matemático todavia esta progressão deveria ser iniciada no contexto
familiar. Por outro lado, na 2.ª subcategoria tentou-se compreender as conceções dos
encarregados de educação acerca do projeto desenvolvido sendo que metade da amostra
referiu que o seu educando tinha conversado sobre este projeto e tinham reparado em
algumas alterações comportamentais dos seus educandos como, por exemplo, não faz
tantas birras nos supermercados. Assim, é fulcral que os encarregados de educação
estejam sensíveis para a questão da Educação Financeira pois é no âmbito familiar que
aprendem os a lidar com o dinheiro (Pereira, Feitosa, Silvério, & Sousa, 2009).
Considerações finais
Num mundo em que a expressão que mais se ouve é “crise económica” e a incerteza do
futuro persiste é fundamental criar momentos em que as crianças possam construir
conhecimentos no âmbito da Educação Financeira. Deste modo, o principal benefício da
realização deste projeto foi a compreensão da aplicabilidade da Educação Financeira na
disciplina de Matemática em contexto formal. Porém, tendo em conta a durabilidade do
desenvolvimento deste mesmo não foi possível concluir com rigor, se existiu uma
melhoria da situação do contexto. Contudo, foi possível responder afirmativamente à
questão de investigação e julga-se que os objetivos propostos foram alcançados.
Importa referir a necessidade da abordagem da Educação Financeira desde os primeiros
anos de escolarização, sendo necessária a sua exploração em contexto, com sentido para
a criança.
Alertamos para a necessidade de integração desta recente temática na formação inicial e
contínua de professores uma vez que estes são agentes de mudança de hábitos, tal como
os pais. A escola tem como papel na Educação Financeira a construção de
conhecimentos financeiros, o desenvolvimento de competências fundamentais para uma
gestão adequada do dinheiro, sendo que o conhecimento matemático é um veiculo
facilitador para que se verifique. Ainda nesta perspetiva, a Escola deve incentivar à
164
4º CRIA
mudança de atitudes e comportamentos para criar disciplina financeira e envolver
sempre que possível a família. Deste modo é fundamental que se desenvolvam
atividades e projetos consistentes e criativos ajustados às necessidades da sociedade
atual.
Por fim, como defende Theodoro (2008, p. 18), "a criança é um “terreno fértil” para
novas realizações, basta motivá-las e ensiná-las o caminho [deste modo irão construir]
novas mentalidades em todos os segmentos da sociedade”. Nesta linha de pensamento,
considera-se que foi possível motivar e proporcionar momentos para a construção de
conhecimentos significativos e contextualizados com o projeto de intervenção que se
desenvolveu.
Referências bibliográficas
Barros, P. T. (2012). A investigação-ação como estratégia de supervisão/ formação e inovação
educativa: um estudo de contextos de mudança e de produção de saberes. Braga:
Universidade do Minho - Instituto de Educação.
Bell, J. (2002). Como realizar um projeto de investigação: um guia para a pesquisa em
Ciências Sociais e da Educação. Lisboa: Gradiva.
Caraça, B. J. Conceitos Fundamentais da Matemática. Gradiva: Lisboa, 2000
Claudino, L. P., Nunes, M. B., & Silva, F. C. (2003). Finanças Pessoais: Um Estudo de Caso
Com Servidores Públicos. Obtido de XXI SemeAd: empreendorismo e inovação:
http://www.ead.fea.usp.br/semead/12semead/resultado/an_resumo.asp?cod_trabalho=724
Consultado a 12 de janeiro de 2015.
Conselho Nacional de Supervisores Financeiros, Plano Nacional de Formação Financeira 20112015 (2011). CNSF. Lisboa.
Decreto-lei n.º139/2012 de 5 de julho. Diário da República, 1.ª série. Lisboa: Ministério da
Educação e Ciência.
Dias, A., Oliveira, A., Pereira, C., Abreu, M. T., Alves, P., Basto, R., Narciso, S. (2013).
Referencial de Educação Financeira. Lisboa: Ministério da Educação e da Ciência.
Fernandes, Dárida M. ed. 1994. Educação Matemática no 1º Ciclo do Ensino Básico – aspetos
inovadores ed. 1. Porto: Porto Editora.
Lima, E. de Souza (2009). Formação docente e a produção de materiais didáticos: as
experiências desenvolvidas no contexto do semi-árido. 19º Encontro de Pesquisa
Educacional Norte e Nordeste - EPENN, 2009, Campus da UFPB, João Pessoa.
Lima,
J. Á. (2013). Por uma Análise de Conteúdo Mais Fiável. Obtido de
iduc.uc.pt/index.php/rppedagogia/article/viewFile/1794/1143. Consultado a 12 de janeiro
de 2015.
Fernandes, Dárida M; Mariz, B.; Duque, A.. 2010. Nova matemática 3: Roteiros para inovar
práticas. ed. 1. Porto: Porto Editora
Matos, J. & Serrazina, L. (1996). Didáctica da Matemática. Lisboa: Universidade Aberta.
4º CRIA
165
Mozzato, A. R., & Grzybovski, D. (2011). Análise de Conteúdo como Técnica de Análise de
Dados Qualitativos no Campo da Administração: Potencial e Desafios. 15. Rio Grande do
Sul, Brasil. Obtido de http://www.anpad.org.br/rac
National Council of Teachers of Mathematics. (NCTM) (2008). Princípios e Normas para a
Matemática Escolar (2.ª Edição ed.). Lisboa: Associação de Professores de Matemática.
Palhares, P. (2004). Introdução. In P. Palhares (coord.), Elementos de Matemática para
Professores do Ensino Básico (pp. 1-6). Lousã: Lidel.
Pereira, D. H., Feitosa, F. M., Silvério, M. R., & Sousa, R. C. (2009). Educação Financeira
infantil: seu impacto no consumo consciente. Faculdade Campos Salles, São Paulo.
Pinto, H. G. (2004). O número racional no 2.º ciclo do Ensino Básico no contexto da
Matemática realista. Universidade Aberta. Lisboa: Associação de Professores de
Matemática.
Polya, G. (2003). Como resolver problemas - um aspecto novo do método matemático. Lisboa:
Gradiva.
Santos, M. A. (2012). Educação Financeira e resolução de problemas: contribuições para o
ensino de matemática na Educação de Jovens e Adultos. Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre.
Smole, K. S. (2013). Entre o pessoal e o formal: as crianças e as suas muitas formas de resolver
problemas. Em K. S. Smole, & C. A. Muniz (orgs.), A Matemática em sala de aula:
reflexões e propostas para os anos iniciais do ensino fundamental (pp. 49-114). Porto
Alegre: Penso.
Tavares, C. (2012). Percepção dos estudantes sobre a Educação Financeira - Estudo de Caso:
Escola Secundária Manuel Lopes. Universidade Jean Piaget de Cabo Verde, Cabo Verde.
Theodoro, F. R. Faciolla (2008). O uso da matemática para a educação financeira a partir do
ensino fundamental. São Paulo, Brasil.
Vale, I., & Pimentel, T. (2004). Resolução de Problemas. In P. Palhares, Elementos da
Matemática para professores do Ensino Básico (pp. 7 - 52). Lisboa: Lidel.
Vilar, A. M. (1993). Inovação e mudança na Reforma Educativa. Porto: ASA.
166
4º CRIA
Consciência Histórica e Património Local na Didática da Educação
Pré-Escolar
1
Gonçalo Maia Marques1
Instituto Politécnico de Viana do Castelo (ESE), [email protected]
Resumo. O presente trabalho constitui um ensaio reflexivo e prospectivo
que resulta de leituras globais, situadas no quadro da epistemologia da
Educação Histórica, onde se procurará desenvolver, através de exemplos
concretos de investigação desenvolvida em jardins-de-infância do concelho
de Viana do Castelo, já testados nos contextos cooperantes de estágio da
ESE-IPVC, instrumentos de trabalho que possam promover o trabalho
pedagógico em História Local com um público verdadeiramente essencial
na transformação paradigmática de uma visão essencialmente funcionalista
da História das "Pequenas Pátrias" a uma perspetiva essencialmente
formativa no plano da formação cidadã.
Palavras-chave: Consciência Histórica, Património, Educação Pré-Escolar
Introdução: uma proposta de trabalho que se desenha
De qualquer maneira, trata-se de tentar tirar partido
do fascínio que a criança tem por qualquer narrativa e
de modo particular pelo conto, para passar do discurso
ficcional situado num campo mítico, ou seja, num tempo
imaginário e não histórico, para o relato situado no tempo
histórico e datável, reconstituído a partir de documentos e
inscrita na memória, seja dos contemporâneos, seja dos antepassados […]
José MATTOSO – Lendas e Mitos no Ensino da História, in A Escrita da História. Rio de
Mouro: Círculo de Leitores, 2002, p. 71.
O texto de José Mattoso – verdadeiro Patriarca da Historiografia Portuguesa – com que
inauguramos este ensaio, constitui um mote de partida para esta reflexão que abrimos à
comunidade científica e pedagógica que, no domínio da Didática da Educação
Histórica, se vem dedicando à importância que o conhecimento do Passado – do mais
próximo ao mais longínquo – tem na valorização da vida da criança em idade préescolar. Não nos parece que seja possível perspetivar e acompanhar a evolução enorme
que, do ponto de vista pedagógico e didático, têm constituído os últimos 20 anos se,
primeiramente, não encararmos – e afirmarmos – a importância e a necessidade de olhar
4º CRIA
167
para a Educação Histórica desde os mais tenros anos de idade até à entrada na idade
adulta (Barca & Solé, 2012; Marques, 2016).
As crianças entre os 3 e os 6 anos são capazes de desenvolver, sem qualquer dúvida,
uma consciência de um passado próximo, ligado às suas raízes familiares, ao seu habitat
cultural e social, bem como às memórias mais insignes da sua localidade (Marques et
al., 2013). São capazes de perceber perfeitamente que as rugas e os cabelos brancos dos
avós são fruto da passagem do tempo, assim como o musgo e o verdete nos
monumentos, o pó e as folhas amarelecidas nos livros. Houve tempo que passou por
ali… A pesquisa em Educação Histórica vem, aliás, consistentemente (re)afirmando
esta linha de ação investigativa, sobretudo nas últimas décadas (e.g. Barca, 2000; Barca
e & Solé, 2012; Cooper, 2002; Marques, 2016).
Num tempo em que, cada vez mais – e de forma tantas vezes impessoal – a imagem e a
representação do real se sobrepõem ao pleno usufruto do conhecimento (pelo prazer de
o explorar e de sentir como essa aprendizagem pode mudar a nossa vida), parece-nos
que o conhecimento histórico, como grande referencial no domínio das primeiras
aprendizagens de natureza comunitária e humanista, tem de encontrar novas linguagens
e renovados processos de ser comunicado a crianças tão despertas e tão sedentas de tudo
o que constitua novidade – e, nesse sentido, importa regressar (hoje e sempre) à
narrativa como linguagem que, universalmente, capta e cativa esta comunicação bi (ou
pluri)direcional e dialógica (Rusen, 2011).
De facto, a comunicação didática entre educadores e crianças, nestas idades,
corresponde a um “código” muito próprio, alicerçado na proximidade e na afetividade
da relação pedagógica e na liberdade de ação que, em cada grupo, o educador de
infância pode ter, graças a Orientações Curriculares que, recentemente revistas,
proporcionam renovados horizontes didácticos e temáticos. Parece-nos que esta relação
pedagógica tão especial deverá ser pautada por um percurso de trabalho – que propomos
a todos os educadores como um caminho coerente, fundado na epistemologia da
Educação Histórica na Primeira Infância (Marques et al., 2013; Marques, 2016) e que
poderá constituir um contributo metodológico de investigação – que deverá ter em conta
alguns aspetos:
168
4º CRIA
1º Momento Pedagógico – Escuta Ativa
- Diálogo em grande grupo em torno de objectos e memórias presentes em casa, desde
fotografias de família a artefactos agrícolas/etnográficos (Cooper, 2002). Em roda, as
crianças têm oportunidade de estar juntas, de ouvir, aprender a partilhar e a respeitar a
opinião do outro (numa dinâmica socio-antropológica).
- Ainda nesta fase, poderá emergir uma perspectiva mais individual que decorrerá de
curiosidades ou particularidades que se venham a revelar por parte de crianças mais
participativas.
2º Momento Pedagógico – Capacidade de Integração
- Com as ideias de todos, será possível partir para a realização do projeto: depois de
escutar, deveremos agora trazer de casa um objecto especial que diga algo sobre a
Memória da Família/da Casa – fotografia, traje, peça etnográfica (Marques et al., 2013).
- O objeto será depois apresentado pela criança que, no final, deverá escolher um
padrinho para aquele objecto, responsável pela sua exposição na sala de atividades –
note-se que o papel do padrinho é essencial já que traz para este trabalho patrimonial
um “olhar de fora”, mas ao mesmo tempo uma perspectiva empática, sendo capaz de se
colocar no lugar do seu colega.
3º Momento Pedagógico – Ação
- A realização da exposição consistirá na colocação dos objectos patrimoniais na sala e
com uma nova abordagem didática: cada padrinho fará um desenho do objeto, tendo por
base aquele que terá sido o seu uso inicial, no caso de uma tradição etnográfica, ou
imaginando o momento retratado, no caso de uma fotografia (Marques, 2016).
4º Momento Pedagógico – Apresentação e Discussão
- Depois de feita a exposição, está na altura de cada um refletir sobre o seu papel na
obra conjunta e sobre as aprendizagens que dali se poderão colher (Cooper, 2002).
Fonte: Elaboração Própria, partindo das leituras de Cooper, 2002; Hernando, 2003; Marques et
al., 2013 e Marques, 2016.
4º CRIA
169
Um dos recursos que nos parece essencial não descurar, tendo em conta a atualidade
social e educativa, são os materiais digitais cuja importância, em seguida, será
desenvolvida.
O Livro Digital como viagem
A utilização do livro digital na Educação Histórica Infantil é um precioso recurso de
aprendizagem na abordagem literária, verdadeiramente complementar ao suporte
tradicional em papel, seguramente fundamental como alicerce estruturante de uma
primeira literacia histórica, como já foi demonstrado (Silva, 2013).
Trata-se de uma forma interativa e prática de o fazer, em contexto de jardim-deinfância. Parece-nos que a possibilidade de introdução de animações, transições rápidas
e elementos de forte contextualização espacial e temporal, além do sentido empático,
são estratégias fundamentais para uma Educação Histórica de Qualidade. É também um
processo alternativo de comunicar as evidências do passado, numa escala global, mas
diferenciadora (o olhar de cada criança será sempre fundamental). Uma boa narração,
associada a uma boa ilustração – que remeta a criança para um outro tempo, seja através
dos usos e costumes, seja do vestuário ou dos transportes – pode ser a diferença entre
compreender o passado ou ficar “preso” no presente, sem possibilidade de viajar pela
diacronia. Graças ao esforço desenvolvido pelo Instituto Camões, é hoje possível aos
jovens leitores (desde o Jardim de Infância, até ao Primeiro Ciclo do Ensino Básico)
acederem a duas coleções de narrativas históricas infantis, editadas pelo Jornal
“Expresso”, de forma remota, ao alcance de um computador: “Era uma vez um Rei” e
“A Aventura dos Descobrimentos”.
Figura 1: Alguns exemplos de livros digitais da coleção “Era uma vez um Rei”
170
4º CRIA
A primeira coleção foi aliás alvo de um estudo específico (intitulado Aprendendo
História de Portugal no Jardim de Infância através do conhecimento de alguns
monarcas Portugueses, base do Relatório Final ou Dissertação de Diana Silva)
integrado na Prática de Ensino Supervisionada do Mestrado em Educação Pré-Escolar
da Escola Superior de Educação de Viana do Castelo (Silva, 2013), em que ficou muito
clara a envolvência e interesse das crianças por este material, levando a uma
identificação muito clara de cada um dos monarcas analisado e, mesmo, as diferenças
de contexto epocal de cada um. Recomenda-se, por isso, a leitura integral deste estudo
exploratório, inovador no quadro da Didática da Educação Pré-Escolar em Portugal,
como foi salientado, em provas públicas, pela Professora Doutora Isabel Barca,
principal referência epistemológica da Educação Histórica a nível internacional.
Para além da coleção supracitada, também se desenvolveu uma outra, mais centrada na
abordagem de episódios estruturantes dos Descobrimentos Portugueses, desenvolvida
para as mesmas faixas etárias e com o mesmo intuito: uma outra abordagem didáctica
desta disciplina nas primeiras idades (ver figura seguinte):
Figura 2: Coleção “A Aventura dos Descobrimentos” (Instituto Camões)
Um exemplo interessante a trabalhar
Recentemente, a Rota do Românico, o Canal Panda e a CCDR-N (através de programas
europeus de financiamento FEDER e o Novo Norte) lançaram a série “Panda na Rota do
Românico”, dirigida aos mais pequenos e com o objetivo claro de exploração do
património histórico local nas mais tenras idades.
Para esse efeito, o programa – com duração aproximada de 5 minutos, ideal para este
público – recorre a uma originalidade comunicacional muito interessante: o narrador (e
4º CRIA
171
cicerone) é a criança que, recebendo o Panda na sede de concelho, lhe servirá de guia na
exploração dos monumentos e na vivência direta das tradições locais. De facto, esta
característica valoriza e responsabiliza a criança na divulgação da sua identidade
cultural, mas também proporciona uma exposição pública que, apesar da timidez de
alguns, revela a sua grande capacidade de adaptação a circunstâncias desafiantes e,
tantas vezes, de difícil resolução.
Figura 3: Apresentação, pelo Canal Panda, da nova série
Figura 4: Exemplo de programa do “Panda na Rota do Românico”, neste caso com o Panda a
ser recebido no Mosteiro de São Pedro de Ferreira por uma criança que será o anfitrião
Ora o conteúdo destes programas pode – e deve – ser base de trabalho didático em
jardim-de-infância: a sua visualização deve constituir uma motivação para se partir à
descoberta da arte românica, com as figuras curiosas e intrigantes presentes nos seus
capitéis, a pintura mural, os motivos decorativos e as formas arquitetónicas.
Transpondo esta reflexão para o tom reflexivo que pretendemos, desde o seu início, dar
a este texto, recordaríamos que, no nosso território de eleição, enquanto docentes do
IPVC, e tendo por base o caso do concelho de Viana do Castelo, a Igreja de São Cláudio
172
4º CRIA
de Nogueira é seguramente um excelente exemplo desta exploração – cruzando com os
contributos que este programa veio agora trazer ao espaço público.
Para além da linguagem estritamente artística e arquitetónica, é também essencial que
partamos para a compreensão da linguagem simbólica e poética, muito interessante
como veículo de comunicação nestes públicos entre os 3 e os 6 anos de idade. Por isso
desenvolveremos, em seguida, propostas nesta área.
A Lenda e a sua riqueza histórico-cultural
Se há narrativa que, pelo seu simbolismo, linguagem estilística imaginativa e criativa,
bem como conteúdo e valores propostos, é capaz de interpelar (e entusiasmar) uma
criança na primavera da vida, essa é a Lenda (Barca e Solé, 2012; Solé, 2003). E, antes
de mais – evitando alguns equívocos epistemológicos e confusões semânticas –
digamos, claramente, que entendemos este discurso como uma forma de representação
do passado, sobretudo axiológica, tendo em vista a produção de mudanças ou a
constituição de leituras verdadeiramente alternativas a outros discursos, como o da
evidência (Rusen, 2011). É um olhar essencialmente antropológico aquele que a Lenda
nos lança: interpela-nos ao questionar a própria natureza humana, imersa em tantas e tão
evidentes contradições e paradoxos.
O seu poderoso enquadramento, a forma como as personagens – e, sobretudo, a ação –
decorrem, captam a atenção e a curiosidade dos jovens exploradores do amanhã, são um
assinalável e importante recurso. No fundo, a aventura e o enredo que a Lenda propõe,
fazendo-nos caminhar entre as vertentes sinuosas das nossas escolhas e dos nossos
erros, colocam constantemente à prova algo que, em Educação Histórica, se torna
extremamente relevante – a formação da opinião, informada e ajuizada, sobre um dado
fenómeno que ocorreu “há muito tempo atrás”.
Através da Lenda, é possível introduzir o passado ancestral na Educação de Infância –
em primeiro lugar porque o fio cronológico é muito menos apertado do que num friso
tradicional nos ciclos escolares posteriores: ou seja, fala-se sobre o Passado mas não
inteiramente só do Passado – e esta pequena “nuance” fará toda a diferença, num
momento crucial em que as primeiras imagens e as primogénitas aprendizagens estão
num processo de reconhecimento e identificação (Egan, 1994). A sensibilidade e a
capacidade de antecipação são extremamente importantes – o diálogo que se estabelece
4º CRIA
173
através de uma ideia, de um objeto, de uma música, são as primeiras sementes lançadas
ao solo que, um dia, fertilizará e culminará numa Educação Histórica mais ampla e
frutífera.
Mas nenhum destes desideratos consegue ser alcançado, por si só, sem algumas
características indispensáveis: primeiramente, o facto de a Narrativa não ficar presa,
apenas, na dimensão da oralidade e da expressão dramática, mas articular-se com
referenciais concretos do dia-a-dia do passado (Rusen, 2011) – objectos relacionados
com a história que se apresentou, adereços que facilitem um raciocínio associativo e a
capacidade de “viajar” com e sem rede, estimulando a criatividade, mas fornecendo,
também, pistas comuns que possibilitem a construção, por exemplo, da noção de
evidência – enquanto saber e conhecimento sobre o Passado em ação e em uso (Cooper,
2006; Lee, 2006).
Em seguida, não nos esqueçamos de como as crianças nesta idade gostam de sentir e
manipular os objetos – haverá algo de mais fascinante, além de falar sobre o passado, do
que sentir e tocar os objetos que já foram tocados por pais, avós e outros antepassados
mais remotos? E se nesse local se desenvolveu algum acontecimento importante para a
memória local? São aliciantes motivos para potencializar a relação da criança com o
tempo que a antecedeu, desenvolvido um sentido empático com algo que, de outra
forma, poderia parecer suficientemente distante e impessoal.
No decurso de praticamente uma década de contacto com profissionais da Educação de
Infância (Educadores Cooperantes e Educadores em processo de formação), de visitar
(acompanhando estágios) dezenas de contextos de jardim-de-infância situados na órbita
da cidade Viana do Castelo e com os quais a Escola Superior de Educação tem
estabelecido parcerias ao longo de várias décadas, apraz-me sublinhar que estamos a
caminhar no sentido de valorizar, cada vez mais, a Herança Cultural, a Memória, o que,
afinal, nos caracteriza na nossa essência como comunidade, o que nos distingue e
valoriza face a outro(s) povo(s) – sentimo-lo no desenvolvimento dos projectos que
saem das fronteiras dos estabelecimentos, que se enraízam na riqueza e diversidade do
Património Cultural, no envolvimento da comunidade educativa e do contexto sociocultural envolvente. Dificilmente se poderá fazer escolhas tão acertadas e significativas
no domínio da aprendizagem, como sejam começar por interpelar e compreender as
raízes e fundamentos da nossa vida comunitária, tendo como horizonte o Passado.
174
4º CRIA
Apresentamos, em seguida, um esquema simbólico que traduz o nosso pensamento em
torno da dimensão figurativa, mas também explícita e tácita da lenda como discurso
insubstituível e cimeiro na Didática da História na Primeira Infância:
Lenda
Contexto
Época
Narrativa
Protagonistas
Valores
Figura 5: Conceptualização Didáctica de Exploração de uma Lenda na Educação de Infância 3.
Apresentamos, em seguida, algumas propostas de exploração pedagógica de uma lenda
em contexto da Educação Pré-Escolar, ligada à cidade de Viana do Castelo:
Trabalhar o Passado na Primavera da Vida: exemplos centrados no Alto Minho
Proposta de Exploração da Lenda de Viana do Castelo
1º Momento Pedagógico – Leitura Dramatizada do Texto (com recurso a exploração de
elementos paratextuais) – utilização da versão da lenda de Viana apresentada por
António Manuel Couto Viana (apresentada em seguida).
LENDA DE VIANA DO CASTELO
Era uma vez uma pequena povoação nascida na margem direita do rio Lima, junto à
foz, quando as águas doces e vagarosas se misturam com o bravio das ondas salgadas.
Chamava-se Átrio e tinha, sobranceira, uma montanha densa de arvoredo, onde no alto
existia a fortificação de um castro habitado por povos sem nome e que, a dada altura,
desceram ao litoral, buscando, na pesca, melhor alimento e mais comércio.
3
Foram usadas, para a construção deste diagrama informativo, as seguintes fontes imagéticas, obtidas em
acesso livre, respectivamente, na web: Portal da Natividade (Basílica da Sagrada Família de Barcelona),
Livro de Horas do Duque de Berry, Livro de Horas de D. Manuel I, Crónica dos Reis de França, Pintura
de Mestre Albino José Moreira (Adro do Mosteiro de São Salvador de Moreira da Maia).
4º CRIA
175
Era extremamente bela, entre veigas cultivadas, palmos de hortas viçosas, redis,
pomares e vinhedos, mas a sua principal vocação era o mar, a pesca. Na praia, várias
embarcações esperavam pelas madrugadas para serem lançadas às vagas, com o afã
dos remos, o aceno das velas e o espalhar das redes. Pelo entardecer, as companhas
regressavam ao átrio, para a alegria das mulheres e das crianças, com o fundo da
embarcação farto de pescado palpitante: a sardinha, o carapau, a faneca, o congro...
Vinham, rio abaixo, habitantes de outras povoações, para o abastecimento pródigo das
suas mesas. Ora, morava no Átrio, na modéstia de um casebre, uma linda rapariga
chamada Ana, filha de pescador e desenvolta na venda do peixe, sempre com uma
canção nos lábios, ouvida a algum jogral chegado da vizinha Galiza, onde animava os
serões dos paços e os terreiros das romarias. Escutava-lhe, deliciado, estas cantigas de
amor e de amigo, um jovem barqueiro que, transportava, na correnteza do rio, até ao
Átrio, lavradores e mercadores à compra de peixe fresco e saboroso.
De tanto escutar a voz harmoniosa de Ana e de lhe admirar a graça, o rapaz começou a
sentir pela rapariga um amor que ia aumentando dia após dia. Confessara já aos
amigos e companheiros de lida o agrado desse amor nascente. E estes, contentes com o
seu contentamento, sorriam quando o moço barqueiro, ao voltar do Átrio, lhes atirava
um brado feliz:
- Vi Ana! Vi Ana!
Um dia, porém, não se contentou em vê-la e dirigiu-lhe e palavra, num enleio que lhe
corava as faces. A rapariga, percebeu o vivo interesse amoroso do rapaz por ela, os
olhos brilhantes sobre o rosto, sobre o cabelo dela. O seu coração lisonjeado retribuilhe esse interesse, retribuiu-lhe esse amor. Não tardou em realizar-se a boda dos dois
enamorados. Durante os festejos, os companheiros e amigos do noivo recordaram-lhe o
brado entusiástico:
- Vi Ana! Vi Ana!
O dito foi logo adoptado pelos pescadores do Átrio que passaram a repeti-lo quando,
regressavam dos trabalhos duros da faina, se lhes deparava o vulto acolhedor da
montanha, as praias doiradas, as veigas férteis, as águas lentas do rio e a paz dos seus
lares:
- Vi Ana! Vi Ana!
176
4º CRIA
Ao conceder o foral à povoação da foz do Lima, em 1258, o rei D. Afonso III, que a
visitara tempos antes, extasiando‐ se com tanta beleza e prosperidade, substituiu‐ lhe o
nome de átrio pelo de Viana
Por certo, alguém lhe revelara aquele brado de amor. E só amor merece terra tão
abençoada!
Fonte: VIANA, António Manuel Couto - “Lendas do Vale do Lima”. Ponte de Lima: Valimar Associação de Municípios do Vale do Lima, 2002, pp. 53-54
2º Momento Pedagógico – Análise do contexto cultural e simbólico da Lenda (tópicos
de diálogo com as crianças):

Viana – cidade ligada ao Mar, à atividade piscatória, à construção naval
e, também, numa dimensão etnográfica e antropológica, ao traje e ao
folclore.

Poder-se-ia igualmente aproveitar o slogan turístico “quem gosta, vem,
quem ama, fica” para fazer uma ligação simbólica ao amor de Ana com o
seu apaixonado.
Figura 6: Imagem identitária e publicitária de Viana
Sugestão de aprofundamento do diálogo: exploração do livro História de Viana do
Castelo em banda desenhada, da autoria de Inês Madeira
3º Momento Pedagógico: Produção de uma ilustração individual ou de um mural
coletivo sobre a Lenda de Viana
(segue-se exploração feita em JI do concelho de Viana do Castelo, no presente ano
letivo)
4º CRIA
177
Figura 7: Era uma vez um cavaleiro que se apaixonou por uma princesa...
Figura 8: Todos os dias ele ia até ao castelo, na esperança de a ver...
Figura 9: Até que um belo dia, viu mesmo Ana, a princesa, na varanda do castelo e ela acenoulhe. Ficou tão feliz que veio para a cidade gritar: Vi Ana do Castelo! Vi Ana do Castelo!
Figura 10: Exemplo de Exploração Pedagógica da Lenda de Viana do Castelo, em contexto préescolar (2014-2015); Projeto Europeu E-Twinnig
Um dos pontos mais interessantes de exploração de uma lenda é que, sendo uma
narrativa de tradição oral, tem, naturalmente várias versões e recontos (é a aplicação da
máxima popular: quem conta um conto, acrescenta-lhe um ponto…). É por isso que, o
mais importante será sempre indicar qual a versão (ou versões) que utilizamos no nosso
trabalho pedagógico – no fundo, algo tão simples como a deontologia recomendaria:
indicar a nossa fonte. No nosso caso, para a lenda de Viana, seguimos a versão oficial,
178
4º CRIA
publicitada nos portais institucionais pela própria edilidade vianense, tendo para o efeito
sido consultada a versão encontrada em Março de 2016 na página da Biblioteca
Municipal de Viana do Castelo.
Como corolário das reflexões que aqui vimos elencando, diríamos que seria importante
que a escuta ativa se baseasse em alguns pressupostos, nomeadamente a forma como as
questões são formuladas, verdadeira base do sucesso da construção de novas
aprendizagens:
Algumas questões de exploração (a título sugestivo) do conteúdo da Lenda:
1. Acham que o nome Ana ajuda a explicar o nome da Cidade?
2. Conhecem histórias de amor como esta?
3. Gostaram de estudar esta lenda? Se pudessem acrescentar algum pormenor à
história, qual seria a tua/vossa (em função de diálogo dirigido ou em grande
grupo) escolha?
Quadro 1 – Sugestão de Questionamento
Histórias da História – caso prático
Dando continuidade ao interesse e curiosidade do grupo de crianças na temática da
História e Património Local (neste caso concreto de Viana), seria importante ter em
conta um pano de fundo mais alargado do que a mera explicação lendária e avançar para
o conhecimento diacrónico, recorrendo, para o efeito, à obra ViAna - História de Viana
do Castelo em Banda Desenhada, de Inês Madeira (2009), editada pela Câmara
Municipal de Viana do Castelo, por ocasião dos 750 anos do Foral Afonsino.
Figura 11: Capa do livro de história de Viana em Banda Desenhada, da autoria de Inês Madeira
4º CRIA
179
Desta e doutras narrativas, se pode verter um conjunto de linguagens cheias de
elementos temporais e históricos, ricos em herança cultural. É nesse contexto que surge,
em 2014-2015, o projeto “Novelo de lendas e outras rendas”, que congrega distintos
jardins de infância de todo o país, com coordenação em Viana e que foi distinguido
como prática pedagógica de excelência no quadro do projeto da Comissão Europeia “Etwinning” – de partilha de experiências educativas de natureza cultural e social.
Figura 12: Blogue do Projeto (http://noveloslendasrendas.blogspot.pt/)
O Projeto estendeu-se até às redes sociais…
Figura 13: Página de Facebook do Projeto
Observando o alcance nacional – e internacional – deste projeto, com a troca de lendas e
de experiências entre jardins de distintos espaços nacionais no quadro comunitário,
parece-nos que dificilmente se poderia conjugar uma melhor forma de articular o local –
a narrativa de conteúdo territorializado, com forte sentido de pertença – com o global –
a internet e o seu potencial disseminador e democratizador do saber, levando-o a todo o
lado e a toda a gente.
Reflectindo: e agora?
Parece-nos que a Educação da Infância, sendo o primeiro momento social e comunitário
de aprendizagem da criança, deve ser aproveitado para o desenvolvimento de projetos e
atividades com impacto significativo na sua estimulação, tanto do ponto de vista
180
4º CRIA
intelectual, quanto social e, por isso, atividades que possibilitem “tratar o passado pelo
nome” são sempre bem-vindas. Foi isso que procuramos refletir neste ensaio que
condensa algumas reflexões e estratégias colhidas em praticamente uma década de
dedicação a estas temáticas como objeto de investigação fundamental e pós-graduada.
Não nos restam dúvidas que a partilha, a interatividade, a exploração da riqueza cultural
única, através das tradições e símbolos do passado serão sempre altamente estimulantes
e motivadoras para crianças desta faixa etária. É o que a experiência de contacto com o
terreno nos diz: felizmente, com a agravante de contactarmos com educadores (tanto
cooperantes, como em processo formativo) que têm sabido rasgar fronteiras datadas e
“muros de Berlim” invisíveis, destinados quantas vezes a defender o bastião da inércia,
em detrimento da “lufada de ar fresco”, tantas vezes necessária.
Fica-nos a certeza que a área da História Local, da Memória Coletiva, são talvez
aquelas que, num horizonte que atualmente vivemos de revisão das Orientações
Curriculares para a Educação de Infância mais devem constar num documento que,
tendo em vista a plena integração na União Europeia, não pode deixar de afirmar a
unidade na diversidade profunda das nossas comunidades – as pequenas pátrias – que
tanto têm a contar e a mostrar de si mesmas.
Oxalá que os Educadores do Futuro compreendam que, tal como não se deve forçar as
crianças a ler e a escrever no jardim de infância – isso será tarefa primordial do 1º Ciclo
do Ensino Básico – também a aprendizagem da História não pode começar pela
compreensão da época medieval ou moderna, das suas fontes e problemas, das suas
circunstâncias e protagonistas, mas sim pelo que de mais importante aconteceu já na
vida da criança e daí partir para as memórias dos seus pais e avós (e mesmo da
comunidade local). Começar o edificado pelos alicerces, portanto e não pelo telhado.
Também desta forma, também assim, estaremos a fazer História com as nossas crianças.
Referências bibliográficas
Barca, I. (2000). O Pensamento Histórico dos Jovens. Dissertação de Doutoramento
apresentado à Universidade de Londres. Braga: Instituto de Educação e Psicologia da
Universidade do Minho.
Barca, I., & Solé, G. (2012). Educación histórica en portugal: metas de aprendizaje en los
primeros años de escolaridade. REIFOP, 15 (1), pp. 91-100. Disponível em
http://www.aufop.com/aufop/uploaded_files/articulos/1335399016.pdf (consultado em
11de Novembro de 2016).
Cooper, H. (2002). Didactica de le Historia en la educacion infantil y primaria. Madrid: Morata
e Ministerio de Educacion, Cultura y Deporte.
4º CRIA
181
Cooper, H. (2006). Aprendendo e ensinando sobre o passado a crianças de três a oito anos.
“Educar em Revista” (Edição Especial). Curitiba: Universidade Federal do Paraná, pp.
171-190.
Egan, K. (1994). O Uso da Narrativa como técnica de ensino. Lisboa: D. Quixote.
Hernando, A.M. (2003). Didactica del conocimiento del medido social y cultural en educacion
infantil. Madrid: Editorial Sintesis.
Lee, P. (2006). Em direcção a um conceito de literacia histórica. “Educar em Revista” (Edição
Especial). Curitiba: Universidade Federal do Paraná, pp. 131-150.
Marques, G. (2013). Educação Histórica com crianças em idade pré-escolar: perspectivas e
desafios. In Prats, Joaquín; Barca, Isabel; Fácal, Ramón, org. – Historia e Identidades
Culturales – Actas das XIII Jornadas Internacionais de Educação Histórica. Braga:
Universidade do Minho e CIED, pp. 1343-1360.
Marques, G. (2016). Experiências de Cognição Histórica na Primeira Infância: balanços e
prospectivas. Educação Histórica: perspetivas de Investigação Nacional e Internacional,
coord. Barca, Isabel e Alves, Luís Alberto. Porto: FLUP e CITCEM, pp. 34-40
(http://www.citcem.org/documents/publications/XVJornadas_final_publ.pdf), acedido em
11 de Novembro de 2016.
Rusen, J. (2011). Jorn Rusen e o Ensino da História. Curitiba: Editora UFPR.
Silva, D. (2013). Aprendendo História de Portugal no jardim de infância através do
conhecimento de alguns monarcas portugueses. Dissertação de Mestrado em Educação
Pré-Escolar apresentada ao Instituto Politécnico de Viana do Castelo. Disponível em
http://repositorio.ipvc.pt/handle/123456789/1479
Telmo, I.C. (1994). O Património e a Escola: do Passado ao Futuro. Lisboa: Texto Editores.
Viana, A.M. (2002). Lendas do Vale do Lima. Ponte de Lima: Valimar - Associação de
Municípios do Vale do Lima.
Webgrafia
Biblioteca Municipal de Viana do Castelo – Lendas do Distrito. URL:
http://www.biblioteca.cm-vianacastelo.pt/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=468&Itemid=24.
(Acedido em 26 de Março de 2016)
Blogue Bloguefólio. URL: http://blogue-folio.blogspot.pt/2015/11/enrolando-o-segundonovelo-lenda-de.html (Acedido em 26 de Março de 2016)
Blogue Bloguefólio. URL: http://blogue-folio.blogspot.pt/2016/02/evento-etwinning-umorgulho-para-todos.html (Acedido em 26 de Março de 2016)
Blogue Olhar Viana do Castelo
Colecção Era uma vez um Rei (Centro Virtual Camões). URL: http://cvc.institutocamoes.pt/aprender-portugues/a-ler/era-uma-vez-um-rei.html (Acedido em 26 de Março
de 2016)
182
4º CRIA
Colecção A Aventura dos Descobrimentos (Centro Virtual Camões). URL: http://cvc.institutocamoes.pt/aprender-portugues/ouvir/a-aventura-dos-descobrimentos.html (Acedido em
26 de Março de 2016).
4º CRIA
183
184
4º CRIA
POSTERS
4º CRIA
185
186
4º CRIA
À descoberta das formigas: uma intervenção didática com crianças de
4 e 5 anos
1
Letícia Alves Bouçada1
Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo,
[email protected]
Resumo. Este estudo surgiu no âmbito da unidade curricular de Prática de
Ensino Supervisionada, inserida no curso de Mestrado em Educação PréEscolar e Ensino do 1.º C.E.B., e foi desenvolvido num Jardim-de-Infância
de Viana do Castelo com um grupo de 21 crianças entre os 4 e os 5 anos. A
temática em estudo emergiu da ideia de que a aprendizagem das Ciências
se inicia desde tenra idade e que já nesta fase se inicia a compreensão
sobre tudo aquilo que rodeia a criança. Assim, as primeiras experiências de
aprendizagem afiguram-se cruciais para o seu desenvolvimento, contudo,
decorrentes destas aprendizagens informais, surgem, muitas vezes, aquilo a
que podemos chamar conceções alternativas. Estas ideias, que não
correspondem ao conhecimento científico, quando ignoradas, podem
tornar-se a base em que assentarão novas aprendizagens, pelo que se
afigura de suma importância tomar consciência dessas ideias e
(des)construí-las. Tendo-se verificado um grande interesse pelo animal
formiga optou-se por assentar o estudo nas seguintes questões de
investigação: “Como se caracterizam os conhecimentos sobre o animal
formiga manifestados por crianças em idade Pré-Escolar?” e “Qual o
impacto de uma proposta didática interdisciplinar na evolução desses
conhecimentos?”. Assim, o estudo foi desenvolvido tendo por base uma
perspetiva qualitativa no âmbito da investigação-ação e as tarefas
desenvolvidas alicerçaram-se numa base de interdisciplinaridade e
criatividade.
Palavras-chave: Pré-Escolar; Ideias prévias; conceções alternativas.
Introdução
É desde os primeiros anos de vida que as crianças iniciam o desenvolvimento da
compreensão sobre aquilo que as rodeia, sendo de salientar a importância do contacto
direto com outros seres vivos.
Torna-se então essencial tomar como ponto de partida aquilo que as crianças já sabem
(DEB, 1997) e torná-las participantes ativas no processo de construção do seu
conhecimento, permitindo ao educador ter noção das melhores experiências de
aprendizagem e de como conduzir o processo conducente ao conhecimento do mundo.
Enquadramento Teórico
4º CRIA
187
Devido às primeiras experiências informais a que as crianças vão tendo acesso, quando
ingressam num contexto educativo mais formal já levam consigo um alargado leque de
ideias a que Gardner (2001) chama “teorias feitas em casa” (p. 77) e que muitas vezes
são ignoradas pela própria criança e pelo adulto. Estas ideias, por vezes não
correspondem ao conhecimento científico atual, pelo que há que as tornar ponto de
partida para novas aprendizagens, desafiando-as a tomarem consciência dessas ideias,
confrontando-as com outras, num processo conducente à sua “(des)construção”.
Importa então conhecer a origem e características das conceções alternativas, de modo a
que o educador possa decidir o melhor caminho para ajudar as crianças a desenvolver a
sua compreensão. Segundo Harlen e Qualter (2004), uma das características mais
notórias das ideias das crianças é que estas se baseiam na sua experiência limitada do
mundo, o que leva a que estas, por vezes, não se encontrem de acordo com explicações
cientificamente aceites.
Metodologia
Este estudo foi desenvolvido segundo uma perspetiva qualitativa/interpretativa de
investigação-ação, procurando-se promover uma partilha de saberes com os atores e um
clima desafiante e reflexivo que conduzisse à mudança. O estudo integrou um grupo de
21 crianças entre os 4 e os 5 anos.
Foram escritos diários de aula nos quais se incluíram registos fotográficos. Foram ainda
recolhidos registos gráficos, elaboraram-se tabelas nas quais se categorizaram os dados
neles contidos e, posteriormente, foram agrupados todos os dados numa única tabela.
De seguida procurou-se identificar um percurso evolutivo dos conhecimentos das
crianças ao longo de uma proposta didática interdisciplinar, analisando os diários e as
tabelas.
Resultados
Aquando do registo das ideias prévias (fig.1), na maioria, de forma intuitiva, as crianças
representaram o animal com quatro patas, dois segmentos corporais e apenas algumas
fizeram alusão às antenas. Surgiram diversas cores incorretas associadas ao animal,
apesar de um número significativo ter usado uma das possíveis cores, o preto. Estas
188
4º CRIA
conceções apresentaram-se assim como uma fase ainda inicial de todo o processo de
evolução conceptual e foram um bom ponto de partida para a implementação das
atividades interdisciplinares com vista à evolução do conhecimento.
Figura 1. Ideias Prévias BG [5 anos]
A segunda representação (fig.2) afigurou-se mais realista do que a primeira surgindo a
intenção de desenhar um número acertado de patas e segmentos corporais, contudo, este
conhecimento ainda não se encontrava bem estruturado e as patas não eram colocadas
no segmento corporal correto. Começaram a representar as antenas.
Figura 2. Ideias intermédias BG [5 anos]
Aquando da representação das ideias finais (fig.3) todo o grupo desenhou corretamente
o número de segmentos corporais e de antenas. O número de patas apenas foi
representado incorretamente por uma criança e três delas desenharam três patas
afirmando que o desenho era feito de perfil. Apenas uma criança usou uma cor incorreta
para colorir o animal. As representações tornaram-se mais ricas, sendo que quase
metade do grupo desenhou mandíbulas. Surgiram também elementos relativos ao seu
modo de vida, nomeadamente formigueiros, alimentos, asas, ovos e alusão à
diferenciação de espécies.
4º CRIA
189
Figura 3. Ideias Finais BG [5 anos]
Conclusões
Após a realização deste estudo pode-se concluir que uma perspetiva de ensino que se
preocupe com as ideias alternativas das crianças e que as faça refletir sobre elas
conduzirá certamente a um conhecimento melhor estruturado e a uma maior autonomia
na busca de novos saberes.
Conclui-se ainda que as principais conceções alternativas detetadas se deviam,
maioritariamente, à experiência ainda limitada das crianças. Após a implementação de
uma proposta didática alicerçada na interdisciplinaridade e criatividade verificou-se
uma evolução positiva e gradual dos conhecimentos, sendo as conceções alternativas
substituídas por ideias cientificamente corretas.
Referências
DEB (1997). Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar. Lisboa: Editorial do
Ministério da Educação.
Gardner, H. (2001). A criança pré-escolar: como pensa e como a escola pode ensiná-la (2.ª
Ed.). Porto Alegre: Artmed Editora.
Harlen, W. & Qualter, A. (2004). The teaching of science in primary schools (4.ª Ed.). Great
Britain: David Fulton Publishers.
190
4º CRIA
Faz-se Luz na promoção da articulação horizontal do currículo pelo
recurso a projetos: uma experiência de intervenção
Daniela Caramalho1, Fátima Lima2, Sara Cunha3 & Fátima Sousa-Pereira4
1
Escola Superior de Educação do IPVC, [email protected]
2
Escola Superior de Educação do IPVC, [email protected]
3
Escola Superior de Educação do IPVC, [email protected]
4
Escola Superior de Educação do IPVC, [email protected]
Resumo: O trabalho de projeto assume singular importância nos processos
de aprendizagem e é cada vez mais utilizado pelas escolas com o intuito de
ultrapassar o fosso entre saberes escolares e saberes sociais e mobilizar os
alunos, a escola e, por vezes, a comunidade, na construção ativa de saberes
(Leite, E. & Santos, M. R. s/d). Além disso, poderá fomentar práticas de
articulação curricular horizontal facilitadoras da aquisição, pelos alunos,
de saberes globais, integradores e integrados (Morgado & Tomaz, 2009).
Neste poster pretende-se apresentar uma experiência de intervenção
educativa, realizada no âmbito da Iniciação à Prática Profissional do
segundo ano da licenciatura em Educação Básica. Esta intervenção inserese no projeto Faz-se luz e realizou-se com duas turmas do quinto ano de
uma Escola E.B. 2,3/S de Viana do Castelo, envolvendo a professora
bibliotecária e três professores das turmas em questão. A linha de ação
definida pelo grupo de estágio contribuiu para explorar a temática da luz,
de forma criativa, através da articulação horizontal do currículo entre as
disciplinas de Português e Educação Visual. Sem perder de vista a
intencionalidade do projeto, procurou-se fomentar a cooperação, o
trabalho em grupo e a criatividade na construção de um livro infantil em
cada turma. No âmbito específico de cada disciplina envolvida houve a
intenção de contribuir para a melhoria das capacidades dos alunos, quer
ao nível da planificação e escrita de textos narrativos e produção de
discursos orais coesos e coerentes, quer ao nível da ilustração, edição e
encadernação dos livros criados. Neste poster apresentar-se-á o processo
de concretização desta experiência de articulação curricular horizontal,
destacando-se as dinâmicas de trabalho mais relevantes, quer do ponto de
vista da articulação do trabalho docente quer do ponto de vista dos
estudantes e do seu envolvimento ativo e criativo no aperfeiçoamento de
capacidades nos domínios específicos explorados.
Palavras-chave: articulação curricular horizontal; pedagogia de projeto;
metodologias ativas; prática pedagógica; gestão do currículo.
Introdução
O trabalho de projeto assume singular importância nos processos de aprendizagem e é
cada vez mais utilizado pelas escolas com o intuito de ultrapassar o fosso entre saberes
escolares e saberes sociais e mobilizar os alunos, a escola e, por vezes, a comunidade,
4º CRIA
191
na construção ativa de saberes (Katz & Chard, 2009; Leite, 2006; Leite & Santos, s/d).
Além disso, pode contribuir para fomentar práticas de articulação curricular horizontal
entre os docentes das turmas facilitadoras da aquisição, pelos alunos, de saberes globais,
integradores e integrados (Gimeno Sacristán, 1996; Morgado & Tomaz, 2009). O
projeto Faz-se Luz é o exemplo de um destes projetos desenvolvido no âmbito mais
alargado da ação da Biblioteca Escolar de um Território Educativo de Intervenção
Prioritária (TEIP) de Viana do Castelo. Surgiu pelo facto de 2015 ser o Ano
Internacional da Luz, razão pela qual se procurou explorar a temática da luz de
diferentes perspetivas, em função das possibilidades abertas pelas várias áreas
curriculares. As estratégias inerentes ao projeto encontram-se divididas em cinco
domínios diferentes, sendo eles: estratégias para toda a escola/todo o agrupamento;
promoção e dinâmica da leitura; eventos e grupos de leitura; colaboração com a família;
envolvimento com a comunidade. A linha de ação definida pelo grupo de estágio
contribuiu para explorar a temática da luz, de forma criativa, através da articulação
horizontal do currículo entre as disciplinas de Português, Educação Visual e Educação
Tecnológica. Sem perder de vista a intencionalidade do projeto, procurou-se fomentar a
cooperação, o trabalho em grupo e a criatividade na construção de um livro infantil em
cada turma.
Contextualização do trabalho
O conceito de articulação curricular encontra-se estreitamente relacionado com o de
interdisciplinaridade o que implica necessariamente i) a inter-relação entre saberes e ii)
a cooperação entre os docentes. Não obstante a pertinência de se promoverem práticas
de articulação curricular (vertical e horizontal) tendo em vista facilitar uma apropriação
mais integrada e globalizante dos saberes, são vários os constrangimentos identificados
nas escolas tantas vezes inviabilizadores de uma efetiva cultura colaborativa,
nomeadamente as barreiras que se fazem sentir entre as disciplinas (Ferreira, 2001;
Serra, 2004; Universidade do Porto, 2009).
Em específico a articulação curricular horizontal pressupõe a identificação de aspetos
comuns e a conjugação transversal de várias disciplinas num momento determinado do
mesmo ano de escolaridade (Gimeno Sacristán, 1996; Morgado & Tomaz, 2009).
O recurso ao trabalho por projetos, enquanto mecanismo pedagógico comprovadamente
eficaz e adequado, permite abrir possibilidades alternativas para a construção e melhoria
192
4º CRIA
das aprendizagens, de modo ativo, interdisciplinar, relacional (Katz & Chard, 2009;
Leite, 2006; Leite & Santos, s/d; Many & Guimarães, 2006). O trabalho de projeto
permite que os estudantes aprendam, de forma integrada complexa e participada,
saberes de diferentes áreas. Através da pesquisa e do trabalho em grupo, do uso da
criatividade na resolução de problemas ou no estudo em profundidade sobre
determinado tema ou tópico, poderão aceder a uma grande variedade de experiências e
saberes (Katz & Chard, 2009; Leite, 2006; Many & Guimarães, 2006). Ensinar e
aprender por projetos poderá, deste modo, constituir um ponto de partida para
desencadear um trabalho entusiasmante e sustentado nos contextos educativos, fazendo
da aprendizagem uma descoberta e do saber um objeto de desejo (Leite, 2006).
Metodologia e Intervenção educativa
Neste poster dá-se a conhecer uma experiência de intervenção educativa, realizada no
âmbito da unidade curricular de Iniciação à Prática Profissional do segundo ano da
licenciatura em Educação Básica. Esta intervenção insere-se no projeto Faz-se luz e
realizou-se com duas turmas do quinto ano de uma Escola E.B. 2,3/S de Viana do
Castelo, envolvendo a professora bibliotecária, três estagiárias da Escola Superior de
Educação de Viana do Castelo e três professores das turmas em questão.
A linha de ação definida pelo grupo de estágio desenvolveu-se entre março e junho do
ano letivo de 2014/2015 e contribuiu para explorar a temática da luz, de forma criativa,
promovendo a articulação horizontal do currículo entre as disciplinas de Português,
Educação Visual e Educação Tecnológica. No âmbito da temática da luz foram
exploradas as várias formas que a luz poderá assumir, assim como objetos que
comunicam e o papel da luz no processo de comunicação. Durante a dinâmica de
trabalho criada procurou-se, de modo transversal, fomentar a cooperação, o trabalho em
grupo e a criatividade na construção de um livro infantil em cada turma. No âmbito
específico de cada disciplina envolvida houve a intenção de contribuir para a melhoria
das capacidades dos alunos ao nível da planificação e escrita de textos narrativos e
produção de discursos orais coesos e coerentes, assim como ao nível da ilustração,
edição e encadernação dos livros criados. Deste modo, sem perder de vista as principais
dimensões do projeto, bem como as indicações previstas nas metas curriculares, foram
desenvolvidas várias sessões de trabalho, com resultados práticos muito positivos para
ambas as turmas, e que se apresentam neste poster. Apresenta-se o processo de
concretização desta experiência de articulação curricular horizontal, destacando-se as
4º CRIA
193
dinâmicas de trabalho mais relevantes, quer do ponto de vista da articulação do trabalho
docente, quer do ponto de vista dos estudantes e do seu envolvimento ativo e criativo no
aperfeiçoamento de capacidades nos domínios específicos explorados.
Após uma análise inicial do projeto e apresentação à professora bibliotecária da ideia de
plano de ação do grupo de estágio, identificaram-se as duas turmas com as quais seria
possível desenvolver um trabalho continuado e foram contactadas as respetivas
professoras (uma de Português e duas de Educação Visual e Educação Tecnológica)
para apresentar a proposta de articulação. Ficou definido que o grupo de estágio teria
disponível entre quinze a vinte minutos iniciais de cada aula durante oito semanas de
intervenção.
1ª Etapa: Elaboração das histórias pelo recurso à Arca dos Contos
Na primeira sessão de trabalho, na disciplina de Português, deu-se início à atribuição
das cartas da “Arca dos Contos” (Figura 1). Este recurso consiste num jogo de cartas
inspirado no imaginário dos contos tradicionais e que tem como objetivo principal
estimular a criatividade e o gosto pela leitura e pela escrita. As cartas dividem-se em
sete grupos, de onze cartas cada grupo: personagens humanas, personagens animais,
espaços, objetos mágicos, verbos, adjetivos e palavras-chave. Nas palavras-chave o
grupo colocou palavras específicas relacionadas com a luz de forma a conduzir os
alunos para a exploração livre do tema.
Figura 1. Cartas da “Arca dos Contos”
Nas aulas da disciplina de Português, os alunos elaboraram uma história tendo por base
os elementos da Arca dos Contos, (Figura 2), atribuídos aleatoriamente. Inicialmente
expunham oralmente as suas ideias, sendo estas registadas no quadro pelas estagiárias e
no caderno pelos alunos. As ideias foram sendo integradas e devidamente articuladas
numa pequena narrativa de modo a criar um texto coeso e coerente. Para que a
participação de todos os alunos fosse possível, seguiu-se a ordem pela qual estavam
dispostos na sala de aula.
194
4º CRIA
Figura 2. O processo de produção do trabalho.
2ª Etapa: Ilustração das histórias
Terminada a etapa de elaboração das histórias, as intervenções passaram a ser feitas nas
disciplinas de Educação Visual e de Educação Tecnológica. Nessas disciplinas os
alunos procederam às ilustrações dos diferentes segmentos das histórias previamente
criadas (Figuras 3 e 4). Iniciou-se pela leitura do texto produzido pelos alunos em cada
grupo turma. As estagiárias dividiram as histórias em segmentos, distribuindo-os por
todos os alunos da turma que procederam às respetivas ilustrações explorando
livremente, e de forma coerente, suportes e técnicas diversas apresentadas e
disponibilizadas para o efeito.
Figura 3. Algumas ilustrações realizadas pelos alunos da turma A.
Figura 4. Algumas ilustrações realizadas pelos alunos da turma C.
3ª Etapa: Edição/Encadernação do livro com cada história criada e produção de Ebook
4º CRIA
195
Para finalizar, procedeu-se à compilação e organização das páginas dos livros (junção
dos elementos textuais e ilustrativos e tratamento estético), digitalização, impressão da
obra e respetiva plastificação e encadernação (Figura 5). Posteriormente, os livros em
suporte papel foram oferecidos à Biblioteca Escolar enquanto produtos resultantes do
projeto. Os livros digitais foram publicados na página web do Agrupamento para que,
deste modo, os alunos pudessem dar a conhecer o seu trabalho aos pais/encarregados de
educação e amigos.
Figura 5. Capas dos livros produzidos.
Conclusões
De um modo geral, as tarefas desenvolvidas permitiram a todos os alunos ter uma
participação ativa uma vez que cada um foi colocado em situação de contribuir com as
suas próprias ideias, frases e ilustrações. Com as atividades propostas foi possível
desafiar a sua criatividade, possibilitando ainda o aprofundamento de conhecimentos e o
aperfeiçoamento de capacidades no domínio da Língua Portuguesa e da Educação
Visual e Tecnológica. O facto de estarem permanentemente envolvidos nas tarefas,
dado que se tratou de uma produção própria, poderá explicar a motivação e o sucesso
das atividades propostas junto do público-alvo. Dados os indicadores apresentados no
ponto anterior, considera-se que esta intervenção, de um modo geral, contribuiu i) para
aumentar o gosto pela escrita criativa, pela leitura e pelo livro junto dos alunos, ii) para
explorar algumas vertentes da temática subjacente ao projeto, procurando que os
estudantes identificassem objetos que comunicam através da luz, assim como as várias
formas que a luz poderá assumir e criando condições para que as turmas tecessem
enredos imaginando possibilidades de cada feixe de luz dar origem a um curiosidade ou
pormenor e, em última instância a uma história e iii) para sensibilizar os docentes
envolvidos para as possibilidades e potencialidades de se trabalhar de forma
colaborativa pela via da articulação horizontal do currículo. A este nível revestiu-se de
particular importância o diálogo e a negociação que esteve subjacente à articulação
conjunta do trabalho entre a professora bibliotecária, os docentes da turma e o grupo de
196
4º CRIA
estagiárias, nomeadamente no estabelecimento do como, porquê, para quê e quando
desenvolver o trabalho.
Referências bibliográficas
Ferreira, J. B. (2001). Continuidades e Descontinuidades no Ensino Básico. Leiria: Magno
Edições.
Gimeno Sacristán, J. (1996). La transición a la educación secundaria. Madrid: Ediciones
Morata.
Leite, E. & Santos, M. R. (s/d). Nos trilhos da área de projecto. Metodologia do trabalho de
projecto. Porto: ASA.
Leite, E. (2006). Prefácio. In Eric Many & Samuel Guimarães. Como abordar… A
Metodologia de Trabalho de Projecto. Porto: Areal Editores.
Katz, L. & Chard, S. (2009). A Abordagem de Projecto na Educação de Infância. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian.
Many, E. & Guimarães, S. (2006). Como abordar… A Metodologia de Trabalho de Projecto.
Porto: Areal Editores.
Morgado, J. C. & Tomaz, C. (2009). Articulação curricular e sucesso educativo: uma parceria
de investigação. Comunicação apresentada no XVII Colóquio da Afirse. Lisboa:
Universidade de Lisboa (documento policopiado).
SERRA, C. (2004). Currículo na educação pré-escolar e articulação curricular com o 1º ciclo
do ensino básico. Porto: Porto Editora.
Universidade do Porto (2009). Articulação curricular vertical. Acedido em maio, 2016, em
http://www.fpce.up.pt/ciie/obvie/docs/articulacao_curricular.pdf.
4º CRIA
197
198
4º CRIA
O papel da biblioteca escolar e dos projetos na construção de
ambientes de aprendizagem criativos e promotores de sucesso:
uma experiência de intervenção
Patrícia Fernandes1, Joana Martins2, Rita Cruz3 & Fátima Sousa-Pereira4
1
Escola Superior de Educação do IPVC, [email protected]
2
Escola Superior de Educação do IPVC, [email protected]
3
Escola Superior de Educação do IPVC, [email protected]
4
Escola Superior de Educação do IPVC, [email protected]
Resumo. A problemática do (in)sucesso escolar é hoje assumida, já não apenas
do ponto de vista individual, mas também do ponto de vista da escola, enquanto
comunidade, obrigando a uma análise integrada das suas vertentes
organizacional, curricular e pedagógica (Machado & Alves, 2013). Os
Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP) são contextos onde esta
problemática se revela ainda mais complexa, justificando, de forma
particularmente premente, o recurso a soluções que permitam usar os recursos
próprios para melhorar as práticas instaladas, criando condições maximizadoras
do sucesso (Roldão, 2009; Azevedo, 2013; Verdasca, 2013). É neste contexto que
as bibliotecas escolares e os projetos por elas dinamizados poderão assumir-se
como recursos promotores de ambientes de aprendizagem criativos e que,
simultaneamente, contribuam para o desenvolvimento de práticas colaborativas
de gestão do currículo e para a melhoria da aprendizagem dos alunos. Com este
poster pretende-se apresentar uma experiência de intervenção educativa,
realizada no âmbito da Iniciação à Prática Profissional do segundo ano da
licenciatura em Educação Básica. A linha de ação definida pelo grupo de estágio
no âmbito dos projetos ContAR-TE e Ler+Mar, cuja implementação é da
responsabilidade da biblioteca escolar, teve como objetivo explorar obras
propostas pelas metas curriculares para a educação literária pelo recurso a
dinâmicas criativas, contribuindo para a melhoria das competências dos alunos.
Desta forma, e respeitando as duas grandes dimensões do projeto – a literária e a
artística – procurou-se explorar um conjunto de doze obras relativas à temática
“O Mar”, usando o livro como principal recurso e a criatividade como estratégia
na conquista dos alunos para as novas aprendizagens. A ação foi desenvolvida
com uma turma de 25 alunos de uma Escola EB1 de Viana do Castelo, integrada
num contexto TEIP. Neste poster, dar-se-á destaque às atividades realizadas com
quatro das obras selecionadas recorrendo a uma diversidade de tarefas e de
recursos que permitiram garantir o envolvimento ativo e motivado dos alunos e o
interesse pelas obras literárias exploradas.
Palavras-chave: sucesso escolar; pedagogia de projeto; metodologias ativas;
prática pedagógica; biblioteca escolar.
4º CRIA
199
Introdução
Atualmente a problemática do (in) sucesso escolar já não é assumida apenas do ponto
de vista individual, mas também do ponto de vista da escola, enquanto comunidade.
Esta perspetiva obriga a uma análise mais complexa, o que pressupõe a consideração
simultânea das vertentes organizacional, curricular e pedagógica (Machado & Alves,
2013). Por constituírem contextos onde esta problemática se revela ainda mais
complexa, os Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP) justificam, de
forma particularmente premente, o recurso a soluções que permitam usar os recursos
próprios para melhorar as práticas instaladas, criando condições maximizadoras do
sucesso (Roldão, 2009; Azevedo, 2013; Verdasca, 2013). É neste contexto que as
bibliotecas escolares e os projetos por elas dinamizados poderão assumir-se como
recursos promotores de ambientes de aprendizagem criativos e que, simultaneamente,
contribuam para o desenvolvimento de práticas colaborativas de gestão do currículo e
para a motivação e melhoria da aprendizagem dos alunos.
Contextualização do trabalho
Em pleno séc. XXI a instituição escolar continua a ser palco de muitos desafios,
nomeadamente no que à garantia do sucesso educativo diz respeito. A enorme
diversidade (socioeconómica, cultural, étnica, etc.), originada pela massificação do
ensino, constitui um dos grandes desafios. A escola persiste em manter métodos
tradicionais, embora com um público ao qual não estava habituada, composto por
alunos menos previsíveis e menos controláveis e que, em muitos casos, não dominam os
“códigos” presentes no discurso formal da escola (Cortesão, Leite & Pacheco, 2002;
Silva, 2013). Deste modo, principalmente em contextos sociais particularmente
problemáticos, a escola e as aprendizagens são desvalorizadas o que se traduz, muitas
vezes, em comportamentos disruptivos, em insucesso e até absentismo e abandono
escolar. Face a estes desafios, exigem-se, “novas energias na criação de ambientes
educativos inovadores, de espaços de aprendizagem que estejam à altura dos desafios da
contemporaneidade” (Nóvoa, 2014, p. 183). Os projetos, enquanto imagens que somos
capazes de formar de uma situação e de uma mudança que poderemos vir a atingir
(Capucha, 2008), constituem mecanismos pedagógicos alternativos para responder a
problemas e necessidades e trabalhar no sentido da melhoria. As bibliotecas escolares
poderão funcionar como elemento importante na promoção de projetos socioeducativos
200
4º CRIA
de natureza diversa potenciadores de ambientes de aprendizagem criativos e
estimulantes.
Metodologia e Intervenção educativa
A experiência de intervenção educativa que se apresenta realizou-se no âmbito da
Iniciação à Prática Profissional do segundo ano da licenciatura em Educação Básica. A
linha de ação definida pelo grupo de estágio no âmbito dos projetos ContAR-TE e
Ler+Mar (PNL), cuja implementação é da responsabilidade das bibliotecas escolares do
Agrupamento de Monte da Ola (um contexto TEIP), teve como objetivo explorar obras
propostas pelas metas curriculares para a educação literária pelo recurso a dinâmicas
criativas, contribuindo para a melhoria das competências dos alunos. Desta forma, e
respeitando as duas grandes dimensões do projeto – a literária e a artística – procurou-se
explorar um conjunto de doze obras relativas à temática “O Mar”, usando o livro como
principal recurso e a criatividade como estratégia na conquista dos alunos para as novas
aprendizagens. Tratou-se de uma intervenção com uma turma de vinte e cinco crianças,
constituída por dez alunos do primeiro ano de escolaridade e quinze do segundo ano,
que decorreu entre março e junho do ano letivo 2015/2016. A intervenção foi
implementada pelas estagiárias mas resultou de uma dinâmica de trabalho conjunto
envolvendo de forma ativa e articulada, em todas as fases, a professora titular da turma
e a professora bibliotecária. Neste poster dar-se-á destaque às atividades realizadas com
quatro das obras selecionadas recorrendo a uma diversidade de tarefas e de recursos que
permitiram garantir o envolvimento ativo e motivado dos alunos e o interesse pelas
obras literárias exploradas.
1.ª Atividade: “O Ciclo da Água”
Uma das obras explorada foi “O Ciclo da Água” de Cristina Quental. Começou-se a
sessão pela leitura expressiva da obra pelas estagiárias, seguida de uma atividade de
compreensão de texto que consistiu na realização de uma atividade de palavras cruzadas
em que a turma teve que descodificar qual o conceito associado a cada definição. Para
finalizar, foi-lhes proposta a construção de maquetes tridimensionais nas quais deveriam
recriar o ciclo da água usando, para o efeito, materiais de desperdício recicláveis (Figura
1).
4º CRIA
201
Figura 1. Cartaz para exploração da história; bases das maquetes; maquetes finalizadas.
2ª Atividade: “O Médico do Mar”
Entendemos ser fundamental promover nos alunos o gosto pelo livro e pela leitura, mas
se a isto aliarmos a dimensão emocional, a intervenção poderá constituir uma mais-valia
também ao nível da exploração de valores importantes para a sua formação pessoal e
social. Com esta dupla intencionalidade foi explorada a obra “O Médico do Mar” de
Leo Timmers, por se tratar de uma obra particularmente relevante para trabalhar valores
como a solidariedade, a entreajuda e a cooperação. Iniciou-se a sessão com a
dramatização da história com recurso a um fantocheiro construído para o efeito. Seguiuse uma atividade de compreensão do texto baseada num cartaz em que os alunos tinham
que atribuir uma afirmação a cada personagem (Figura 2). Para finalizar, foi-lhes
proposta a decoração de fantoches alusivos à história que serviram para a dramatização
da história por parte da turma.
Figura 2. Fantocheiro; cartaz preparado para a atividade de compreensão; a turma
durante a decoração dos fantoches.
3ª Atividade: “Na Praia da Galé”
Numa das sessões optou-se pela exploração da história “Na praia da Galé” pertencente à
obra “O senhor do seu nariz e outras histórias” de Álvaro Magalhães. A sessão foi
iniciada com a leitura expressiva da história, a que se seguiu uma atividade de
compreensão baseada nos elementos paratextuais, nomeadamente na ilustração. Nesta,
os alunos tiveram a tarefa de ordenar cronologicamente e legendar quatro cartões
202
4º CRIA
referentes às ilustrações da história. Para finalizar, foi-lhes proposta a criação de um
mobile com o título “Que saudades eu tenho da praia…” (Figura 3). Para tal, a cada
aluno foi atribuído um cartão com a forma de um elemento associado à praia, podendo
este ter a forma de castelo de areia, gelado, sol, prancha de surf ou estrela-do-mar.
Nestes cartões os alunos representaram bidimensionalmente aquilo de que sentiam mais
saudades relativamente à praia.
Figura 3. Cartaz pré-construído para exploração dos elementos paratextuais; ilustração
dos cartões; aspeto final do mobile.
4ª Atividade: Caixas com Histórias Dentro
Procurou-se terminar a intervenção neste projeto com uma atividade globalizante e de
síntese, que permitisse considerar todas as obras abordadas ao longo das doze sessões.
Com esta intencionalidade, propôs-se às crianças a atividade “Caixas com histórias
dentro”. A turma foi dividida em pequenos grupos, tendo em conta as obras
preferenciais exploradas. Cada grupo recriou, usando para o efeito uma caixa de
sapatos, a história/obra de que mais gostou, tendo ao seu dispor materiais de desperdício
e/ou recicláveis (Figura 4).
Figura 4. Exemplo de uma caixa com história dentro (“O Médico do Mar”).
4º CRIA
203
Conclusões
A intervenção desenvolvida no âmbito conjunto dos projetos ContAR-TE e Ler+Mar,
que contou com a participação de três estagiárias, contribuiu para fomentar práticas
colaborativas de gestão do currículo envolvendo a ação da professora bibliotecária e da
professora titular da turma. De modo interdependente, as docentes articularam-se no
sentido de ultrapassar dificuldades sentidas no contexto de escola e de sala relacionadas
com o insucesso escolar. Partindo do diálogo e reflexão sobre as práticas curriculares e
sobre os resultados académicos dos estudantes, iniciou-se um processo que envolveu
tomada conjunta de decisões sobre aspetos inerentes à prática letiva e de que resultou
um trabalho estruturado e pensado em conjunto, envolvendo todos os elementos,
nomeadamente o grupo de estagiárias. Será também de considerar a mais-valia
associada à partilha de ideias, experiências, tarefas e responsabilidades, de que resultou
menor sobrecarga de trabalho e maior diversificação de estratégias conducentes à
motivação e melhoria das aprendizagens dos alunos.
Além disso, proporcionou ao grupo de crianças um ambiente de aprendizagem criativo
e estimulante que foi organizado com o objetivo de, simultaneamente, potenciar a
motivação para a aprendizagem, melhorar o nível de compreensão das obras literárias
trabalhadas, assim como a capacidade de criação. Estas condições repercutiram-se numa
participação ativa, motivada e envolvida das crianças no trabalho proposto, aspetos
observados quer pelas estudantes estagiárias, quer pela professora titular da turma e pela
professora bibliotecária.
Desta forma, foi proporcionada aos estudantes a integração em atividades promotoras
do gosto pela leitura e pelo manuseio do livro físico como ferramenta útil e dinâmica de
aprendizagem, assim como promotoras da dimensão criativa.
Referências bibliográficas
Azevedo, J. (2013). Como se tece o (in)sucesso escolar: o papel crucial dos professores. In J.
Machado & J. Alves (orgs.). Melhorar a Escola - Sucesso Escolar, Disciplina,
Motivação, Direção de Escolas e Políticas Educativas. Porto: Universidade Católica.
Capucha, L. M. A. (2008). Planeamento e Avaliação de Projetos. Guião Prático. Lisboa: MEDGIDC.
Cortesão, L.; Leite, C. & Pacheco, J. A. (2002). Antes de falarmos em projecto é preciso
sabermos do que estamos a falar. In Trabalhar por projectos em educação. Porto: Porto
Editora, pp. 22-32.
Machado, J. & Alves, J. (2013). Melhorar a Escola - Sucesso Escolar, Disciplina, Motivação,
Direção de Escolas e Políticas Educativas. Porto: Universidade Católica.
204
4º CRIA
Nóvoa, A. (2014). Educação 2021: Para uma história do futuro. Educação, Sociedade &
Culturas, 41, 171-185.
Roldão, M. C. (2009). Estratégias de Ensino: o saber e o agir do professor. V. N. Gaia:
Fundação Manuel Leão.
Silva, S. M. (2013). Condição de estranheza e relação com o mundo da escola. In Manuel Matos
(org.). JOVALES: Jovens, Alunos, Ensino Secundário. Porto: CIIE/Livpsic.
Verdasca, J. (2013). Promovendo o Sucesso Escolar: lições de práticas recentes. In J. Machado
& J. Alves (orgs.). Melhorar a Escola - Sucesso Escolar, Disciplina, Motivação, Direção
de Escolas e Políticas Educativas. Porto: Universidade Católica.
4º CRIA
205
206
4º CRIA
À Descoberta de Portugal pela metodologia de trabalho de projeto: uma
experiência de intervenção no pré-escolar
Lídia Neves1, Anaïs Cerqueira2, Marina Machado3, Paula Coelho4 & Fátima Sousa-Pereira5
1
Escola Superior de Educação do IPVC, [email protected]
Escola Superior de Educação do IPVC, [email protected]
3
Escola Superior de Educação do IPVC, [email protected]
4
Agrupamento de Escolas de Arcozelo, Ponte de Lima, [email protected]
5
Escola Superior de Educação do IPVC, [email protected]
2
Resumo. O Trabalho de Projeto permite que os estudantes aprendam, de
forma integrada complexa e participada, saberes de diferentes áreas.
Através da pesquisa e do trabalho em grupo, do uso da criatividade na
resolução de problemas, poderão aceder a uma grande variedade de
experiências e saberes (Leite, 2006; Many & Guimarães, 2006). Neste
poster pretende-se apresentar uma experiência de intervenção educativa
realizada no âmbito da unidade curricular de Iniciação à Prática
Profissional do segundo ano da licenciatura em Educação Básica. O
trabalho realizado, no âmbito do projeto À Descoberta de Portugal, teve
lugar num Jardim de Infância do Agrupamento de Escolas de Arcozelo
(Ponte de Lima), com um grupo de 80 crianças, com idades compreendidas
entre os três os cinco anos. O trabalho desenvolvido pelo recurso à
Metodologia de Trabalho de Projeto pretendeu sensibilizar as crianças
para a história do nosso país, promover o desenvolvimento de atividades de
exploração e conhecimento do meio histórico local/nacional assim como
alargar conhecimentos sobre ambientes históricos e culturais. Procurandose que as crianças desenvolvessem competências e aprendizagens na área
do conhecimento do mundo, mas com dinâmicas diferenciadas associadas
às outras áreas de conteúdo, recorreu-se a atividades atrativas e à
criatividade como chave para despertar o interesse das crianças para a
aprendizagem. Neste poster apresentar-se-á o processo de trabalho
desenvolvido, concedendo-se destaque a algumas atividades com resultados
muito positivos, quer no que à produção de conhecimento diz respeito, quer
ao nível do entusiasmo e participação de todos os envolvidos.
Palavras-chave: pedagogia de projeto; metodologias ativas; educação préescolar.
Introdução e Contextualização do Trabalho
A criança é por norma curiosa. Proporcionar-lhe atividades diferentes em contextos
diferentes, estimula essa curiosidade e promove a aprendizagem e o conhecimento do
Mundo (físico e social) que a rodeia. A curiosidade natural da criança e o seu desejo de
4º CRIA
207
saber e compreender porquê poderá “ser fomentada e alargada na educação préescolar, através de oportunidades de contactar com novas situações, que são
simultaneamente, ocasiões de descoberta e de exploração do mundo.” (Ministério da
Educação, 1997).
O recurso ao trabalho por projetos, enquanto mecanismo pedagógico comprovadamente
eficaz e adequado à criança, permite abrir possibilidades alternativas para a construção e
melhoria das suas aprendizagens, de modo ativo, interdisciplinar, relacional, pela
descoberta, tomando a criança como investigadora nata (Katz, Ruivo, Silva &
Vasconcelos, 1998; Katz & Chard, 2009; Oliveira-Formosinho & Gambôa, 2011;
Vasconcelos, Rocha, Loureiro, Castro, Menau & Sousa, 2012).
O Trabalho de Projeto permite potenciar uma aprendizagem integrada e complexa de
saberes de diferentes áreas, assim como uma aprendizagem participada, comprometida e
ativa. Através de dinâmicas diferenciadas que podem envolver pesquisa e trabalho em
grupo, assim como estimular o uso da criatividade na resolução de problemas ou no
estudo em profundidade sobre determinado tema ou tópico, os estudantes poderão
aceder a uma grande variedade de experiências e saberes (Katz & Chard, 2009; Leite,
2006; Many & Guimarães, 2006). Deste modo, ensinar e aprender por projetos poderá
constituir um ponto de partida para desencadear um trabalho entusiasmante e sustentado
nos contextos educativos, fazendo da aprendizagem uma descoberta e do saber um
objeto de desejo (Leite, 2006).
À Descoberta de Portugal é o exemplo de um projeto desenvolvido pelo recurso a esta
metodologia, que pretendeu sensibilizar as crianças para a história do nosso país,
promover o desenvolvimento de atividades de exploração e conhecimento do meio
histórico local/nacional assim como alargar conhecimento sobre ambientes históricos e
culturais. Sendo pertinente reforçar a ideia de que os conteúdos históricos podem e
devem ser explorados na educação pré-escolar de forma refletida, intencional e
sistemática, este projeto, desenvolvido numa linha construtivista, permitiu, em última
instância, sensibilizar as crianças, geração presente e futura do nosso país, para o valor
do nosso passado.
208
4º CRIA
Metodologia e Intervenção Educativa
A experiência de intervenção educativa que se apresenta neste trabalho foi desenvolvida
num Jardim de Infância do Agrupamento de Escolas de Arcozelo (Ponte de Lima) e
envolveu um grupo de 80 crianças, com idades compreendidas entre os três e os cinco
anos, quatro educadoras de infância e três alunas estagiárias do segundo ano da
licenciatura em Educação Básica da Escola Superior de Educação do Instituto
Politécnico de Viana do Castelo. A linha de ação desenvolvida com o contributo do
grupo de estágio decorreu durante o segundo semestre do ano letivo de 2015/2016, no
âmbito da unidade curricular de Iniciação à Prática Profissional.
De forma a alcançar os objetivos propostos recorreu-se à Metodologia de Trabalho de
Projeto por se tratar de uma estratégia de aprendizagem predominantemente ativa e
assente na resolução de problemas e na descoberta. Procurou-se promover competências
e conhecimentos em diversas áreas de conteúdo, recorrendo a atividades atrativas e
criativas, e trabalhando a construção articulada do saber, ao contemplar as áreas de
conteúdo não como compartimentos estanques mas abordadas de forma globalizante e
integrada.
Neste sentido, a área de conteúdo predominantemente trabalhada foi a área do
conhecimento do mundo uma vez que o projeto permitiu às crianças conhecerem,
através da pesquisa, alguns aspetos da história de Portugal e da história local. Uma vez
que a rainha que deu o foral a Ponte de Lima, localidade em que o Jardim de Infância
está inserido, foi D. Teresa, mãe de D. Afonso Henriques, aproveitou-se a oportunidade
para conhecer também um pouco melhor a história de Ponte de Lima. No entanto, foi
também explorada a área de Expressão e da Comunicação, especificamente os domínios
da Educação Física, da Educação Artística (subdomínios das Artes Visuais, do Jogo
Dramático/Teatro, da Música, da Dança), da Linguagem Oral e Abordagem à Escrita e
o Domínio da Matemática. A área de Formação Pessoal e Social foi trabalhada de modo
transversal, tendo estado presente em todas as dinâmicas de trabalho propostas.
Iniciou-se o projeto com a comemoração do “Dia Nacional dos Castelos”, tendo como
ponto de partida o que as crianças já sabiam e o que queriam saber. Partindo do
conhecimento empírico introduziram-se noções da vida, dos usos e costumes na época
medieval, das classes sociais existentes, concedendo especial enfoque aos castelos e ao
primeiro Rei de Portugal. As atividades foram pensadas de maneira a criar momentos de
aprendizagem lúdicos nos quais as crianças pudessem participar de forma ativa e
4º CRIA
209
continuada em todo o desenvolvimento do projeto. O envolvimento das famílias, assim
como das entidades locais foi um aspeto fundamental no desenrolar deste projeto.
Destacam-se, seguidamente, algumas das dinâmicas de trabalho desenvolvidas com
resultados muito positivos, quer no que à produção de conhecimento diz respeito, quer
ao nível do entusiasmo e participação de todos os envolvidos.
1. Construção de elementos históricos pelo recurso a materiais de desperdício
A abordagem a temáticas como a ecologia podem ser feitas de forma interessante e
produtiva. Nesta atividade estabelecemos a ligação entre diferentes áreas temáticas e
conteúdos com a construção de elementos históricos recorrendo a materiais de
desperdício recolhidos pelas crianças. Os elementos criados consistiram em escudos,
espadas e cavalos (Figura 1) que mais tarde foram utilizados no desfile de carnaval
(Figura 2). Também foi construída a bandeira de Portugal (Figura 1), exposta na sala de
atividades e na exposição de final de ano.
Figura 1. Construção de elementos históricos com materiais de desperdício (escudos, espadas,
cavalos e bandeira de Portugal).
210
4º CRIA
Figura 2. Utilização, no desfile de carnaval, de elementos históricos construídos pelo grupo.
2. Visita ao Castelo de Guimarães
Visita ao Castelo de Guimarães de modo a consolidar e aprofundar conhecimentos
adquiridos durante o projeto (Cf. Figura 3).
Figura 3. Visita ao Castelo de Guimarães.
3. Peddy-Pappers de descoberta sobre a temática do projeto e Jogos Tradicionais
Portugueses
Partindo de temas específicos alusivos ao projeto foram realizados peddy-pappers com
adivinhas e perguntas realizadas através de pictogramas, bem como tarefas de
motricidade. Estas atividades foram pensadas para que as crianças tivessem
oportunidade de aplicar os conhecimentos aprendidos ao longo do projeto encorajando o
espírito de equipa e despertando o interesse para as aprendizagens. Além disso, com o
objetivo de valorizar e sensibilizar para elementos que perduram ao longo do tempo na
história do nosso país, realizou-se um percurso de jogos tradicionais portugueses, tais
como corridas de sacos, jogo da cabra-cega, jogo da malha e outros (Figura 4).
Figura 4. Percurso de jogos tradicionais portugueses.
4. Apresentação do projeto à comunidade educativa
Apresentação de uma dramatização intitulada “Afonso Henriques: o Conquistador”,
que contou com a participação dos quatro grupos do Jardim de Infância e que permitiu
4º CRIA
211
apresentar à comunidade educativa os conhecimentos construídos ao longo do projeto.
As crianças também interpretaram o hino de Portugal, um dos elementos de
aprendizagem explorado durante o projeto (Cf. Figura 5).
Figura 5. Apresentação da peça “Afonso Henriques: o Conquistador” e interpretação do
hino nacional.
Conclusões
À Descoberta de Portugal provou ser um projeto dinamizador que envolveu de modo
ativo e participativo as crianças, docentes, estagiárias, famílias e restante comunidade
educativa.
Em resultado das dinâmicas de trabalho desenvolvidas no âmbito do projeto, tornou-se
evidente uma melhoria nos conhecimentos, capacidades e atitudes das crianças na área
do Conhecimento do Mundo, em específico no que à temática do projeto diz respeito,
nomeadamente, quanto ao nível de familiaridade com aspetos da vida medieval e da
história e cultura do nosso país, assim como, quanto ao respeito pelos nossos
antepassados e por elementos representativos e simbólicos do nosso país (hino e
bandeira).
No âmbito do subdomínio das Artes Visuais foram elaborados os diferentes artefactos
usados pelos cavaleiros: espadas, escudos e cavalos. Foi também aproveitada a
atividade de construção destes artefactos para promover a educação ambiental por via
da reutilização e reciclagem de material de desperdício. Os subdomínios da Música e da
Dança foram trabalhados através do estudo dos instrumentos usados na época, através
da audição de música medieval, com a aprendizagem de canções sobre os castelos e
sobre D. Afonso Henriques, bem como através da coreografia realizada e utilização de
instrumentos na festa de final de ano. O subdomínio do Jogo Dramático/Teatro foi
explorado a propósito da dramatização da peça de teatro, que retratou a vida de D.
Afonso Henriques, apresentada na festa de final de ano.
212
4º CRIA
Através das atividades centradas em jogos medievais (nomeadamente, corridas de
sacos, corridas com os cavalos de pau, corridas com colheres, a malha, etc.) foi possível
explorar o domínio da Educação Física.
A
exploração
de
aprendizagens
no
domínio
da
Matemática
teve
lugar,
predominantemente, aquando da abordagem aos castelos. Algumas crianças quiseram
construir castelos, tendo-se trabalhado a este propósito os sólidos geométricos (cilindros
nas torres, cones nos telhados, etc.), a noção de quantidade (quantas torres, quantas
portas/janelas), assim como a noção de tamanho (maior/menor, pequeno/grande,
alto/baixo). Além disso, na construção da bandeira e dos escudos, as crianças tiveram
que efetuar contagens variadas (do número de quinas, escudos e castelos) e foram
trabalhadas as cores da bandeira e sua representação.
O domínio da Linguagem foi também muito explorado, em particular ao nível da
aquisição de novo vocabulário (relacionado com os castelos, artefactos, comida, roupas,
profissões), assim como ao nível da audição de diversas histórias em diferentes
formatos (cd, livros, powerpoints, teatro de fantoches).
De um modo transversal, procurou-se intencionalmente promover aprendizagens na
área de Formação Pessoal e Social à medida que foram desenvolvidas as atividades
atrás referidas. Em particular procurou-se promover a capacidade de: ouvir o outro;
respeitar o outro nas aprendizagens e dificuldades e ajudar sempre que necessário;
partilhar aprendizagens, nomeadamente pela apresentação dos resultados de pesquisas
realizadas; sugerir/escolher atividades pertinentes no âmbito do projeto e participar com
interesse nas diferentes atividades; ser responsável no cumprimento das diferentes
tarefas atribuídas, etc.
É também de destacar o empenho e entusiamo de todos os envolvidos, em particular das
crianças, que demonstraram grande curiosidade, desejo de saber e de compreender
porquê.
Referências bibliográficas
Oliveira-Formosinho, J. & Gambôa, R. (orgs.) (2011). O Trabalho de Projeto na Pedagogiaem-Participação. Porto: Porto Editora.
Katz, L., Ruivo, J., Silva, M. & Vasconcelos, T. (1998). Qualidade e projecto na educação préescolar. Lisboa: Ministério da Educação.
Katz, L. & Chard, S. (2009). A Abordagem de Projecto na Educação de Infância. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian.
4º CRIA
213
Leite, E. (2006). Prefácio. In Eric Many & Samuel Guimarães. Como abordar… A Metodologia
de Trabalho de Projecto. Porto: Areal Editores.
Ministério da Educação (1997). Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar.
Lisboa: Departamento da Educação Básica.
Many, E. & Guimarães, S. (2006). Como abordar… A Metodologia de Trabalho de Projecto.
Porto: Areal Editores.
Vasconcelos, T., Rocha, C., Loureiro, C., Castro, J. D., Menau, J. & Sousa, O. (2012). Trabalho
por Projetos na Educação de Infância: Mapear Aprendizagens Integrar Metodologias.
Lisboa: Ministério da Educação.
214
4º CRIA
Download