Instituto Politécnico de Viana do Castelo Escola Superior de Educação Grupo Disciplinar Educação e Formação de Professores ATAS 2016 2 4º CRIA Atas do 4º Encontro Ensinar e Aprender com Criatividade dos 3 aos 12 anos (4º CRIA) Ficha técnica Título: Atas do 4º Encontro Ensinar e Aprender com Criatividade dos 3 aos 12 anos – 2016 Editores: Ana Barbosa e Isabel Vale Edição: EdProf e Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo Data: Dezembro de 2016 ISBN: 978-989-8756-09-1 Depósito Legal: 418241/16 4º CRIA 3 O 4º CRIA foi organizado pelo Grupo de Educação e Formação de Professores do Instituto Politécnico de Viana do Castelo e realizado em 6 de julho de 2016 na Escola Superior de Educação. Comissão Organizadora: Ana Barbosa, Ana Peixoto, Elisabete Cunha, Fátima Fernandes, Gabriela Barbosa, Isabel Vale, Lina Fonseca, Linda Saraiva, Luísa Neves, Teresa Pimentel. Comissão. Cientifica: Ana Barbosa, Ana Peixoto, César Sá, Gabriela Barbosa, Isabel Vale, Lina Fonseca, Linda Saraiva, Luísa Neves, Teresa Pimentel. Revisão científica: Alexandra Esteves, Ana Barbosa, Ana Peixoto, Benjamim Pereira, Elisabete Cunha, Fátima Fernandes, Fátima Pereira, Gabriela Barbosa, Gonçalo Marques, Isabel Vale, Joana Oliveira, José Portela, Lina Fonseca, Linda Saraiva, Luís Mourão, Luísa Neves, Raquel Leitão, Rosa Faneca, Teresa Gonçalves e Teresa Pimentel. Apoios 4 4º CRIA ÍNDICE INTRODUÇÃO............................................................................................................... 7 PAINEL.......................................................................................................................... 11 A criatividade nas práticas de professores.......................................................................13 Moderadora: Teresa Pimentel, Participantes: Conceição Cerqueira, Sandra Pinheiro e Hélia Pinto CONFERÊNCIA PLENÁRIA..................................................................................... 15 Jogo e Criatividade: como contribuir para crianças mais ativas, saudáveis e felizes......17 Carlos Neto COMUNICAÇÕES ORAIS..........................................................................................19 À descoberta da célula com textos de divulgação científica........................................... 21 Maria Laura Oliveira e Ana Sofia Afonso Desenvolvimento e integração curricular: Como incluir a educação cinematográfica no 1.º Ciclo do Ensino Básico.............................................................................................. 33 Manuel Montenegro e Pedro Duarte Recursos Educativos Digitais e ensino da gramática – contributos do referencial TPACK............................................................................................................................ 47 Daniela Melo e Gabriela Barbosa A adaptação de uma história ao sistema SPC – uma estratégia criativa de promoção da inclusão de Crianças com NEE....................................................................................... 69 Andreia Novais e Gabriela Barbosa As noções espaciais e o mundo da criança...................................................................... 81 Filipa Balinha e Ema Mamede Trilhando uma quinta pedagógica com a Matemática.....................................................99 Fátima Fernandes, Isabel Vale e Pedro Palhares COMUNICAÇÕES COM DEMONSTRAÇÃO.......................................................113 Matemática + Histórias Infantis = Conexões Criativas no Pré-escolar......................... 115 Maria Vaz e Ana Barbosa Pensar não tem de ser escolarizar! ................................................................................137 Florbela Soutinho e Ema Mamede Construir pontes entre a Matemática e a Educação Financeira..................................... 153 Dárida Fernandes, Maria Santos e Susana Sá Consciência Histórica e Património Local na Didática da Educação Pré-Escolar........ 167 Gonçalo Marques POSTERS..................................................................................................................... 185 À descoberta das formigas: uma intervenção didática com crianças de 4 e 5 anos...... 187 Letícia Alves Bouçada Faz-se Luz na promoção da articulação horizontal do currículo pelo recurso a projetos: uma experiência de intervenção.................................................................................... 191 Daniela Caramalho, Fátima Lima, Sara Cunha e Fátima Sousa-Pereira 4º CRIA 5 O papel da biblioteca escolar e dos projetos na construção de ambientes de aprendizagem criativos e promotores de sucesso: uma experiência de intervenção..... 199 Patrícia Fernandes, Joana Martins, Rita Cruz e Fátima Sousa-Pereira À Descoberta de Portugal pela metodologia de trabalho de projeto: uma experiência de intervenção no pré-escolar.............................................................................................207 Lídia Neves, Anais Cerqueira, Marina Machado, Paula Coelho e Fátima Sousa-Pereira 6 4º CRIA INTRODUÇÃO 4º CRIA 7 8 4º CRIA À semelhança dos três anos anteriores, o Encontro Ensinar e Aprender com Criatividade dos 3 aos 12 anos pretendeu sensibilizar a comunidade educativa, particularmente educadores de infância e professores do 1.º e 2.º ciclos do ensino básico, para a importância da criatividade como uma estratégia inovadora a utilizar no ensino e aprendizagem das várias áreas do currículo. Por outro lado, este encontro pretende ser um espaço de divulgação do trabalho desenvolvido nas Instituições de Formação de Professores, dando oportunidade em particular aos jovens estudantes e recém-diplomados de apresentar as suas experiências, estudos e/ou projetos. Para isso, foram constituídos vários espaços de informação, debate e reflexão, com momentos diferenciados de participação e partilha, que se dividiram em comunicações orais, comunicações com demonstração, comunicações em poster, sessões práticas, uma conferência plenária, um painel e uma feira de ideias criativas, nos quais se procurou evidenciar a importância da criatividade em diferentes contextos educativos e em várias áreas de conhecimento. Esta compilação contém os textos integrais referentes a diferentes tipos de participações no encontro, nomeadamente comunicações orais, comunicações com demonstração e comunicações em poster, e também os resumos da conferência plenária e do painel. Os catorze artigos abrangem áreas diferenciadas e incidem sobre vários níveis de ensino. Por fim, salienta-se que os textos constantes desta publicação foram aceites após revisão científica. 4º CRIA 9 10 4º CRIA PAINEL 4º CRIA 11 12 4º CRIA A criatividade nas práticas de professores Moderadora: Teresa Pimentel Escola Secundária de Santa Maria Maior, Viana do Castelo Participantes: Conceição Cerqueira, Agrupamento de Escolas Monte da Ola, Viana do Castelo Sandra Pinheiro, Agrupamento de Escolas Frei João de Vila do Conde Hélia Pinto, Instituto Politécnico de Leiria Resumo. Neste painel pretende-se ouvir as vozes de professores no domínio da criatividade. As três professoras intervenientes, de diferentes níveis de ensino, vão apresentar-nos o seu trabalho e experiência. Embora centrando-se mais no domínio da Matemática procurar-se-á estabelecer pontes com outras áreas do saber. Haverá oportunidade para questões e debate de ideias. 4º CRIA 13 14 4º CRIA CONFERÊNCIA PLENÁRIA 4º CRIA 15 16 4º CRIA Jogo e Criatividade: como contribuir para crianças mais ativas, saudáveis e felizes Carlos Neto Faculdade de Motricidade Humana, Universidade de Lisboa, [email protected] Resumo. A investigação científica tem vindo a demonstrar que o comportamento lúdico durante os primeiros anos de vida tem muitas vantagens no desenvolvimento humano: na estruturação do cérebro e respetivos mecanismos neurais; na evolução da linguagem e literacia, na capacidade de adaptação física e motora; na estruturação cognitiva e resolução de problemas; nos processos de sociabilização e finalmente na construção da imagem de si próprio, capacidade criativa e controlo emocional. Neste sentido, aprender com o corpo em ação na sala de aula permitirá encontrar várias soluções pedagógicas que serão muito gratificantes para as culturas de infância e permitirão mais sucesso académico. Esta conferência permitirá analisar e refletir sobre a necessidade de uma redefinição dos modelos de uma pedagogia ativa e centrada nas necessidades das crianças e de uma nova postura dos professores quanto à definição do projeto educativo da sua escola. 4º CRIA 17 18 4º CRIA COMUNICAÇÕES ORAIS 4º CRIA 19 20 4º CRIA À descoberta da célula com textos de divulgação científica Maria Laura Oliveira1, Ana Sofia Afonso2 Universidade do Minho, [email protected] 2 Cied, Universidade do Minho, [email protected] 1 Resumo. Escrever textos nas aulas de ciências constitui um processo ainda pouco habitual, mas relevante na promoção da aprendizagem. Neste trabalho procura-se estimular a criatividade dos alunos na produção textual na área das ciências. A produção textual é um processo cognitivo complexo que requer, entre outros aspetos, que o indivíduo relembre e reestruture conceitos, coloque hipóteses, interprete, sintetize e confronte ideias. Neste trabalho, analisa-se a qualidade dos textos de divulgação científica produzidos por 6 grupos de alunos do 5º ano de escolaridade. Este processo ocorreu após a lecionação do conteúdo programático “A célula – unidade na constituição dos seres vivos”, a qual fez uso, entre outros recursos, da exploração de um texto de divulgação científica proveniente de uma revista de divulgação destinada ao público infantil e juvenil. Envolveu quatro momentos principais: 1) planificação do conteúdo do texto e organização da informação, tendo como guião um mapa de conceitos construído no final da lecionação do conteúdo programático supramencionado; 2) textualização apoiada por um guião com a estrutura textual de textos de divulgação científica para revistas; 3) auto revisão e revisão por pares dos textos produzidos, apoiadas por um guião de avaliação e 4) edição de um número de uma revista de divulgação com os textos produzidos. Os resultados obtidos apontam para a necessidade de desenvolver o espírito crítico dos alunos bem como de estimular a sua criatividade. Palavras-chave: textos de divulgação científica; ciências naturais; socioconstrutivismo; produção textual. Introdução Estudos internacionais como o TIMSS e o PISA (Ferreira, 2012; Ferreira, 2013) revelam a necessidade de melhorar o desempenho dos alunos portugueses na área das ciências. Esta necessidade é premente na sociedade atual marcada pela influência das ciências e da tecnologia nos modos de vida em sociedade (Magalhães & TenreiroVieira, 2006). Assim, torna-se imperativo dotar os cidadãos de competências que lhes permitam posicionar-se ativa e criticamente perante as mais variadas situações com que se deparam no seu dia-a-dia e que influenciam o rumo das suas vidas, quer sejam a nível cultural (ex.: conhecer as principais ideias históricas e modo como foram desenvolvidas); pessoal (ex.: enquanto pais, tomar decisões informadas sobre a criopreservação das células estaminais do cordão umbilical); social (ex.: compreender a relevância do estudo da célula no tratamento de doenças cancerígenas e na melhoria da 4º CRIA 21 qualidade de vida dos cidadãos afetados); económicos (ex.: compreender os custos da criopreservação de células estaminais). Assim, é necessário que a educação em ciências não se centre na aprendizagem de conteúdos, mas no desenvolvimento de competências chave que possam ser mobilizadas para a ação e que acompanhem a aceleração científica e tecnológica do mundo ocidental atual, nomeadamente: aprender a aprender; comunicar; exercer uma cidadania ativa; pensar criticamente; resolver situações problemáticas e gerir conflitos (Cachapuz, Sá-Chaves & Paixão, 2004). Vários recursos são disponibilizados aos cidadãos para que estes possam aprender ciências ao longo da vida, tais como os museus e centros interativos de ciência, televisão, rádio, internet, ou materiais impressos (ex.: livros e revistas de divulgação científica), sendo os textos de ciências em revistas de divulgação científica o enfoque deste trabalho. Compreender textos de divulgação científica (doravante TDC) publicados em revistas vai para além de saber os conteúdos científicos, pois requer que o leitor se encontre familiarizado, entre outros aspetos, com os géneros de texto usados e com o seu propósito. Globalmente estes textos recorrem a sequências textuais expositivas e descritivas (Ramos, Marques & Duarte, 2015) para comunicar com o leitor. Contudo, alguns destes textos podem ser classificados como de divulgação científica mediática, os quais se caracterizam por utilizar estratégias verbais e iconográficas, organizadas numa híper-estrutura, para cumprir dois objetivos ilocutórios: informar e explicar (fazer-saber e fazer-compreender); captar e manter a atenção do leitor (ibidem). Outros textos procuram informar o público sobre assuntos científicos, constituindo uma espécie de “janela” para o mundo da ciência (Mcclune & Jarman, 2010). A integração de TDC no contexto escolar constitui uma oportunidade de familiarizar os alunos com estes géneros de textos, ajudando-os a tornarem-se leitores críticos, favorecendo também o desenvolvimento de uma atitude positiva face à aprendizagem das ciências, pela atribuição de significado aos conteúdos explorados em sala de aula, dada a ligação existente entre este tipo de textos e a realidade social. Possibilitam ainda uma aprendizagem interdisciplinar, aliando as Ciências Naturais a outras áreas curriculares como Português e Matemática. Desta forma, a utilização de TDC nas aulas de Ciências Naturais permite interligar a área das ciências com a área das humanidades, contribuindo, assim, para a diminuição do fosso entre estas “duas culturas” (Snow, 1959). 22 4º CRIA A maioria dos trabalhos relacionados coma integração de TDC em sala de aula encontrados, provenientes de investigação brasileira no ensino das ciências, debruçamse sobre o ensino secundário e superior. Contudo, o estudo desenvolvido por Rocha (2012) com professores de ciências do ensino fundamental 1 permitiu concluir que a principal estratégia didática utilizada pelos docentes era a leitura de TDC em grupo seguida de produção de textos escritos ou imagéticos. Os dados obtidos revelaram que esta estratégia gera maior motivação nos alunos e promove a partilha e confronto de ideias e opiniões. Um outro estudo levado a cabo por Rosa e Terrazan (2002) analisou a eficácia da utilização de TDC no ensino das ciências com alunos da 4ª série do ensino fundamental2. Os dados obtidos permitiram constatar que a estratégia utilizada (leitura de um TDC seguida de produção escrita) contribuiu para a aprendizagem dos alunos a partir de temas atuais e próximos da realidade dos alunos. A produção textual é um processo cognitivo complexo que implica a ativação de vários processos cognitivos, designadamente organização de ideias, (re)construção e elaboração do conhecimento, sistematização e confronto de ideias (Carvalho, 2011). Pode ser realizada de forma individual ou em grupo. Contudo, a escrita colaborativa beneficia da troca de saberes entre pares e permite desenvolver competências de comunicação e pensamento crítico, através da argumentação, procura de alternativas, confronto de opiniões, tomada de decisões, entre outros (Barbeiro & Pereira, 2007). Esta estratégia de escrita pode ser posta em prática segundo diferentes modalidades: coescrita (escrever em conjunto); ou cooperação em componentes e momentos específicos (ibidem). Este trabalho desenvolve-se em torno do processo de escrita de TDC enquanto estratégia pedagógica no ensino das Ciências Naturais. Objetivos Este trabalho tem como objetivos: 1) Analisar o processo de produção textual de TDC pelos grupos de alunos; 2) Analisar a qualidade dos TDC produzidos. Metodologia O processo de produção textual O processo de produção textual, enquadrado numa perspetiva construtivista social, ocorreu no final da lecionação do conteúdo programático “A célula – unidade na 1 2 Equivalente aos anos de escolaridade compreendidos entre o 1º e o 3º Ciclo do Ensino Básico, em Portugal. Equivalente ao 5º ano de escolaridade em Portugal. 4º CRIA 23 constituição dos seres vivos” (2º ciclo) que culminou com a construção no grupo turma de um mapa de conceitos sobre os assuntos abordados. Este mapa incluía não só conceitos de ciência fundamental como também relações entre a ciência, a tecnologia e a sociedade. Ao longo da lecionação do tema os alunos foram familiarizados com TDC, nomeadamente: género de texto, linguagem e processos de produção. Para a produção textual foi proposto aos alunos que escrevessem um texto de divulgação científica com o intuito de ser publicado numa revista de divulgação (edição especial sobre a célula) com circulação no ambiente escolar. Este processo desenvolveu-se em sala de aula ao longo de três aulas: duas de 45 minutos e uma de 90 minutos. Uma vez apresentada a tarefa, o ciclo de escrita desenvolveu-se em pequenos grupos, tendo cada um estado envolvido em três grandes fases: 1) planificação – na fase de planificação foi pedido a cada grupo de alunos que, partindo do mapa de conceitos elaborado no final da lecionação do conteúdo programático “A célula – unidade na constituição dos seres vivos”, escolhessem o assunto sobre o qual se iria focar o texto e quais os conteúdos científicos, tecnológicos, e/ou que interações entre a ciência, a tecnologia e a sociedade a abordar, sequenciandoos pela ordem com que iriam surgir no texto. Esta fase foi apoiada por um guião. 2) textualização – na fase de textualização foi entregue a cada grupo de alunos um esquema da estrutura do TDC, explicitando os elementos principais a incluir em cada parte, designadamente: 1) título, o qual deveria conter palavras-chaves do artigo, ser curto e expressivo para chamar a atenção do leitor; 2) introdução, resumida a um parágrafo inicial, o qual deveria exprimir a relevância do assunto do texto para o leitor e motivá-lo para a leitura 3) desenvolvimento, o qual deveria explanar o assunto do texto e relacionando-o com a ilustração que o acompanha; 4) conclusão, a qual deveria resumir o conteúdo do texto. 3) revisão – a revisão textual dividiu-se em duas etapas: autoavaliação, seguida de uma avaliação cega pelos pares. A autoavaliação realizada pelos autores do texto produzido incidiu sobre os aspetos: qualidade científica e interesse do conteúdo dos textos; género do texto e estrutura; correção linguística; estrutura do texto (ex.: clareza e organização das ideias). Esta avaliação ocorreu alguns dias após a escrita do texto e fundamenta-se na necessidade de uma visão distanciada do texto escrito que só é alcançável por distanciamento temporal dos autores do texto com o mesmo (Barbeiro & 24 4º CRIA Pereira, 2007). A revisão por pares é importante na medida em que, dada a proximidade existente entre o autor e o texto escrito, este perde a capacidade de o analisar de forma não subjetiva. Na avaliação dos textos pelos pares, procedeu-se à troca dos textos produzidos entre grupos, sem identificação dos autores de modo a garantir uma análise imparcial, e pediu-se a cada grupo de alunos para efetuarem a avaliação do texto que lhes foi atribuído com o auxílio de um guia de revisão. Este guião semiestruturado apresentava um conjunto de itens de análise (ex.: respeito pelas características do género textual; estilo de escrita capaz de cativar o leitor; respeito pelo tema proposto; inclusão de ideias relevantes, interessantes e cientificamente adequadas sobre a célula; pertinência e qualidade científica da ilustração; relação entre a ilustração e o texto escrito; e algumas questões abertas relacionadas com a apreciação global do texto produzido e sugestões de melhoria. Estas avaliações foram enviadas aos autores dos textos pedindo-lhes que as comentassem e, se concordassem, introduzissem as sugestões dadas. Participantes O presente trabalho foi desenvolvido com 22 alunos do 5º ano de escolaridade, com idades compreendidas entre os 10 e os 13 anos de idade. Estes alunos apresentavam características heterogéneas a nível cognitivo. Assim, participaram alunos avaliados nas disciplinas de Ciências Naturais e Português desde o nível qualitativo “não satisfaz” até alunos classificados no nível “excelente”. Para a produção textual dos textos, os alunos foram divididos em seis grupos heterogéneos (a nível cognitivo) de 4 a 5 elementos cada. Recolha e análise de dados O corpus de análise é constituído por 6 guiões de planificação, 6 guiões de textualização, 6 guiões de avaliação por pares e por 6 textos produzidos por 6 grupos de alunos. A análise de dados consistiu na aplicação da técnica de análise de conteúdo, tendo-se formado categorias à posteriori. Resultados e discussão A análise dos dados permite constatar que a extensão dos textos produzidos é variável entre os grupos (entre 62 e 222 palavras), não tanto pelo nível de desenvolvimento das ideias apresentadas, mas pela diversidade de conteúdos incluídos. Constata-se ainda que para a elaboração dos textos, os alunos nem sempre respeitaram a planificação do texto efetuada: em dois textos ocorreu a ausência de conteúdos previamente planificados e em 4º CRIA 25 outros dois a inclusão de novos conteúdos (Quadro 1). Estes novos conteúdos estão, na sua maioria, relacionados com factos sobre a célula que vão para além do programa, nomeadamente a teoria celular ou referência a células estaminais: “Em 1837, Matthias Jakob Schleiden e Theodor Schwann desenvolveram a teoria celular que indica que todos os organismos vivos são compostos por uma ou então mais células e que todas as células vêm de células preexistentes” (G4) “Um tipo de células animais são as células estaminais e são elas que formam todas as outras células do nosso corpo” (G5). Quadro 1. Comparação entre a informação planificada e aquela textualizada G1 G2 Ausência de alguns conteúdos planificados e acréscimo de outros G4 G5 Ausência de alguns conteúdos planificados Acréscimo de conteúdos aos planificados G3 G6 No que se refere aos assuntos do programa inseridos nos textos, constata-se que todos os textos descrevem os “tipos de células” e as “estruturas das células”; muitos apresentam uma definição de célula (4) e poucos fazem referência aos níveis de organização biológica (2) e aos seres unicelulares e pluricelulares (1) (Quadro 2). A informação incluída sobre cada um destes aspetos é semelhante em todos os textos. Assim, a célula é considerada a “unidade básica na constituição” de todos os seres vivos (G3, G2), sendo mencionado em alguns textos que a célula é a “unidade básica dos seres vivos” em termos “estruturais” e funcionais” (G1, G4). Quanto à estrutura das células, os textos mencionam o núcleo, o citoplasma e a membrana celular como constituintes de todas as células, sendo acrescentada a “parede celular” (G2, G3, G4, G5, G6) como um elemento da estrutura das células vegetais, como se constata no seguinte excerto: “Assim, as células animais e vegetais são constituídas por: membrana celular, citoplasma, núcleo e outras estruturas. As células das plantas (células vegetais) estão rodeadas por uma parede celular” (G6) 26 4º CRIA Quadro 2. Conteúdos textualizados e contemplados no programa de Ciências Naturais para o 5º ano de escolaridade G1 G2 G3 G4 G5 G6 Definição de célula Tipos de células Estrutura das células Dimensão da célula Fundamentos sobre a célula Marcos históricos Seres unicelulares e seres pluricelulares Níveis de organização biológica Contributos da evolução da microscopia na descoberta da célula Cientista responsável pela descoberta da célula Para além dos fundamentos sobre a célula, três textos fazem referência a marcos históricos no estudo da célula: em dois dos textos é possível constatar a relação entre a ciência e a tecnologia, pondo em evidência o contributo do microscópio e seu aperfeiçoamento para a descoberta da célula: “Com a evolução do poder de ampliação e de resolução do microscópio, foi possível descobrir o mundo microscópico da célula” (G1); “A dimensão da grande maioria das células é muito reduzida, por isso, a sua descoberta só foi possível quando se inventou o microscópio que é um instrumento de ampliação (...)” (G2). No texto do G2 e também noutro texto, é mencionado Robert Hooke como o cientista responsável pela descoberta da célula: “(...) tendo sido pela primeira vez observada por Robert Hooke, em 1665, quando observava cortiça ao microscópio” (G2); “A célula foi descoberta por Robert Hooke em 1665” (G4). Todos os textos são acompanhados por ilustrações, sendo a maioria (5) elaboradas pelos próprios alunos. Estas ilustrações são mencionadas no texto e representam a estrutura de células animais e vegetais. Em todos os grupos as ilustrações são identificadas enquanto célula animal ou vegetal e acompanhadas por uma legenda: 4º CRIA 27 “Existem células vegetais e animais (...) As células vegetais e animais são constituídas pelo núcleo, citoplasma e membrana celular. As células vegetais possuem ainda parede celular. A estrutura destes dois tipos de células encontra-se nas imagens abaixo” (G5) Figura 1: Representações da célula animal e vegetal ilustradas pelo G5. Existe um desfasamento entre as ilustrações apresentadas e o texto escrito, na medida em que são incluídas mais estruturas nas células ilustradas do que aquelas descritas no texto. Estas estruturas (mitocôndrias, complexo de golgi, cloroplastos, etc.) foram observadas e mencionadas em sala de aula aquando da observação de células animais e vegetais em microscópios com poder de ampliação superior ao microscópio ótico composto. Estas estruturas são legendadas como “outras estruturas” ou “organelos” (3) (Quadro 3). Quadro 3. Análise das ilustrações dos textos produzidos pelos grupos de alunos G1 G2 G3 G4 G5 G6 Complementam o texto Explicadas no texto Elaboradas pelos alunos Retiradas da web Quanto à qualidade científica das ilustrações constatou-se que três ilustrações representam corretamente os vários organelos celulares presentes nas células animais e vegetais (G1, G2 e G5) e as restantes três apresentam incorreções (G3, G4 e G6). As incorreções observadas prendem-se com a incorreta identificação do citoplasma (G4), da parede celular (G6) e com a incorreta representação e identificação da membrana celular (G3). 28 4º CRIA A análise dos guiões de revisão permitiu constatar ausência de espírito crítico uma vez que nenhum dos grupos de alunos analisou criticamente os textos produzidos pelos seus pares e/ou sugeriu possíveis alterações para melhoramento dos textos. Assim, todos assinalaram a qualidade dos textos em todos os parâmetros em análise, isto é, cativar o leitor para a leitura, respeitar as características do género textual, incluir ideias relevantes, interessantes e cientificamente adequadas sobre a célula, pertinência e qualidade científica da ilustração; relação entre a ilustração e o texto escrito. Conclusão O estudo parece indicar que embora os alunos se tenham envolvido na tarefa de construção de textos de divulgação científica, os textos elaborados tratam conteúdos semelhantes e ilustram os mesmos tipos de células e estruturas. Embora os alunos tenham estudado vários tipos de células e as relações entre a biologia celular, a tecnologia e a sociedade, nenhum grupo focou o seu texto numa célula específica, antes apresentou apenas ideias gerais sobre a célula; episódios históricos ou contemporâneos relacionados com o desenvolvimento do conhecimento científico ou temas sociocientíficos sobre o estudo da célula. Assim, não foram criativos na escolha de um tema que pudesse cativar o leitor, cingindo-se aos princípios básicos sobre a célula. Tal poderá refletir a pouca familiaridade dos alunos com o tema, o qual foi abordado pela primeira vez com um enfoque no manual escolar para procurar informação. Também ao nível das ilustrações se verificam incorreções que revelam a incompreensão da localização e representação de determinadas estruturas celulares, apesar de terem sido observadas e representadas várias vezes em sala de aula pelos alunos. A função das ilustrações também necessita de ser trabalhada com os alunos dado que existe algum desfasamento entre as ilustrações apresentadas e a informação apresentada no texto. Contudo, os dados obtidos apontam para um contributo positivo deste recurso para a aprendizagem das ciências, tal como referido por Rosa e Terrazzan (2002). As variações verificadas no conteúdo entre a fase de planificação e de textualização manifestam o caráter dinâmico do processo de produção textual e transparecem a dificuldade inerente a este processo, uma vez que exige a tomada de decisões e a reflexão sobre o que é relevante e acessório de acordo com a função que o texto irá desempenhar, reforçando o referido por Carvalho (2011). Apesar do aluno tomar decisões aquando do momento de planificação acerca do conteúdo do texto pode, durante a escrita propriamente dita, modificar esse seu plano inicial, retirando ou 4º CRIA 29 acrescentando conteúdo. Esta dinâmica relaciona-se com o desenvolvimento da capacidade de gerar e gerir diferentes possibilidades para a construção do texto. As dificuldades de autoavaliação e de revisão dos textos pelos pares sugere a necessidade de se desenvolver nos alunos a capacidade e atitudes de espírito crítico, as quais são essenciais quando os alunos se deparam com textos de revistas científicas cuja produção é condicionada por fatores ideológicos e de mercado. Referências bibliográficas Barbeiro, L. F. & Pereira, L. A. (2007). O Ensino da Escrita: A Dimensão Textual. Lisboa: Ministério da Educação - Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular. Acedido em julho 9, 2016, em http://area.dge.mec.pt/gramatica/ensino_escrita_dimensao_textual.pdf Carvalho, J. A. B. (2011). Escrever para aprender. Contributo para a caracterização do contexto português. Revista Interacções, 7 (19), 219-237. Acedido em maio 24, 2016, em https://cld.pt/dl/download/a9ef75d3-cc14-48f2-a8958a33384efd80/ESCREVER%20PARA%20APRENDER.pdf Cachapuz, A.; Sá-Chaves, I.; Paixão, F. (2004). Saberes Básicos de todos os Cidadãos no Século XXI. Lisboa: Conselho Nacional de Educação (CNE). Ferreira, A. S. (Coord.); Grupo de Projeto para a Avaliação Internacional de Alunos (ProjAVI); Gonçalves, C.; Lourenço, V. & Araújo, A. (2012). TIMSS 2011- Principais Resultados em Ciências. Lisboa: ProjAVI Grupo de Projeto para a Avaliação Internacional de Alunos. Acedido em maio 14, 2016, em http://www.dgeec.mec.pt/np4/246/%7B$clientServletPath%7D/?newsId=371&fileName= TIMSS2011_PrincipaisResultados_Ciencias.pdf Magalhães, S. I. R. & Tenreiro-Vieira, C. (2006). Educação em Ciências para uma articulação Ciência, Tecnologia, Sociedade e Pensamento crítico. Um programa de formação de professores. 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O presente trabalho pretende explorar, do ponto de vista teórico, a importância da educação artística e cinematográfica e a necessidade da sua introdução curricular, de forma integradora e criativa. Pretende-se, mais que espelhar as perspetivas estudadas no âmbito do currículo, incluindo a influência da didática sobre a temática, relacionar os contributos da Filosofia da Arte (e da própria Arte), para que seja possível compreender, de uma forma mais holística, a importância da educação cinematográfica no contexto curricular. Face ao exposto o trabalho incidirá em: i) breve sustentação teóricafilosófica da inclusão da educação cinematográfica em contexto escolar, com especial ênfase no 1.º Ciclo do Ensino Básico; ii) proposta de uma estratégia criativas e específica, no âmbito da educação cinematográfica, para o nível de ensino já referido. Palavras-chave: Integração Curricular; Cinema; Educação Cinematográfica; 1.º Ciclo do Ensino Básico; Trabalho de Projeto 1. O Currículo: das dimensões teóricas às implicações práticas Assume-se que o currículo se tornou a base da definição da existência escolar (Roldão, 1999; Pacheco, 2001), ao estruturar os conteúdos culturais a trabalhar e as componentes pedagógicas e didáticas, revelando o fator social inerente à escola (Diogo, 2010). Todavia, apesar do termo currículo ser utilizado com regularidade no contexto educacional, ainda não é possível estabelecer consensos sobre a definição de currículo (Young, 2014), uma vez que o conceito de currículo é passível de inúmeras perceções e perspetivas (Roldão, 1999). Leite (2001) considera que não faz sentido continuar-se a conceber o currículo como uma mera súmula de conteúdos a explorar. A visão de um currículo meramente prescritivo, relaciona-se com uma visão de escola (e de sociedade, implicitamente) que promove o funcionamento diretivo, impessoal e uniforme, em que o foco da decisão é, impreterivelmente, um gestor central (Morgado, 2014; Roldão, 1999), podendo ser instrumentalizado de forma a promover a imposição e afirmação da racionalidade 4º CRIA 33 administrativa (Morgado, 2014). De acordo com Pacheco (2009), essa perspetiva acompanha a instituição escolar desde a sua génese, e reforça a ideia de currículo ao serviço da instrução, implicitamente associado à transmissão de conhecimento como processo educativo primordial. Este tipo de perspetiva tende a focar o processo de ensino e de aprendizagem em elementos mais tradicionais, como: saberes a serem transmitidos/ensinados; planeamento; objetivos; métodos; avaliação (Martins, 2014). De acordo com Leite (2001), o currículo compreende, implicitamente, tudo o que é desenvolvido e aprendido no contexto escolar. Pacheco (2001), numa perspetiva homóloga, reconhece a existência de diferentes fases do currículo, evidenciando diferenças entre aquilo que é indicado pela tutela (currículo prescrito) e aquilo que é aprendido pelos estudantes (currículo real). Por sua vez, Roldão (2010) recorda a importância da decisão curricular local, por forma a que se consiga incorporar nos projetos próprios de cada escola, promovendo o sucesso . De acordo com esta perspetiva, compete ao professor, tomando em consideração as necessidades próprias dos seus estudantes o currículo prescrito, decidir sobre o modo e o que os alunos desenvolvem aprendizagens em contexto de sala de aula (Diogo, 2010). Assim, o currículo inclui, inevitavelmente, um processo de interpretação (Zabalza, 2000) e construção curricular (Mesquita, Formosinho, & Machado, 2012), em que o professor se assume como responsável pelo projeto curricular e gestão das suas abordagens pedagógicas (Zabalza, 2000). Neste sentido, reconhece-se que currículo implica um continuum de tomada de decisões de diferentes agentes educativos, em diversos níveis e contextos (Pacheco & Paraskeva, 1999), em que o currículo é encarado como um processo dinâmico (Diogo, 2010), como um projeto (Alonso, 2002a; 2002b; Martins, 2014), para que se consiga adequar ao contexto e aos estudantes em específico (Dinis & Roldão, 2004; Leite, 2000; 2012), fazendo com que o processo educativo possibilite a formação integral de indivíduos completos (Alonso, 2002a; Roldão, 1999). É através deste processo que se incorporam as diferentes dimensões de formação, promovendo a articulação entre o saber, o ser, o conviver, o formar-se, o transformar-se, decidir e intervir (Leite, 2001). Este facto torna-se especialmente relevante quando se considera a características específicas no 1.º Ciclo do Ensino Básico: organização em áreas interdisciplinares e regime de monodocência (Dinis & Roldão, 2004). Atualmente a matriz curricular, nesta 34 4º CRIA etapa de ensino, organiza-se de acordo com quatro componentes curriculares distintas: Português; Matemática; Estudo do Meio; Expressões Artísticas e Físico-Motoras (e o Inglês, a partir do 3.º ano). Recorde-se, porém, que de acordo com Alonso (2002b), mesmo no 1.0 ciclo do ensino básico, em que o(a) professor(a) tem nas suas mãos a possibilidade de uma gestão integrada do currículo, esta fragmentação persiste na forma desarticulada e descontextualizada de trabalhar as diferentes áreas, sem um sentido e finalidade comum, e na hierarquia do conhecimento que se estabelece no currículo, dando prioridade às chamadas áreas académicas em detrimento das áreas artísticas, tecnológicas e motoras, limitando a formação global dos alunos (p.63). Num outro estudo, Mesquita, Formosinho e Machado (2012), revelam que os professores reconhecem alguns aspetos que se apresentam como inibidores para o desenvolvimento de um currículo integrado neste ciclo de estudo, como a organização curricular em disciplinas e falta de formação. Todavia, estes professores, tendo em ponderação a monodocência, reconhecem possibilidade de gerirem o currículo no 1.º Ciclo do Ensino Básico. De acordo com Martins (2014), os professores são, por referência, os principais agentes de orientação do processo de ensino de aprendizagem. Porém, tal como é referido por Roldão (2010), o sistema educativo português tem perpetuado um sistema curricular de carácter diretivo e decidido pela tutela. Em concomitância com o que é referido por Alonso (2002b), mesmo no 1.º Ciclo do Ensino Básico, em que se procura um trabalho pedagógico de cariz globalizante, perpetuam-se um conjunto vasto de práticas que inviabilizam esse trabalho. Entre os motivos identificados pelo autor, salientam-se três: i) manutenção de uma perspetiva balcanizada e estática da realidade e do processo educativo; ii) desequilíbrio curricular, em que há uma maior valorização das áreas científicas e culturais em detrimentos das áreas artísticas, tecnológicas e do desenvolvimento pessoal; iii) inflexibilidade curricular, uma vez que a própria estrutura curricular, tendencialmente disciplinar, promove o ensino estandardizado, estanque e balcanizado. Face a este panorama, evidencia-se a dificuldade de construção de espaços de autonomia por parte do professor. Mas, tal como é referido por Roldão (1999) e Leite (2001), é através do processo de Gestão/Flexibilização Curricular que o docente, ao responsabilizar-se, e ao responder socialmente por essas decisões, tem possibilidade de 4º CRIA 35 se afirmar como um profissional intelectual e autónomo. Este processo incorpora e articula a realidade local, por forma a dar sentido ao processo educativo, com o estudo reflexivo do currículo definido a nível nacional (Leite, 2001). Este tipo de abordagem pedagógica possibilita que os diferentes conteúdos abordados em contexto escolar se desenvolvam tendo em consideração o contexto e a sua relação com o que é desenvolvido em aula, possibilitando uma abordagem pedagógica que promova a integração curricular (Alonso, 2002a; Mesquita, Formosinho, & Machado, 2012). Como é defendido por Pacheco e Paraskeva (1999), o professor assume-se como um agente preponderante neste âmbito, uma vez que compete aos docentes interpretar e refletir sobre os diferentes textos curriculares para tomar decisões sobre a sua prática pedagógica. Nas palavras dos autores, prática «exige que cada professor tenha de refletir, de modo crítico, sobre o impacto que o currículo efetivamente tem sobre os alunos» (p.11). Esta perspetiva assenta na relação, referida por Martins (2014), entre a gestão flexível do currículo e possibilidade de cada professor decidir autonomamente sobre a sua prática pedagógica. Neste âmbito, a gestão do currículo cruza-se, implicitamente, com a autonomia (relativa) do professor, e com aquilo que considera mais relevante para os seus estudantes.. Como é defendido por Alonso (2002a) e Mesquita, Formosinho e Machado (2012), reconhece-se a possibilidade e importância do professor, principalmente nas primeiras etapas escolares, promover e implementar uma perspetiva integradora da gestão curricular, possibilitando que os alunos tenham acesso a “um currículo relevante e significativo para a sua formação integral, enquanto indivíduos e cidadãos” (Alonso, 2002a, p. 71). 2. Arte, cinema e pensamento A realização de um projeto de cinema pode, no contexto de ensino, ser bastante pertinente numa perspetiva artística, criativa e filosófica, capaz de se integrar no currículo e nas suas vertentes disciplinares e sociais. A importância do cinema encontrase, mais do que nos processos técnicos, na sua qualidade de percepto (Deleuze, 2009), com o potencial de se moldar conforme uma simbiose entre perceção e pensamento que revertem para a sua própria forma, e pela capacidade de abordagem de toda uma variedade temática, potencialmente integrada curricularmente no ensino. Entende-se que estes princípios devem proporcionar uma constante análise criativa não só dos 36 4º CRIA temas abordados nos projetos, como também do próprio significado da palavra criatividade em função tanto dos processos de realização de uma curta-metragem, como das diferentes personalidades e contextos de cada aluno. É impossível falar de cinema e de arte sem se falar de estética. Uma estética, não como padronização do belo, mas como problematização crítica da própria definição artística e criativa. Para Sousa Dias (2016), «não há arte, não há criação estética, sem esse sentimento de falta, de uma ausência, e na necessidade de uma comunidade em potência de vinda» (p.11). Neste aspeto, a ausência é encarada como uma necessidade de sentido existencial pessoal e coletivo, e que parte do princípio que a realidade não é um dado, mas uma construção e atualização da perceção e do pensamento. Neste sentido, criar dirige-se sempre para o futuro, como «criação de possibilidades, relançamento dos possíveis» (p. 11), possibilidades de sentido constantemente atualizadas e problematizadas. Assume-se, que criação e criatividade são transversais a todas as práticas. Releva-se, assim, por inspiração de Guattari (2000), um paradigma ético-estético, tendo em conta a importância simbiótica que a arte e a filosofia podem ter no pensamento político e social, assim como no crescimento intelectual e existencial individual tanto de estudantes como de professores. Recorda-se que já Freire (1967) referiu a importância de uma educação dialogal e ativa, voltada para a responsabilidade social e política, que se caracteriza pela profundidade na interpretação dos problemas. Em concordância com esta perspetiva, e segundo Beuys (2011), «cada homem um artista», no sentido em que a criatividade é uma parte importante do sentido existencial do ser humano, individual e coletivamente. Insiste-se numa visão de arte que aponta para o futuro mais do que naquilo que já é dado, que se baseia na «criação de possibilidades, de mundos possíveis» (Sousa Dias, 2016, p. 11), que participe na construção de realidades individuais e coletivas. É preciso explorar ainda um outro aspeto: a Imagem. Considera-se que a Imagem como conceito é o elemento central do cinema e transversal a toda a arte, e todos os campos de estudo, através do seu enquadramento fenomenológico e ontológico. Rancière (2011) questiona pertinentemente se será mesmo uma realidade simples e unívoca aquilo que nos falam? Não existiram, sob essa mesma designação – “Imagem” – diversas funções cujo ajustamento problemático constitui, precisamente o trabalho da arte? (...) já não existe realidade mas unicamente 4º CRIA 37 imagens, ou, inversamente, já não há imagens mas tão-só uma realidade que incessantemente se representa a si própria? (p. 7). Uma resposta seria impossível, principalmente numa era dominada pelo entretenimento e pela publicidade visual, nos quais o verdadeiro valor de uma imagem se dissipa. Para John Berger (2015), “uma imagem é uma visão recriada ou reproduzida. Um conjunto de aparências que foi separado do lugar e do tempo em que apareceram pela primeira vez, e que implica modos de ver sempre diferentes” (p. 9). Numa perspetiva complementar, Rancière (2011) considera que a imagem remete para o outro, enquanto que o visual remete para si próprio Esta definição implica uma rede de significados que se alarga não apenas à reprodução fotográfica e cinematográfica, ou à pintura e escultura, mas também ao próprio pensamento e à forma como o ser humano interpreta o mundo e o seu próprio sentido de ser. Será possível uma orientação não limitada por estas “imagens” objetivas? Para Sousa Dias (2016), torna-se necessário neste contexto recusar a instituição de imagens dadas como absolutas, e questioná-las num movimento imanente auto-afirmativo e autodiferenciante (..) ou de superação de limiares irredutível à sua organização em formas orgânicas e às subjectividades constituídas, à vida biológica e à vida psíquica (p. 15). A realização de um filme torna-se muito pertinente como um modo de problematizar os temas e as realidades ditas como imagens partindo da relação que o cinema estabelece entre elas e assume a sua modulação visual e temporal. Esta modulação pode adaptar-se a processos de pensamento que estando para além da racionalidade das palavras, se encontra instalados nos processos perceptivos. Segundo a perspetiva de Deleuze (2015), é possível aliar o cinema à filosofia, acreditando-se que os conceitos filosóficos podem ultrapassar a realidade e serem, entendidos de uma forma sensitiva, assim como os processos formais cinematográficos se podem atualizar em conceitos filosóficos. O autor defende a necessidade de “unir o cinema à realidade íntima do cérebro, mas essa realidade íntima não é o Todo, é pelo contrário, uma fenda” (p. 263). O Todo é, para o filósofo, aberto, indeterminado, e em constante mutação e criação. O cinema e a videoarte baseiam-se na relação e nos intervalos entre as imagens, explorando as suas temporalidades através da montagem. A videoarte surge como «um 38 4º CRIA meio ímpar de quebra com convenções de tempo dominantes, aceleração notável e linearidade temporal” (Ross, 2006, p. 83) muito utilizada como forma de exploração e problematização de temporalidades ou noções de tempo da sociedade capitalista. A montagem, como estabelecimento de relações entre a imagens, tem um papel crucial na desconstrução do significado e dos processos percetivos do filme. Diz-se relação entre imagens, centrada nos seus intervalos e não nas ligações, visto que “as imagens não dão tudo a ver; elas conseguem mostrar as ausências a partir do nem tudo a ver que elas nos propõem constantemente” (Didi-Huberman, 2012, p. 160), ausências essas que estão no centro de problematização e do pensamento. A grande importância de um projeto de realização cinematográfica está na forma como se podem compreender as relações das imagens, para além do seu conteúdo, podendo ainda transversalizar esse pensamento adquirido para as várias áreas de uma sociedade mediatizada, e desse modo obter uma visão cada vez mais consistente e heterogénea do mundo e de todas as possibilidades que precisam de ser atualizadas. Esta perspetiva assenta no facto de considerar-se que a montagem só é válida quando não se apressa a concluir ou a enclausurar: quando abre e complexifica a nossa apreensão da história, e não quando esquematiza abusivamente. Quando nos permite aceder às singularidades do tempo e, por conseguinte, à sua multiplicidade essencial (Didi-Huberman, 2012, p. 156). Para além da importante problematização do funcionamento e do estatuto das imagens como forma de sentido social, um projeto de realização de uma curta-metragem surge também como uma prática interativa transversal às várias disciplinas curriculares, e como forma de trabalhar autonomia, num projeto que terá várias fases, como será explicado de seguida. 3. Proposta Didática: Educação Cinematográfica como um Projeto A presente proposta incide em introduzir o pensamento transversal através do cinema, de uma forma que não choque superficialmente com a realidade de cada criança. Lidar com os intervalos e com os vazios inerentes à imagem e, por conseguinte, à maneira como o mundo humano é concebido. Mais do que a simples apresentação de referências de cinema, é a prática do pensamento da montagem e do tempo que se pretende desenvolver, com foco no processo filosófico/cinematográfico. De acordo com o que foi abordado as secções anteriores, e em concordância com outros trabalhos (Fantin, 2006; 2007; Leite, 2012), identifica-se que a educação 4º CRIA 39 cinematográfica potencia o desenvolvimento de elementos essenciais para a formação integral das crianças e jovens, como o pensamento crítico e reflexivo, a consciência ética e estética, a apropriação e alargamento cultural, entre outros. No presente trabalho, propõe-se a abordagem desta temática de forma integrada com as restantes áreas curriculares, recorrendo à metodologia de projeto. Como tem sido aludido por diferentes autores (Mateus, 2011; Rangel & Gonçalves, 2011), e o trabalho de projeto é uma opção pedagógica que visa possibilitar uma maior relação entre os aspetos teóricos e os aspetos práticos de como é aprendido, tendo especial impacto no processo de aprendizagem no 1.º Ciclo do Ensino Básico. Mateus (2011) condissera que a metodologia de projeto, no 1.º Ciclo do Ensino básico possibilita a «convergência de diferentes áreas do saber» promovendo uma «visão mais flexível e unificadora do pensamento, a partir de diferentes pontos de vista» (p.15). Esta perspetiva e resultados vão ao encontro do que é preconizado no âmbito da integração curricular (Alonso, 2002a; Kysilka, 1998). Assume-se, neste sentido, que o currículo deverá possibilitar momentos de aprendizagem genuínos, relacionando-os com os interesses e necessidade dos alunos e com uma perspetiva holística do conhecimento, uma vez que este se realiza no contacto com a realidade. A metodologia propicia, ainda, o desenvolvimento do pensamento porque professor trabalha em cooperação com os estudantes, as crianças tem possibilidade de refletir sobre o que pensam e como pensam (Kysilka, 1998). O trabalho de projeto deverá possibilitar uma abordagem inter/transdisciplinar (Mateus, 2011), integrando aprendizagens académicas, sociais e/ou culturais (Rangel & Gonçalves, 2011). A metodologia de trabalho de projeto caracteriza-se assim, por se desenvolver de forma aberta e ampla, na qual que se valoriza o processo e que através deste trabalho se constroem novos conhecimentos de forma ativa e na prática real e contextualizada (Mateus, 2011). Face ao que foi sumariamente apresentado, propõe-se que, no contexto de uma turma do 1.º Ciclo do Ensino Básico, se desenvolve, em moldes idênticos ao trabalho de projeto, a construção e realização de uma curta-metragem. É através do processo de realização da curta metragem que as diferentes áreas curriculares se integram e agregam de forma coerente e coesa. 40 4º CRIA Referências Cinematográficas Objetivos da etapa: Aproximar os estudantes ao cinema; Discutir sobre diversas curtasmetragens Áreas curriculares: Português; Estudo do Meio – Ciências Humanas e Sociais; Expressão Plástica. A visualização de filmes e curtas-metragens deve desenvolver-se de forma transversal ao processo de realização da curta-metragem. Através da visualização de curtasmetragens pretende-se que os estudantes se familiarizem com diferentes géneros cinematográficos e possam refletir e discutir sobre os componentes conceitos base inerentes ao cinema, aludidos no na secção 2. Através desta visualização, pretende-se que as crianças consigam desenvolver o seu sentido estético para que o sejam capazes integrar no processo criativo, e construir noções que lhes possibilitem realizar uma curta-metragem no seu todo. Conceção Objetivos da etapa: Discutir tema; Definir perspetiva geral da curta-metragem; definição/construção da história base (narrativa ou não narrativa) Áreas curriculares: Português; Estudo do Meio – Ciências Humanas e Sociais. Esta etapa consiste na decisão temática, na forma como será abordado o tema escolhido e na definição/construção da história base (narrativa ou não narrativa) para a curtametragem. Para tal, propõe-se uma discussão inicial em que o grupo, com a orientação do docente, irá explorar a importância do tema e o modo como este poderá ser trabalhado. Aconselha-se, tendo em conta o que foi explorado anteriormente, que o professor conduza a discussão de forma a que se escolha temas socialmente relevantes. Com o intuito de promover a discussão propõe-se que o docente, de forma imparcial, estabeleça um conjunto de questões que problematizem o tema escolhido e processo a ser utilizado: Qual a importância deste na escola/sociedade? Qual é o posicionamento dos estudantes face a este tema? Podem existir outras perspetivas não equacionadas? Que perspetiva se vai tomar para o projeto, ou de que forma se poderá desenvolver o projeto sem recusar nenhuma perspetiva? 4º CRIA 41 Que modelo terá a curta-metragem (cómico, dramático, narrativo ou não narrativo...)? Qual história e de que forma ela sustentará a curta-metragem? Planificação Objetivos da etapa: Escrever argumento; Planificar gravações; Atribuir tarefas. Áreas curriculares: Português; Estudo do Meio – Ciências Humanas e Sociais. Após a definição da história base os alunos, com a orientação do docente, discutem e elaboram o argumento que sustentará a curta-metragem. Com base no argumento construído pelos estudantes será possível definir-se de que forma as gravações decorrerão. Nesta fase será necessário explicitar-se quando, como e onde os alunos poderão gravar cada cena do argumento, bem como que materiais necessitarão, e de que forma os estudantes se deverão organizar mediantes com as funções necessárias ao desenrolar do projeto. As funções de cada estudante podem variar de acordo com os diferentes momentos da gravação. Produção Objetivos da etapa: Providenciar locais, materiais e recursos necessários para a filmagem. Áreas curriculares: Português; Matemática; Estudo do Meio – Ciências Humanas e Sociais; Expressão Plástica; Educação Tecnológica. Na fase de produção os alunos devem organizar-se por forma a ser possível: Adquirir ou construir os materiais necessários para as gravações; Escolher ou fazer as roupas e acessórios para os atores, caso os haja. Adquirir câmaras, gravadores e demais recursos. Escrever os pedidos de autorizações ou requerimentos. Elaborar o orçamento. Ainda cada criança possa ter uma função específica para cada uma das tarefas mencionadas, será relevante que a discussão e reflexão sobre a pertinência de cada um dos materiais ou recursos seja realizada em conjunto. 42 4º CRIA Ensaios e gravação Objetivos da etapa: Ensaiar; Gravar as diferentes cenas. Áreas curriculares: Português; Expressão Plástica; Expressão Dramática; Educação Tecnológica; Neste momento do projeto, os estudantes procederão, com o apoio do professor, aos ensaios das diferentes cenas definidas no argumento e à sua posterior gravação. Insistese que o professor medeie o grupo de modo a que todos os estudantes reconheçam e contactem com todas as funções inerentes à realização do filme promovendo o trabalho colaborativo. Montagem/Edição Objetivos da Etapa: Montar os vídeos gravados; Discutir a pertinência e sequência da montagem. Áreas curriculares: Matemática; Estudo do Meio - Ciências Humanas e Sociais; Expressão Plástica; Educação Tecnológica. A montagem é o momento final da realização do filme. Inicialmente projetam-se os vídeos gravados, para que os estudantes tenham a oportunidade de selecionar os mais pertinentes para a sua integração na curta-metragem. Durante este processo, o professor deve promover a reflexão e a discussão sobre o que está a ser visualizado. A montagem proceder-se-á de acordo com a sequencialidade e temporalidade discutidas pelos alunos durante todo este processo. Visualização do projeto final e discussão Objetivos da etapa: Visualizar o filme; Integrar a comunidade educativa na prática pedagógica. Este momento deve marcar o final do projeto e integrar, por um lado, a apresentação, por parte dos alunos, do trabalho desenvolvido à comunidade educativa, promovendo o processo de visualização da curta-metragem. Por outro lado, servir de discussão e reflexão do resultado final, mas também todo o processo de construção. Essa discussão englobará duas vertentes, a primeira relacionada com as temáticas em questão e a segunda, com próprio processo de ensino e de aprendizagem. 4º CRIA 43 4. Notas finais A proposta apresentada insere o cinema como prática artística, criativa e filosófica, capaz de se integrar no currículo e nas suas vertentes disciplinares e sociais, e num pensamento artístico e filosóficos contemporâneos. Os recursos utilizados ao longo do que é proposto não precisam de ser muito específicos, a utilização das câmaras integradas nos telemóveis e os programas de edição de vídeos disponibilizados de forma gratuita possibilitam o desenvolvimento do projeto nos moldes do que foi apresentado. Considera-se relevante que existam princípios de ensino transversais ao pensamento teórico e ético. Sugere-se, assim, uma aproximação entre currículo e didatismo, no que se refere ao funcionamento dos dois, a uma sinergia capaz de constituir um processo cuja reformulação mútua é fulcral na definição dos valores de ensino e da sua adaptação aos diversos contextos locais e temporais. Pretende-se, assim, proporcionar momentos pedagógicos em que as crianças têm que se posicionar como agentes ativos no seu processo de construção como (pequenos): realizadores, guionistas, atores, produtores, entre outros. Através deste processo ativo, as crianças têm a possibilidade de aprender como se faz e de forma se podem exprimir fazendo através do cinema. Também. se reconhece que este tipo de projetos é essencial para o desenvolvimento integral e integrador da criança. Por um lado promove o desenvolvimento do pensamento crítico, estético e reflexivo, durante o momento de desenvolvimento da curta-metragem. Por outro, possibilita um trabalho pedagógico que articula e integra diferentes componentes do currículo, o que propicia uma aprendizagem mais contextualizada e significativa. Referências Alonso, L. (2002a). Para uma Teoria Compreensiva sobre Integração Curricular - O contritubo do Projecto "PROCUR". Investigações e Práticas, 5, 62-88. Alonso, L. (2002b). Do Projeto de "Gestão Flexíveel do Currículo" à Reorganização Curricular. Actas do Encontro sobre a (Re)organização e revisão curriculares: sentidos e trajectos (pp. 59-62). Guimarães: Centro de Formação Francisco de Holanda. Berger, J. (2015). Modos de Ver. Barcelona: Editorial Gustavo. Beuys, J. (2011). Cada Homem Um Artista. (J. d. Gomes, Trad.) Lisboa: 7 Nós. Deleuze, G. (2009). A Imagem-Movimento: Cinema 1. (S. Dias, Trad.) Lisboa: Assírio & Alvim. 44 4º CRIA Deleuze, G. (2015). A Imagem-Tempo: Cinema 2. (Sousa DIas, Trad.) Lisboa: Sistema Solar (Documenta). Didi-Huberman, G. (2012). Imagens Apesar de Tudo. (V. Brito, & J. P. 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Lisboa: ASA Editores. 46 4º CRIA Recursos Educativos Digitais e ensino da gramática – contributos do referencial TPACK Daniela Melo1, Gabriela Barbosa2 Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo, [email protected] 2 Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo, [email protected] 1 Resumo. A utilização efetiva dos recursos educativos digitais (RED) no ensino da gramática pressupõe que o professor esteja na posse de um conjunto alargado de conhecimentos, pedagógicos, tecnológicos, de conteúdo (TPACK- Technological Pedagogical Content Knowledge) e contextuais (Mishra, Koehler & Harris, 2009). Neste quadro realizou-se um estudo que teve como objetivo planificar uma sequência didática assente no referencial TPACK e na metodologia do laboratório gramatical (Duarte, 2008). A partir de um conjunto de atividades criativas “As máquinas do laboratório de Dexter” envolveram-se alunos do 4.º ano de escolaridade em tarefas de conhecimento dos conteúdos gramaticais: sujeito e predicado, com enfoque nos tipos de sujeito. O estudo enquadra-se numa metodologia de natureza qualitativa e interpretativa, numa dimensão explratória. Nesta comunicação pretende-se apresentar os resultados deste estudo, centrandonos na apresentação das etapas do laboratório gramatical, nos RED utilizados e nas tarefas realizadas, e concluindo que o entusiasmo dos alunos na participação das atividades, a compreensão dos conteúdos e as aprendizagens aferidas permitiram-nos perceber a importância da interseção dos vários conhecimentos implícitos no TPACK e a consideração dos mesmos na planificação de uma aula com integração de RED. Palavras-chave: RED; ensino; gramática; TPACK; laboratório gramatical Contextualização O estudo apresentado foi desenvolvido no âmbito do Mestrado em Educação Préescolar e ensino do 1º Ciclo do Ensino Básico, na unidade curricular Prática de Ensino Supervisionada II, numa turma do 4.º ano de escolaridade. A turma era constituída por 20 alunos, 10 do sexo feminino e 10 do sexo masculino, com idades compreendidas entre os 9 e 10 anos. A maioria dos alunos apresentava pouca motivação para a aprendizagem, evidenciando na área do Português dificuldades, mais especificamente, nos conteúdos da gramática. Face ao exposto, recorreu-se à utilização de RED como estratégia para tornar as aulas mais dinâmicas, apelativas, desafiando os alunos à descoberta de novos conhecimentos linguísticos. Para que esta prática fosse exequível, encontrámos na literatura um 4º CRIA 47 referencial teórico que menciona um conjunto de conhecimentos, tecnológicos, pedagógicos, de conteúdo e contextuais, fundamentais para que o professor possa realizar uma efetiva integração dos RED em sala de aula, o referencial TPACK Technological Pedagogical Content Knowledge (Mishra, Koehler & Harris, 2009). Tendo como princípio que o ensino da gramática deve ser realizado com o propósito de incentivar os alunos a uma aprendizagem pela descoberta, a utilização da metodologia do laboratório gramatical provoca nestes um “olhar cientista” sobre os fenómenos que observa, levando-os a criar hipóteses, a elaborá-las e aplicar as regras (Duarte, 2008). Face a este enquadramento, pretendemos perceber de que modo o referencial TPACK se revela adequado para a integração efetiva dos RED no ensino da gramática. Tendo por base o objetivo geral, pretendeu-se: planificar um conjunto de atividades criativas “As máquinas do laboratório de Dexter”, através de um laboratório gramatical em torno do sujeito e predicado, com enfoque nos tipos de sujeito; integrar RED numa sequência didática de aprendizagem da gramática; e analisar a mobilização do TPACK no planeamento e o envolvimento dos alunos na aprendizagem da gramática face à integração dos RED. O estudo aqui apresentado enquadra-se numa metodologia de natureza qualitativa e interpretativa, numa dimensão exploratória. Os dados foram recolhidos através das reflexões do diário de bordo e de registos de vídeo. No tratamento dos dados privilegiou-se a análise de conteúdo. Enquadramento teórico Tecnological Pedagogigal Content Knowledge (TPACK) A introdução das novas tecnologias no processo de ensino/aprendizagem está relacionada com a aprendizagem dos alunos e com a metodologia de ensino do professor. Atualmente tem-se investigado sobre a eficácia da integração da tecnologia no ensino, dando particular importância ao conjunto alargado de conhecimentos que o professor necessita, o Technological Pedagogical Content Knowlegde (TPACK), para ser capaz de integrar as tecnologias na sala de aula. O TPACK implica adotar estratégias pedagógicas que integram as tecnologias apropriadas para abordar conteúdos, não só para ir ao encontro dos interesses dos alunos, mas também para colmatar as suas dificuldades. 48 4º CRIA O TPACK dá, assim, ênfase à interseção das tecnologias, do conteúdo e da pedagogia, resultando num ensino inovador e promotor de novos conhecimentos. Os autores deste referencial teórico referem três tipos de conhecimento necessários para a integração da tecnologia na educação, nomeadamente Technological Knowledge (TK) ou conhecimento tecnológico, Pedagogical Knowlegde (PK) ou conhecimento pedagógico e Content Knowlegde (CK) ou conhecimento do conteúdo (Mishra et al., 2009). O Technological Knowlegde (TK) é aquele que está em constante evolução. Os professores devem manter-se atualizados e acompanhar o desenvolvimento das novas tecnologias, como forma de obter um conhecimento mais amplo dos conhecimentos básicos tecnológicos, para os aplicarem de forma exequível na sua ação pedagógica (Mishra et al., 2009). O Pedagogical Knowlegde (PK) é aquele que os professores têm sobre os processos, práticas ou métodos de ensino. Esse conhecimento implica também que o professor saiba o modo como os alunos constroem o seu saber, quais são as estratégias mais adequadas a aplicar na gestão de sala de aula. O Content Knowledge (CK) diz respeito ao conhecimento que os professores têm acerca dos conteúdos da matéria. Harris, Mishra e Koehler (2009) referem que este conhecimento é aquele que Shulman (1986, citado em Harris, Mishra & Koehler, 2009), um dos grandes estudiosos no campo da educação, considera ser o conhecimento de conceitos, teorias, ideias, evidências e provas, práticas que desenvolvem determinado conteúdo. Conforme a figura 1 abaixo apresentada, segundo os autores Mishra et al. (2009), verifica-se que estes tipos de conhecimento intersetam-se entre si, resultando em outros conhecimentos, nomeadamente, o Pedagogical Content Knowlegde (PCK) ou conhecimento pedagógico do conteúdo, o Technological Pedagogical Knowlegde (TPK) ou conhecimento tecnológico pedagógico e o Technological Content Knowledge (TCK) ou conhecimento tecnológico do conteúdo. 4º CRIA 49 Figura 1. Quadro teórico TPACK ( Mishra, et al., 2009, p. 396) O Pedagogical Content Knowlegde (PCK) resulta da interseção da pedagogia e do conhecimento do conteúdo. De acordo com Shulman (1986, citado em Mishra et al. 2009), este conhecimento ocorre aquando da adoção adequada dos métodos e técnicas pedagógicas pelo professor para transmitir os conteúdos, baseando-se nos conhecimentos prévios dos alunos. De acordo com Mishra et al. (2009), é essencial que o professor esteja a par do conteúdo do currículo, seja flexível na maneira como expõe os conteúdos, para que os alunos tenham diferentes maneiras de pensar e de expressar o seu conhecimento, realizando uma constante avaliação da aprendizagem dos alunos. O Technological Pedagogical Knowlegde (TPK) diz respeito ao conhecimento que os professores devem ter sobre as possibilidades e limitações pedagógicas, aquando da utilização das tecnologias, como as devem utilizar segundo um determinado contexto de modo a que sejam propícias para a aprendizagem. Um importante aspeto deste conhecimento é a adequação das ferramentas utilizadas para fins pedagógicos específicos (Mishra et al. 2009). O Technological Content Knowledge (TCK) é aquele que interliga a tecnologia e o conteúdo. Um professor que tenha conhecimentos tecnológicos e que domine bem os conteúdos programáticos pode criar os seus próprios recursos e utilizá-los em sala de aula. Os professores precisam de saber quais as tecnologias específicas mais adequadas para abordar determinado conteúdo, como também devem saber analisá-las de forma a verificar as que podem limitar a abordagem desse conteúdo (Mishra et al. 2009). A par da dinâmica deste conjunto alargado de conhecimentos, Mishra et al. (2009) vêm acrescentar a importância do conhecimento do contexto para uma efetiva integração das tenologias em sala de aula, ou seja, o conhecimento das tecnologias que estão 50 4º CRIA disponíveis, o tempo disponível, as limitações do espaço físico, a dinâmica interpessoal, a diversidade cultural, os diferentes níveis socioeconómicos, as caraterísticas e conhecimentos prévios dos alunos. O ensino da gramática através da metodologia do laboratório gramatical Ao longo dos tempos, o ensino da gramática tem sido abordado de uma forma tradicional, partindo-se de definições, que, por sua vez, se mostram incompletas, incapazes de permitir a observação dos dados, em que a sistematização ocorre no final de um percurso de observações. Neste contexto, não há uma valorização do funcionamento da língua, uma vez que os alunos se limitam a registar as indicações do professor, sendo esta aprendizagem associada à memorização, em detrimento do seu treino (Beacco, 2010, citado em Xavier, 2013). Partindo do princípio que o ensino da gramática tradicional não apresenta resultados consideráveis na avaliação dos alunos e, por conseguinte, estes não conseguem obter um conhecimento significativo a longo prazo, urge a necessidade de recorrer a novos métodos de ensino, capazes de sustentar a aprendizagem da gramática numa perspetiva de abordagem pela descoberta. Com a metodologia do laboratório gramatical, os alunos são confrontados com situações de problematização, de experimentação, de confronto de ideias, de análise, de exposição, de demonstração, de exemplificação, de argumentação e de aplicação das conclusões em exercícios e em textos escritos e/ou discursos orais (Xavier, 2013) A abordagem desta metodologia, desenvolvida por Inês Duarte, implica que o professor tenha em conta o conhecimento implícito do aluno e, a partir de situações contextualizadas, hierarquizar a informação, de modo a que os alunos possam construir hipóteses, verificar a sua validade perante novas informações e tirar conclusões (Xavier, 2013). Deste modo, o aluno é detentor de um “olhar cientista” sobre os fenómenos que observa, cria hipóteses, elabora-as e aplica as regras (Duarte, 2008). Duarte (1992, 1996, 1997, 2008, citado em Silvano & Rodrigues, 2010) considera quatro fases do laboratório gramatical (Tabela 1): 4º CRIA 51 Tabela 1. Fases do laboratório gramatical Na primeira fase, o aluno observa os dados ou a situação-problema, identifica padrões comuns ou de regularidade, formula hipóteses, a partir das suas intuições sobre a língua e suas observações. Na segunda fase, o aluno, após observar os dados, realiza pequenas conclusões, formula hipóteses e generalizações. Nesta fase, o aluno, através da observação de novos dados, verifica a validade das suas hipóteses. Na terceira fase, após formuladas as hipóteses, os alunos treinam os conteúdos aprendidos. Na quarta fase é realizada a aferição dos conhecimentos dos alunos, a fim de se verificar se houve uma efetiva aquisição do conhecimento. A abordagem em torno destas fases remete para uma teoria psicológica sobre o conhecimento e a aprendizagem, a designada teoria do construtivismo. A prática pedagógica desenvolvida a partir desta metodologia permite aos alunos vivenciar atividades nas quais podem levantar as suas próprias questões, construir os seus próprios modelos, conceitos e estratégias, num processo interpretativo e reflexivo (Fosnot, 1996). Descrição das atividades A integração de RED numa sequência didática de aprendizagem da gramática Na concretização da sequência didática de aprendizagem da gramática, tivemos em conta as três fases do laboratório gramatical, designadamente: 1.ª Apresentação dos dados; 2.ª Problematização, análise e compreensão dos dados; 3.ª Realização de exercícios de treino. Para dar início às atividades do laboratório gramatical e de forma a contextualizar os conteúdos gramaticais, sujeito e predicado, foi realizada a fase 0. Para uma melhor visualização por parte dos alunos, a maioria das atividades do laboratório gramatical foi sustentada num PowerPoint. Após a realização de algumas atividades, foram efetuadas notas conclusivas com o propósito de registar vários conceitos ou outras informações sobre os conteúdos gramaticais. 52 4º CRIA De seguida, apresenta-se a tabela 2, onde consta os objetivos de cada fase do laboratório gramatical e recursos educativos (digitais) utilizados. Tabela 2. Fases, objetivos e recursos educativos (digitais) utilizados Fases Designação Recursos educativos (digitais) - Contextualizar os conteúdos gramaticais - PowerPoint (funções sintáticas) - Ficha de trabalho - Distinguir os constituintes fundamentais de - PowerPoint uma frase; - Dados em cartolina - Referir o conceito de sujeito e de - Fichas de trabalho predicado; - Identificar as funções sintáticas; Construir frases coerentes e contextualizadas; - Identificar as classes de palavras presentes no sujeito; - Conhecer o conceito de grupo nominal; - Verificar que o sujeito pode conter um nome ou um pronome pessoal. - Verificar que o sujeito pode ter mais do - PowerPoint que um grupo nominal; - RED “Sujeito ou - Verificar que o sujeito não apresentado na Predicado?” frase pode ser identificado através da flexão - Fichas de trabalho do verbo; - Prever o significado de sujeito simples, sujeito composto e sujeito nulo; - Conhecer o conceito de sujeito simples, sujeito composto e sujeito nulo. - Treinar os conteúdos gramaticais - Exercícios do Hot abordados no laboratório gramatical Potatoes Objetivos Fase 0 Contextualização Fase 1 Apresentação dos dados Fase 2 Problematização, análise e compreensão dos dados Fase 3 Realização exercícios treino de de Fase 0 – contextualização Na contextualização dos conteúdos gramaticais acerca do sujeito e do predicado, foi apresentada à turma uma história criada pela investigadora “ As máquinas do laboratório de Dexter”, através de um PowerPoint (Anexo 1). Antes de se proceder à leitura da história, foi projetada uma imagem (Figura 2) com as máquinas que a personagem principal construiu, a “ Máquina Sujeito” e a “Máquina Predicado”, através da qual os alunos puderam antecipar alguns dos acontecimentos que poderiam ocorrer na história. Posteriormente, procedeu-se à sua leitura. A história passa-se na casa dos irmãos Dee Dee e 4º CRIA Figura 2. Máquinas do laboratório de Dexter 53 Dexter. Dee Dee é uma personagem divertida, contudo apresenta dificuldade em falar corretamente o português. O enredo da história começa quando Dee Dee está a dizer em voz alta a apresentação do espetáculo de dança. Nesse momento, Dexter entra no quarto da irmã. Ao perceber a sua dificuldade, Dexter, determinado a ajudá-la, leva-a para o seu sótão, onde mostra as últimas máquinas que construiu e que servem na perfeição para a ajudar. Após realizarem algumas atividades nas máquinas, Dee Dee consegue resolver o seu problema, sentindo uma grande alegria. Após a leitura, procedeu-se à exploração e compreensão da história a partir das seguintes questões orientadoras: - Quais são as personagens principais da história? - Onde se desenrola a ação da história? - O que estava a fazer Dee Dee quando Dexter entrou no seu quarto? - Que dificuldades apresentava a Dee Dee? - De que forma é que Dexter ajudou Dee Dee? - Que nome deu o Dexter a cada uma das máquinas? - Conseguiu Dexter o seu objetivo com a utilização das duas máquinas? De que forma? Fase 1- Apresentação dos dados Ao apresentar o diapositivo 1 (Figura 3), foi proposto aos alunos observarem a imagem GIF e responder às respetivas questões. Figura 3. Diapositivo 1 Ao apresentar o diapositivo 2 (Figura 4), foi proposto aos alunos observarem as imagens das diferentes ações realizadas pelas personagens da história e responderem, oralmente, às questões expostas no PowerPoint. Em simultâneo, registou-se no quadro as Figura 4. Diapositivo 2 respostas dos alunos. 54 4º CRIA Os alunos constataram que a junção das respostas “Quem faz?” e “O que faz?” formulavam uma frase coerente, verificando assim as partes mais importantes da estrutura de uma frase. Ao apresentar o diapositivo 3 (Figura 5), foi proposto aos alunos dividirem, oralmente, as frases nas suas partes mais importantes, de acordo com as questões formuladas no diapositivo anterior. Figura 5. Diapositivo 3 Ao apresentar o diapositivo 4 (Figura 6), foi proposto aos alunos escrever no quadro as perguntas destinadas a cada uma das partes em que a frase estava dividida, como sugere o exemplo exposto na tabela. Foi entregue a cada Figura 6. Diapositivo 4 aluno uma folha de registo idêntica ao diapositivo, na qual os alunos registaram as perguntas escritas no quadro. Ao apresentar o diapositivo 5 (Figura 7), foi proposto aos alunos realizar uma chaveta por baixo da parte da frase que correspondesse ao sujeito e ao predicado, escrevendo a respetiva função sintática. Figura 7. Diapositivo 5 Ao apresentar o diapositivo 6 (Figura 8), os alunos verificaram a existência de vários componentes relativos à função sujeito e à função predicado. Figura 8. Diapositivo 6 4º CRIA 55 Ao apresentar o diapositivo 7 (Figura 9), foi referido o nome das partes constituintes de uma frase. Foi entregue aos alunos uma folha de registo idêntica ao diapositivo, na qual os alunos registaram essa informação. Figura 9. Diapositivo 7 Seguidamente, foi entregue a cada par de alunos dois dados em cartolina (Figura 10), um com a cor laranja referente aos “sujeitos” e o outro com a cor azul referente aos “predicados”. Figura 10. Dados em cartolina Foi proposto aos alunos que com os dois cubos formulassem frases coerentes, tendo em conta a sua concordância, registando numa folha de registo (Figura 11). Foi referido que cada “sujeito” correspondia apenas a um “predicado”, para que os alunos Figura 11. Folha de registo formassem frases que estivessem dentro do contexto da história. Após a correção das frases, foi proposto aos alunos identificar o sujeito e referir as classes de palavras contidas no Figura 12. Diapositivo 8 mesmo (Figura 12). Os alunos registaram numa folha para o efeito (Figura 13) as palavras do sujeito, bem como a classe dessas palavras. Figura 13. Folha de registo 56 4º CRIA Prosseguiu-se para o seguinte diapositivo 9 (Figura 14) e propôs-se aos alunos que referissem as frases que faziam ou não sentido, verificando o que faltava (o nome ou o sujeito). Figura 14. Diapositivo 9 Em diálogo, os alunos tomaram consciência da importância do nome numa frase. Ao apresentar o diapositivo 10 (Figura 15), os alunos tinham que referir quantos nomes apareciam em cada sujeito de cada Figura 15. Diapositivo 10 frase, para se proceder ao conceito de grupo nominal, com função de sujeito. No diapositivo 11 (Figura 16) foi referido o conceito de grupo nominal e foi entregue aos alunos uma folha de registo idêntica ao diapositivo para se proceder ao seu preenchimento. Figura 16. Diapositivo 11 Ao apresentar o diapositivo 12 (Figura 17), os alunos puderam constatar que o sujeito pode ser substituído pelo pronome pessoal. Foi entregue aos alunos uma folha de registo idêntica ao diapositivo para proceder à substituição do sujeito pelo pronome Figura 17. Diapositivo 12 pessoal. 4º CRIA 57 Ao finalizar esta fase, os alunos puderam concluir que o sujeito pode conter um nome ou um pronome. Foi entregue a cada aluno uma folha de registo idêntica ao diapositivo 13 (Figura 18) e realizado o seu Figura 18. Diapositivo 13 preenchimento. Fase 2 – Problematização, análise e compreensão dos dados Ao apresentar o diapositivo 14 (Figura 19), os alunos puderam observar que havia frases que continham apenas um nome e outras com dois ou três nomes, e que, estas frases, que apresentavam mais do que um nome, incluíam Figura 19. Diapositivo 14 elementos que os separavam, como a vírgula e a conjunção copulativa “e”. Ao apresentar o diapositivo 15 (Figura 20), os alunos puderam registar na folha que lhes foi entregue a conclusão que obtiveram no diapositivo anterior. Figura 20. Diapositivo 15 Ao apresentar o diapositivo 16 (Figura 21), os alunos puderam constatar que o sujeito não estava expresso nas frases, mas que poderia ser “descoberto” a partir da flexão do verbo, referindo assim que se poderia usar um pronome pessoal correspondente à pessoa e número do verbo em questão. 58 Figura 21. Diapositivo 16 4º CRIA Foi entregue a cada aluno uma folha de registo idêntica ao diapositivo 17 (Figura 22) para que os alunos pudessem registar o pronome pessoal que correspondesse à pessoa e número do verbo de cada frase. Figura 22. Diapositivo 17 Ao apresentar o diapositivo 18 (Figura 23), os alunos puderam registar a conclusão anterior, na folha de registo que foi entregue para o efeito. Figura 23. Diapositivo 18 Após a abordagem dos conteúdos gramaticais, foi integrado o recurso educativo digital plataforma da selecionado LeYa da Educação, designado “ Sujeito ou predicado?” (Figura 24). O RED não foi reproduzido na sua totalidade, uma vez que pretendemos que os alunos chegassem por si Figura 24. RED “Sujeito ou Predicado?” próprios ao conceito de sujeito simples, composto ou nulo, através das observações realizadas anteriormente. Para tal, foi feita uma pausa no momento em que o narrador referiu “ O sujeito pode ser simples, composto ou nulo”. Seguidamente, foi apresentado o diapositivo 19 (Figura 25), no qual os alunos puderam intuir que tipos de sujeito estavam implícitos em cada frase. Foi-lhes entregue uma folha de registo, idêntica ao diapositivo, onde puderam registar os diferentes tipos de sujeito correspondentes a cada sujeito das frases. 4º CRIA Figura 25. Diapositivo 19 59 Após esta constatação, foi apresentado o diapositivo 20 (Figura 26) com uma nota conclusiva sobre os tipos de sujeito. Foi entregue a cada aluno uma folha de registo idêntica ao diapositivo Figura 26. Diapositivo 20 e registada esta informação. Após a realização da nota conclusiva, prosseguiu-se com a reprodução do RED “Sujeito ou Predicado?”, de forma a confirmar as conclusões anteriores. Fase 3 – Realização de exercícios de treino Para esta fase, foi construído um recurso educativo digital através do programa Hot Potatoes, para os alunos treinarem os conteúdos aprendidos. Os alunos dirigiram-se à sala de TIC, onde puderam pôr em prática os seus conhecimentos. O recurso disponibilizava 4 exercícios, havendo um período limitado de tempo para a realização dos mesmos e contendo uma pontuação de 0 a 100%. 1.º Exercício – arrastar os retângulos da coluna direita para o elemento que corresponde na coluna esquerda (Figura 27). Figura 27. Exercício do Hot Potatoes 2.º Exercício – arrastar os retângulos da coluna direita para junto do tipo de sujeito que corresponde (Figura 28) 60 4º CRIA Figura 28. Exercício do Hot Potatoes 3.º Exercício – clicar na seta de cada retângulo e selecionar o pronome pessoal que substitui o sujeito da frase (Figura 29). Figura 29. Exercício do Hot Potatoes 4.º Exercício – Selecionar a opção correta que corresponde ao tipo de sujeito presente em cada frase (Figura 30). Figura 30. Exercício do Hot Potatoes 4º CRIA 61 Análise e interpretação dos dados A análise dos dados foi realizada através das seguintes categorias: (A) a mobilização do TPACK no planeamento; (B) o envolvimento dos alunos na aprendizagem da gramática face à integração de RED. Ao analisarmos a categoria (A), verificámos que na planificação esteve presente todos os conhecimentos envolvidos no TPACK, ou seja, foi necessário o conhecimento dos conteúdos gramaticais (conhecimento do conteúdo) por parte da investigadora de forma a realizar as atividades sustentadas no laboratório gramatical (conhecimento pedagógico), sendo esta metodologia aquela que melhor se enquadrava para o ensino da gramática (conhecimento pedagógico de conteúdo). A investigadora evidenciou conhecimento pedagógico de conteúdo, na medida em que utilizou outros recursos (fichas de registo e dados em cartolina), demonstrando flexibilidade e coerência na planificação. O conhecimento pedagógico foi salientado pela investigadora que teve em conta as dificuldades dos alunos, criando uma história para facilitar a aprendizagem destes conteúdos. O conhecimento tecnológico da investigadora esteve presente na utilização e manuseamento eficaz dos equipamentos tecnológicos (computador, videoprojector, colunas), na realização de PowerPoints para a visualização da história e apresentação das atividades do laboratório gramatical, e na utilização do software Hot Potatoes, para a construção de diversos exercícios. O conhecimento tecnológico de conteúdo da investigadora evidenciou-se na medida em que foi deliberada a utilização do PowerPoint, com o objetivo de apresentar a história e as questões e atividades do laboratório gramatical. A escolha do RED “Sujeito ou Predicado?” do DVD-ROM da editora LeYa Educação foi a que mais se adequou ao objetivo pedagógico, pois incluía os conteúdos pretendidos. O conhecimento pedagógico tecnológico da investigadora comprovou-se na reflexão consciente da utilização de RED. Para comprometer os alunos a descobrir os tipos de sujeito presentes nas frases apresentadas no PowerPoint, reproduziu-se o RED “Sujeito ou Predicado?”. Porém, este não foi reproduzido na sua totalidade, uma vez que se achou adequado fazer uma pausa para que os alunos, através das suas observações e intuições, chegassem por si próprios àquilo que se pretendia. A realização dos exercícios no software Hot Potatoes veio a auxiliar no treino dos conteúdos gramaticais, 62 4º CRIA uma vez que este programa se adequava à realização de atividades para esta fase do laboratório gramatical. Para proceder a um planeamento da sequência didática consciente e ponderado, a investigadora inteirou-se do contexto escolar, das caraterísticas e dinâmica da turma, das tecnologias existentes e do tempo disponível. Na categoria (B), verificou-se que, sempre que se utilizou os RED, os alunos demonstraram motivação, concentração, participação e uma maior predisposição para a aprendizagem da gramática, como foi no momento da reprodução do RED “Sujeito ou Predicado?”, em que os alunos começaram, espontaneamente, a acompanhar a leitura do mesmo e, na resolução dos exercícios do Hot Potatoes, os alunos manifestaram alegria por adquirir a pontuação máxima, referindo o sucedido à investigadora e colegas. A turma obteve resultados bastante positivos, incluindo aqueles alunos que anteriormente manifestavam mais dificuldades. Aquando da abordagem das atividades do laboratório gramatical, o envolvimento dos alunos foi notório, através de dúvidas que colocavam, de respostas que davam às perguntas formuladas, de conclusões que obtiveram, das sugestões que davam para confirmar a compreensão dos conteúdos gramaticais. Considerações finais Segundo o referencial TPACK, a integração das tenologias na sala de aula exige uma interseção entre o conteúdo, a pedagogia, a tecnologia e o contexto. O domínio do TPACK impõe ao professor uma compreensão das técnicas e métodos pedagógicos que possibilitam a utilização das tecnologias digitais para a mobilização do conhecimento por parte do aluno. O contexto é essencialmente importante na utilização das tecnologias em sala de aula, uma vez que fornece ao professor um conjunto de informações sobre os alunos, escola, que possibilita realizar uma planificação consciente, coerente e reflexiva. A tomada de decisões fundamentadas na planificação, o tipo de estratégias pedagógicas adotadas, a seleção e sequencialização das atividades, a exploração que se fez em termos de tempo, a dinâmica da sala de aula, a seleção de RED que melhor se adequam à abordagem dos conteúdos e a avaliação dos resultados dos alunos, permitiu-nos perceber a importância que o TPACK tem na integração efetiva dos RED em sala de aula. 4º CRIA 63 Este quadro teórico veio sustentar o crescimento dos vários conhecimentos implícitos enquanto investigadora e futura professora, na medida em que se desenvolveu uma atitude reflexiva na tomada de decisões quanto à integração de RED e adequação de métodos de ensino, para a abordagem de conteúdos gramaticais, sem descurar do contexto escolar. Apesar de exploratório, este estudo permite-nos perceber a necessidade de promover a formação inicial e contínua dos professores no âmbito do uso educativo e da efetiva integração das tecnologias ao serviço das aprendizagens escolares. Referências bibliográficas Duarte, I. (2008). Conhecimento da Língua: Desenvolver a Consciência Linguística. Lisboa: Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular. Fosnot, C. T. (1996). Construtivismo e Educação. Lisboa: Horizontes Pedagógicos. Mishra, P., Koehler, M. & Harris, J. (2009). Teachers’ Technological Pedagogical Content Knowlegde and Learning Activity Types: Curriculum-based Technology Integration Reframed. JRTE 41(4), 393-416. Silvano, P., & Rodrigues, S. V. (2010). A Pedagogia dos Discursos e o Laboratório Gramatical no ensino da gramática - uma proposta de articulação. In Gramática: Histórias, Teoria, Aplicações (Brito, A. M. coord). Porto: UP- Faculdade de Letras, 275-286. Xavier, L. G. (2013). Ensinar e Aprender Gramática: Algumas Abordagens Possíveis. Exedra Revista Científica da ESEC, 146-155. 64 4º CRIA ANEXOS Anexo 1 – história “ As máquinas do laboratório de Dexter” 4º CRIA 65 66 4º CRIA 4º CRIA 67 68 4º CRIA A adaptação de uma história ao sistema SPC – uma estratégia criativa de promoção da inclusão de Crianças com NEE Andreia Novais1, Gabriela Barbosa2 Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo, [email protected] 2 Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo, [email protected] 1 Resumo. A investigação levada a cabo por Barreto (2009) revela a existência de fatores que devem ser repensados no sentido de melhorar a inclusão de Crianças com Necessidades Educativas Especiais (NEE) no ensino, entre os quais, a formação de professores, os recursos materiais e humanos e a sensibilização dos pares para a diferença. A sensibilização para a diferença destaca-se, nesta investigação, como o principal fator a trabalhar, uma vez que importa sensibilizar todas as pessoas que atuam no espaço educativo para a inclusão efetiva das crianças com NEE nas suas turmas. Neste quadro, realizou-se um estudo que teve como objetivo geral promover a inclusão de crianças com Multideficiência numa turma de 3.º e 4.º ano. Envolveram-se os alunos que frequentam diariamente a turma em dinâmicas de conhecimento e interação com a problemática da inclusão dos colegas com multideficiência, através da realização de atividades criativas que conduziram à produção de uma história animada com recurso ao sistema gráfico de comunicação Símbolos Pictográficos de Comunicação (SPC). O propósito da comunicação é expor os resultados emergentes do estudo realizado, colocando como foco a apresentação do recurso criado e evidenciando como se constituiu numa estratégia muito favorável para promover a inclusão das crianças com multideficiência pelos seus pares da turma e para se desenvolverem atitudes mais positivas de aceitação da diferença, do Eu e do Outro. Palavras-chave: inclusão; necessidades educativas especiais; aceitação da diferença; recursos educativos; símbolos pictográficos para a comunicação. Contextualização A investigação desenvolvida intitulou-se de “A adaptação de uma história ao sistema SPC, uma estratégia criativa de promoção da inclusão de crianças com NEE” e desenvolveu-se no âmbito da unidade curricular Prática de Ensino Supervisionada II, integrada no Mestrado de Educação Pré-Escolar e Ensino do 1º Ciclo do Ensino Básico. Foi concretizada numa escola pública de 1.º Ciclo do Ensino Básico num agrupamento escolar do concelho de Viana do Castelo, numa turma de 3.º e 4.º anos de escolaridade. Os participantes deste estudo foram 8 alunos, 3 alunos do 3.º ano e 5 alunos do 4.º ano de escolaridade, que faziam parte de uma turma de um total de 11 alunos com idades compreendidas entre os 9 e os 10 anos de idade. Desta turma faziam parte ainda 3 4º CRIA 69 alunos da escola que apenas frequentavam a sala uma hora por semana, decorrendo o restante período letivo na UAEM (Unidade de Apoio Especializado para Alunos com Multideficiência e Surdocegueira). Este estudo foca-se, essencialmente, na temática da educação inclusiva, considerando-a como uma educação de qualidade e de valorização da diferença. Após a análise da investigação levada a cabo por Barreto (2009) pode-se constatar a existência de fatores que devem ser repensados no sentido de melhorar a inclusão de crianças com NEE no ensino, entre eles a sensibilização para a diferença, a formação dos professores e os recursos materiais e humanos. A melhoria destes fatores é, então, o princípio de uma mudança no sentido de promover a inclusão de todos os alunos. Contudo, é a sensibilização para a diferença que neste estudo se assume como o principal fator a trabalhar. Importa, em primeiro lugar, sensibilizar todas as pessoas que atuam no espaço educativo para a inclusão efetiva das crianças com NEE nas suas turmas, começando, desde logo, pelos alunos. Assim, este estudo torna-se pertinente pois, para além de contribuir para o desenvolvimento de uma comunidade solidária com esta problemática, promove a inclusão e uma escola mais democrática e mais justa, valorizadora da diferença. Para além disto, é pertinente que se concretizem trabalhos pedagógicos centrados na temática da inclusão, um tema tão atual e que preocupa todos os intervenientes que atuam no espaço educativo que são as nossas escolas de hoje. Enquadramento Teórico Evolução da Educação Especial A Educação Especial passou por diferentes fases ao longo do tempo. Após um período de exclusão das pessoas consideradas diferentes, assistiu-se a uma fase de segregação da criança diferente. Passaram a ser isoladas em escolas especiais e separadas da sociedade estando impedidas de frequentar a escola pública e de interagir com outras crianças (Correia, 1999; Madureira & Leite, 2003). Cansada de um sistema segregacionista, inicia-se uma mudança de mentalidades da sociedade e de valorização da criança e da sua infância e escolarização, emergindo a política da integração. Em Portugal, os primeiros passos da “Educação Integrada” foram dados através da criação de “classes especiais”, em 1944, pelo Instituto Aurélio da Costa Ferreira, orientadas por professores especializados neste Instituto, com o intuito 70 4º CRIA de acolher alunos com dificuldades de aprendizagem (Correia, 1999). Mais tarde, na década de 60, assistem-se a iniciativas que visavam o apoio a crianças e adolescentes com deficiências que estavam integrados em escolas regulares. A partir da década de 70 as mudanças no contexto da Educação Especial dimensionaram-se no sentido de uma progressiva integração escolar daquelas crianças na escola regular (Mesquita, s.d.). Esta fase veio defender o direito a uma educação não segregada e para todos, proporcionando a mesma educação aos alunos com NEE e aos seus pares sem NEE, defendendo que o aluno com deficiência poderia ser educado na turma regular. Nesta fase, conquistou-se a possibilidade de interação entre todos e a partilha de aprendizagens (Correia, 1999). Por fim, com o intuito de dar uma melhor resposta na educação de crianças e adolescentes com NEE, seguiu-se o movimento de inclusão. Foi em 1986 que Madeleine Will (Secretária de Estado para a EE) impulsionou este movimento ao apelar a uma mudança radical relativamente ao atendimento dado às crianças com NEE. A educação inclusiva passa assim a ser para todos os que apresentam necessidades educativas, deixando de ser somente para os alunos portadores de alguma deficiência (Correia, 1999). Portugal prossegue numa política inclusiva e, por isso, pretende-se trabalhar em torno de uma escola inclusiva e de sucesso para todos os alunos. Legislação existente para a Educação Especial Atualmente a Educação Especial no sistema de educação português é regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro, que tem como propósito promover a aprendizagem e a participação dos alunos com NEE de caráter permanente. Com esta legislação estabelece-se a noção de educação inclusiva, definem-se os apoios especializados e adequa-se o processo educativo às NEE dos alunos. Como tal, o Decreto-Lei nº 3/2008, de 7 de janeiro, com o intuito de promover a aprendizagem e a participação dos alunos com NEE de carácter permanente, define, no artigo 16º, como medidas educativas: Apoio pedagógico personalizado; adequações curriculares individuais; adequações no processo de matrícula; adequações no processo de avaliação; currículo específico individual; tecnologias de apoio. (Decreto-Lei n.º 3/2008, artigo 16º, p. 158) 4º CRIA 71 Estas medidas educativas especiais “pressupõem o planeamento de estratégias e de atividades que visam o apoio personalizado aos alunos com necessidades educativas especiais de carácter permanente que integram obrigatoriamente o plano de atividades da escola de acordo com o projeto educativo da escola” (Casas-Novas, Gaspar & Perdigão, 2014, p. 12). O papel e a formação do professor Com a implementação de um modelo educativo inclusivo, assiste-se a uma mudança no papel do professor de ensino regular que deve adquirir conhecimentos e as competências para ser capaz de proceder à avaliação das necessidades especiais dos alunos, de adaptar currículos, utilizar apoios tecnológicos e metodologias de ensino capazes de responder às caraterísticas individuais de todos os seus alunos. Além disso, deve assumir um papel ativo, positivo e criar um ambiente educativo propício à aceitação dos alunos com NEE (Nielsen, 1999). A presença dos alunos com NEE de caráter permanente nos contextos frequentados pelos seus pares sem deficiências aumenta a aceitação da diferença e a forma como a criança com NEE é vista pelos seus colegas depende da compreensão que estes têm relativamente à natureza da deficiência, compreensão esta que deve ser possibilitada pelo professor, criando dinâmicas de envolvimento e conhecimento. Um ambiente em que o professor trate a deficiência de forma positiva, desperta na criança atitudes igualmente positivas face aos seus pares diferentes, favorecendo, assim, a criação de laços de amizade entre elas e a aceitação de todos (Barreto, 2009). A formação dos professores do ensino regular é também uma preocupação constante, no sentido de os preparar para o desenvolvimento de um trabalho adequado junto de alunos com NEE. A Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994) faz referência à importância de uma formação inicial de educadores e de professores que englobe todos os tipos de deficiência para que se alcance uma intervenção diferenciada junto de todos os alunos. Contudo defende-se ainda que a formação, para além de inicial, deve ser contínua e especializada. Recursos educativos no apoio ao trabalho com crianças com NEE Na impossibilidade de referir todos os recursos existentes no apoio ao trabalho com crianças com NEE, importa para este estudo, falar das Tecnologias de Apoio, sendo estas uma das medidas educativas referidas no atual Decreto-Lei n.º 3/2008, que 72 4º CRIA pretendem adequar o processo de ensino e aprendizagem. De entre estas tecnologias, podemos distinguir as tecnologias de tipo hardware e software. Para este estudo em concreto importa destacar o software para a comunicação e linguagem BoardMaker, pelo facto de ter sido este o escolhido para a construção do recurso desenvolvido ao longo do estudo. Este software é um programa de computador que se destina à conceção de pranchas de comunicação e que contém símbolos do sistema SPC (Símbolos Pictográficos para a Comunicação). Através destes símbolos, este software permite elaborar recursos de comunicação que podem ser disponibilizados aos alunos, facto que o torna numa poderosa ferramenta educacional. Problema e Objetivos Esta investigação analisa a inclusão de alunos portadores de multideficiência numa turma de 3.º e 4.º anos de escolaridade. Face a esta preocupação e ao contexto encontrado, o objetivo geral deste estudo foi desenvolver um percurso educativo de promoção da inclusão para alunos com multideficiência numa turma regular de escolaridade. Os objetivos específicos foram: i) compreender como a aceitação da inclusão dos alunos portadores de deficiência pode ser concretizada; ii) e sensibilizar alunos para a importância da inclusão dos seus colegas com deficiência na sala de aula. Com o intuito de alcançar estes objetivos, envolveu-se a turma com a qual se desenvolveu este estudo, na criação de um recurso educativo que permitisse promover essa inclusão e, face ao nível de funcionalidade dos alunos que frequentam a unidade, decidiu-se criar um livro infantil em formato SPC destinado às crianças identificadas com NEE, adaptando a história de Luísa Aguilar “Orelhas de borboleta”. Metodologia A metodologia de um investigador é evidenciada aquando da escolha dos meios que o ajudarão a obter e interpretar os dados necessários para responder ao seu problema e assim alcançar os seus objetivos (Coutinho, 2014). Face a isto e analisando a problemática e os objetivos delineados para o estudo, optou-se por uma metodologia de natureza qualitativa, privilegiando-se uma abordagem de caráter exploratório. O estudo O percurso desta investigação desenvolveu-se em três momentos. No 1.º momento realizámos uma entrevista semiestruturada aos alunos com o objetivo de compreender as perceções dos alunos do grupo sobre a UAEM e sobre a inclusão dos seus colegas 4º CRIA 73 com NEE na turma. Para isso, perguntamos se sabiam da existência da unidade da escola e o que era essa unidade, se conheciam os alunos da unidade e se sabiam os nomes dos colegas. Para além disso, perguntamos ainda se sabiam que faziam parte da sua turma alguns alunos da unidade e quem eram, se costumavam e gostavam de trabalhar com eles e o que poderiam fazer para os seus colegas. No 2.º momento fizemos a adaptação de uma história previamente selecionada por nós. Esta adaptação decorreu em diferentes fases que passo a explicar em seguida. A 1.ª fase foi a apresentação da proposta à turma e a leitura inicial da história, para que os alunos do grupo se pudessem preparar para a posterior leitura aos seus colegas da unidade. Figura 1. Apresentação da proposta à turma A 2.ª fase foi a leitura da história para seus colegas da unidade. Figura 2. Leitura da história Na 3.ª fase realizou-se a análise da história para perceber até que ponto os alunos compreenderam a sua mensagem, já que esta trata também o tema da diferença. Figura 3. Análise da história 74 4º CRIA A 4.ª fase foi a elaboração do resumo da história, na qual os alunos decidiam as sequências narrativas mais importantes. Figura 4. Elaboração do resumo da história A 5.ª fase foi a elaboração da ilustração. Cada um dos alunos ficou responsável por ilustrar uma sequência narrativa da história, incluindo as personagens e o cenário envolvente das mesma. Figura 5. Elaboração da ilustração da história Na 6.ª fase escolheram-se os símbolos de SPC mais adequados ao texto. Figura 6. Escolha dos SPC para a história Por fim, na 7.ª fase, os alunos gravaram a história para posterior construção do seu formato digital. No 3.º momento aplicámos, então, uma entrevista semiestruturada final que adotou o protocolo da entrevista inicial e incluiu algumas questões da mesma, de forma a poder comparar as respostas dadas pelos alunos no início e no fim do projeto e aferir quais as 4º CRIA 75 principais mudanças nas perceções dos alunos em relação à inclusão dos alunos com NEE. Como tal, perguntámos, para além das questões já referidas na entrevista inicial, se achavam que o recurso construído era útil, se estava adequado, se sabiam como é que os alunos da unidade podiam interagir com o recurso, se achavam importante a realização de trabalhos como este, se gostavam que os alunos da unidade passassem mais tempo na sala, se achavam que a sua inclusão era importante e se estavam satisfeitos com a concretização deste trabalho. Análise e interpretação dos dados Para a análise dos dados recolhidos no âmbito deste estudo, a investigadora optou pela utilização da categorização. A categorização diz-nos Coutinho (2014), é um processo que permite reunir um grande número de informações e correlacionar acontecimentos com o fim de ordená-los. As categorias podem surgir de determinadas questões e preocupações de investigação (Bogdan e Biklen, 1994) e, neste caso em particular, as categorias aqui definidas surgiram da problemática em estudo, das questões e dos objetivos aos quais se pretendeu responder. Sendo o principal objetivo deste estudo promover a inclusão de crianças com NEE no ensino, a investigadora optou por realizar uma análise em bruto dos dados recolhidos da entrevista inicial e face àquilo que eram os objetivos, definiu as seguintes categorias: perceções dos alunos sobre a UAEM e perceções dos alunos sobre a inclusão dos alunos com NEE na turma. Para a fase de adaptação da história, definiu três categorias: história; envolvimento dos alunos na construção do recurso e perspetiva da investigadora. Por fim, no momento relativo à entrevista final optou por definir três categorias, sendo que duas delas são as definidas na entrevista inicial: Perceções dos alunos sobre a UAEM; Perceções dos alunos sobre a inclusão dos alunos com NEE na turma e sobre a importância deste trabalho e Perceções dos alunos sobre o recurso construído. Entrevista inicial Da análise realizada tendo em conta os objetivos definidos para o momento da entrevista inicial, detetou-se então uma falta de conhecimento da maioria dos alunos do grupo em relação à UAEM da sua escola e aos alunos que dela fazem parte, desconhecimento que vem demostrar que estes não estão tão familiarizados com este assunto como era suposto, sendo assim notória a falta de contacto com o mesmo, aspeto 76 4º CRIA que não contribui para a inclusão dos alunos da unidade. Além disso detetou-se ainda uma falta de predisposição por parte de alguns alunos relativamente ao facto de incluir os seus colegas da unidade na turma e de trabalharem com eles. Adaptação da história No momento de adaptação da história percebeu-se que os alunos ficaram entusiasmados com a realização desta atividade. Ficaram curiosos e com vontade de ler a história, mostraram-se atentos, preocupados com a preparação da leitura, sendo de salientar o seu esforço e dedicação nesta fase inicial, mesmo daqueles alunos que apresentam mais dificuldades. Através da análise do comportamento e das intervenções dos alunos envolvidos no estudo foi possível detetar ainda uma enorme satisfação por parte dos colegas que frequentam a UAEM, sendo de destacar a intervenção de um dos alunos participantes que esteve, ao longo da leitura da história, a ajudar um dos seus colegas da unidade, a compreender as imagens ao longo da história. Esta fase da elaboração do recurso, em que foi possível ter a presença dos alunos com multideficiência no contexto frequentado pelos seus pares sem deficiências, aumentou a aceitação da diferença. Para além disso, percebeu-se que os alunos participaram com empenho e envolveram-se no projeto com dedicação. Mostraram preocupação em reduzir e simplificar as frases para o resumo, para facilitar a compreensão dos colegas da unidade. A fase da elaboração da ilustração foi a que mais interesse suscitou nos alunos sendo de destacar o facto de muitos deles revelarem grandes qualidades e competências no que se refere ao desenho, principalmente os alunos que apresentam mais dificuldades de aprendizagem, tendo-se mostrado autónomos nas tarefas. É de salientar ainda a existência de um trabalho colaborativo entre todos, tendo-se ajudado mutuamente nas fases de adaptação da história. Este trabalho colaborativo ficou marcado pela colaboração de todos na fase do resumo, da ilustração da história e da escolha dos símbolos pictográficos, tendo trabalhado em grupo para conseguirem obter um trabalho de qualidade. Nesta fase foi possível observar ainda a opinião positiva dos alunos relativamente à construção deste recurso, assim como a sua importância, pelo facto de reconhecerem que os alunos com NEE têm o direito de ter as mesmas oportunidades. Perspetiva da investigadora A categoria “perspetiva da investigadora” pretendeu revelar a sua perspetiva relativamente a este projeto. Como tal, penso que este recurso é um recurso útil e essencial, quer para os alunos com NEE, pois ajuda-os na sua comunicação, quer para 4º CRIA 77 os alunos que o construíram, pois passaram a conhecer melhor os seus colegas e a aceitar a sua inclusão, tendo-se tornado cidadãos mais conscientes para esta problemática. A adequação da história revelou-se pertinente pelo facto de tratar um tema relacionado com o contexto da diferença, mas também pelo facto de ser uma história com uma estrutura discursiva e linguística simples e facilitadora da memorização e compreensão. A construção deste recurso mostrou-se promotora da inclusão, colocando os alunos sem NEE em contacto direto e com a ideia concretizável de incluir os seus pares com NEE, sensibilizando-os para a importância da inclusão e igualdade de direitos. Além disso, envolveu os alunos na aquisição e construção de conhecimento e desenvolvimento de competências sociais e atitudinais. Importa destacar ainda os conhecimentos implicados neste tipo de trabalho, ao nível tecnológico relacionados com o funcionamento do software utilizado, e ao nível pedagógico pois foi necessária a consideração de inúmeros aspetos relacionados com o contexto encontrado e com a problemática abordada. Entrevista final A comparação dos dados da entrevista inicial com os dados da entrevista realizada no final do estudo, evidenciou claramente que houve uma alteração bastante significativa naquilo que eram os conhecimentos que os alunos tinham quer da existência de uma unidade de Multideficiência na escola quer dos seus colegas pertencentes à turma, mas vinculados à unidade. Ao analisar as suas reações, detetou-se uma manifestação mais positiva do grupo, pois passaram a mostrar uma maior predisposição e interesse para abordar e falar sobre este assunto. Mostraram-se também mais familiarizados com a temática, demonstrando ainda saber os nomes dos colegas que frequentam a unidade. Além disso, o seu gosto e predisposição para trabalhar, colaborando nas tarefas e partilhando experiências com os colegas que frequentam a unidade aumentou, assim como a consciência da importância de integrar os colegas na turma e fazê-los sentiremse parte dela. Conclusões A realização deste estudo foi muito compensadora e a recolha de dados permitiu estabelecer conclusões que mostram a necessidade de uma intervenção educativa que 78 4º CRIA contemple a inclusão de todos os alunos e a sua aceitação independentemente das necessidades, especificidades de desenvolvimento e ritmos de aprendizagem. De entre as conclusões, importa destacar a evolução significativa e positiva no comportamento e nas perceções dos alunos em relação à inclusão dos seus colegas da unidade na turma. À medida que a investigação avançava os alunos tomavam cada vez mais consciência da importância desta problemática e apresentavam uma maior predisposição e aceitação positiva relativamente à inclusão dos colegas com deficiência. A promoção da inclusão destas crianças na turma foi então concretizada, pois os alunos do grupo passaram a olhá-las como parte da turma. Verificou-se ainda que a dinâmica estabelecida através da criação do recurso mostrou-se uma mais-valia para a sensibilização e consciencialização do grupo, tendo sido uma oportunidade que possibilitou a aproximação dos alunos do grupo aos alunos da unidade. Por fim, os resultados obtidos com este estudo revelaram que a opção pela construção de um recurso educativo foi uma estratégia muito favorável para promover a inclusão de crianças com NEE pelos seus pares da turma, uma vez que, no final desta investigação o grupo com o qual se desenvolveu o estudo passou a aceitar a inclusão dos seus colegas da unidade e desenvolveu atitudes mais positivas e otimistas em relação a esta problemática. Referências bibliográficas Barreto, A. (2009). Os pares e a inclusão da criança diferente na escola do primeiro ciclo. Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, Portugal. Bogdan, R. C., & Biklen, K. S. (1994). Investigação Qualitativa em Educação. Porto: Porto Editora, LDA. Casas-Novas, T., Gaspar, T., & Perdigão, R. (2014). Relatório Técnico. Políticas Públicas de Educação Especial. Lisboa: Conselho Nacional de Educação (CNE). Correia, L. (1999). Alunos com Necessidades Educativas Especiais nas Classes Regulares. Porto: Porto Editora, LDA. Correia, L. (2009). Inclusão e Necessidades Educativas Especiais: Um Guia para Educadores e Professores. Porto: Porto Editora, LDA. Coutinho, C. P. (2014). Metodologia de Investigação em Ciências Sociais e Humanas: Teoria e Prática. Coimbra: Edições Almedina S.A. Madureira, I., & Leite, T. (2003). Evolução das Perspectivas sobre a Educação da criança diferente. Em I. Madureira, & T. Leite, Necessidades Educativas Especiais (pp. 17-42). Lisboa: Universidade Aberta. Mesquita, M. (s.d.). O movimento de integração escolar em Portugal: da reforma veiga simão à lei de bases do sistema educativo. Castelo Branco: Escola Superior de Educação de Castelo Branco. Nielsen, L. B. (1999). Necessidades Educativas Especiais na Sala de Aula. Um guia para professores. Porto: Porto Editora, LDA. 4º CRIA 79 UNESCO. (1994). Declaração de Salamanca e Enquadramento da Acção na área das Necessidades Educativas Especiais. Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade (pp. iii-xii; 5-47). Salamanca: UNESCO. Decreto-Lei nº 3/2008 de 7 de janeiro. Diário da República nº 4 – I série. Lisboa: Ministério da Educação. 80 4º CRIA As noções espaciais e o mundo da criança Filipa Balinha1, Ema Mamede2 Universidade do Minho, [email protected] 1 Universidade do Minho, [email protected] 1 Resumo. Este artigo foca a exploração do conhecimento informal sobre geometria, ao nível do pré-escolar. Retrata-se aqui parte de uma investigação que procura conhecer o sentido espacial de 20 crianças de 3 e 4 anos que frequentam a educação pré-escolar. Procuram-se respostas a três questões: 1. Como se caracteriza o sentido espacial das crianças? 2. O sentido espacial das crianças melhora com recurso a atividades específicas? Analisam-se, neste artigo, as tarefas que se relacionam com as noções espaciais – desenhos das crianças e mapas. Os resultados sugerem que as crianças melhoraram ao nível das noções de espaço espelhadas nos seus desenhos ao longo da intervenção. Constata-se, também, que as crianças conseguiam utilizar algumas noções espaciais, confirmadas na leitura de mapas e maquetas. Palavras-chave: sentido espacial; educação pré-escolar; geometria; matemática. Introdução As primeiras experiências das crianças são geométricas e espaciais, ao tentarem compreender o mundo que as rodeia, ao distinguirem objetos e ao descobrirem graus de proximidade entre eles (Abrantes, Serrazina & Oliveira, 1999). Em todos estes contextos, ainda que inconscientemente, utilizamos capacidades matemáticas que aprendemos desde crianças e que são necessárias na realização de tarefas básicas da nossa vida. Particularmente no pré-escolar, os documentos curriculares orientadores (Departamento da Educação Básica [DEB], 1997; Direção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular [DGIDC], 2010; National Council of Teachers of Mathematics [NCTM], 2007) referem que a matemática está presente nas brincadeiras das crianças, no espaço e no tempo que estas percecionam. Ressaltam, ainda, que a geometria, nomeadamente, o sentido espacial, deve ser trabalhado na educação pré-escolar. Por isso, cabe ao educador questionar, incentivar, encorajar, proporcionar, organizar e combinar materiais e experiências significativas que permitam construir ideias acerca da matemática e da geometria (DGIDC, 2010). Nas Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar alude-se à necessidade do caráter lúdico do processo pedagógico. Assim, a matemática pode ser útil para trabalhar esta forma lúdica da aprendizagem, pois podemos aprender 4º CRIA 81 conteúdos, por exemplo, na utilização de jogos. Concordando com Dallabona e Mendes (2004), as atividades lúdicas são indispensáveis para o desenvolvimento da criança. O recurso ao lúdico não compromete a seriedade nem a importância dos conteúdos apresentados. O presente artigo retrata parte de uma investigação que procura conhecer o sentido espacial das crianças em idade de pré-escolar, tentando, assim, dar resposta a três questões centrais: 1. Como se caracteriza o sentido espacial das crianças? 2. O sentido espacial das crianças melhora com recurso a atividades específicas? Enquadramento teórico O estudo das formas no espaço e das suas relações é importante na medida em que ajuda as crianças a relacionarem a matemática com o mundo real (Abrantes, Serrazina, & Oliveira, 1999). Jones (2002) destaca a utilização da geometria em diversas áreas do nosso quotidiano como a arte, arquitetura e a música que envolvem princípios geométricos - simetria, perspetiva, escala e orientação. Assim, torna-se relevante a exploração do sentido espacial. O sentido espacial é uma capacidade que tem vindo a ser estudada por diversos autores (McGee, 1979; Piaget & Inhelder, 1956; Sarama & Clements, 2009) e pode ser dividido em visualização espacial e orientação espacial. A visualização espacial é a capacidade para manipular, rodar ou inverter mentalmente um objeto apresentado graficamente. A orientação espacial engloba a capacidade de compreender e operar com as diferentes posições no espaço (Clements, 2004; Moreira & Oliveira, 2003). Este sentido espacial é essencial em muitas situações tais como a escrita de números, letras e na leitura de mapas. Posto isto, e dado que as crianças utilizam, com frequência, ideias geométricas e espaciais para resolver problemas e tomar decisões no seu dia a dia (Moreira & Oliveira, 2003) é importante que tenham, desde cedo, este conhecimento para que o possam mobilizar mais rápida e eficazmente. Piaget foi pioneiro nas investigações feitas sobre a forma como as crianças pequenas aprendem sobre o espaço e a forma. Piaget e Inhelder (1956) acreditavam que as primeiras noções de espaço das crianças eram as topológicas (por exemplo, perceber as relações de aberto e fechado) e que só mais tarde as crianças construíam noções projetivas (como as relações entre crianças e objetos, pontos de vista), euclidianas (como distância, proporção e amplitude) e coordenadas do espaço. Estes aspetos são 82 4º CRIA refletidos, por exemplo, na utilização de mapas e maquetas, no reconhecimento das propriedades de figuras geométricas e nos desenhos das crianças. Sendo os desenhos espontâneos das crianças o foco deste estudo, de acordo com Barros e Palhares (1997), podemos encontrar nesses desenhos três estádios, após a fase da garatuja: incapacidade sintética, realismo intelectual e realismo visual. Neste artigo vamos estudar apenas o primeiro estádio (incapacidade sintética), dado que ao segundo correspondem as idades 6/7 anos e 8/9 anos, respetivamente. Nesta fase, da incapacidade sintética, é comum encontrarem-se “ausência de relações euclidianas (distância, proporção, amplitude), relações projetivas simplistas e algumas relações topológicas” (Barros & Palhares, 1997, p. 80) como proximidade, separação, ordenação e fecho. Portanto, para ajudarmos a construir o sentido espacial das crianças, devemos envolvêlas em atividades que impliquem a manipulação de materiais para que possam falar sobre aquilo que experimentam. É fundamental lembrar que só a utilização de materiais não garante uma aprendizagem eficaz e significativa porque o mais importante no ensino e aprendizagem da matemática é a atividade mental a desenvolver nas e pelas crianças. Desta forma, as crianças vão “ampliando o seu repertório e habituando-se a relacionar o conhecimento espacial com o verbal e o analítico.” (Moreira & Oliveira, 2003, p. 99). Assim, torna-se essencial proporcionar às crianças em idade de pré-escolar o contato com atividades promotoras do desenvolvimento do seu sentido espacial. Relembrando que o presente artigo procura conhecer o sentido espacial das crianças em idade de pré-escolar, tenta dar-se resposta a: 1. Como se caracteriza o sentido espacial das crianças? 2. O sentido espacial das crianças melhora com recurso a atividades específicas? Metodologia Adotou-se uma metodologia de caráter qualitativo de acordo com Bodgan e Biklen (2006), com contornos de investigação ação. Segundo Latorre (2004) a investigação ação constitui uma família de atividades que o educador/professor realiza com determinadas finalidades: desenvolvimento curricular e profissional, melhoria da prática educativa, planificação e desenvolvimento. Máximo-Esteves (2008) argumenta que a investigação ação, procurando melhorar o desempenho e a ação, integra uma espiral com as seguintes fases: planificar, agir, observar e refletir. Assim, tendo este estudo um 4º CRIA 83 caráter exploratório centrado na prática educativa do pré-escolar, considerou-se ajustada uma abordagem qualitativa (Bodgan & Biklen, 2006) sustentada na investigação ação. Participou neste estudo um grupo de 20 crianças com idades compreendidas entre os 3/4 anos, que frequentavam a educação pré-escolar, em Braga. Procurou-se acompanhar as reações das crianças a uma intervenção composta por 9 tarefas relacionadas com o sentido espacial, nomeadamente, das noções espaciais – desenhos e mapas. A seleção destas tarefas resulta de uma preocupação em facultar, às crianças, contacto com algumas tarefas sobre o sentido espacial. A apresentação destas 9 tarefas ocorreu durante 9 sessões, de, aproximadamente, 60 minutos. As tarefas propostas foram de resolução individual, estando as crianças organizadas em pequenos grupos (5 crianças) e em grande grupo (20 crianças). Neste artigo pretende perceber-se como se caracteriza o sentido espacial das crianças. Assim, o artigo foi planeado para ocorrer em três grandes momentos (Figura 1) que integram duas avaliações e um período de intervenção entre eles. Figura 1. Esquema da intervenção. A avaliação inicial, aplicada no início do projeto, pretendia diagnosticar e conhecer o desempenho das crianças, para perceber como se caracteriza o seu sentido espacial no que respeita à orientação espacial. As crianças tiveram oportunidade de desenvolver as suas competências espaciais ao nível das noções de espaço – desenhos das crianças e mapas. A intervenção ocorreu em 9 sessões, onde foram dadas oportunidades para as crianças desenharem segundo uma temática, explorarem e construírem mapas e maquetas, ouvirem histórias, com o intuito de desenvolver competências espaciais. O projeto terminou com a avaliação final, onde se incluíam tarefas com propósito semelhante às realizadas na avaliação inicial facilitando, assim, a comparação entre os desempenhos das crianças. Procurou-se que estas avaliações servissem como instrumento regulador, permitissem responder às perguntas de investigação e perceber que alterações ocorreram nos desempenhos e ideias das crianças, para perceber o que aprenderam durante o período de intervenção. 84 4º CRIA Tabela 1. Caracterização sucinta das tarefas de investigação. Avaliação inicial Tarefa 1 Tarefa 2 Desenho temático das crianças Mapa para visita de estudo Desenho da criança a partir de uma história Mapas - lateralidade Mapa da sala e exploração Mapas - GPS Desenho temático das crianças Exploração de uma maqueta Tarefa 3 Intervenção Avaliação final Tarefa 4 Tarefas 5 e 6 Tarefa 7 Tarefa 8 Tarefa 9 Os dados foram recolhidos com recurso a gravação vídeo e áudio, fotografia, registos escritos das resoluções das crianças e notas de campo da investigadora, uma das autoras deste artigo. Resultados Avaliação Inicial Noções Espaciais – Desenhos das Crianças Na Tarefa 1 foi pedido às crianças que desenhassem o seu pai. Em pequenos grupos, cada uma tinha uma folha de tamanho A4 e tinha ao seu dispor materiais riscadores (marcadores, lápis de cor, lápis de cera). Depois de terminarem o desenho, as crianças deviam recordar o nome do pai e as investigadoras escreviam-no ao lado ajudando-os, também, a desenvolver a consciência de palavra. Durante esta tarefa, constatou-se que algumas crianças tinham alguma dificuldade em adequar o tamanho das cabeças e desenhar o corpo proporcionalmente. Além disso, demostravam dificuldade em distanciar as pernas e os braços da cabeça juntando-os, muitas vezes. Neste sentido, dividiram-se os desenhos das crianças em três grupos: 1) Aqueles em que se denota uma fraca separação, ordenação e proporção (Figura 2); 2) Os que começam a desenvolver alguma consciência do espaço da folha e a colocar os braços e as pernas abaixo do cabeça, demonstrando, por isso, ter adquirido noções de separação e de ordenação, e de proporção ao adequarem a cabeça ao tamanho do corpo, mas não demonstram não ter utilizado fecho (Figura 3); 3) Um último grupo de crianças que revela utilizar relações topológicas - proximidade, separação, ordenação e fecho - nos desenhos do corpo humano que faziam, mostrando perceber que o corpo humano tem conteúdo e não pode ser representado apenas por traços (Figura 4). Além disso, demonstram noções de proporção ao adequarem o tamanho das cabeças ao do corpo. 4º CRIA 85 Figura 2. Desenhos que mostram ausência de separação e ordenação. Figura 3. Exemplo de desenhos que demonstram não ter adquirido fecho. Figura 4. Desenhos que mostram proximidade, separação, ordenação e fecho. Perante esta avaliação inicial, mostrou-se relevante trabalhar com as crianças os seus desenhos, para que pudessem evidenciar, nos mesmos, mais noções espaciais. Noções Espaciais – Mapas A Tarefa 2 surgiu durante a preparação da visita à Quinta de Santo Inácio, organizada pela instituição. Esta visita de estudo ajudou a perceber que noções espaciais tinham as crianças ao nível da localização espacial. Começou-se por lhes perguntar “Como é que o senhor motorista vai saber o caminho amanhã?”. Prontamente responderam que ele ia ver no mapa. Perante isto, foi-lhes perguntado se podiam ver noutro local e uma das crianças referiu que também podia ver no GPS (Global Position System) e explicou o seu funcionamento (“Vês assim a estrada e segues”). Assim, decidiu-se fazer a analogia e perguntar-lhes “Se nós tivéssemos uma formiga na nossa sala, como é que ela sabia ir 86 4º CRIA de uma área para a outra?” à qual responderam “Temos de fazer um mapa para ela”. Neste sentido, surgiu a ideia de criarmos um mapa da sala para uma formiga que lá passasse. No final do lanche, entusiasmadas com os mapas, as crianças decidiram construir um mapa para levarem no dia seguinte e fizeram-no todas em grupo. À pergunta sobre o que devemos desenhar no mapa, as crianças apresentaram várias sugestões e quiseram desenhá-las no mapa (Figura 5). Depois de construído o mapa, afixamo-lo na sala e explicaram o caminho que seria efetuado pelo condutor do autocarro – a preto na figura (Figura 5). Figura 5. Construção do mapa e mapa para a Quinta de Santo Inácio. Quando chegamos à quinta, uma criança fez questão de mostrar o mapa lá existente (Figura 6). Com esta tarefa denotou-se que as crianças já tinham ideias sobre para que servia um mapa e um GPS, contudo, os conceitos de lateralidade (esquerda, direita) e as noções espaciais frente, trás, à frente, atrás eram ainda incipientes em algumas crianças (constatou-se durante a visita). Figura 6. Mapa na Quinta de Santo Inácio. A avaliação inicial permitiu perceber aquilo que as crianças já sabiam sobre os conceitos abordados e serviu de base às propostas da intervenção. 4º CRIA 87 Intervenção Noções Espaciais – Desenhos das Crianças Na Tarefa 3 as crianças deviam utilizar e demonstrar as noções espaciais que possuíam, através da realização de desenhos. Para isso, levou-se o computador e, em pequeno grupo, as crianças puderam ouvir na biblioteca de livros digitais do Plano Nacional de Leitura (PNL) “Os opostos” (Letria, 2003). Depois, foi-lhes pedido que os recordassem e os desenhassem ou que dissessem duas palavras contrárias e as desenhassem. Desta tarefa salienta-se que os desenhos de algumas crianças eram fidedignos às imagens, mesmo sem as observarem novamente (Figura 7) o que também demonstra a capacidade de memória visual. Além disso, no desenho desta criança é evidente a presença de relações euclidianas como distância e proporção. No entanto, este aspeto não foi encontrado na literatura, que nos diz que neste estádio é comum encontrar-se uma ausência destas relações (Barros & Palhares, 1997). Figura 7. Desenho de uma criança e imagem original (desenhou sem voltar a observar). Outras crianças mostraram, através dos desenhos que fizeram, ter adquiridas algumas relações euclidianas, nomeadamente, de proporção (a raposa grande e o pintainho pequeno) ainda que Piaget e Inhelder (1956) considerem que as relações euclidianas estão ausentes na faixa etária que estas crianças se encontram - o estádio da incapacidade sintética (Figura 8). Demonstraram, ainda, usar relações topológicas como separação, fecho e continuidade. 88 4º CRIA Figura 8. Desenhos que denotam a utilização de relações euclidianas e topológicas. Os desenhos de um outro grupo de crianças assemelhavam-se ao regresso à fase de garatuja (Figura 9). Figura 9. Exemplos de desenhos que revelam poucas noções espaciais. Desta tarefa concluiu-se que algumas das crianças tinham já atingido o estádio da incapacidade sintética proposto por Piaget e Inhelder (1956) e para confirmar esse aspeto aplicou-se a avaliação final - Desenhos para “O livro dos jogos dos pais”. Noções Espaciais – Mapas Depois da tarefa da avaliação sobre as noções espaciais - mapas, tornou-se evidente a necessidade de trabalhar essas noções – Tarefa 4. Para isso, com a ajuda da Educadora da sala, colocaram-se fitas coloridas nos braços das crianças (uma fita de cada cor para cada braço) (Figura 10) e foi-lhes dito que a pulseira azul seria a esquerda e a cor de rosa a direita. Figura 10. Crianças com as fitas nos braços. Começou-se por lhes pedir para levantarem a mão direita e depois a esquerda e foramse alternando estes pedidos até constatar que a maior parte do grupo o fazia corretamente. 4º CRIA 89 De seguida, colocou-se a música “Vem que eu vou-te ensinar” e fez-se o que a mesma solicitava: “mão direita à frente, mão direita atrás, roda roda, roda e não saias do lugar, vem que eu vou-te ensinar” que repetia para a mão esquerda e para os pés (direito e esquerdo). Com esta música também foi possível trabalhar as noções espaciais frente e trás. De seguida, foi-lhes pedido que se colocassem em fila (Figura 11) e que se deslocassem para o lado pedido. Para além de identificarem a mão esquerda e direita, conseguiram fazê-lo também para o pé e ombro (mesmo não tendo fita) e também com o corpo todo. Figura 11. Crianças em fila. Depois de se trabalharem as noções espaciais, era necessário aplicar esse conhecimento na construção do mapa da sala. Para a construção do mapa da sala – Tarefa 5 - começou-se por pedir às crianças para fecharem os olhos e imaginarem a sala vista de cima. De seguida, deu-se a cada uma delas uma imagem de um objeto da sala visto de cima. Estas deviam identificar onde se encontrava na sala e colocá-lo no sítio correto do mapa (Figura 12). Salienta-se que eram fotografias reais, tiradas da sala de atividades, recortadas e plastificadas previamente. 90 4º CRIA Figura 12. Construção do mapa da sala. Durante esta tarefa, as crianças cooperaram umas com as outras, iam discutindo se estava correto promovendo a comunicação matemática e quando não estava corrigiam o local onde essa imagem devia ser colocada. Esta construção resultou num produto final (Figura 13) e, para a construção do mesmo, foi necessário fotografar e medir cada objeto da sala, de modo a fazer uma escala para cada objeto do mapa. Além disso, colocou-se velcro e plastificou-se cada um deles para facilitar o manuseamento. Figura 13. Mapa da sala. Na Tarefa 6, as crianças deviam localizar uma imagem de um objeto no mapa e encontrá-lo na realidade. O mesmo acontecia quando lhes era pedido para o encontrarem na sala e colocarem a imagem do objeto no local correto. No geral, todas as crianças conseguiram fazer o solicitado (Figura 14). Durante o desenrolar da mesma, recordaram-se as noções espaciais: cima/baixo; esquerda e direita. Figura 14. Crianças a colocarem a imagem no mapa e a procurarem o objeto na realidade, respetivamente. 4º CRIA 91 Depois de manipular os objetos e as imagens correspondentes, utilizou-se o boneco que as crianças já conheciam da atividade de construção do mapa (que tem uma fita de cada cor em cada braço que corresponde à esquerda e à direita) e pediu-se-lhes para identificarem, no mapa, o objeto da sala que estava à esquerda/à direita/à frente ou atrás do boneco (Figura 15). Figura 15. Criança a localizar espacialmente o boneco. Neste sentido, importa salientar que os documentos orientadores da educação préescolar (ver DEB, 1997; DGIDC, 2008; NCTM, 2007) abordam a visualização e a orientação espacial como necessárias a serem trabalhadas no pré-escolar. Aliás, para além de a consagrarem no âmbito da geometria e medida, aparecem contempladas em todas as áreas do saber. Portanto, para ajudarmos a construir o sentido espacial das crianças, devemos envolvê-las em atividades que impliquem a manipulação de materiais para que possam criar imagens mentais, ampliando o seu reportório e relacionando o conhecimento espacial com o verbal e o analítico (Moreira & Oliveira, 2003). A Tarefa 7 surge na sequência da devolução de uns caracóis que viveram na sala ao seu habitat natural. Durante a manhã foi planificado, recorrendo ao GPS, o percurso a percorrer até ao parque da Ponte. À tarde, as crianças seguiram as orientações do mesmo - iam ouvindo quando dizia “em frente, para a esquerda, para a direita” (Figura 16). Figura 16. Crianças a seguirem as orientações do GPS. 92 4º CRIA Avaliação final Noções Espaciais – Desenhos das Crianças A Tarefa 8 consistiu na construção de um livro que compilava “Os jogos dos Pais” deste grupo de crianças quando eram pequenos. Para este artigo, importa perceber as alterações entre os desenhos da avaliação inicial e os desenhos da avaliação final e, para tal, os mesmos serão agrupados. Há crianças em que se nota claramente uma melhoria de algumas relações espelhadas nos seus desenhos. Ao nível das relações euclidianas, nomeadamente, a proporção ao adequarem a cabeça ao resto do corpo e de relações topológicas como separação, ordenação, fecho e continuidade (Figuras 17 e 18.). Figura 17. Melhoria dos desenhos de SB da avaliação inicial para a avaliação final, respetivamente. Figura 18. Melhoria dos desenhos de LE do da avaliação inicial para a avaliação final, respetivamente. Um outro grupo de crianças mostrou melhorar na construção de algumas relações projetivas simplistas, como na colocação das crianças em roda (Figura 19), tal como a literatura previa (Barros & Palhares, 1997; Piaget & Inhelder, 1956). 4º CRIA 93 Figura 19. Melhoria dos desenhos de D da avaliação inicial para a avaliação final, respetivamente. Neste sentido, e em relação às noções espaciais espelhadas nos desenhos deste grupo de crianças, pode-se concluir que nem todas se encontram ao mesmo nível. Há algumas que parecem ter melhorado por apresentarem relações euclidianas mais complexas, como é o caso das crianças que desenhavam as cabeças enormes em relação ao corpo na avaliação inicial e, na avaliação final, revelaram ter adquirido a proporção. Outras há que melhoraram ao nível das relações projetivas, ainda que no estádio da incapacidade sintética, referido por Piaget e Inhelder (1956), estas sejam simplistas. Salienta-se, ainda, que as crianças demonstraram utilizar relações euclidianas, como a proporção, apesar de Barros e Palhares (1997) considerarem que neste estádio elas estão ausentes (Figura 20). Noções Espaciais – Mapas Figura 20. Melhoria dos desenhos de P da avaliação inicial para a avaliação final, respetivamente. Para compreender que noções espaciais tinham aprendido as crianças, recorreu-se a uma maquete com casas e, novamente, ao boneco conhecido das crianças. Desta vez, as crianças tinham de identificar a casa que se encontrava à frente do boneco, atrás, à esquerda e à direita, mesmo quando se mudava o boneco de sítio. Começou-se por 94 4º CRIA perguntar a uma das crianças e as outras concordavam ou refutavam e, neste último caso, teriam de explicar a sua resposta, promovendo, desta forma, a comunicação matemática (Figuras 21 e 22). Figura 21. Maquete e boneco. Figura 22. Manipulação do boneco e respetiva discussão. De facto, com esta atividade, compreendeu-se que um maior número de crianças conseguiu responder corretamente e que se corrigiam entre elas o que evidencia, uma vez mais, o desenvolvimento da sua comunicação matemática. Constatou-se, deste modo, que as crianças conseguiam utilizar as noções espaciais: esquerda, direita, frente, trás, atrás, à frente, em cima e em baixo, algumas delas já sem se fixarem nas cores das mãos dos bonecos, tal como utilizado com as crianças durante a tarefa 6, a de exploração do mapa da sala. Considerações Finais Depois de analisadas as tarefas, chegaram-se a algumas conclusões. Da análise dos desenhos das crianças, nomeadamente, das noções de espaço espelhadas nos seus desenhos, as crianças revelaram melhorias. Na faixa etária em que se encontram, de acordo com Piaget e Inhelder (1956), – estádio da incapacidade sintética – é comum encontrarem-se “ausência de relações euclidianas (distância, proporção, amplitude), simplistas relações projetivas e algumas relações topológicas” (Barros & Palhares, 1997, p. 80). Apesar das opiniões destes autores, surpreendentemente, houve crianças 4º CRIA 95 que começaram a separar uns objetos dos outros (distância) nos desenhos que faziam, evidenciando a utilização de relações euclidianas. Outras desenharam as cabeças enormes em relação ao corpo na avaliação inicial, mas na avaliação final revelaram ter adquirido algumas noções de proporção, ajustando as dimensões das partes dos corpos nos seus desenhos. Nas relações topológicas, as crianças melhoraram e mostraram ter adquirido proximidade, separação, ordenação, fecho e continuidade. Ao nível das relações projetivas, confirma-se o que a literatura afirma pois eram, ainda, simplistas. Constatou-se, ainda, ao nível das noções espaciais, nomeadamente, na utilização de mapas e maquetas, que as crianças conseguiam utilizar as noções espaciais esquerda, direita, frente, trás, atrás, à frente, em cima e em baixo, algumas delas já sem se fixarem nas cores das mãos do boneco utilizado. Este aspeto confirma a ideia de que o sentido espacial é essencial na leitura de mapas (McGee, 1979; Piaget & Inhelder, 1956; Sarama & Clements, 2009) e que a perceção das relações espaciais se encontra adquirida. Concordando com Bishop (1980), desenvolver o conhecimento informal da geometria na educação infantil é bastante benéfico porque estimula nas crianças ideias positivas sobre a geometria e fornece às crianças saberes que lhes são úteis no seu dia a dia. Facilita, também, a relação do saber matemático com as outras áreas do saber, como o português. Por isso, crianças que desenvolvem relações espaciais e que dominam a geometria estão melhor preparados para aprender números e outros temas matemáticos avançados porque desenvolvem o seu pensamento e agem positivamente face à matemática (NCTM, 1996, 2007). Além disso, e como a matemática também pode ser considerada uma forma de comunicação, é essencial que as explorações que fazemos nesse âmbito funcionem como um espaço onde as crianças podem comunicar as suas ideias, tal como aconteceu na exploração do mapa. Neste sentido, as atividades em grupo são extremamente importantes, uma vez que permitem à criança aprender a trabalhar com os colegas e, logicamente, a comunicar. A comunicação matemática favorece a concentração, enriquece o vocabulário espacial da criança e ajuda-a a desenvolver as competências de visualização (Alves & Gomes, 2012). Durante todo este processo, denotou-se, ainda, que a motricidade fina das crianças melhorou de uma avaliação para a outra. O sentido espacial das crianças em idade préescolar parece poder ser compreendido por cada um dos tópicos em que foi divido, ou seja, noções espaciais – desenhos das crianças e mapas. 96 4º CRIA Esta investigação torna evidente a necessidade de proporcionar às crianças em idade pré-escolar, o contacto com a matemática e com a utilização correta dos vocábulos. Se estes forem introduzidos e utilizados de forma contextualizada, enriquecem o vocabulário das crianças e fazem-nas falar corretamente sobre o seu mundo, o mundo da criança. Mais investigação é necessária sobre o desenvolvimento das noções espaciais em crianças em idade pré-escolar. Seria pertinente ampliar o conjunto de desenhos propostos a cada criança obtendo uma maior visão das relações neles espelhadas. Referências Bibliográficas Abrantes, P., Serrazina, L., & Oliveira, I. (1999). A Matemática na Educação Básica. Lisboa: Ministério da Educação - Departamento da Educação Básica. Alves, C. S., & Gomes, A. (2012). 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New York: Routledge. 98 4º CRIA Trilhando uma quinta pedagógica com a Matemática Fátima Fernandes1, Isabel Vale2, Pedro Palhares3 1 Escola Superior de Educação de Viana do Castelo, [email protected] 2 Escola Superior de Educação de Viana do Castelo, [email protected] 3 Instituto de Educação (CIEC), Universidade do Minho, [email protected] Resumo. Os contextos não formais oferecem oportunidades de exploração do meio envolvente que não podem ser replicadas dentro da sala de aula, uma vez que permitem às crianças explorar, experimentar, fazer escolhas, desenvolver a autonomia, arriscar e identificar ou resolver desafios de forma criativa, segura e significativa. Neste contexto surgem os trilhos matemáticos como forma de os alunos usarem e aplicarem, em contexto real, a matemática que aprenderam na sala de aula, através da resolução de situações propostas ao longo de um trilho. No âmbito de um estudo mais abrangente sobre a matemática fora da sala de aula, construíram-se três trilhos matemáticos, e implementaram-se com alunos do 3º ano de escolaridade, com o objetivo de analisar o envolvimento, o desempenho e a criatividade dos participantes nas resoluções apresentadas. Neste texto, tendo por base apenas um desses trilhos, mostra-se que os alunos manifestaram grande envolvimento na resolução das tarefas propostas pelo trilho, pois as situações eram-lhes familiares; conseguiram mobilizar o conhecimento adquirido durante as aulas estabelecendo, nalguns casos conexões com outras áreas; e identificaram-se traços de criatividade nas produções apesentadas. Palavras-chave: Tarefas matemáticas; Contextos não formais de aprendizagem; Trilhos matemáticos; Criatividade. Introdução As constantes mudanças da sociedade colocam os indivíduos perante múltiplos desafios aos quais têm que dar resposta. A escola assume um papel importante na preparação dos jovens na medida em que pode incrementar o potencial criativo dos mesmos para produzir novas ideias e encontrar soluções individuais ou coletivas para esses desafios (Vale, 2012). Nas últimas décadas a investigação tem-se debruçado sobre a criatividade, conceito amplo e para o qual não há consenso sobre o significado. Na matemática, a resolução e formulação de problemas tem-se revelado um campo privilegiado para desenvolver a criatividade (Silver, 1997), pelo que importa criar situações de aprendizagem desafiantes e criativas que promovam a motivação e o envolvimento cognitivo dos alunos para resolver e formular problemas na procura de soluções válidas. 4º CRIA 99 Este artigo decorre da conceção e implementação de um trilho matemático com o propósito de perceber como é que estas crianças do 1º ciclo do ensino básico reagem às tarefas matemáticas fora da sala de aula, que tarefas preferem, que conhecimentos mobilizam e que evidências de criatividade manifestam na resolução das tarefas. De seguida, faz-se a fundamentação teórica dos principais temas envolvidos, nomeadamente o papel das tarefas e dos contextos não formais na aprendizagem da matemática e a criatividade em matemática. Posteriormente, apresentam-se o contexto, as opções metodológicas, os procedimentos e alguns resultados preliminares do estudo referentes a opções de enquadramento das tarefas, ao conhecimento mobilizado e às reações e desempenho dos alunos em quatro dessas tarefas. Os trilhos matemáticos - um contexto não formal para a aprendizagem da matemática Os contextos não formais de ensino e aprendizagem da matemática podem contribuir de forma significativa para a expansão e para o enriquecimento do conhecimento dos alunos (Kenderov et al., 2009), complementando a aprendizagem considerada formal, que ocorre em instituições escolares e está vinculada a currículos oficiais. São espaços privilegiados para experiências de interação entre indivíduos e entre estes e o meio ambiente, o que pode estimular a “disposição produtiva” para aprender e, consequentemente, ajudar a reconhecer a utilidade e a pertinência da matemática e encará-la como uma área do conhecimento acessível a todos (Dooley, Dunphy & Shiel, 2014). As tarefas matemáticas realizadas nestes contextos alternativos à sala de aula habitual são consideradas mais motivadoras (Hayden, 2009) e favorecem o envolvimento dos alunos incluindo os mais relutantes (Patterson, 2009). Essas tarefas podem ser exploradas a partir de situações reais, contribuindo para a construção ou consolidação do significado de conceitos ou processos de forma consistente (Wager, 2012) e para o conhecimento e interpretação da realidade de forma mais crítica (Bonotto & Basso, 2001). A generalidade dos ambientes não formais permite a formulação e resolução de tarefas que envolvam diversos conteúdos. De acordo com Boavida, Paiva, Cebola, Vale e Pimentel (2008), esta articulação é importante para que os alunos entendam a matemática como uma “teia de relações” entre os diferentes domínios matemáticos e entre estes e outras áreas curriculares. Neste sentido, sugerem a realização de situações de aprendizagem que proporcionam relações entre conteúdos matemáticos distintos 100 4º CRIA (conexões dentro da matemática), conexões entre a matemática e a realidade e da matemática com outras áreas curriculares. Estas conexões contribuem para uma compreensão mais profunda e duradoura e para que a matemática seja reconhecida como útil (NCTM, 2000). De entre vários tipos de experiências de aprendizagem que podem decorrer em contextos não formais, encontram-se os trilhos matemáticos. Os trilhos ainda não são um recurso frequente nas aulas de matemática em Portugal, contudo há já trabalhados realizados no âmbito da Formação de Professores (e.g. Barbosa, Vale, & Ferreira, 2015). Por trilho matemático entende-se uma série de paragens ao longo de um percurso prédefinido, nas quais os participantes exploram matemática no espaço envolvente (Cross, 1997). Constituem oportunidades de levar para o contexto conceitos ou processos abordados, por vezes de forma abstrata, na sala de aula e tomar consciência da aplicabilidade dos mesmos em situações reais (Richardson, 2004). Nas paragens dos trilhos, os alunos realizam um conjunto de tarefas matemáticas que estão na base da aprendizagem, pois são segmentos da atividade da aula cujo propósito é desenvolver uma ideia matemática específica (Stein & Smith, 2009). Na realização das tarefas, os estudantes, num tempo predefinido, raciocinam conceptualmente e envolvem-se por forma a criarem conexões (Stein & Smith, 2009). A aprendizagem da matemática implica que haja atividade ao ouvir, observar, investigar, resolver, comunicar, raciocinar ou refletir sobre conceitos, estratégias e procedimentos matemáticos (Copley, 2000; NCTM, 2000; Ponte, 2005), o que pode ser proporcionado pelos trilhos. Na verdade, estas experiências de aprendizagem podem fomentar a resolução e formulação de problemas, a comunicação, o estabelecimento de conexões, a aplicação de conhecimentos a situações reais e o desenvolvimento de capacidades em situações diversificadas, algumas das quais nem sempre suscetíveis de realizar em sala de aula. Permitem experimentar, observar, medir, recolher e registar dados que podem ser manipulados e interpretados posteriormente na sala de aula (Richardson, 2004) e proporcionam a articulação da aprendizagem formal e não formal, contribuindo para uma aprendizagem mais significativa (Wager, 2012). A Criatividade em matemática 4º CRIA 101 Numa sociedade que evolui de forma tão célere é essencial que, em todos os domínios, haja criatividade para procurar soluções válidas, rápidas e inovadoras para os problemas que vão emergindo. Nas últimas décadas têm surgido diversos estudos em torno da criatividade no processo de ensino e aprendizagem de várias áreas, incluindo a matemática (e.g. Leikin, 2009; Mann, 2006; Silver, 1997; Vale & Pimentel, 2012), manifestando preocupação com o desenvolvimento desta capacidade nos estudantes. Parece haver múltiplas definições para criatividade matemática pelo facto de existirem diferentes formas de a expressar (Mann, 2006). A partir das definições que Mann (2006) selecionou para mostrar a diversidade e as diferentes perspetivas, Vale e Pimentel (2012) identificaram ideias convergentes em algumas dessas definições, das quais destacaram a relação da criatividade com o pensamento divergente, com conceitos como a fluência, a flexibilidade e a originalidade e com a resolução e formulação de problemas. O pensamento divergente é associado à criatividade, pelo facto de envolver uma forma de pensar que procura todas as possibilidades e a melhor forma de encontrar a ou as respostas para uma situação, opondo-se assim ao pensamento convergente que é orientado para encontrar apenas uma solução e de uma única forma considerada mais correta (Guiford,1967, referido por Mann, 2006; Vale & Pimentel, 2012). Os conceitos de fluência, flexibilidade e originalidade são considerados três dimensões da criatividade e são três das componentes da resolução de problemas (Vale, 2011). A fluência refere-se à capacidade de produzir um grande número de ideias, a flexibilidade é a capacidade de pensar de formas diferentes e a originalidade refere-se à capacidade de pensar de forma única (Vale, 2011). A resolução e formulação de problemas são situações de aprendizagem privilegiadas para desenvolver as capacidades de fluência, flexibilidade e originalidade, sendo que estas duas últimas estimulam o pensamento divergente (Vale & Pimentel, 2012). Ao resolver problemas, sobretudo os que são pouco estruturados e apresentam um elevado grau de abertura, os alunos devem ser estimulados a procurar diversas respostas, se possível, e originais. Ao formular problemas, os alunos tomam consciência da sua estrutura, o que contribui para desenvolver o raciocínio, o pensamento crítico e a comunicação matemática (Vale & Pimentel, 2012). Deste modo, a criatividade pode ser desenvolvida na aula de matemática quando são propostas tarefas de resolução de problemas, que suscitem vários modos de resolução, dentro e fora da sala de aula. 102 4º CRIA Metodologia Para este trabalho foram considerados apenas os resultados de um dos trilhos produzidos e realizados no âmbito de uma investigação mais abrangente. Trata-se de uma investigação qualitativa, com uma abordagem do tipo estudo de caso, que incide sobre uma turma do 3º ano de escolaridade. Como a investigadora não era professora da turma, houve vários contactos prévios com os alunos, na sala de aula, para falar sobre os trilhos e para recolher dados sobre o comportamento, o tipo de dinâmicas a que estão habituados e o nível de conhecimentos sobre os tópicos programáticos selecionados para as tarefas. As tarefas do trilho, com diferentes graus de desafio, foram elaboradas com base em elementos do percurso. Abrangem os conteúdos matemáticos programados para o 3º ano de escolaridade e alguns temas de outras áreas do saber. Alguns enunciados focam objetivos definidos pelo contexto onde se realizou o trilho, nomeadamente: sensibilizar para problemáticas ambientais e respetivas soluções e dar a conhecer espécies animais e vegetais autóctones, técnicas e dinâmicas da exploração agrícola minhota e algum património rural. Este contexto refere-se a uma quinta pedagógica, localizada junto à escola, que foi criada com a intenção de aproveitar e dinamizar a exploração agrícola, silvícola e pastoril. Integra um núcleo de albergue e produção animal (parques ao ar livre, estábulos e cavalariças, galinheiro, picadeiro, apiários e um lago) e um núcleo de produção vegetal (horta, viveiros, estufa, pomares, campo de aromáticas e medicinais, jardins e floresta). Em paralelo, organiza atividades de (in)formação com vista à sensibilização da preservação e valorização do ambiente e do espaço rural e ao ensino de técnicas de culturas agropecuárias e florestais. Concentra, ainda, várias infraestruturas e equipamentos relacionados com alojamento, recreio e lazer. Para a realização do trilho, os alunos foram organizados, pela docente da turma, em seis grupos de três elementos, mais ou menos uniformes a nível de conhecimentos. Cada grupo foi acompanhado por um aluno do 2º ano da Licenciatura em Educação Básica, que transportou material suplente, registou dados, leu as orientações do guião e esclareceu dúvidas relacionadas com a interpretação da informação. Estes orientadores já conheciam o percurso a realizar, porém só conheceram as tarefas no dia da implementação. 4º CRIA 103 Cada participante recebeu material de escrita e um guião com 16 tarefas, com o total de 32 questões. No guião, havia sempre informação introdutória ao tema de cada tarefa e, no final de cada página, havia pistas sobre o percurso a realizar até à próxima tarefa. Os grupos iniciaram o percurso em momentos diferentes para evitar que se aglomerassem nas paragens. Esta experiência de aprendizagem demorou cerca de três horas. Os dados foram recolhidos através dos guiões, fotografias, gravações áudio, notas de campo decorrentes da observação participante e das entrevistas semiestruturadas realizadas alguns dias após o trilho. Resultados e discussão Neste campo descreve-se o enquadramento das tarefas no património da quinta, evidencia-se o conhecimento mobilizado pelos alunos, descrevem-se algumas reações e apreciações sobre esta experiência, apresentam-se algumas revelações dos participantes registadas durante e após a implementação do trilho e infere-se quanto à originalidade na resolução. A originalidade é analisada por comparação de cada resposta com as dos colegas da turma. A flexibilidade e a fluência não serão analisadas pelo facto de a generalidade das questões não sugerir a apresentação de mais do que uma solução. Na impossibilidade de analisar os resultados de todas as tarefas, apresentam-se apenas as quatro mais apreciadas pelos participantes. Tarefa 2 - Plantação de vinha Numa Visita a esta quinta, o Sr. João observou diversas formas de condução das videiras. Depois disse para a esposa: - Mulher, vamos conduzir as videiras que plantamos utilizando duas formas das que estão aqui expostas. Quantas opções é que o Sr. João pode fazer? Esta tarefa surge, no guião, na sequência de uma introdução sobre as possibilidades de conduzir as videiras para a produção de vinho verde. A quinta possui um campo reservado a esta cultura onde estão expostas e identificadas cinco formas de condução das videiras: cruzeta, cordão simples, cordão sobreposto, ramada e enforcado. Para resolver a tarefa, os alunos tiveram que percorrer o espaço e descobrir os painéis informativos que se encontravam junto da vinha onde a técnica correspondente havia sido aplicada. 104 4º CRIA Todos os grupos conseguiram resolver a questão, embora alguns apenas tivessem combinado quatro formas alegando que não repararam na ramada que estava sobre uma parte do percurso que tinham que realizar. Houve representações diferentes, mesmo dentro do mesmo grupo, como se pode ver na imagem que se segue: Figura1: Algumas resoluções da tarefa 2 À esquerda encontra-se uma resposta, única na turma, que inclui uma representação icónica evidenciando detalhes do que existe na realidade. Na resposta mais à direita vê-se um esquema em árvore, onde o aluno fixa cada uma das formas de condução das videiras e faz a respetiva combinação com as restantes, tendo o cuidado de não colocar as combinações repetidas. Esta forma de resolução foi a mais frequente. A última resposta revela que o aluno recorreu à representação geométrica, colocando cada forma de conduzir a videira no vértice de um retângulo e depois traçou as diagonais para que cada uma das formas ficasse ligada às restantes. Como ainda havia 4º CRIA 105 outra forma de conduzir as videiras, fez, depois, a combinação desta com as restantes possibilidades. Este tipo de resolução é comum a dois elementos deste grupo e a outro grupo que apenas identificou quatro formas de condução. Quanto à originalidade, apesar da representação icónica ser única na turma, parece-nos mais óbvia para o ano de escolaridade em estudo do que a representação geométrica, pelo que consideramos esta última mais original. Os participantes apreciaram esta tarefa por envolver uma situação real que lhes é familiar, por ser necessário deslocação para obter informação, por“obrigar a pensar” e por requerer desenhos ou esquemas. Tarefa 9 – Floreira vertical Observa a floreira que está bem perto de ti, composta por sete filas de botas usadas. Imagina que em cima desta floreira se colocava outra exatamente igual. Quantas botas teria a 12ª fila a contar de baixo? Esta tarefa surge em torno de uma situação que evidencia preocupação ambiental. Tratase de uma floreira vertical com sete patamares, na qual as plantas são colocadas em botas reutilizadas. Parece uma tarefa simples, mas revelou-se complexa, porque o número de botas não alternava interminavelmente de um nível para o subsequente, entre uma e duas botas, pois do nível 7 para o 8 o número de botas mantinha-se. Trata-se de um padrão de repetição do tipo 1212121 1212121. Esperava-se que os alunos associassem os níveis de ordem ímpar a uma bota e os de ordem par a duas botas, como fizeram as crianças com quem foram testadas as tarefas. Na verdade, isto verifica-se na primeira parte do padrão, ou seja, na floreira que estavam a observar, mas não é válida para o 12º nível. Houve muita discussão entre os elementos de cada grupo. Na resposta foi apenas registado o número de botas do 12º nível e o lado para o qual estavam voltadas, o que impossibilita uma análise sobre a originalidade do raciocínio. Os alunos identificaram a relação entre os elementos que serviram de base à tarefa e domínios de Estudo do Meio, nomeadamente as bandeiras dos países (pintadas nas botas) e a reutilização de materiais e os respetivos efeitos na pegada ecológica. Apreciaram estar perante uma sequência pouco óbvia, mais exigente que o habitual, e a decoração das botas. 106 4º CRIA Tarefa 12 – Animais do lago No domingo passado avistaram-se, neste pequeno lago, 6 animais que tinham, no total, 6 patas. Não eram os cisnes que estás a observar. Que animais poderiam estar no lago? Esta tarefa foi proposta num passadiço de madeira junto ao lago. No guião, o enunciado surge após uma breve introdução que refere a importância destes ambientes aquáticos enquanto ecossistemas que hospedam múltiplos seres vivos. A generalidade dos participantes começou por dividir o número de animais pelo número de patas, obtendo uma pata por animal, mas de imediato reconheciam a inexistência de animais com uma pata. Esta questão despoletou muita discussão, sobretudo sobre as hipóteses que iam surgindo em cada grupo, uma vez que era necessário satisfazer três condições: número de animais, número de patas e tipos de animais possíveis. Houve um grupo que levantou a hipótese de as patas serem os próprios animais e não membros inferiores dos animais. Foi necessário sugerir que não considerassem essa hipótese. Cada participante só registou uma resposta, à exceção do aluno BP do grupo 2 que apresentou duas. Na figura 2 apresentam-se três das respostas registadas. Resposta do aluno MR (Grupo 1) Resposta do aluno TG (Grupo 3) Resposta do aluno BP (Grupo 1) Figura 2: Algumas resoluções da tarefa 12 A segunda opção da última resposta acima apresentada parece ser a mais original, pois é a única que envolve uma espécie (rã) em duas fases de desenvolvimento – fase larvar e fase adulta. Há mobilização de conhecimentos de Estudo do Meio, especificamente as 4º CRIA 107 características morfológicas dos animais e do meio ambiente em que vivem. É evidente a flexibilidade deste aluno, uma vez que apresenta duas respostas de forma espontânea. Para além disso, participou na discussão em grupo, mas registou duas respostas diferentes dos outros dois colegas. Quase todos os participantes elegeram esta tarefa como preferida, valorizando o local onde a tarefa se realizou e, sobretudo, o facto de se tratar de uma tarefa diferente, que obriga a “puxar pelo cérebro”. Tarefa 13 – As abelhas Questão 3 – As abelhas criam favos em forma de hexágono. a) Desenha, na grelha que se segue, uma pavimentação (figura) com hexágonos, do lado esquerdo do eixo marcado. b) Faz a reflexão dessa figura no lado direito do eixo de simetria. Esta tarefa realizou-se num local alusivo a uma atividade frequente na região – a apicultura. No guião, o enunciado emerge na sequência de uma breve introdução sobre o crescimento desta cultura nos últimos anos, neste concelho, e sobre as principais finalidades: produção de mel, pólen, própolis, geleia real e enxames. Foram colocadas três questões: a primeira consiste num problema de processo que requer dedução lógica; a segunda implica recolha de dados no local sobre a quantidade de mel produzido por cada colmeia; a terceira, subdividida em duas alíneas, solicita a construção de uma figura com hexágonos e a reflexão dessa figura segundo um eixo já desenhado. Esta última foi apontada pela maioria dos alunos como sendo uma das preferidas. Os grupos apresentaram resoluções distintas como as que se mostram na figura 3. 108 4º CRIA Resposta do aluno MCO (Grupo 1) Resposta do aluno LG (Grupo 2) Resposta do aluno BP (Grupo 2) Figura 3: Algumas resoluções da questão 3 da tarefa 13 Na primeira situação, o grupo pavimentou tudo com hexágonos regulares e losangos. Na segunda, veem-se quatro hexágonos regulares que, em conjunto com seis triângulos pequenos, formam um hexágono maior não regular construído de forma não intencional. Resoluções semelhantes a esta, com três ou com quatro hexágonos, foram as mais frequentes. A última resolução, embora não respeite a distância ao eixo de reflexão, foi a única que envolveu hexágonos regulares e não regulares desenhados de forma intencional. O assunto parece ter despertado o interesse dos alunos, porque estava relacionado com um tema explorado, no ano anterior, no âmbito de um projeto da escola. Apreciaram, também, o facto de envolver vários conteúdos, bem como a utilização do desenho e a importância da imaginação, concentração e do rigor na realização da tarefa. Os participantes conseguiram mobilizar facilmente os conhecimentos matemáticos e outros para resolver as tarefas. Reconheceram a ligação entre os assuntos que serviram de base às tarefas e algumas temáticas de outras áreas, sobretudo de Estudo do Meio, de projetos nacionais e internacionais em que a escola participou e vivências familiares, 4º CRIA 109 manifestando apreço por situações de que já ouviram falar. Também manifestaram gosto por poderem deslocar-se no terreno, recorrer várias vezes a desenhos ou esquemas na resolução das tarefas, trabalhar em grupo, resolver tarefas que não são muito óbvias e que exigem concentração, rigor e imaginação. Estas últimas características e o tipo de tarefas mais apreciadas, nomeadamente a 12 e a 13, parecem indicar que estes participantes mostram interesse por tarefas de estrutura mais aberta e promotoras do desenvolvimento da criatividade. Embora se faça referência à originalidade de algumas resoluções, não se pode aferir quanto à criatividade, por não estarem reunidas condições para que possam ser avaliadas as três dimensões. Considerações Finais Apesar de haver vários estudos sobre as potencialidades dos espaços educativos não formais para o ensino e aprendizagem da matemática, a criatividade nestes contextos parece ser um campo ainda a aprofundar. Este trabalho sugere que nos contextos não formais é necessário criar condições aos alunos para desenvolverem e manifestarem as diferentes capacidades que compõem a criatividade, à semelhança do que que Silver (1997) sugere para dentro da sala de aula. Os alunos mostram-se motivados na realização de tarefas fora da sala de aula e empenham-se na resolução das mesmas, mas preferem as que proporcionam interação com os colegas e o meio e as que são mais desafiantes, como constatou Hagen (2013) quando procurou investigar os fatores que incrementavam a motivação. Preferem, também as que se realizam em locais atrativos, as que se relacionam com as suas vivências, as que são observáveis e palpáveis, as que lhes proporcionam atividade física e as que abrangem várias áreas do saber. Atendendo às reações positivas a esta experiência de aprendizagem, incluindo o reconhecimento do aumento de conhecimentos sobre a cultura local, parece fazer sentido que se continuem a trilhar os contextos educativos não formais, proporcionando a contextualização da matemática escolar em situações reais e a respetiva exploração de forma prazerosa. Para isso, os professores devem criar situações de aprendizagem diversificadas, em consonância com o currículo, que estimulem o pensamento divergente (Vale & Pimentel, 2012) e que impliquem a mobilização de conhecimentos de dentro para fora da sala de aula e vice-versa, envolvendo situações que favoreçam a compreensão da 110 4º CRIA matemática e da comunidade, como sugerem Garii e Silverman (2009). Estas experiências de aprendizagem devem, ainda, permitir contrariar tendências pouco saudáveis cada vez mais frequentes na nossa sociedade, como o sedentarismo e a parca interação física e verbal entre as crianças, resultado do tempo excessivo dedicado às tecnologias. Para responder aos interesses e necessidades dos alunos, os docentes também terão que ser criativos em três dimensões: fluentes e flexíveis sobretudo nos contextos que selecionam, nos assuntos e áreas que propõem explorar, no grau de abertura e no nível de desafio das tarefas, e originais, no sentido de criar oportunidades de aprendizagem com detalhes que as tornem singulares e repletas de significado face aos conhecimentos que os alunos possuem e ao contexto onde são realizadas, como sugere Bonotto (2005). Referências bibliográficas Barbosa, A., Vale, I. & Ferreira, R. (2015). Trilhos matemáticos: promovendo a criatividade de futuros professores. Educação e Matemática, 135, 57-64. Boavida, A., Paiva, A., Cebola, G. Vale, I., & Pimentel, T. (2008). A experiência matemática no ensino básico. Lisboa: ME-DGIDC. Bonotto, C. (2005) How Informal Out-of-School Mathematics Can Help Students Make Sense of Formal In-School Mathematics: The Case of Multiplying by Decimal Numbers. 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Acedido em 15 de julho de 2016 em http://link.springer.com/article/10.1007/s10857-011-9199-3 112 4º CRIA COMUNICAÇÕES COM DEMONSTRAÇÃO 4º CRIA 113 114 4º CRIA Matemática + Histórias Infantis = Conexões Criativas no Pré-escolar Maria Vaz1, Ana Barbosa2 Q.I. Colégio, [email protected] 2 Instituto Politécnico de Viana do Castelo, Escola Superior de Educação, [email protected] 1 Resumo. Com este trabalho pretendia-se compreender de que modo as histórias infantis podem contribuir para o desenvolvimento de capacidades transversais, como a resolução de problemas e a comunicação matemática, de crianças em idade pré-escolar, promovendo a criatividade. Para isso, adotouse uma metodologia qualitativa, realizando um estudo exploratório com dezassete crianças com idades entre os 3 e os 5 anos. Foi desenhada uma sequência de tarefas, tendo como ponto de partida histórias com potencialidades para permitir a exploração de capacidades e temas matemáticos. A análise dos dados permitiu verificar que as histórias usadas contribuíram para que as crianças mantivessem a motivação e o empenho durante a realização das tarefas, participando na resolução dos problemas propostos e comunicando usando termos matemáticos específicos com correção. Foi evidente que, ao longo do estudo, usaram diferentes estratégias na resolução dos problemas propostos. Do mesmo modo, foi notório o refinamento de vocabulário relacionado com os temas abordados, sendo coerentes e claras na exposição dos seus raciocínios, usando terminologia adequada. Os resultados deste estudo permitiram ainda concluir que, durante o período em que as crianças realizaram as tarefas, foi havendo sempre uma evolução significativa, quer ao nível da resolução de problemas quer ao nível da comunicação matemática. Palavras-chave: Educação Pré-escolar; Matemática; Histórias infantis; Resolução de Problemas; Comunicação matemática Introdução O educador tem um papel “crucial no modo como as crianças vão construindo a sua relação com a Matemática” (Castro & Rodrigues, 2008, p. 9), sendo desejável que parta do que já sabem, aproveitando situações que sejam do seu interesse para aprofundar noções matemáticas (DEB, 1997). Tendo em consideração que “neste nível etário, não se pode perder de vista que um dos objetivos é relacionar a matemática com outras áreas e que este aspeto é em si uma nova aprendizagem com relevância para a matemática” (Moreira & Oliveira, 2003, p. 163) e que as histórias têm, por norma, boa recetividade por parte das crianças, optou-se por desenvolver um estudo no qual se privilegiou as conexões entre a Matemática, em particular através da resolução de problemas e da comunicação matemática, e as histórias infantis, procurando compreender de que forma 4º CRIA 115 contribuem para o desenvolvimento de capacidades transversais. Esta opção é reforçada pela literatura da especialidade onde se refere que as crianças aprendem com mais facilidade se for sugerida uma tarefa que parta da exploração de uma história, sendo que o recurso a contos infantis torna os conceitos abordados mais relevantes (Hong, 1999). Tendo em conta as ideias expostas, procurou-se neste estudo compreender de que modo as histórias infantis podem contribuir para o desenvolvimento de capacidades matemáticas transversais, como a resolução de problemas e a comunicação matemática, de crianças em idade pré-escolar, promovendo a criatividade. De modo a refletir sobre a problemática do estudo, foram formuladas as seguintes questões de investigação: 1) Como se caracteriza o desempenho das crianças na resolução de problemas emergentes e histórias infantis e que estratégias utilizam?; 2) Como evoluem na expressão das suas ideias matemáticas e que representações usam? Enquadramento teórico A Resolução de Problemas A atividade de resolver problemas é intrínseca à natureza humana desde sempre (Vale & Pimentel, 2004). No âmbito da educação pré-escolar, salienta-se a sua transversalidade, pois, nesta etapa educativa, deverá atravessar todas as áreas e domínios do currículo, constituindo assim uma situação de aprendizagem significativa (e.g. DEB, 1997; Moreira & Oliveira, 2003). Ao longo da educação pré-escolar o desafio passa por desenvolver as inclinações inatas das crianças para a resolução de problemas e preservar e estimular uma disposição ou atitude que a valorize (NCTM, 2007). Assim, é importante que o educador proponha situações problemáticas e permita que as crianças encontrem as suas próprias soluções (DEB, 1997), levando o grupo a considerar mais do que uma estratégia para a resolução dos problemas, assumindo o papel de orientador. A resolução de problemas é um excelente meio através do qual a criança se pode apropriar de novos conhecimentos matemáticos ou consolidar aprendizagens já realizadas. No entanto, sendo uma tarefa à qual se atribui um grau de complexidade elevado, nem sempre as crianças têm sucesso. A maior parte das vezes, as dificuldades decorrem sobretudo “não da falta de conhecimentos matemáticos mas sim da ineficácia do uso desses conhecimentos” (Vale & Pimentel, 2004, p. 17). Frequentemente o que acontece é que quem resolve o problema não sabe mobilizar os conhecimentos que já 116 4º CRIA possui para os aplicar à nova situação, assim importa conhecer estratégias de resolução de problemas, pois são uma boa ajuda para a organização do pensamento individual, o que ajudará na procura de caminhos válidos para a resolução e exploração de diferentes situações (Vale & Pimentel, 2004). Podem então distinguir-se várias estratégias passíveis de serem usadas na resolução de problemas diferentes, como: descobrir um padrão; fazer uma lista organizada ou uma tabela; reduzir a um problema mais simples; relacionar um novo problema com outro já conhecido; trabalhar do fim para o princípio; usar dedução lógica; fazer tentativas; fazer um desenho, um diagrama ou um gráfico; fazer uma simulação ou dramatização. Estas e outras estratégias são, sem dúvida, ferramentas às quais se pode recorrer para se estar apto a analisar e resolver com sucesso um problema, concebendo um plano para chegar à solução. A investigação tem mostrado que as crianças possuem uma variabilidade no modo como exploram problemas e nas estratégias que usam nas suas experiências matemáticas, não sendo o seu conhecimento uniforme e explícito (e.g. Barody, 2002). As estratégias usadas pelas crianças pequenas podem variar na mesma sessão e na mesma tarefa tanto na resolução de problemas orais e escritos como na utilização dos símbolos, sendo as suas respostas influenciadas por vários fatores, como por exemplo o material utilizado. A Comunicação Matemática As competências comunicativas começam a desenvolver-se na criança desde cedo, manifestando-se quando lhe são dadas oportunidades de interagir com outros (Moreira & Oliveira, 2003). A linguagem da qual a criança se vai apropriando constitui um meio de excelência usado para comunicar, podendo ser mobilizada no sentido de exprimir ideias, mas também no sentido de as aprender e interpretar (NCTM, 2007). A comunicação apresenta-se assim como parte essencial da educação matemática, sendo a linguagem “uma ferramenta muito poderosa que deverá ser utilizada para promover a aprendizagem” (NCTM, 2007, p. 148). A comunicação matemática desenvolve-se sobretudo pela linguagem oral, no entanto “existe uma estreita interdependência entre as representações em Matemática e a comunicação” (Boavida, Paiva, Cebola, Vale & Pimentel, 2008, p. 70), podendo assim usar-se representações convencionais e não convencionais, cuja partilha é essencial para o processo de comunicação. É então possível que as crianças representem os seus pensamentos e conhecimentos sobre ideias matemáticas através da linguagem verbal, oral e escrita, utilizando os gestos, desenhos ou símbolos inventados e/ou convencionais 4º CRIA 117 (NCTM, 2007). Estas representações, para além de constituírem métodos viáveis de comunicação, são poderosas ferramentas de raciocínio e permitem tornar as ideias matemáticas mais concretas e disponíveis para reflexão (NCTM, 2007). Segundo Bruner (1962, referido por Boavida et al., 2008) existem várias formas de representar ideias matemáticas, podendo comunicar-se através de representações ativas, representações icónicas e representações simbólicas. As representações ativas, estando associadas à ação, dizem respeito à manipulação direta e adequada de materiais manipuláveis ou objetos e simulação de situações. As representações icónicas, baseadas na organização visual, surgem quando são usadas figuras, imagens, esquemas, diagramas ou desenhos com o objetivo de ilustrar conceitos, procedimentos ou relações entre eles. Por fim, as representações simbólicas recorrem a símbolos que não são obrigatoriamente os formais, partilhados por quem domina a linguagem matemática, podendo estes até ser criados pelas crianças, e plenos de significados próprios, eficazes na comunicação de ideias. As histórias infantis e a aprendizagem da Matemática No ensino da matemática o ponto de partida para a aprendizagem devem ser tarefas ricas, diversificadas e organizadas de modo coerente, propostas e supervisionadas pelo educador. Atendendo a que as tarefas matemáticas deverão ser adequadas ao nível de desenvolvimento da criança, devendo envolvê-las e mantê-las interessadas, o recurso à literatura infantil pode ser considerado uma boa estratégia para abordar conceitos matemáticos (Yoop & Yoop, 2009). Sabendo que a literatura infantil tem um papel importante nesta etapa educativa, o educador poderá proporcionar experiências bastante significativas às crianças ao ler em voz alta e ao articular a literatura com outras áreas/domínios do currículo. Desta forma, as crianças beneficiam de diferentes modos de aceder ao conhecimento, a partir de experiências ricas e significativas. Tendo o poder de envolver e de focar a atenção de um grupo de crianças, os livros infantis deverão ser um recurso usado recorrentemente pelo educador já que, por norma, fomentam a imaginação e proporcionam satisfação, facilitando também o desenvolvimento da linguagem (e.g. Heuvel-Panhuizer, Boogaard & Doig, 2009; Yoop & Yoop, 2009). As conexões existentes entre a literatura, em particular as histórias infantis, e a matemática são ilimitadas, cabendo ao educador selecionar atividades que tenham como 118 4º CRIA ponto de partida um livro infantil, uma vez que as histórias têm o potencial de suportar o desenvolvimento matemático, oferecendo várias oportunidades de integrar o currículo enquanto, ao mesmo tempo, suportam experiências ricas em matemática (Koellner, Wallace & Swackhamer, 2009). Vários autores (e.g. Heuvel-Panhuizer et al., 2009) defendem a importância de partir de um contexto que faça sentido para a criança, pois os contextos familiares permitem que estas invoquem os seus conhecimentos prévios para darem sentido à matemática, o que torna a aprendizagem mais rica e permite que o ensino seja construído a partir do conhecimento informal. Deste modo, uma abordagem à matemática usando a literatura infantil pode ser bastante eficaz pois os livros infantis oferecem um contexto envolvente e proporcionam experiências onde são apresentadas várias ideias matemáticas que mais tarde poderão ser exploradas de modo formal. O educador pode encontrar várias formas de desencadear o potencial da literatura nas atividades matemáticas. Considerando que deve estar atento de modo a proporcionar oportunidades para a resolução de problemas significativos a partir de acontecimentos espontâneos ocorridos na sala de atividades (Young & Marroquin, 2006), a literatura infantil pode surgir como ponto de partida para o desencadeamento dessas atividades. Várias ideias matemáticas podem estar presentes nos livros infantis desde que devidamente explorados, assim, uma vez que a leitura de histórias é uma atividade familiar no jardim de infância, os educadores deverão propor problemas baseados nas histórias fazendo uso da sua criatividade (Young & Marroquin, 2006). Smole (1998) aponta ainda que a utilização da literatura infantil em conexão com o trabalho em resolução de problemas permite que, tanto o educador como as crianças, utilizem e valorizem naturalmente diferentes estratégias de procura de uma solução, tais como o desenho, a oralidade, a dramatização, a tentativa e erro, processos que normalmente são esquecidos no trabalho tradicionalmente realizado na sala de atividades. Também se pode assumir que a literatura infantil proporciona um contexto para promover a comunicação sobre ideias matemáticas pois explorar, criar e comunicar são atividades que surgem naturalmente nos livros infantis (Heuvel-Panhuizen et al., 2009). Rodrigues (2011) reforça esta perspetiva, afirmando que as histórias constituem um bom meio para comunicar ideias matemáticas uma vez que permitem relacioná-las com a realidade ou com outras áreas/domínios, possibilitam o relacionamento de tópicos, a abordagem de diferentes representações e conceitos matemáticos e ajudam a explorar problemas e a descrever resultados. McDuffie e Young (2003) consideram que usar a 4º CRIA 119 literatura infantil nas atividades matemáticas pode ajudar o educador que está a começar a introduzir as discussões matemáticas nas atividades com o seu grupo, podendo assim criar mais facilmente um ambiente que promova a comunicação. A criatividade começa com curiosidade e envolve os alunos em tarefas de exploração e experimentação, nas quais podem manifestar a sua imaginação e originalidade (e.g. Barbeau, 2009). As histórias infantis podem ser o motor para despoletar discussões em grupo e a resolução de problemas que envolvem as crianças. Esta estratégia de promoção da exploração de ideias matemáticas dá às crianças a oportunidade de expandir a sua criatividade, pensando em diferentes formas de resolver um dado problema, desenvolvendo a flexibilidade do seu raciocínio. Metodologia Considerando o problema e as questões a ele associadas, optou-se por uma metodologia de natureza qualitativa de caráter exploratório (e.g. Yin, 2009). Este estudo realizou-se durante o ano letivo 2014/2015, num jardim de infância da rede pública, pertencente a um agrupamento de escolas do concelho de Viana do Castelo. O grupo, com o qual foi desenvolvida esta investigação, era constituído por dezassete crianças, oito do sexo feminino e nove do sexo masculino, sendo que nove delas tinham 3 anos, sete tinham 4 anos e uma tinha já 5 anos. Pode assim considerar-se que o grupo era heterogéneo em relação à faixa etária, sendo verificada a mesma heterogeneidade no que refere aos interesses manifestados pelas crianças e aos seus níveis de desenvolvimento. Os dados foram recolhidos ao longo de dois meses, através da implementação de cinco tarefas, recorrendo à observação participante, a registos fotográficos e gravações vídeo, a notas de campo e registos realizados pelas crianças. Foi preparada uma sequência de cinco tarefas, sendo que cada uma incluía a realização de diferentes atividades, tendo em comum a exploração de histórias infantis com potencialidades para desenvolver diferentes capacidades e conteúdos matemáticos (e.g. contagens, noções de posição e orientação espacial, reconhecimento de formas geométricas, estimativas e medições, divisão). As histórias foram selecionadas de acordo com critérios definidos na literatura (e.g. Marston, 2010; Price & Lennon, 2009), considerados essenciais neste estudo, tais como: Correção matemática; Apelo visual e verbal; Conexões; Diversidade de conteúdos; Promoção da Resolução de Problemas e da Comunicação Matemática; e 120 4º CRIA Fator “Wow” – Suspense. Resultados da implementação de uma tarefa Os resultados que aqui se apresentam referem-se à implementação de uma das tarefas, intitulada “De que tamanho é um pé?”. Partiu-se da exploração do livro How big is a foot? (Anexo 1), de Rolf Myller, e a partir da sua exploração foram abordados conteúdos relacionados com o tema Medida, sendo os principais objetivos: (1) Perceber como se pode medir usando unidades não padronizadas; (2) Usar uma unidade e instrumento adequados para realizar medições; (3) Ter em conta referências comuns para fazer comparações e estimativas; (4) Compreender que os objetos têm atributos mensuráveis; (5) Usar expressões como “maior do que” e “menor do que” para comparar grandezas. Esta tarefa dividiu-se numa sequência de sete atividades. Na primeira, “Quem deixou esta pegada?”, que funcionou como forma de motivação e diagnóstico, foram distribuídos vários pares de pegadas pelo chão da sala de atividades. Numa primeira abordagem as crianças teceram alguns comentários acerca do seu tamanho: L.P.: Umas são maiores, outras são mais pequenas e outras são médias. Posteriormente, as crianças foram desafiadas a ordenar os pares de pegadas segundo o critério tamanho, das mais pequenas às maiores. Não se tendo obtido uma representação correta à primeira tentativa, despoletou-se um diálogo que levou as crianças a reconhecer que teriam de reordenar as pegadas de modo a obter uma representação correta. Durante o diálogo, uma das crianças usou no seu vocabulário uma expressão pouco correta: I.S.: As (pegadas) rosas são as mais grandes. Estagiária: As maiores? I.S.: Sim, as maiores. Esta foi uma excelente oportunidade de refinamento do vocabulário, tendo a criança substituído imediatamente o vocábulo menos adequado por outro. Terminada esta atividade, o grupo foi desafiado a escutar a história “De que tamanho é um pé?”, uma adaptação da história original. Nesta primeira fase, apenas se procedeu à leitura da primeira parte da história, que se estendeu até ao final da frase “Por que será que a cama era demasiado pequena para a rainha?”, deixando assim o desafio ao grupo. 4º CRIA 121 Chamou-se a atenção das crianças para esta frase, questionando-as acerca do porquê de a cama ser pequena para a rainha. Inicialmente não compreenderam a razão: Estagiária: O que é que o rei disse acerca do tamanho da cama? Quanto é que ele disse que a cama tinha de medir? (o grupo não responde) Estagiária: O que fez o rei para saber qual o tamanho que a cama tinha de ter? (mostrando uma das imagens da história – Figura 1) I.S.: Mediu com os pés. Estagiária: Como? L.P.: Assim, 1, 2, 3 e 1, 2, 3, 4, 5, 6. (apontando para os pés na imagem) Estagiária: Então o rei mediu 3 pés de... De quê? I.S., L.P.: Largura. Estagiária: 3 pés de largura. E 6 pés de... I.S., L.P.: Comprimento. Figura 1. Imagem apresentada Pela análise do diálogo, percebe-se que o grupo adquiriu com facilidade novo vocabulário relacionado com o tema Medida, nomeadamente os termos “largura” e “comprimento”, usando-os corretamente. Depois de se perceber como é que o rei mediu a cama, voltou-se a questionar o grupo sobre se o aprendiz teria cumprido ou não a ordem do rei. Nesta fase, uma das crianças avançou a hipótese de o aprendiz não ter usado o mesmo número de pés que o rei para construir a cama. Posto isto, sugeriu-se a essa criança que comparasse as representações feitas pelas duas personagens, contando os pés utilizados por uma e outra personagem. Figura 2. Uma das crianças do grupo compara as duas representações Depois de se concluir que o aprendiz e o rei tinham usado o mesmo número de pés para medir a cama, e com a finalidade de envolver o grupo num ambiente de fantasia, sugeriu-se fazer uma dramatização de modo a tentar compreender o problema, para 122 4º CRIA assim poderem ajudar o aprendiz. Assim, foram escolhidas várias crianças que desempenharam os papéis das diferentes personagens. Houve o cuidado de calçar à criança que desempenharia o papel de rei uns sapatos de adulto, de modo a perceberem as diferenças nas representações que iriam ser feitas pelo rei e pelo aprendiz. Durante a dramatização, a estagiária leu a história e encorajou as crianças a agirem segundo o que era relatado. No momento em que a criança que representava o papel de rei ia medir com os pés o tamanho que a cama deveria ter, foi estendido no chão papel de cenário onde a criança que representava a rainha se deitou sendo delineados os pés do rei, à medida que o mesmo ia caminhando ao lado dela, de modo a que ficasse feita uma representação de como o rei tinha pedido para fazer a cama. Figura 3. A estagiária contorna os pés usados pelo rei para medir o tamanho da cama Do mesmo modo, na altura em que o aprendiz realizou as suas medições, seguindo as instruções do rei, os seus pés foram também delineados. Ainda durante a dramatização, no momento em que o rei ofereceu a cama à rainha, e usando para o efeito a representação feita pelo aprendiz no papel de cenário, o grupo verificou que a rainha não cabia nela, sendo a cama demasiado pequena. Figura 4. O grupo verifica que a cama é demasiado pequena para a rainha 4º CRIA 123 Depois de se ter percebido que a cama feita pelo aprendiz era pequena para a rainha, o grupo foi reunido em redor das representações feitas no papel de cenário, de modo a refletir novamente sobre o porquê de tal ter acontecido. Durante o diálogo, foi possível perceber que a maioria das crianças introduzia no seu discurso vocábulos como “comprimento” e “largura”, ainda que por vezes os confundissem. Quando questionadas acerca do tamanho das camas, concordaram que a cama construída pelo aprendiz era mais pequena. Posto isto, a estagiária questionou o grupo acerca desta diferença, tendo as crianças apresentado respostas distintas: L.G.: Os sapatos do rei eram muito grandes e os outros eram pequeninos. B.R.: Olha estes! Estes pés são muito pequeninos e aqueles não (referindo-se respetivamente, aos pés do aprendiz e aos pés do rei) L.P.: Os pés do rei chegam quase ali à ponta e estes não. (referindo-se à ponta do papel) Apesar de as respostas serem bastante distintas, todas estavam orientadas no mesmo sentido, referindo que o pés do rei eram muito maiores do que os do aprendiz. Assim, depois de todas as crianças do grupo concluírem que a cama tinha saído demasiado pequena para a rainha porque os pés do rei eram maiores do que os pés do aprendiz, questionou-se sobre de que modo poderiam ajudar o aprendiz a resolver o seu problema. Todas as crianças acharam que deviam contar ao aprendiz a sua descoberta e uma delas sugeriu que a solução para o problema poderia passar por o aprendiz pedir os sapatos do rei emprestados para construir a cama, deste modo, calçando-os, conseguiria medir a cama para a rainha e construí-la corretamente. Sabendo da curiosidade do grupo acerca de computadores e do seu funcionamento, a estagiária sugeriu ao grupo enviar um email ao aprendiz com a resolução do problema. Num momento posterior, a estagiária leu a segunda parte da história, que conta como o aprendiz resolveu o problema da cama da rainha, seguindo as instruções dadas pelo grupo no e-mail. Esta segunda parte da história teve de ser adaptada de modo a contar que o aprendiz tinha recebido o e-mail enviado pelo grupo e resolvido o problema, pedindo ao rei que lhe emprestasse os seus sapatos. De modo a manter as crianças envolvidas num contexto imaginário, foi proposta a atividade “O aprendiz agradece”. Informou-se o grupo que o aprendiz tinha respondido ao e-mail enviado. As crianças mostraram-se curiosas acerca do que o aprendiz teria dito, tendo ficado satisfeitas e empolgadas por ter conseguido resolver o problema do tamanho da cama e lhes ter agradecido a ajuda. 124 4º CRIA Por fim, foi realizada uma atividade prática que deu às crianças a oportunidade de agir como o rei e o aprendiz da história e utilizar os pés para medir objetos presentes na sala. Como desconheciam esta estratégia de medição antes de lhes ter sido apresentada a história, todas referiram nunca terem experimentado medir com os pés, mostrando-se interessadas por fazê-lo. Depois de ter verificado que a maioria das crianças sabia como proceder para medir com os pés, a estagiária apresentou às crianças a folha de registo a ser preenchida durante a concretização desta atividade. A medição centrou-se no tapete colocado na área dos jogos de chão, no armário dos jogos calmos e no banco das mochilas. Depois disto, a estagiária explicou ao grupo o que iria ser registado na folha de registo, dizendo que na primeira coluna iriam colocar o número de pés que achavam que iam precisar para medir cada um dos objetos (estimativa) e na segunda iriam colocar o número de pés que realmente precisaram para medir os objetos, depois de efetivamente terem realizado a medição. As crianças mais velhas do grupo realizaram a atividade sem dificuldades, fazendo previsões, tendo, por exemplo, em conta que se o banco das mochilas era o maior objeto a medir iriam precisar de mais pés do que para medir os outros objetos. Outras crianças não foram capazes de fazer previsões com consciência, não atendendo ao tamanho dos diferentes objetos a medir. Foi ainda percetível que algumas crianças apresentaram dificuldades no que refere à sequência numérica, o que influenciou as suas capacidades de medição. Figura 5. As crianças medem os objetos usando os pés Conclusões A literatura infantil assume um papel importante na educação pré-escolar. Deste modo, foi possível proporcionar experiências significativas ao grupo que participou neste estudo ao articular as histórias com o domínio da matemática. Ao longo da investigação foram propostos problemas, decorrentes de histórias criteriosamente selecionadas, explorados em diferentes momentos, não só durante o 4º CRIA 125 questionamento feito após a leitura de uma história, mas também em atividades de motivação e como forma de diagnosticar os conhecimentos das crianças. Tal como sucedeu na tarefa apresentada neste texto, quando confrontadas com um problema, recorreram a várias estratégias de resolução de modo a chegar à solução, tais como: fazer tentativas (num problema de divisão; num problema de contagens progressivas e regressivas), descobrir um padrão (num problema de contagens progressivas e regressivas), fazer uma simulação ou dramatização (no problema apresentado neste texto; num problema de divisão; num problema de contagens progressivas e regressivas) e relacionar um novo problema com outro já conhecido. O processo de reflexão posterior à resolução de problemas, foi também um aspeto privilegiado neste estudo, sendo a maioria das crianças capazes de falar acerca do problema acabado de resolver, relatando como tinha procedido e porquê. Embora se possa afirmar que a maioria das crianças tenha tido um bom desempenho na resolução dos problemas propostos, várias revelaram dificuldades no processo de resolução, quer por não compreenderem o problema ou por não conseguirem acompanhar a estratégia utilizada. No entanto, a estagiária seguiu de perto estes casos, explicando novamente o que se pretendia ou pedindo a outras crianças que o fizessem, de modo a que todas vivenciassem experiências significativas e se sentissem envolvidas no processo. Sendo uma capacidade transversal a toda a aprendizagem matemática, a comunicação matemática começa a ser desenvolvida desde cedo. Todas as tarefas desenvolvidas ao longo deste estudo visavam promover a comunicação centrada em ideias matemáticas, tendo sido consideradas algumas características que se pretendia que as crianças adquirissem ou refinassem, tais como: a precisão, a colocação de hipóteses e realização de generalizações, a clareza, a apresentação de argumentos coesos e o uso de terminologia matemática adequada. Foi bastante explícito que, durante o estudo, as crianças foram gradualmente capazes de refinar o seu vocabulário, substituindo alguns vocábulos menos corretos por outros mais corretos ou adquirindo novo vocabulário, integrando-o no seu discurso. O recurso a representações emergiu não só para construir novos conhecimentos, mas também para exprimir ideias matemáticas. As representações privilegiadas neste estudo foram as ativas, essencialmente através da utilização de materiais manipuláveis e da simulação de situações. As icónicas e as simbólicas foram também evidenciadas através do preenchimento de folhas de registo associadas às tarefa propostas. 126 4º CRIA Ao longo das várias tarefas as crianças foram adotando algumas atitudes consideradas fundamentais para o sucesso na resolução de uma tarefa matemática, tais como: a disposição, o interesse, a autoconfiança, a perseverança, as crenças e a flexibilidade. Foram notórios: a disposição para participar nas tarefas, mostrando que era um momento significativo para elas; o interesse, dado que as tarefas propostas foram ao encontro dos seus interesses, tendendo a dedicar-lhes mais tempo uma vez que eram propostas consideradas relevantes; a autoconfiança ao lidar com a incerteza e a com possibilidade de errar; a perseverança, mostrando-se persistentes, não desistindo de imediato quando não encontravam o caminho para a solução; a flexibilidade, reconhecendo diferentes formas de pensar sobre a mesma situação, considerando por vezes, o conhecimento já existente de um novo modo, fatores que constituem elementos incontornáveis para se ser criativo em matemática. Referências bibliográficas Barbeau, E. (2009). Chapter 0-Introduction. In E. J. Barbeau & P. J. Taylor (Eds.), Challenging Mathematics In and Beyond the Classroom – New ICMI Study Series 12 (pp. 1-10). NewYork: Springer. Baroody, A. (2002). Incentivar a aprendizagem matemática das crianças. In B. Spodek (Org.), Manual de investigação em educação de infância (pp. 333-390). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. Boavida, A., Paiva, A., Cebola, G., Vale, I., & Pimentel, T. (2008). A Experiência Matemática no Ensino Básico - Programa de Formação Contínua em Matemática para Professores dos 1.º e 2.º Ciclos do Ensino Básico. Lisboa: Editorial do Ministério da Educação. Castro, J., & Rodrigues, M. (2008). Sentido de número e organização de dados: Textos de Apoio para Educadores de Infância. Lisboa: DGIDC. DEB (1997). Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar. Lisboa: Ministério da Educação. Heuvel-Panhuizen, M., Boogaard, S., & Doig, B. (2009). Picture books stimulate the learning of mathematics. Australian Journal of Early Childhood, 34, 30-39. Hong, H. (1996). Effects of Mathematics Learning Through Children's Literature on Math Achievement and Dispositional Outcomes. Early Childhood Research Quarterly, 11, 477-494. Koellner, K., Wallace, F. H., & Swackhamer, L. 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Using Literature in the Classroom. In R. H. Yoop, & H. K. Yoop (Eds.), Literature-Based Reading Activities (pp. 1-14). London: Pearson. Young, E., & Marroquin, C. L. (2006). Posing Problems from Children's Literature. Teaching Children Mathematics, 12, 362-366. 128 4º CRIA Anexo 1 DE QUE TAMANHO É UM PÉ? – Adaptado de How Big is a Foot? de Rolf Myller Era uma vez um rei que vivia com a sua esposa, a rainha. Eram um casal muito feliz porque tinham tudo o que existia no mundo. Contudo, quando o dia de aniversário da rainha se estava a aproximar, o rei teve um problema: não sabia o que lhe ia oferecer. O que se poderia oferecer a alguém que já tem tudo? O rei pensou e pensou e pensou até que, de repente, teve uma ideia! Iria dar à rainha uma cama! 4º CRIA 129 A rainha não tinha uma cama porque até àquele dia as camas ainda não tinham sido inventadas. Por isso, mesmo alguém que tinha tudo, ainda não tinha uma cama. Era o caso da rainha! O rei chamou o seu primeiro-ministro e pediu-lhe para por favor fazer uma cama. O primeiro-ministro chamou o carpinteiro chefe e pediu-lhe para por favor fazer uma cama. Por sua vez, o carpinteiro chefe chamou o aprendiz e pediu-lhe para fazer uma cama. - Como é uma cama? De que tamanho é? – perguntou o aprendiz que não sabia porque até àquele dia ainda ninguém tinha visto uma cama. - Como é uma cama? De que tamanho é? – perguntou o carpinteiro chefe ao primeiro-ministro. - Boa pergunta! – respondeu o primeiro-ministro. O primeiro-ministro foi então ter com o rei. - Sua alteza! Pediu-me para fazer uma cama, mas há um problema: nunca vimos uma cama! Como é uma cama? De que tamanho é? – perguntou preocupado o primeiro ministro. O rei pensou e pensou e pensou até que, de repente, teve uma ideia: - A cama tem de ser grande o suficiente para que nela caiba a rainha. 130 4º CRIA O rei chamou então a rainha. Pediu-lhe para vestir o seu pijama novo e que se deitasse no chão. O rei tirou os seus sapatos e caminhou com cuidado ao lado da rainha. - A cama deve ter três pés de largura e seis pés de comprimento para ser grande o suficiente para que nela caiba a rainha. – informou o rei – Incluindo a coroa, porque às vezes a rainha gosta de dormir com a sua coroa na cabeça. O rei agradeceu à rainha e informou o primeiro-ministro, que informou o carpinteiro chefe, que informou o aprendiz: A cama deve ter três pés de largura e seis pés de comprimento para ser grande o suficiente para que nela caiba a rainha, incluindo a coroa, porque às vezes a rainha gosta de dormir com a sua coroa na cabeça! 4º CRIA 131 O aprendiz agradeceu, tirou os seus sapatos e com os seus pés pequeninos mediu três pés de largura e seis pés de comprimento. O aprendiz trabalhou, trabalhou e a cama ficou pronta. Quando o rei viu a cama pensou: - Que bonita! O rei estava tão ansioso por mostrar a surpresa à rainha que nem conseguiu esperar pelo dia do seu aniversário. Então, o rei chamou a rainha, pediu-lhe para vestir o seu pijama novo e mostroulhe o seu presente. A rainha quis logo experimentar a sua cama, mas, quando se deitou nela, reparou que a cama era pequena demais para si. 132 4º CRIA O rei ficou tão zangado que mandou logo chamar o primeiro-ministro, que chamou o carpinteiro chefe, que chamou o guarda que pôs o aprendiz numa prisão. O aprendiz estava muito triste. Por que será que a cama era demasiado pequena para a rainha? O aprendiz pensou e pensou e pensou até que, de repente, teve uma ideia! Uma cama que tivesse três pés do rei de largura e seis pés do rei de comprimento, naturalmente, seria maior do que uma cama com três pés de aprendiz de largura e seis pés de aprendiz de comprimento. Entusiasmado com a sua descoberta o aprendiz gritou: - Eu consigo fazer uma cama onde caiba a rainha se souber o tamanho do pé do rei. O aprendiz explicou a sua descoberta ao guarda, que explicou ao carpinteiro chefe, que explicou ao primeiroministro, que explicou ao rei que naquele dia estava muito ocupado para ir até à prisão. Em vez disso, o rei chamou um escultor muito famoso e entregou-lhe um dos seus sapatos. O escultor fez uma cópia do pé do rei em pedra que foi enviada para a prisão onde estava o aprendiz. 4º CRIA 133 O aprendiz pegou então na cópia do pé do rei em pedra, mediu com ela três pés de largura e seis pés de comprimento e construiu uma cama à medida da rainha. A cama ficou pronta mesmo a tempo do aniversário da rainha. Nesse dia, o rei chamou a rainha e pediu-lhe que vestisse um pijama novo. Depois, o rei mostrou à rainha a sua nova cama e disse-lhe que a experimentasse. A rainha entrou na cama e... a cama servia perfeitamente para a rainha, incluindo a coroa com a qual a rainha gostava de dormir, de vez em quando. A cama foi, sem dúvida, o melhor presente que a rainha alguma vez recebeu. O rei ficou muito feliz, chamou imediatamente o aprendiz, tirou-o da prisão e fez dele um príncipe real. O rei estava tão, tão satisfeito que organizou um grande cortejo e toda a gente veio saudar o pequeno príncipe aprendiz. 134 4º CRIA A partir desse dia, toda a gente que quisesse medir alguma coisa, usaria uma cópia do pé do rei em pedra. E quando alguém dizia “a minha cama tem seis pés de comprimento e três pés de largura” toda a gente sabia perfeitamente de que tamanho isso era. 4º CRIA 135 136 4º CRIA Pensar não tem de ser escolarizar! Florbela Soutinho, Ema Mamede CIEC, Universidade de Minho, [email protected] CIEC, Universidade do Minho, [email protected] Resumo. Entre o “brincar” do Jardim de Infância e o “aprender” da escolaridade obrigatória existe uma ponte que pode assumir-se como um fosso se os docentes entenderem que ensinar e aprender discordam de criatividade. Escolarizar assombra aqueles que tentam ir para além da rotina diária, como se as crianças do pré-escolar estivessem por natureza impossibilitadas de pensar antes da escolaridade formal. Ora, desafiá-las a pensar e encontrar soluções para os seus problemas não é escolarizar. Proporcionar experiências matemáticas estimulantes às crianças do préescolar é fundamental para a relação que se estabelece entre elas e o conhecimento. Através de brincadeiras as crianças podem desenvolver o seu pensamento e adquirem competências matemáticas que serão a base de aprendizagens futuras. Esta comunicação pretende evidenciar como crianças de 4, 5 e 6 anos resolvem alguns problemas de estrutura aditiva e multiplicativa, apresentados sob a forma de desafios. Procura-se perceber: 1) Como resolvem estas crianças problemas de estrutura aditiva e de estrutura multiplicativa? 2) Que estratégias adotam na sua resolução? 3) Que explicações apresentam? Os resultados evidenciam sucesso no desempenho das crianças, acompanhados de argumentos válidos, o que parece indicar que as experiências matemáticas no pré-escolar traduzem mais a falta de oportunidades para as crianças do que a sua ausência de capacidades. Palavras-chave: Pré-escolar; resolução de problemas; estrutura aditiva; estrutura multiplicativa. Introdução Concebido como a atividade espontânea da criança (Kishimoto, 1998), o brincar é essencial ao seu desenvolvimento. É através deste que a criança gere a sua relação com os outros, assimila e se apropria dos significados das ações humanas e se constrói enquanto sujeito. Mas ser criança é igualmente sinónimo de ser capaz de encontrar soluções para alguns problemas. Katz (2006) alerta que as crianças devem ser entendidas como seres sensíveis, pensantes, e que, embora novas, devem ser envolvidas em “investigações” significativas. Elas nascem naturalmente curiosas, cientistas e com uma predisposição inata para explorar o ambiente, retirando o melhor sentido das suas experiências. Para tal, usam predisposições como investigar, levantar hipóteses, analisar e verificar, mesmo durante os anos da idade pré-escolar. Segundo a autora, as predisposições intelectuais mais importantes serão as inatas, devendo ser fortalecidas e apoiadas, em vez de serem “minadas” por pressões académicas prematuras. A 4º CRIA 137 aprendizagem através da exploração, da reflexão, da análise, ou seja, do jogo e do brincar reforça e aprofunda conhecimentos inatos. Assim, foi objetivo deste estudo perceber como raciocinam as crianças de 4, 5 e 6 anos quando resolvem alguns problemas de estrutura aditiva e de estrutura multiplicativa. Procura-se, para tal, responder às seguintes questões: 1) Que desempenhos apresentam as crianças quando resolvem alguns problemas de estrutura aditiva e de estrutura multiplicativa? 2) Que estratégias usam para resolver estes problemas? 3) Que argumentos utilizam para justificar as suas respostas? Conhecimento Informal Gelman e Gallistel (1978) reconhecem que as crianças possuem estruturas elementares inatas, o que lhes permite, desde cedo, desenvolver as primeiras noções numéricas. As crianças do pré-escolar dominam de forma intuitiva um conjunto implícito de princípios matemáticos (Resnick, 1989), entendido como conhecimento informal, e que posteriormente transportam para o processo de aprendizagem e o usam para interpretar a matemática escolar (Ginsburg & Seo, 1999). Embora o trabalho que se realiza com crianças dos 0 aos 6 anos tenha uma identidade própria, conteúdos matemáticos anteriores vão-se ampliando e relacionando com os seguintes à medida que a escolaridade avança, sendo a educação pré-escolar o embrião. Deste modo, as atividades proporcionadas às crianças do pré-escolar assumem relevância. O jogo favorece o envolvimento das crianças em situações de resolução de problemas e desenvolve o seu pensamento e procedimento matemático de maneira informal (Sarama & Clements, 2009). Reconhecer a resolução de problemas como uma competência transversal e integradora de outras competências remete para a necessidade de refletir sobre a melhor altura para proporcionar às crianças determinadas experiências, assumindo que estas já possuem algumas competências matemáticas antes de iniciarem a instrução formal. Resolução de problemas de estrutura aditiva e multiplicativa A literatura tem estudado o desempenho das crianças na resolução de problemas de estrutura aditiva e problemas de estrutura multiplicativa, ora com crianças mais velhas, a frequentar o ensino formal (Nunes, Campos, Magina & Bryant, 2005) ora com crianças em idade pré-escolar, ainda antes de receberem qualquer instrução formal 138 4º CRIA sobre operações matemáticas (Carpenter, Fennema, Franke, Levi & Empson, 1999; Kouba, 1989). Entende-se por problemas de estrutura aditiva o conjunto das situações que requerem a adição e subtração na sua resolução; e por problemas de estrutura multiplicativa as situações que podem ser analisadas como problemas de proporção simples ou múltiplas, nos quais normalmente é necessário multiplicar ou dividir. Os estudos desenvolvidos em diferentes contextos ressaltam a capacidade que as crianças têm de resolver corretamente alguns problemas de adição, subtração, multiplicação e divisão, antes ainda de estas operações lhes serem formalmente ensinadas (Carpenter et al., 1999; Nunes, Bryant & Watson, 2009). Apesar do sucesso poder estar dependente de fatores como a idade e o tipo de problemas, a investigação refere um êxito maior quando o procedimento das crianças é acompanhado de materiais para manipular as ações descritas nos problemas (Hughes, 1986). As crianças resolvem estes problemas recorrendo a uma grande diversidade de estratégias, baseadas na situação descrita nos problemas, e revelando progressão no tipo de estratégias que utilizam, recorrendo a estratégias mais abstratas à medida que vão crescendo e ficando mais expeditas no seu desempenho (Carpenter et al., 1999; Kouba, 1989; Mulligan, 1992). Desconhecendo a forma como as crianças de 4, 5 e 6 anos a frequentar a educação préescolar em Portugal resolvem problemas de estrutura aditiva e estrutura multiplicativa, a que estratégias recorrem para os resolver e de que argumentos se servem para justificar a sua opção correta, foi levada a efeito esta investigação. Este estudo procura perceber como raciocinam as crianças de 4, 5 e 6 anos quando resolvem alguns problemas de estrutura aditiva e de estrutura multiplicativa. Metodologia Utiliza-se uma metodologia de investigação quantitativa (Fortin, 2009) com recurso a entrevistas. Participaram no estudo 180 crianças dos 4 aos 6 anos, a frequentar a educação pré-escolar pública, nos distritos de Viseu e Aveiro. Divididas aleatoriamente em dois grupos, garantindo apenas que metade das crianças (4 anos, n=30; 5 anos, n=30; 6 anos, n=30) resolveu problemas de estrutura aditiva – EA - e a outra metade problemas de estrutura multiplicativa - EM. Conduziram-se entrevistas individuais às crianças de cada grupo. As crianças que resolveram problemas de EA responderam a 10 problemas. As crianças que resolveram 4º CRIA 139 problemas de EM responderam a 6 problemas, de acordo com a classificação de Vergnaud (1983), conforme mostram as Tabelas 1 e 2. Tipo de Problema Composição de Duas Medidas Transformação Ligando Duas Medidas Tipo de Problema Isomorfismo de Medidas Tabela 1. Problemas de estrutura aditiva. PROBLEMAS DE ESTRUTURA ADITIVA Elemento Desconhecido/ Exemplo Direção A cadela da Inês teve cachorrinhos. Ela teve 5 Todo brancos e 3 castanhos. Quantos cachorrinhos teve, ao todo, a cadela da Inês? A mãe da Francisca deu-lhe 4 coelhinhos de Adição chocolate. Mais tarde deu-lhe mais 3. Quantos coelhinhos tem agora a Francisca? Resultado O Rui tinha 7 rebuçados, deu 5 à sua irmã. Subtração Quantos tem agora? O bibe da Maria tinha 4 botões. A mãe coseu Adição mais alguns. Agora o bibe tem 6. Quantos botões coseu a mãe? Transformação O Paulo tinha 5 rebuçados, comeu alguns e Subtração ficou com 3. Quantos rebuçados comeu? Tabela 2. Problemas de estrutura multiplicativa. PROBLEMAS DE ESTRUTURA MULTIPLICATIVA Elemento Exemplo Desconhecido Nesta rua há 3 casas. Em cada casa moram 2 coelhos. Multiplicação Quantos coelhos moram, ao todo, nas 3 casas? Tens estes grãos de milho (12) para dar a 3 pintainhos. Divisão Partitiva Todos têm que comer a mesma quantidade. Quantos grãos de milho vai comer cada pintainho? O Pedro tem estes balões (15) para dar aos amigos. Cada Divisão por Quotas amigo vai receber 3 balões. A quantos amigos ele vai dar balões? A ordem das questões da entrevista foi pré-estabelecida e igual para todas as crianças. Para cada problema foi disponibilizado material para que pudessem manipular, caso necessitassem. No final de cada resolução foi-lhes solicitado que explicassem o seu procedimento e justificassem a sua resposta. Os dados foram recolhidos com recurso a gravação vídeo e a notas de campo da investigadora (uma das autoras deste artigo) e tratados com recurso ao software de estatística Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 20. Resultados 140 4º CRIA Para compreender como raciocinam as crianças durante a resolução dos problemas propostos, analisaram-se os desempenhos das crianças, as estratégias utilizadas nas respostas certas e os argumentos dados na justificação das suas respostas. Desempenho das crianças na resolução dos problemas de estrutura aditiva Para cada criança contabilizaram-se as resoluções certas e erradas em cada problema. A Tabela 3 resume a média das proporções e o desvio padrão do número de respostas certas dos problemas de estrutura aditiva propostos, de acordo com a idade. Tabela 3. Média das proporções (desvio padrão) das respostas corretas nos problemas de EA. TIPO DE PROBLEMAS Composição Ligando Duas Medidas Transformação Ligando Duas Medidas Elemento desconhecido Todo Resultado Transformação MÉDIA (desvio padrão) 4 anos 5 anos (n=30) (n=30) .67 (.42) .75 (.34) .67 (.28) .79 (.30) .38 (.31) .45 (.30) 6 anos (n=30) .97 (.13) .90 (.18) .70 (.21) Os resultados sugerem que as crianças mais velhas têm melhores desempenhos do que as mais novas, contudo, problemas que parecem ser mais fáceis para as crianças de 6 anos, são também acessíveis a crianças de 5 e 4 anos. O sucesso que se verifica difere, ainda, de acordo com o tipo de problemas. Os problemas que parece terem levantado mais dificuldade às crianças, independentemente da idade, foram os problemas de Transformação Ligando Duas Medidas com o elemento de transformação desconhecido. Ainda assim, observam-se percentagens médias elevadas no grupo das crianças de 6 anos. A resolução dos restantes problemas parece não constituir dificuldade, já que apresenta percentagens médias de sucesso acima dos 65% no caso das crianças de 4 anos e próximo dos 100% no grupo das crianças de 6 anos. Não é, no entanto, unânime o tipo de problema resolvido com mais facilidade em todas as idades, pois se para as crianças de 5 anos os problemas de Transformação Ligando Duas Medidas com o resultado desconhecido foram os que obtiveram melhores resultados, no grupo das crianças de 6 anos parece ter havido mais facilidade de resolução nos problemas de Composição Ligando Duas Medidas. Nos problemas de Composição de Duas Medidas, apenas 10 crianças não conseguiram resolver nenhum problema deste tipo. Nos problemas de Transformação Ligando Duas Medidas, com o resultado desconhecido, 49 crianças acertaram a totalidade destes problemas, sendo que 9 são de 4 anos. Ainda neste tipo de problemas, mas com a 4º CRIA 141 transformação desconhecida, a maioria das crianças acertou pelo menos metade dos problemas propostos (Figuras 1 a 3). Figura 1. Distribuição de respostas certas – Composição de Duas Medidas. Figura 2. Distribuição de respostas certas - Transformação Ligando Duas Medidas com resultado desconhecido. 142 4º CRIA Figura 3. Distribuição de respostas certas - Transformação Ligando Duas Medidas com transformação desconhecida. Os problemas de estrutura aditiva propostos parecem ser acessíveis mesmo às de 4 anos. Em virtude da distribuição dos desempenhos das crianças não ser normalmente distribuído, para comparar o desempenho das crianças nos diferentes tipos de problemas de acordo com a idade, conduziu-se um teste de Kruskal-Wallis. Este teste indica que o desempenho das crianças é influenciado pela idade. Crianças mais velhas, de 6 anos, têm melhor desempenho do que as crianças mais novas (problemas de Composição de Duas Medidas, 2kw 2kw (2)=21.159, p<.001; problemas de Transformação Ligando Duas Medidas, 2kw 2kw (2)=22.484, p<.001; problemas de Relação Estática Ligando Duas Medidas, 2kw 2kw(2)=24.454, p<.001). Entre os 4 e os 5 anos não se registam diferenças significativas em nenhum dos tipos de problemas (problemas de Composição de Duas Medidas, 2kw 2kw = -4,900, n.s; problemas de Transformação Ligando Duas Medidas,2kw2kw = -10,517, n.s; problemas de Relação Estática Ligando Duas Medidas, 2kw2kw = -8,883, n.s). Analisaram-se as estratégias das crianças procurando conhecer melhor como raciocinam quando resolvem corretamente os problemas propostos. Estratégias de resolução dos problemas de estrutura aditiva 4º CRIA 143 As estratégias que as crianças utilizaram na resolução correta dos problemas propostos foram analisadas à luz da categorização apresentada por Carpenter et al. (1999). Foi possível observar três tipos de estratégias: i) estratégias de manipulação direta, em que as crianças manipulam os objetos na formação dos conjuntos; ii) estratégias de contagem, identificadas quando as crianças resolvem o problema proposto recorrendo à sequência de contagem e não manipulam qualquer objeto; iii) estratégias com factos numéricos, consideradas quando apelam a factos conhecidos já memorizados, parecendo dominar a composição do número; iv) estratégia inconclusiva para os casos em que as estratégias usadas pelas crianças não conseguem determinar uma forma de atuar. A Tabela 4 regista o tipo de estratégias usadas pelas crianças na resolução dos problemas propostos. Tabela 4. Tipo de estratégias observadas nos problemas de EA. TIPO DE PROBLEMAS Composição de Duas Medidas Transformação Ligando Duas Medidas Todo desconhecido Resultado Transformação desconhecido desconhecida 4 5 6 4 5 6 4 5 6 anos anos anos anos anos anos anos anos anos TIPO DE (%) (%) (%) (%) (%) (%) (%) (%) (%) ESTRATÉGIAS Manipulação Direta 100 86.6 74.1 92.5 89.4 80.7 80.0 75.9 87.3 Contagem 9.0 10.4 4.2 0.1 2.2 7.2 Factos Numéricos 2.2 15.5 3.2 7.4 11.1 11.9 Inconclusiva 2.2 7.5 3.2 1.8 17.8 13.0 3.6 À medida que a idade das crianças aumenta, diminui o recurso às estratégias de manipulação direta, aumentando o recurso a estratégias mais abstratas como estratégias de contagem ou com factos numéricos. O recurso a estratégias de contagem foi mais frequente em crianças de 6 anos, no entanto, é de notar o recurso a este tipo de estratégias por crianças mais novas, apesar das baixas percentagens observadas. Ainda mais abstratas do que as estratégias de contagem são as estratégias com factos numéricos (Carpenter et al., 1999), e apesar disso, observa-se o recurso a este tipo de estratégia por crianças com idades inferiores a 6 anos. Em alguns casos, o recurso a estratégias com factos numéricos chega a ser superior ao uso de estratégias de contagem. 144 4º CRIA A maior percentagem de estratégias inconclusivas e das quais resultaram respostas corretas, situam-se no grupo das crianças de 4 anos. Ainda que a ação das crianças sugira compreensão na resolução de problemas, analisaram-se os seus argumentos. Argumentos na resolução dos problemas de estrutura aditiva As explicações das crianças às respostas corretas foram consideradas na análise como forma de perceber em que medida conseguem justificar o seu raciocínio, ou seja, a análise lógica que a criança faz da situação, a sua forma de pensar. Consideraram-se as categorias: i) argumentos “Válidos”, inclui os casos em que a explicação atende a todas as quantidades envolvidas no problema (ex.: “porque 5 mais 3 dá 8”); ii) argumentos “Parcialmente Válidos”, inclui os casos em que a criança atende a uma parte do problema e a sua explicação não é completa; iii) argumentos “Inválidos”, contempla os casos em que, tendo a criança resolvido corretamente o problema, apresenta uma justificação inconclusiva ou descontextualizada; e iv) “Sem Argumento”, nos casos em que a criança, tendo dado uma resposta correta, não consegue verbalizar a sua explicação, fica calada ou responde “não sei”. Como é esperado, as crianças que revelam maior percentagem de argumentos “Válidos” são as de 6 anos, com valores acima dos 69%. Verifica-se que a percentagem deste tipo de argumentos aumenta consoante aumenta a idade. Contudo, é de registar que mesmo as crianças de 4 anos procuram justificar de forma válida as suas opções, alcançando valores acima dos 31%. Não se esperavam percentagens muito elevadas nas crianças de 4 e 5 anos devido à dificuldade que têm em se expressar de forma clara e coerente nestas idades. Mesmo em crianças de 6 anos não seria de esperar percentagens tão elevadas de argumentação válida, devido à dificuldade que, segundo Piaget (1967), a criança tem em realizar a introspeção do seu raciocínio. Todavia, os valores dos argumentos “Válidos” parecem contrariar esta posição. Os valores apresentados na categoria “Sem Argumento”, acima dos 33% no grupo das crianças de 4 anos e abaixo dos 29% em crianças de 5 anos, parece indicar que as crianças preferem ficar caladas do que dar uma resposta que não justifique corretamente a solução acertada do problema. De uma forma geral, das diferentes categorias encontradas para a argumentação, aquela que apresenta menores valores percentuais são os argumentos “Parcialmente Válidos”. De considerar que estas crianças, tendo dado 4º CRIA 145 respostas corretas, conseguem articular parte da informação, para justificar a sua resposta. Análise dos resultados dos problemas de estrutura multiplicativa Foram analisadas e contabilizadas as resoluções das crianças nos problemas de estrutura multiplicativa. A Tabela 5 resume a média das proporções e o desvio padrão das respostas certas dos problemas de estrutura multiplicativa propostos, por idade. Tabela 5. Média das proporções (desvio padrão) das respostas corretas nos problemas de EM. PROBLEMAS DE ISOMORFISMO DE MEDIDAS Multiplicação Divisão Partitiva Divisão por Quotas 4 anos (n=30) .28 (.31) .28 (.34) .30 (.41) MÉDIA (desvio padrão) 5 anos 6 anos (n=30) (n=30) .45 (.38) .45 (.44) .60 (.42) .78 (.34) .72 (.34) .75 (.41) O desempenho na resolução dos problemas de EM parece variar consoante a idade das crianças, com melhores desempenhos para as crianças mais velhas. Estes dados sugerem ainda níveis de sucesso diferentes consoante o tipo de problema. Os problemas de Multiplicação parecem ser de mais fácil resolução para as crianças de 6 anos. No grupo das crianças de 4 e 5 anos, os problemas que tiveram melhores resultados foram os de Divisão por Quotas. Apesar de não se observarem resultados tão bons nos problemas de EM como nos de EA, também aqueles parecem ser acessíveis a crianças do pré-escolar. Da análise efetuada sobre a distribuição do total de respostas certas de acordo com a idade pode observar-se que quase metade das crianças resolveu corretamente a totalidade dos problemas de EM apresentados, sendo que destas, 6 eram de 4 anos, 14 de 5 anos, e 21 de 6 anos (Figuras 4 a 6). 146 4º CRIA Figura 4. Distribuição de respostas certas - Multiplicação. Figura 5. Distribuição de respostas certas - Divisão Partitiva. 4º CRIA 147 Figura 6. Distribuição de respostas certas - Divisão por Quotas. Corrido o teste de Kruskal-Wallis, as crianças de 6 anos têm um desempenho superior e estatisticamente significativo ao desempenho das crianças de 4 e 5 anos nos problemas de Multiplicação (2kw2kw (2)=24.375,p<.001) e Divisão Partitiva (2kw2kw (2)=16.761, p<.001). Já nos problemas de Divisão por Quotas, apenas o desempenho das crianças de 4 anos é significativamente inferior ao das crianças de 5 e 6 anos (entre as crianças de 4 e 5 anos, 2kw2kw =-15,900, p<.05; e entre as crianças de 4 e 6 anos (2kw2kw =-24,300, p<.001). As estratégias das crianças foram analisadas procurando perceber como é que elas raciocinam na resolução destes problemas. Estratégias de resolução dos problemas de estrutura multiplicativa Também na resolução dos problemas de EM propostos foi possível observar o recurso a: estratégias de manipulação direta, estratégias de contagem, e estratégias com factos numéricos. Foi também, aqui, criada a categoria Inconclusiva. A Tabela 6 mostra o tipo de estratégias usadas na resolução dos problemas de EM, de acordo com a idade. Tabela 6. Tipo de estratégias observadas nos problemas de EM. PROBLEMAS DE ISOMORFISMO DE MEDIDAS Multiplicação Divisão Partitiva Divisão por Quotas 4 5 6 4 5 6 4 5 6 anos anos anos anos anos anos anos anos anos TIPO DE (%) (%) (%) (%) (%) (%) (%) (%) (%) ESTRATÉGIAS Manipulação Direta 70.6 37.0 46.8 100 88.9 97.7 100 94.4 100 Contagem 5.9 18.5 12.7 3.7 2.3 2.8 Factos Numéricos 17.6 44.5 36.2 3.7 Inconclusivo 5.9 4.3 3.7 2.8 - 148 4º CRIA Todas as crianças recorrem, maioritariamente, a estratégias de manipulação direta, sendo que as crianças de 4 anos a usam exclusivamente em problemas de Divisão. Contudo, tratando-se de problemas de Multiplicação, estas recorrem também a estratégias mais abstratas como as estratégias com factos numéricos. Importa ainda notar que as crianças de 5 anos são, de todas, as que recorrem em menor percentagem a estratégias de manipulação direta, resolvendo muitos dos problemas de estrutura multiplicativa com recurso a factos numéricos. As crianças de 5 anos chegam a usar mais este tipo de estratégias do que as de 6 anos. Salienta-se igualmente o uso deste tipo de estratégia por crianças de 4 anos, ainda que de modo menos expressivo. Argumentos na resolução de problemas de estrutura multiplicativa Foi usada a mesma categorização de análise dos problemas de EA: “Válidos” (ex.: “Porque eu pus 4 grãos em cada pintainho, 4 num mais 4 noutro mais 4 noutro”), “Parcialmente Válidos”, “Inválidos” e “Sem Argumentos. Era espectável que crianças de 4, 5 e 6 anos manifestassem alguma dificuldade em expressar, de forma válida, o seu raciocínio na resolução dos problemas propostos. No entanto, verificam-se percentagens de argumentos “Válidos” (acima dos 33% no grupo das crianças de 4 anos, acima dos 40% no grupo de 5 anos, acima dos 53% nas de 6 anos) que rebatem aquela ideia. Considerações Finais Era objetivo deste estudo aferir a compreensão de problemas de estrutura aditiva e multiplicativa de crianças do pré-escolar. Desta forma, foram analisados os desempenhos das crianças na resolução de problemas de EA e EM separadamente, bem como as estratégias que usaram para resolver os problemas propostos e os argumentos apresentados que conduziram a respostas corretas. Os sucessos alcançados em investigações internacionais (Carpenter et al., 1999; Hughes, 1986; Kouba, 1989; Mulligan, 1992), e também nesta investigação, não deixam dúvida de que muitas crianças pequenas começam a escolaridade com conhecimentos que lhes permitem resolver, com sucesso, problemas de estrutura aditiva e multiplicativa. Esta investigação monstra que crianças de 4, 5 e 6 anos conseguem resolver problemas de adição, subtração, multiplicação e divisão, apresentados em forma de histórias, não obstante o grau de sucesso poder estar dependente de alguns fatores, como a idade e o tipo de problemas que lhes é apresentado. 4º CRIA 149 De uma forma geral, em todos os tipos de problemas de estrutura aditiva, encontram-se níveis de sucesso que não devem ser ignorados, ainda que estes possam variar com a idade. Nos problemas de Transformação Ligando Duas Medidas com o resultado desconhecido, as diferenças significativas ocorrem entre as crianças de 4 e 6 anos, o que poderá sugerir que este tipo de problemas é mais fácil de interpretar, uma vez que não implica o conhecimento da relação inversa entre adição e a subtração, logo de perceber a relação que é estabelecida entre as quantidades (Vergnaud, 1986). Por outro lado, estas situações estarão mais presentes no dia-a-dia das crianças, dentro e fora do Jardim de Infância, o que lhes confere maior familiaridade de linguagem e interpretação das relações presentes. Mesmo a resolução de problemas mais complexos, como os problemas com a transformação desconhecida, em que há a necessidade de realizar uma operação de pensamento baseada na propriedade inversa da adição e subtração, parecem estar ao nível das capacidades das crianças mais novas. Relativamente aos problemas de estrutura multiplicativa, a investigação já realizada (Fuson, 2004; Mulligan, 1992; Vergnaud, 1983) salienta a facilidade com que as crianças resolvem problemas de multiplicação e divisão que envolvem “grupos iguais” e “medidas iguais”. As crianças Portuguesas envolvidas neste estudo não revelaram dificuldade em resolver os problemas propostos de multiplicação e divisão, conseguindo, com facilidade, usar a correspondência em situações de multiplicação e divisão, ainda que o seu desempenho seja afetado pela idade. Este estudo evidencia o sucesso de crianças com idade inferior a 6 anos, o que é revelador da sua capacidade de resolver alguns problemas de Multiplicação, Divisão Partitiva, Divisão por Quotas, recorrendo a estratégias específicas e adequadas a cada tipo de problema. Apesar de recorrerem maioritariamente a estratégias de manipulação direta, é observa-se o recurso a estratégias mais abstratas como as estratégias de contagem e estratégias com factos numéricos. Assim, os resultados apresentados não deixam dúvidas de que as crianças conseguem, desde muito cedo, resolver problemas de EA e de EM antes das operações que lhe estão associadas lhes serem formalmente ensinadas, modelando as ações descritas nos problemas e procurando estratégias distintas de acordo com o tipo de problema. Pode-se também depreender que as crianças estão cientes do que fazem ao resolver as tarefas propostas, tal é comprovado pela argumentação que usam para justificar as suas 150 4º CRIA respostas e as opções tomadas na escolha das estratégias usadas. As percentagens de argumentos “Válidos” registadas dão conta de que as crianças resolvem, com consciência, os problemas que lhes são propostos. Estes dados parecem contrariar o que é defendido por Piaget (1967), que afirma uma completa ausência de introspeção e inconsciência de pensamento diante de si próprio e das suas ações antes dos 7-8 anos de idade. Deste estudo ressalta que as crianças dos 4 aos 6 anos conseguem resolver, com sucesso, muitos problemas de estrutura aditiva e multiplicativa quando estes lhes são propostos como jogos, em que são desafiadas a pensar em estratégias para encontrar soluções. As crianças entendem estes desafios como uma brincadeira, o que lhes dá prazer e motivação para procurarem resolver corretamente problemas que parecem estar ao alcance das suas capacidades cognitivas. Levar as crianças a pensar, resolvendo com jogos problemas que envolvem o raciocínio aditivo e multiplicativo, ao invés de lhes apresentar exercícios monótonos, estimula o seu pensamento e cria oportunidades para avançarem para níveis de conhecimento seguintes. Katz (2006) defende que deixar de incentivar as predisposições inatas das crianças poderá representar oportunidades perdidas de contribuições substanciais para o resto das suas vidas. O facto de as crianças não terem experiências propiciadoras de aprendizagens não significa que elas não possuam capacidades e predisposições intelectuais, levando a crer que, o “não saber” traduz mais a falta de oportunidades facultadas às crianças do que a ausência de capacidades. Referências bibliográficas Carpenter, T., Fennema, E., Franke, M., Levi, L., & Empson, S. (1999). Children’s Mathematics: cognitively guided instruction. USA: Leigh Peake. Fortin, M. F. (2009). Fundamentos e Etapas do Processo de Investigação. Loures: Lusodidacta. Fuson, K. (2004). Pre-K to grade 2 goals and standards: achieving 21st century mastery for all. In D. Clements, J. Sarama, & A. Dibiase, Engaging young children in mathematics: standards for early childhood mathematics education (105-148). Mahwah: Lawrence Erlbaum Associates. Gelman, R., & Gallistel, C. (1978). The child’s understanding of number. Cambridge, M.A: Harvard University Press. Ginsburg, H., & Seo, K. (1999). Mathematics in children's thinking. In Mathematical Thinking and Learning, 1(2), 113-129. Hughes, M. (1986). Children and Number: Difficulties in Learning Mathematics. Oxford: Blackwell. Katz, L. (2006). Perspectivas actuais sobre aprendizagem na infância. Saber (e) Educar, 11, 7 – 21. 4º CRIA 151 Kishimoto, T. (1998). O brincar e suas teorias. São Paulo: Pioneira. Kouba, V. (1989). Children’s solution strategies for equivalents set multiplication and division word problems. Journal for Research in Mathematical Education, 20, 147-158. Mulligan, J. (1992). Children's Solutions to Multiplication and Division Word Problems: A Longitudinal Study. Mathematics Education Research Journal, Vol 4 (1), 24-41. Nunes, T., Bryant, P., & Watson, A. (2009). Key Understandings in Mathematics Learning. Nuffield Foundation. Nunes, T., Campos, T., Magina, S., & Bryant, P. (2005). Educação Matemática – Números e Operações Numéricas. São Paulo: Cortez Editora. Piaget, J. (1967). O Raciocínio na Criança. Rio de Janeiro: Record. Resnick, L. (1989). Developing mathematical knowledge. American Psychologist, 44 (2), 162169. Sarama, J., & Clements, D. (2009). Early Childhood Mathematics Education Research: Learning Trajectories for Young Children. New York: Routledge. Vergnaud, G. (1983). Multiplicative structures. In R. Resh, & M. L. (Orgs.), Acquisition of mathematics concepts and processes (127-174). New York: Academic Press. Vergnaud, G. (1986). Psicologia do desenvolvimento cognitivo e didática das matemáticas - um exemplo: as estruturas aditivas. Análise Psicológica, 1, 75-90. 152 4º CRIA Construir pontes entre a Matemática e a Educação Financeira Dárida Fernandes, Maria Santos, Susana Sá Escola Superior de Educação do Politécnico do Porto [email protected]; [email protected]; [email protected] Resumo. Esta comunicação tem como objetivo partilhar dados resultantes do desenvolvimento de um projeto de investigação elaborado no âmbito do Mestrado em Ensino do 1.º e do 2.º Ciclo do Ensino Básico da Escola Superior de Educação do Politécnico do Porto. Este trabalho com características de investigação-ação surgiu do projeto educativo de um Agrupamento de Escolas do distrito do Porto, num contexto de Território Educativo de Intervenção Prioritária. Partindo-se da questão-problema: “De que forma a resolução de problemas relacionados com o quotidiano da criança no ensino da Matemática contribui para o desenvolvimento da Educação Financeira em estudantes do 2.º ciclo do Ensino Básico?” traçou-se uma metodologia adequada ao estudo em causa. Assim, os estudantes do 5.º ano foram desafiados a construir, através da resolução de problemas, conhecimentos matemáticos sobre a multiplicação de números racionais não negativos, mas também a desenvolver conceitos relacionados com a Educação Financeira. Neste sentido, foi realizado um percurso de aprendizagem em que foram construídos materiais didático-pedagógicos criativos como os origamis, o jogo de tabuleiro, o jogo interativo e os vídeos tendo sido fundamentais, não só para o envolvimento das crianças neste projeto, mas também para as estimular a desenvolver o gosto pela Matemática. No final deste trajeto tornou-se possível responder afirmativamente à questão de investigação mencionada anteriormente uma vez que existiram fortes indícios (obtidos através de diferentes instrumentos de recolha de dados) de que é possível o desenvolvimento da Educação Financeira através da resolução de problemas matemáticos em contexto e relacionados com o quotidiano da criança. Palavras-chave: Financeira. Matemática; Resolução de problemas; Educação Introdução A Escola está inserida numa sociedade consumista em que o “ter” tem mais valor do que o “ser” e, sendo importante desenvolver uma educação para e pela Cidadania, considerou-se fundamental criar oportunidades para que os estudantes construíssem o seu conhecimento através de uma “relação saudável com o dinheiro” e desafios matemáticos significativos, adequados e contextualizados (Pereira, Feitosa, Silvério, & Sousa, 2009). Neste sentido, procurou-se dar resposta à necessidade da educação financeira nas escolas e, indo do encontro do Projeto Educativo de um Agrupamento de 4º CRIA 153 Escolas do distrito do Porto, num contexto de Território Educativo de Intervenção Prioritária (TEIP), partiu-se da questão-problema “De que forma a resolução de problemas com aproximação ao quotidiano no ensino da Matemática contribui para o desenvolvimento da Educação Financeira com estudantes do 2.º ciclo do Ensino Básico?”. Após o enquadramento teórico sobre Educação Financeira e a resolução de problemas matemáticos traçou-se a metodologia de investigação, condição do projeto de intervenção com descrição das sessões realizadas. No ponto subsequente, apresenta-se a análise dos dados bem como a discussão dos resultados obtidos e, por último, são tecidas as considerações finais que procuram responder à questão problema mencionada anteriormente. Problemática em estudo e objetivos A motivação para a escolha desta temática prende-se com o facto de a Educação Financeira ser recentemente integrada como linha orientadora das áreas temáticas da Educação para a Cidadania. Esta nova incorporação presente no Dec. Lei n.º 139/2012 de 5 de julho visa a formação pessoal e social dos estudantes sendo, por isso, um tema inovador e desafiante tanto na perspetiva de investigador como de professor. Sentiu-se a necessidade de realizar este projeto num contexto de escola TEIP dado que existe uma elevada concentração de população carenciada a nível socioeconómico e cultural. Sendo assim é de extrema relevância o reconhecimento e a compreensão, por parte dos estudantes, da necessidade de na disciplina de matemática se aprender a gerir o dinheiro no presente e no futuro, indo ao encontro do que é referido no NTCM (2008, p.4), “a necessidade de compreender matemática e de ser capaz de usar matemática na vida quotidiana, e no local de trabalho, nunca foi tão premente.” Neste sentido também Caraça (2000) reforça esta ideia ao afirmar que a Matemática apesar de contemplar problemas próprios, também se relaciona com a vida real, defendendo mais uma vez a ideia do ensino da desta disciplina com aplicabilidade no quotidiano. No contexto escolar torna-se importante sensibilizar os estudantes para a importância da formação financeira, fazendo com que estes construíssem conceitos financeiros básicos para permitir uma melhor compreensão da informação e uma escolha mais adequada de produtos financeiros. Assim, foi fundamental a contextualização de todas as tarefas com situações do quotidiano ou próximas da realidade dos estudantes que envolvessem a gestão 154 4º CRIA financeira e propiciassem a construção e desenvolvimento do conhecimento financeiro. A compreensão da Matemática é essencial, sendo considerado um veículo facilitador de aprendizagem subsequente, do desenvolvimento da autonomia dos estudantes e da sua capacidade para enfrentar novas situações e problemas (NTCM, 2008). Numa investigação é fulcral a definição dos objetivos a alcançar, sendo que nesta foram os seguintes: i) desenvolver um projeto de intervenção no âmbito da Educação Financeira relacionado com a aprendizagem Matemática; ii) compreender a importância da Educação Financeira, quando abordada em contexto formal (aulas de Matemática); iii) analisar a capacidade de construção e mobilização de conhecimentos matemáticos e financeiros. No que respeita à didática, os objetivos definidos foram: i) construir conhecimentos matemáticos relativos à multiplicação de números racionais não negativos com a resolução de problemas do quotidiano relacionados com a poupança e a gestão do dinheiro; ii) desenvolver conhecimentos sobre a Educação Financeira de um modo didático; iii) compreender a relação da Matemática com a Educação Financeira. Por fim, ao longo desta investigação tentou-se compreender se é possível, perante este contexto educativo, articular a área temática da Educação Financeira com o domínio da Matemática de maneira a que os estudantes construam conhecimentos que os forneçam ferramentas para que estes possam desenvolver comportamentos e atitudes racionais face a questões de natureza económica, financeira e matemática. Enquadramento teórico Educação Financeira: um valor social A Educação Financeira é uma área temática contemplada na Educação para a Cidadania que, segundo a OCDE (2006), referido por Dias, et al, (2013), é o processo pelo qual os consumidores financeiros melhoram a sua compreensão dos produtos e conceitos financeiros e desenvolvem capacidades e confiança para se tornarem mais atentos aos riscos e oportunidades financeiras. Numa perspetiva mais simplista e segundo Gitman (2004, referido por Pereira, Feitosa, Silvério, & Sousa, 2009) a educação financeira é “a arte e a ciência da gestão do dinheiro” (p.4) que pode beneficiar todos os indivíduos independentemente do seu nível de rendimento (Tavares, 2012). Conscientes da necessidade de “educar financeiramente” as crianças de modo a que possam tomar decisões refletidas e construírem e desenvolverem comportamentos que melhorem o seu bem-estar financeiro, o Conselho Nacional de Supervisores Financeiros propõe a exploração de conceitos relacionados com a Educação Financeira desde o 4º CRIA 155 ínicio da escolaridade das crianças. Com esse propósito, neste projeto, atentou-se ao desenvolvimento da Educação Financeira, ou seja, “a capacidade de fazer julgamentos informados e tomar decisões efetivas tendo em vista a gestão do dinheiro” (Conselho Nacional de Supervisores Financeiros, 2011, p. 5). Para além da gestão do dinheiro implícita na resolução dos problemas construídos, as crianças devem ter oportunidade de explorar assuntos monetários, económicos e financeiro, próprios desta temática (Orton, 2007, citado por Dias, et al., 2013). Resolução de problemas: dinâmica de conhecimentos É com a “leitura” da realidade (Santos, 2012) e através das situações e dos problemas a resolver que um conceito [sendo ele matemático ou financeiro] adquire significado para a criança (Claudino, Nunes, & Silva, 2003). Na perspetiva de resolução de problemas, parte integrante de toda a aprendizagem matemática (NCTM, 2008), é ainda essencial que as crianças relacionem os conhecimentos e conceitos já construídos, as regras, as técnicas, as destrezas intelectuais para encontrarem uma resposta aos problemas (Fernandes, 1994). O apelo à Matemática Realista, ou seja, dando enfoque aos problemas do contexto na forma de jogos, histórias e tabelas, permite que os estudantes possam atribuir significados e usar os seus conhecimentos e a sua experiência pessoal (Pinto, 2004; Polya, 2003). Considerando o modelo adaptado de Fernandes, Vale, Silva, Fonseca e Pimentel (1998 referidos em Vale & Pimentel, 2004), deve atender-se a quatro grandes momentos aquando da resolução de problemas: a leitura e compreensão do problema, a realização e a execução de um plano, a verificação da resposta e a avaliação. Estes problemas devem ser desafiantes, adequados e devem fomentar a relação com os conhecimentos prévios dos estudantes (Smole, 2013) para que as crianças construam novos conhecimentos, numa perspetiva construtivista, e sejam capazes de resolver problemas em outros contextos (NCTM, 2008; Polya, 2003), apelando sempre que possível ao trabalho em equipa (estudante-estudante). Assim é fulcral fomentar nas crianças o gosto e o interesse pela resolução de problemas pois assim conseguirão construir melhor a autonomia e a capacidade de enfrentar novos problemas sem medo e receios (Palhares, 2004). Metodologia de Investigação Uma investigação envolve sempre um problema logo é necessário, numa fase prévia, a definição de uma questão-problemática. Posteriormente, este projeto com características 156 4º CRIA de investigação-ação (IA) orientou-se pela metodologia de projeto relacionado com o procedimento in loco cujo objetivo é constatar um problema concreto (Bell, 2002) e delinear estratégias para o resolver, tendo consciência que será sempre uma resolução inacabada devido à característica ciclica da IA. Neste caso, havia necessidade de aprender a gerir corretamente o dinheiro num contexto economicamente frágil. Vilar (1993) menciona que qualquer projeto parte da vontade de solucionar um determinado problema que a realidade nos coloca, sendo fundamental a sua concretização na formação para a docência pois esta encontra-se associada à inovação e à melhoria das práticas (Barros, 2012). A IA (Figura 1) promove um posicionamento de elevada criticidade face ao próprio pensamento e ação, apelando à melhoria da qualidade das aprendizagens de alunos e professores, com reflexos na transformação dos contextos educativos (Barros, 2012). Ainda nesta perspetiva, o carácter cíclico da IA implica que o investigador planifique, atue, avalie e reflita. Caso considere que o problema em causa não foi totalmente solucionado, deverá diversificar a sua planificação e repetir novamente o processo. Figura 1 - Características da investigação ação Os participantes deste projeto foram os estudantes do 5.º ano de uma escola TEIP da cidade do Porto e os seus encarregados de educação. No processo de amostragem dos elementos relativos aos estudantes, foi utilizado o método de amostragem casual, tendo sido selecionados 13 estudantes (tendo sido feito esta seleção através de uma análise daqueles que tinham assistido à maioria das sessões) e, em relação aos seus 4º CRIA 157 encarregados de educação, a amostra foi 12 elementos (tendo sido o número de questionários respondidos pelos pais). Os instrumentos de recolha de dados utilizados foram as gravações áudio das sessões, as grelhas de observação e os inquéritos por questionário, tendo sido aplicados aos estudantes no início do projeto e no final de cada uma das sessões e aos pais. As grelhas de observação utilizadas permitiram que a professora, enquanto investigadora, tivesse consciência das aprendizagens construídas e desenvolvidas pelos estudantes tanto no âmbito na Educação Financeira como da Matemática. Por outro lado, o inquérito por questionário possibilitou uma análise adequada através da informação obtida (Mozzato & Grzybovski, 2011). Projeto de intervenção: Multiplicar, Poupar, Gerir, Refletir para Ganhar! Este projeto de intervenção foi desenvolvido em 6 sessões (Tabela 1) em que se explorou problemas reais com sentido financeiro (Santos, 2012). Sessão 1.ª 2.ª 3.ª 4.ª 5.ª 6.ª Tabela 1 - Enfoques e objetivos das sessões do projeto Enfoque Objetivos Matemática Ativação de conhecimentos e introdução à multiplicação de números fracionários por números inteiros. Matemática Resolução de problemas envolvendo a multiplicação com números racionais representados por frações, dízimas e percentagens. Matemática Consolidação da exploração anterior através do jogo Educação Financeira Visita de Estudo ao Museu Papel Moeda; Educação Financeira Realização, pelas crianças, de um vídeo sobre Educação Financeira Educação Financeira Consolidação de conceitos financeiros através do jogo A 1.ª sessão deste projeto teve como enfoque a introdução de um novo conteúdo através de um percurso de resolução de problemas que tinha como objetivo a poupança. Foi entregue um quadrado com frações e verbos que relacionavam as temáticas em causa de acordo com as conceções dos estudantes. As crianças depois de dobrar o quadrado, estiveram a jogar com o “Quantos-queres” e a ativar conhecimentos prévios através do cálculo com números fracionários. Também resolveram 2 folhas de desafios de maneira a que refletissem sobre estratégias de poupança e as aplicassem na resolução dos problemas. No final da aula foi entregue um retângulo em que os estudantes tinham de preencher de maneira a sistematizar o conhecimento construído (este material foi adaptado e utilizado nas 3 sessões iniciais). Para além deste material também foi entregue o questionário. 158 4º CRIA A sessão seguinte tinha como objetivo a resolução de problemas envolvendo a multiplicação de números racionais não negativos, alargada às transformações de frações em frações decimais, numerais decimais e percentagens, tendo em consideração a construção de um conhecimento intuitivo profundo dos números fracionários em contextos significativos tanto para o conceito como para as aplicações, fazendo-se conexões com decimais, percentagens e razões (Pinto, 2004). Utilizou-se um material passível de ser manipulado (Figura 2) e que respondesse adequadamente aos objetivos na construção do conhecimento, uma vez que, segundo Reys (1971, citado por Matos & Serrazina, 1996, p. 193), os materiais manipuláveis correspondem a “objectos ou coisas que o aluno é capaz de sentir, tocar, manipular e movimentar” e que, através do envolvimento físico dos estudantes, recorrem a múltiplos sentidos que originam uma aprendizagem ativa e significativa. Figura 2 - Criança a manipular material relacionando a parte-todo Ainda nesta perspetiva e citando Lima (2009, p.6), “os materiais didáticos contextualizados (…) facilitam os procedimentos didáticos e pedagógicos que serão desenvolvidos com os estudantes [porém os professores] precisam de construir uma metodologia adequada que favoreça a utilização eficiente desses recursos pedagógicos”. No segundo momento de ativação de conhecimentos prévios, através do uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) desenvolveu-se uma nova fase de motivação pois os estudantes viram um vídeo construído pela professora estagiária (https://youtu.be/e2614y_g2y8) que envolvia um problema relacionado com o 4º CRIA 159 quotidiano das crianças de maneira a que pudessem pensar “sobre as operações, seus significados e suas formas de representação” (Smole, 2013, p. 60) e sobretudo “parar para pensar” (Fernandes, 1994). Nesta fase da aula explorou-se com os estudantes uma palavra nova – consumerista (consumo racional, responsável, equilibrado e informado) - uma vez que as aulas de Matemática requerem a partilha de novos vocábulos para aumentar o léxico dos estudantes e desenvolver a comunicação matemática. Depois de realizar uma reflexão sobre estes dois termos: consumista e consumerista, foi entregue uma folha com um conjunto de desafios contextualizados com o vídeo mencionado anteriormente de modo a envolver e desafiar os estudantes a resolverem situações problemáticas relacionadas com o saber poupar. No momento de sistematização, foram selecionadas e partilhadas as estratégias pessoais dos estudantes mais adequadas pois um “resolvedor” de problemas necessita de se responsabilizar pelas soluções que descobre mas para isso é imprescindível que tenha o direito de apresentá-las, argumentá-las e debater com os seus colegas. É essencial que os estudantes tenham a perceção que há várias formas de resolver um problema e que tal como afirma Smole (2013, p. 59), “os estudantes entendem que são capazes de “fazer matemática”, isto é, a matemática tem vários caminhos, mas tem sempre um fim. Ainda nesta perspetiva, ao contemplar e analisar diferentes estratégias (Mariz & Fernandes, 2010) e as suas representações, os estudantes ampliam o seu repertório de processos para resolver problemas, percebendo as vantagens e as desvantagens das representações e criando autonomia na busca de soluções. Na 3.ª sessão do projeto, após reflexão, decidiu-se criar e desenvolver um jogo de tabuleiro (Figura 3) com desafios matemáticos envolvendo os números racionais não negativos e situações de gestão do dinheiro, tendo como suporte uma folha de jogo onde os estudantes tinham de registar as estratégias Figura 3 - Crianças jogando "Multiplicar, Poupar e Ganhar!" utilizadas e a resolução dos problemas. Neste jogo definiram-se dois níveis de dificuldade distintos de modo a promover a diferenciação pedagógica e a procurar ajustar as práticas de ensino aos alunos bem como às suas características pessoais e coletivas. 160 4º CRIA Esta última sessão foi direcionada para a sistematização de conteúdos matemáticos uma vez que tal como defende NCTM (2008), “à medida que os alunos adquirem as bases conceptuais dos números racionais, deverão começar a resolver problemas, utilizando estratégias por eles desenvolvidas ou adaptadas à sua experiência com números inteiros” (p.180), sendo utilizados materais didáticos que, na perspetiva de Reys (1971, citado por Matos & Serrazina 1996), permitem ao estudante “sentir, tocar, manipular e movimentar” (p.193) e devidamente contextualizados facilitam os procedimentos didáticos e pedagógicos (Lima, 2009). Relativamente à 4.ª e 5.ª sessão do projeto de implementação houve o apoio de uma Fundação de referência no âmbito da Educação Financeira, tendo sido realizada uma visita de estudo e a gravação de um vídeo pelos estudantes onde eles próprios foram atores e criadores de uma história de duas famílias: uma consumista e outra consumerista. Na última sessão, os estudantes, realizaram um jogo interativo (Figura 4) em que tinham de gerir o dinheiro disponível consoante as situações problemáticas que apareciam no jogo. Figura 4 - Jogo interativo "Gerir um rendimento familiar!" Procurou-se atender às necessidades, aos estímulos e à motivação dos estudantes de modo a contribuir para as suas formações pessoais para que construissem apredizagens ainda mais significativas. Análise e discussão de resultados No processo de análise escolheu-se o sistema de categorias (Figura 5). 4º CRIA 161 Figura 5 - Sistema de Categorias Na análise da 1.ª categoria – conhecimentos prévios dos estudantes – o objetivo primordial foi a análise dos conteúdos relativos às conceções prévias da amostra dos estudantes acerca da Educação Financeira, da Matemática e da relação entre a Educação Financeira e a Matemática, de modo a compreender através dos indícios concetuais dos discursos o que a amostra compreendia acerca destas três subcategorias. Relativamente à Educação Financeira existem indícios que a maioria da amostra (77%) considera que esta promove a aprendizagem da gestão adequada do dinheiro, sendo os três objetivos mais referidos a consciencialização para uma má gestão financeira, a promoção da reflexão acerca dos bens necessários e dos bens supérfluos e o desenvolvimento de competências no âmbito da poupança do dinheiro. Em relação à 2.ª subcategoria relativa às conceções prévias dos estudantes acerca da Matemática realizou-se uma análise da resolução do primeiro problema com que as crianças se depararam, porém, concluiu-se que apenas duas crianças resolveram e interpretaram o problema como era pressuposto na medida em que realizaram corretamente os cálculos e responderam de acordo com o que era solicitado. Relativamente à 3.ª subcategoria existem evidências nos discursos que apontam para a compreensão da relação entre a Matemática e a Educação Financeira uma vez que as crianças relacionaram alguns verbos (como aprender, poupar, gerir, educar) e 77% da amostra evidenciou que a utilização do dinheiro envolve cálculos. 162 4º CRIA Na 2.ª categoria foram criadas três subcategorias: conhecimento financeiro, conhecimento matemático e, por último, a subcategoria que relaciona estes dois tipos de conhecimento. Na 1.ª subcategoria, a amostra apresenta evidências de aprendizagens construídas no âmbito da Literacia Financeira, sendo que alguns estudantes referiram que: i) fiquei consciente de que devemos poupar para termos dinheiro no futuro; ii) comecei a gerir melhor o meu dinheiro; iii) Aprendi mais sobre poupar e ensinei toda a minha família. É notória a compreensão da amostra acerca da necessidade da poupança pois nos registos 10 das 13 crianças utilizam o termos “devemos poupar” e “aprendemos a poupar”. Consegue compreender-se que se deu a construção e consolidação de conhecimentos (Figura 6) pois inicialmente (na categoria 1); as crianças apenas referiam o facto de a Educação Financeira ser uma forma de poupar e, já no final do projeto estas alargaram a sua conceção de educação financeira, colocando de parte a ideia de que a educação financeira apenas “ensina a poupar”, mas aprender a “poupar de forma adequada”. Figura 6 - Evolução do conhecimento financeiro Paralelamente à utilização da palavra “poupar” na análise anterior, os estudantes aquando do registo de consolidação dos conhecimentos matemáticos, utilizaram a palavra “aprendi”, sendo um indicador evolutivo na construção de conhecimentos matemáticos pois as crianças admitem “ter aprendido a resolver problemas”. Na 3.ª subcategoria – relação entre o conhecimento financeiro e o conhecimento matemático – 62% dos estudantes evidenciaram a capacidade de relacionar estes dois domínios: i) no futuro já sabemos tomar as decisões corretas relativamente ao dinheiro (…) aprendemos formas corretas de pagar o que necessitamos (…) e já sabemos 4º CRIA 163 resolver problemas sobre o dinheiro; ii) fiz contas com as despesas e fiz com que a minha família soubesse poupar e iii) estou a divertir-me ao mesmo tempo que estudo. A 3.ª categoria – conceções dos encarregados de educação – contempla duas subcategorias: relativa à Matemática e à sua relação com a Educação Financeira e, também, em relação ao projeto. Na 1.ª apenas um dos elementos da amostra não estabeleceu relação entre as duas dimensões, referindo que Matemática não é dinheiro. Santos (2012) defende que a escola tem a responsabilidade de desenvolver o conhecimento matemático todavia esta progressão deveria ser iniciada no contexto familiar. Por outro lado, na 2.ª subcategoria tentou-se compreender as conceções dos encarregados de educação acerca do projeto desenvolvido sendo que metade da amostra referiu que o seu educando tinha conversado sobre este projeto e tinham reparado em algumas alterações comportamentais dos seus educandos como, por exemplo, não faz tantas birras nos supermercados. Assim, é fulcral que os encarregados de educação estejam sensíveis para a questão da Educação Financeira pois é no âmbito familiar que aprendem os a lidar com o dinheiro (Pereira, Feitosa, Silvério, & Sousa, 2009). Considerações finais Num mundo em que a expressão que mais se ouve é “crise económica” e a incerteza do futuro persiste é fundamental criar momentos em que as crianças possam construir conhecimentos no âmbito da Educação Financeira. Deste modo, o principal benefício da realização deste projeto foi a compreensão da aplicabilidade da Educação Financeira na disciplina de Matemática em contexto formal. Porém, tendo em conta a durabilidade do desenvolvimento deste mesmo não foi possível concluir com rigor, se existiu uma melhoria da situação do contexto. Contudo, foi possível responder afirmativamente à questão de investigação e julga-se que os objetivos propostos foram alcançados. Importa referir a necessidade da abordagem da Educação Financeira desde os primeiros anos de escolarização, sendo necessária a sua exploração em contexto, com sentido para a criança. Alertamos para a necessidade de integração desta recente temática na formação inicial e contínua de professores uma vez que estes são agentes de mudança de hábitos, tal como os pais. A escola tem como papel na Educação Financeira a construção de conhecimentos financeiros, o desenvolvimento de competências fundamentais para uma gestão adequada do dinheiro, sendo que o conhecimento matemático é um veiculo facilitador para que se verifique. Ainda nesta perspetiva, a Escola deve incentivar à 164 4º CRIA mudança de atitudes e comportamentos para criar disciplina financeira e envolver sempre que possível a família. Deste modo é fundamental que se desenvolvam atividades e projetos consistentes e criativos ajustados às necessidades da sociedade atual. Por fim, como defende Theodoro (2008, p. 18), "a criança é um “terreno fértil” para novas realizações, basta motivá-las e ensiná-las o caminho [deste modo irão construir] novas mentalidades em todos os segmentos da sociedade”. Nesta linha de pensamento, considera-se que foi possível motivar e proporcionar momentos para a construção de conhecimentos significativos e contextualizados com o projeto de intervenção que se desenvolveu. Referências bibliográficas Barros, P. T. (2012). A investigação-ação como estratégia de supervisão/ formação e inovação educativa: um estudo de contextos de mudança e de produção de saberes. Braga: Universidade do Minho - Instituto de Educação. Bell, J. (2002). Como realizar um projeto de investigação: um guia para a pesquisa em Ciências Sociais e da Educação. Lisboa: Gradiva. Caraça, B. J. Conceitos Fundamentais da Matemática. Gradiva: Lisboa, 2000 Claudino, L. P., Nunes, M. B., & Silva, F. C. (2003). 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O presente trabalho constitui um ensaio reflexivo e prospectivo que resulta de leituras globais, situadas no quadro da epistemologia da Educação Histórica, onde se procurará desenvolver, através de exemplos concretos de investigação desenvolvida em jardins-de-infância do concelho de Viana do Castelo, já testados nos contextos cooperantes de estágio da ESE-IPVC, instrumentos de trabalho que possam promover o trabalho pedagógico em História Local com um público verdadeiramente essencial na transformação paradigmática de uma visão essencialmente funcionalista da História das "Pequenas Pátrias" a uma perspetiva essencialmente formativa no plano da formação cidadã. Palavras-chave: Consciência Histórica, Património, Educação Pré-Escolar Introdução: uma proposta de trabalho que se desenha De qualquer maneira, trata-se de tentar tirar partido do fascínio que a criança tem por qualquer narrativa e de modo particular pelo conto, para passar do discurso ficcional situado num campo mítico, ou seja, num tempo imaginário e não histórico, para o relato situado no tempo histórico e datável, reconstituído a partir de documentos e inscrita na memória, seja dos contemporâneos, seja dos antepassados […] José MATTOSO – Lendas e Mitos no Ensino da História, in A Escrita da História. Rio de Mouro: Círculo de Leitores, 2002, p. 71. O texto de José Mattoso – verdadeiro Patriarca da Historiografia Portuguesa – com que inauguramos este ensaio, constitui um mote de partida para esta reflexão que abrimos à comunidade científica e pedagógica que, no domínio da Didática da Educação Histórica, se vem dedicando à importância que o conhecimento do Passado – do mais próximo ao mais longínquo – tem na valorização da vida da criança em idade préescolar. Não nos parece que seja possível perspetivar e acompanhar a evolução enorme que, do ponto de vista pedagógico e didático, têm constituído os últimos 20 anos se, primeiramente, não encararmos – e afirmarmos – a importância e a necessidade de olhar 4º CRIA 167 para a Educação Histórica desde os mais tenros anos de idade até à entrada na idade adulta (Barca & Solé, 2012; Marques, 2016). As crianças entre os 3 e os 6 anos são capazes de desenvolver, sem qualquer dúvida, uma consciência de um passado próximo, ligado às suas raízes familiares, ao seu habitat cultural e social, bem como às memórias mais insignes da sua localidade (Marques et al., 2013). São capazes de perceber perfeitamente que as rugas e os cabelos brancos dos avós são fruto da passagem do tempo, assim como o musgo e o verdete nos monumentos, o pó e as folhas amarelecidas nos livros. Houve tempo que passou por ali… A pesquisa em Educação Histórica vem, aliás, consistentemente (re)afirmando esta linha de ação investigativa, sobretudo nas últimas décadas (e.g. Barca, 2000; Barca e & Solé, 2012; Cooper, 2002; Marques, 2016). Num tempo em que, cada vez mais – e de forma tantas vezes impessoal – a imagem e a representação do real se sobrepõem ao pleno usufruto do conhecimento (pelo prazer de o explorar e de sentir como essa aprendizagem pode mudar a nossa vida), parece-nos que o conhecimento histórico, como grande referencial no domínio das primeiras aprendizagens de natureza comunitária e humanista, tem de encontrar novas linguagens e renovados processos de ser comunicado a crianças tão despertas e tão sedentas de tudo o que constitua novidade – e, nesse sentido, importa regressar (hoje e sempre) à narrativa como linguagem que, universalmente, capta e cativa esta comunicação bi (ou pluri)direcional e dialógica (Rusen, 2011). De facto, a comunicação didática entre educadores e crianças, nestas idades, corresponde a um “código” muito próprio, alicerçado na proximidade e na afetividade da relação pedagógica e na liberdade de ação que, em cada grupo, o educador de infância pode ter, graças a Orientações Curriculares que, recentemente revistas, proporcionam renovados horizontes didácticos e temáticos. Parece-nos que esta relação pedagógica tão especial deverá ser pautada por um percurso de trabalho – que propomos a todos os educadores como um caminho coerente, fundado na epistemologia da Educação Histórica na Primeira Infância (Marques et al., 2013; Marques, 2016) e que poderá constituir um contributo metodológico de investigação – que deverá ter em conta alguns aspetos: 168 4º CRIA 1º Momento Pedagógico – Escuta Ativa - Diálogo em grande grupo em torno de objectos e memórias presentes em casa, desde fotografias de família a artefactos agrícolas/etnográficos (Cooper, 2002). Em roda, as crianças têm oportunidade de estar juntas, de ouvir, aprender a partilhar e a respeitar a opinião do outro (numa dinâmica socio-antropológica). - Ainda nesta fase, poderá emergir uma perspectiva mais individual que decorrerá de curiosidades ou particularidades que se venham a revelar por parte de crianças mais participativas. 2º Momento Pedagógico – Capacidade de Integração - Com as ideias de todos, será possível partir para a realização do projeto: depois de escutar, deveremos agora trazer de casa um objecto especial que diga algo sobre a Memória da Família/da Casa – fotografia, traje, peça etnográfica (Marques et al., 2013). - O objeto será depois apresentado pela criança que, no final, deverá escolher um padrinho para aquele objecto, responsável pela sua exposição na sala de atividades – note-se que o papel do padrinho é essencial já que traz para este trabalho patrimonial um “olhar de fora”, mas ao mesmo tempo uma perspectiva empática, sendo capaz de se colocar no lugar do seu colega. 3º Momento Pedagógico – Ação - A realização da exposição consistirá na colocação dos objectos patrimoniais na sala e com uma nova abordagem didática: cada padrinho fará um desenho do objeto, tendo por base aquele que terá sido o seu uso inicial, no caso de uma tradição etnográfica, ou imaginando o momento retratado, no caso de uma fotografia (Marques, 2016). 4º Momento Pedagógico – Apresentação e Discussão - Depois de feita a exposição, está na altura de cada um refletir sobre o seu papel na obra conjunta e sobre as aprendizagens que dali se poderão colher (Cooper, 2002). Fonte: Elaboração Própria, partindo das leituras de Cooper, 2002; Hernando, 2003; Marques et al., 2013 e Marques, 2016. 4º CRIA 169 Um dos recursos que nos parece essencial não descurar, tendo em conta a atualidade social e educativa, são os materiais digitais cuja importância, em seguida, será desenvolvida. O Livro Digital como viagem A utilização do livro digital na Educação Histórica Infantil é um precioso recurso de aprendizagem na abordagem literária, verdadeiramente complementar ao suporte tradicional em papel, seguramente fundamental como alicerce estruturante de uma primeira literacia histórica, como já foi demonstrado (Silva, 2013). Trata-se de uma forma interativa e prática de o fazer, em contexto de jardim-deinfância. Parece-nos que a possibilidade de introdução de animações, transições rápidas e elementos de forte contextualização espacial e temporal, além do sentido empático, são estratégias fundamentais para uma Educação Histórica de Qualidade. É também um processo alternativo de comunicar as evidências do passado, numa escala global, mas diferenciadora (o olhar de cada criança será sempre fundamental). Uma boa narração, associada a uma boa ilustração – que remeta a criança para um outro tempo, seja através dos usos e costumes, seja do vestuário ou dos transportes – pode ser a diferença entre compreender o passado ou ficar “preso” no presente, sem possibilidade de viajar pela diacronia. Graças ao esforço desenvolvido pelo Instituto Camões, é hoje possível aos jovens leitores (desde o Jardim de Infância, até ao Primeiro Ciclo do Ensino Básico) acederem a duas coleções de narrativas históricas infantis, editadas pelo Jornal “Expresso”, de forma remota, ao alcance de um computador: “Era uma vez um Rei” e “A Aventura dos Descobrimentos”. Figura 1: Alguns exemplos de livros digitais da coleção “Era uma vez um Rei” 170 4º CRIA A primeira coleção foi aliás alvo de um estudo específico (intitulado Aprendendo História de Portugal no Jardim de Infância através do conhecimento de alguns monarcas Portugueses, base do Relatório Final ou Dissertação de Diana Silva) integrado na Prática de Ensino Supervisionada do Mestrado em Educação Pré-Escolar da Escola Superior de Educação de Viana do Castelo (Silva, 2013), em que ficou muito clara a envolvência e interesse das crianças por este material, levando a uma identificação muito clara de cada um dos monarcas analisado e, mesmo, as diferenças de contexto epocal de cada um. Recomenda-se, por isso, a leitura integral deste estudo exploratório, inovador no quadro da Didática da Educação Pré-Escolar em Portugal, como foi salientado, em provas públicas, pela Professora Doutora Isabel Barca, principal referência epistemológica da Educação Histórica a nível internacional. Para além da coleção supracitada, também se desenvolveu uma outra, mais centrada na abordagem de episódios estruturantes dos Descobrimentos Portugueses, desenvolvida para as mesmas faixas etárias e com o mesmo intuito: uma outra abordagem didáctica desta disciplina nas primeiras idades (ver figura seguinte): Figura 2: Coleção “A Aventura dos Descobrimentos” (Instituto Camões) Um exemplo interessante a trabalhar Recentemente, a Rota do Românico, o Canal Panda e a CCDR-N (através de programas europeus de financiamento FEDER e o Novo Norte) lançaram a série “Panda na Rota do Românico”, dirigida aos mais pequenos e com o objetivo claro de exploração do património histórico local nas mais tenras idades. Para esse efeito, o programa – com duração aproximada de 5 minutos, ideal para este público – recorre a uma originalidade comunicacional muito interessante: o narrador (e 4º CRIA 171 cicerone) é a criança que, recebendo o Panda na sede de concelho, lhe servirá de guia na exploração dos monumentos e na vivência direta das tradições locais. De facto, esta característica valoriza e responsabiliza a criança na divulgação da sua identidade cultural, mas também proporciona uma exposição pública que, apesar da timidez de alguns, revela a sua grande capacidade de adaptação a circunstâncias desafiantes e, tantas vezes, de difícil resolução. Figura 3: Apresentação, pelo Canal Panda, da nova série Figura 4: Exemplo de programa do “Panda na Rota do Românico”, neste caso com o Panda a ser recebido no Mosteiro de São Pedro de Ferreira por uma criança que será o anfitrião Ora o conteúdo destes programas pode – e deve – ser base de trabalho didático em jardim-de-infância: a sua visualização deve constituir uma motivação para se partir à descoberta da arte românica, com as figuras curiosas e intrigantes presentes nos seus capitéis, a pintura mural, os motivos decorativos e as formas arquitetónicas. Transpondo esta reflexão para o tom reflexivo que pretendemos, desde o seu início, dar a este texto, recordaríamos que, no nosso território de eleição, enquanto docentes do IPVC, e tendo por base o caso do concelho de Viana do Castelo, a Igreja de São Cláudio 172 4º CRIA de Nogueira é seguramente um excelente exemplo desta exploração – cruzando com os contributos que este programa veio agora trazer ao espaço público. Para além da linguagem estritamente artística e arquitetónica, é também essencial que partamos para a compreensão da linguagem simbólica e poética, muito interessante como veículo de comunicação nestes públicos entre os 3 e os 6 anos de idade. Por isso desenvolveremos, em seguida, propostas nesta área. A Lenda e a sua riqueza histórico-cultural Se há narrativa que, pelo seu simbolismo, linguagem estilística imaginativa e criativa, bem como conteúdo e valores propostos, é capaz de interpelar (e entusiasmar) uma criança na primavera da vida, essa é a Lenda (Barca e Solé, 2012; Solé, 2003). E, antes de mais – evitando alguns equívocos epistemológicos e confusões semânticas – digamos, claramente, que entendemos este discurso como uma forma de representação do passado, sobretudo axiológica, tendo em vista a produção de mudanças ou a constituição de leituras verdadeiramente alternativas a outros discursos, como o da evidência (Rusen, 2011). É um olhar essencialmente antropológico aquele que a Lenda nos lança: interpela-nos ao questionar a própria natureza humana, imersa em tantas e tão evidentes contradições e paradoxos. O seu poderoso enquadramento, a forma como as personagens – e, sobretudo, a ação – decorrem, captam a atenção e a curiosidade dos jovens exploradores do amanhã, são um assinalável e importante recurso. No fundo, a aventura e o enredo que a Lenda propõe, fazendo-nos caminhar entre as vertentes sinuosas das nossas escolhas e dos nossos erros, colocam constantemente à prova algo que, em Educação Histórica, se torna extremamente relevante – a formação da opinião, informada e ajuizada, sobre um dado fenómeno que ocorreu “há muito tempo atrás”. Através da Lenda, é possível introduzir o passado ancestral na Educação de Infância – em primeiro lugar porque o fio cronológico é muito menos apertado do que num friso tradicional nos ciclos escolares posteriores: ou seja, fala-se sobre o Passado mas não inteiramente só do Passado – e esta pequena “nuance” fará toda a diferença, num momento crucial em que as primeiras imagens e as primogénitas aprendizagens estão num processo de reconhecimento e identificação (Egan, 1994). A sensibilidade e a capacidade de antecipação são extremamente importantes – o diálogo que se estabelece 4º CRIA 173 através de uma ideia, de um objeto, de uma música, são as primeiras sementes lançadas ao solo que, um dia, fertilizará e culminará numa Educação Histórica mais ampla e frutífera. Mas nenhum destes desideratos consegue ser alcançado, por si só, sem algumas características indispensáveis: primeiramente, o facto de a Narrativa não ficar presa, apenas, na dimensão da oralidade e da expressão dramática, mas articular-se com referenciais concretos do dia-a-dia do passado (Rusen, 2011) – objectos relacionados com a história que se apresentou, adereços que facilitem um raciocínio associativo e a capacidade de “viajar” com e sem rede, estimulando a criatividade, mas fornecendo, também, pistas comuns que possibilitem a construção, por exemplo, da noção de evidência – enquanto saber e conhecimento sobre o Passado em ação e em uso (Cooper, 2006; Lee, 2006). Em seguida, não nos esqueçamos de como as crianças nesta idade gostam de sentir e manipular os objetos – haverá algo de mais fascinante, além de falar sobre o passado, do que sentir e tocar os objetos que já foram tocados por pais, avós e outros antepassados mais remotos? E se nesse local se desenvolveu algum acontecimento importante para a memória local? São aliciantes motivos para potencializar a relação da criança com o tempo que a antecedeu, desenvolvido um sentido empático com algo que, de outra forma, poderia parecer suficientemente distante e impessoal. No decurso de praticamente uma década de contacto com profissionais da Educação de Infância (Educadores Cooperantes e Educadores em processo de formação), de visitar (acompanhando estágios) dezenas de contextos de jardim-de-infância situados na órbita da cidade Viana do Castelo e com os quais a Escola Superior de Educação tem estabelecido parcerias ao longo de várias décadas, apraz-me sublinhar que estamos a caminhar no sentido de valorizar, cada vez mais, a Herança Cultural, a Memória, o que, afinal, nos caracteriza na nossa essência como comunidade, o que nos distingue e valoriza face a outro(s) povo(s) – sentimo-lo no desenvolvimento dos projectos que saem das fronteiras dos estabelecimentos, que se enraízam na riqueza e diversidade do Património Cultural, no envolvimento da comunidade educativa e do contexto sociocultural envolvente. Dificilmente se poderá fazer escolhas tão acertadas e significativas no domínio da aprendizagem, como sejam começar por interpelar e compreender as raízes e fundamentos da nossa vida comunitária, tendo como horizonte o Passado. 174 4º CRIA Apresentamos, em seguida, um esquema simbólico que traduz o nosso pensamento em torno da dimensão figurativa, mas também explícita e tácita da lenda como discurso insubstituível e cimeiro na Didática da História na Primeira Infância: Lenda Contexto Época Narrativa Protagonistas Valores Figura 5: Conceptualização Didáctica de Exploração de uma Lenda na Educação de Infância 3. Apresentamos, em seguida, algumas propostas de exploração pedagógica de uma lenda em contexto da Educação Pré-Escolar, ligada à cidade de Viana do Castelo: Trabalhar o Passado na Primavera da Vida: exemplos centrados no Alto Minho Proposta de Exploração da Lenda de Viana do Castelo 1º Momento Pedagógico – Leitura Dramatizada do Texto (com recurso a exploração de elementos paratextuais) – utilização da versão da lenda de Viana apresentada por António Manuel Couto Viana (apresentada em seguida). LENDA DE VIANA DO CASTELO Era uma vez uma pequena povoação nascida na margem direita do rio Lima, junto à foz, quando as águas doces e vagarosas se misturam com o bravio das ondas salgadas. Chamava-se Átrio e tinha, sobranceira, uma montanha densa de arvoredo, onde no alto existia a fortificação de um castro habitado por povos sem nome e que, a dada altura, desceram ao litoral, buscando, na pesca, melhor alimento e mais comércio. 3 Foram usadas, para a construção deste diagrama informativo, as seguintes fontes imagéticas, obtidas em acesso livre, respectivamente, na web: Portal da Natividade (Basílica da Sagrada Família de Barcelona), Livro de Horas do Duque de Berry, Livro de Horas de D. Manuel I, Crónica dos Reis de França, Pintura de Mestre Albino José Moreira (Adro do Mosteiro de São Salvador de Moreira da Maia). 4º CRIA 175 Era extremamente bela, entre veigas cultivadas, palmos de hortas viçosas, redis, pomares e vinhedos, mas a sua principal vocação era o mar, a pesca. Na praia, várias embarcações esperavam pelas madrugadas para serem lançadas às vagas, com o afã dos remos, o aceno das velas e o espalhar das redes. Pelo entardecer, as companhas regressavam ao átrio, para a alegria das mulheres e das crianças, com o fundo da embarcação farto de pescado palpitante: a sardinha, o carapau, a faneca, o congro... Vinham, rio abaixo, habitantes de outras povoações, para o abastecimento pródigo das suas mesas. Ora, morava no Átrio, na modéstia de um casebre, uma linda rapariga chamada Ana, filha de pescador e desenvolta na venda do peixe, sempre com uma canção nos lábios, ouvida a algum jogral chegado da vizinha Galiza, onde animava os serões dos paços e os terreiros das romarias. Escutava-lhe, deliciado, estas cantigas de amor e de amigo, um jovem barqueiro que, transportava, na correnteza do rio, até ao Átrio, lavradores e mercadores à compra de peixe fresco e saboroso. De tanto escutar a voz harmoniosa de Ana e de lhe admirar a graça, o rapaz começou a sentir pela rapariga um amor que ia aumentando dia após dia. Confessara já aos amigos e companheiros de lida o agrado desse amor nascente. E estes, contentes com o seu contentamento, sorriam quando o moço barqueiro, ao voltar do Átrio, lhes atirava um brado feliz: - Vi Ana! Vi Ana! Um dia, porém, não se contentou em vê-la e dirigiu-lhe e palavra, num enleio que lhe corava as faces. A rapariga, percebeu o vivo interesse amoroso do rapaz por ela, os olhos brilhantes sobre o rosto, sobre o cabelo dela. O seu coração lisonjeado retribuilhe esse interesse, retribuiu-lhe esse amor. Não tardou em realizar-se a boda dos dois enamorados. Durante os festejos, os companheiros e amigos do noivo recordaram-lhe o brado entusiástico: - Vi Ana! Vi Ana! O dito foi logo adoptado pelos pescadores do Átrio que passaram a repeti-lo quando, regressavam dos trabalhos duros da faina, se lhes deparava o vulto acolhedor da montanha, as praias doiradas, as veigas férteis, as águas lentas do rio e a paz dos seus lares: - Vi Ana! Vi Ana! 176 4º CRIA Ao conceder o foral à povoação da foz do Lima, em 1258, o rei D. Afonso III, que a visitara tempos antes, extasiando‐ se com tanta beleza e prosperidade, substituiu‐ lhe o nome de átrio pelo de Viana Por certo, alguém lhe revelara aquele brado de amor. E só amor merece terra tão abençoada! Fonte: VIANA, António Manuel Couto - “Lendas do Vale do Lima”. Ponte de Lima: Valimar Associação de Municípios do Vale do Lima, 2002, pp. 53-54 2º Momento Pedagógico – Análise do contexto cultural e simbólico da Lenda (tópicos de diálogo com as crianças): Viana – cidade ligada ao Mar, à atividade piscatória, à construção naval e, também, numa dimensão etnográfica e antropológica, ao traje e ao folclore. Poder-se-ia igualmente aproveitar o slogan turístico “quem gosta, vem, quem ama, fica” para fazer uma ligação simbólica ao amor de Ana com o seu apaixonado. Figura 6: Imagem identitária e publicitária de Viana Sugestão de aprofundamento do diálogo: exploração do livro História de Viana do Castelo em banda desenhada, da autoria de Inês Madeira 3º Momento Pedagógico: Produção de uma ilustração individual ou de um mural coletivo sobre a Lenda de Viana (segue-se exploração feita em JI do concelho de Viana do Castelo, no presente ano letivo) 4º CRIA 177 Figura 7: Era uma vez um cavaleiro que se apaixonou por uma princesa... Figura 8: Todos os dias ele ia até ao castelo, na esperança de a ver... Figura 9: Até que um belo dia, viu mesmo Ana, a princesa, na varanda do castelo e ela acenoulhe. Ficou tão feliz que veio para a cidade gritar: Vi Ana do Castelo! Vi Ana do Castelo! Figura 10: Exemplo de Exploração Pedagógica da Lenda de Viana do Castelo, em contexto préescolar (2014-2015); Projeto Europeu E-Twinnig Um dos pontos mais interessantes de exploração de uma lenda é que, sendo uma narrativa de tradição oral, tem, naturalmente várias versões e recontos (é a aplicação da máxima popular: quem conta um conto, acrescenta-lhe um ponto…). É por isso que, o mais importante será sempre indicar qual a versão (ou versões) que utilizamos no nosso trabalho pedagógico – no fundo, algo tão simples como a deontologia recomendaria: indicar a nossa fonte. No nosso caso, para a lenda de Viana, seguimos a versão oficial, 178 4º CRIA publicitada nos portais institucionais pela própria edilidade vianense, tendo para o efeito sido consultada a versão encontrada em Março de 2016 na página da Biblioteca Municipal de Viana do Castelo. Como corolário das reflexões que aqui vimos elencando, diríamos que seria importante que a escuta ativa se baseasse em alguns pressupostos, nomeadamente a forma como as questões são formuladas, verdadeira base do sucesso da construção de novas aprendizagens: Algumas questões de exploração (a título sugestivo) do conteúdo da Lenda: 1. Acham que o nome Ana ajuda a explicar o nome da Cidade? 2. Conhecem histórias de amor como esta? 3. Gostaram de estudar esta lenda? Se pudessem acrescentar algum pormenor à história, qual seria a tua/vossa (em função de diálogo dirigido ou em grande grupo) escolha? Quadro 1 – Sugestão de Questionamento Histórias da História – caso prático Dando continuidade ao interesse e curiosidade do grupo de crianças na temática da História e Património Local (neste caso concreto de Viana), seria importante ter em conta um pano de fundo mais alargado do que a mera explicação lendária e avançar para o conhecimento diacrónico, recorrendo, para o efeito, à obra ViAna - História de Viana do Castelo em Banda Desenhada, de Inês Madeira (2009), editada pela Câmara Municipal de Viana do Castelo, por ocasião dos 750 anos do Foral Afonsino. Figura 11: Capa do livro de história de Viana em Banda Desenhada, da autoria de Inês Madeira 4º CRIA 179 Desta e doutras narrativas, se pode verter um conjunto de linguagens cheias de elementos temporais e históricos, ricos em herança cultural. É nesse contexto que surge, em 2014-2015, o projeto “Novelo de lendas e outras rendas”, que congrega distintos jardins de infância de todo o país, com coordenação em Viana e que foi distinguido como prática pedagógica de excelência no quadro do projeto da Comissão Europeia “Etwinning” – de partilha de experiências educativas de natureza cultural e social. Figura 12: Blogue do Projeto (http://noveloslendasrendas.blogspot.pt/) O Projeto estendeu-se até às redes sociais… Figura 13: Página de Facebook do Projeto Observando o alcance nacional – e internacional – deste projeto, com a troca de lendas e de experiências entre jardins de distintos espaços nacionais no quadro comunitário, parece-nos que dificilmente se poderia conjugar uma melhor forma de articular o local – a narrativa de conteúdo territorializado, com forte sentido de pertença – com o global – a internet e o seu potencial disseminador e democratizador do saber, levando-o a todo o lado e a toda a gente. Reflectindo: e agora? Parece-nos que a Educação da Infância, sendo o primeiro momento social e comunitário de aprendizagem da criança, deve ser aproveitado para o desenvolvimento de projetos e atividades com impacto significativo na sua estimulação, tanto do ponto de vista 180 4º CRIA intelectual, quanto social e, por isso, atividades que possibilitem “tratar o passado pelo nome” são sempre bem-vindas. Foi isso que procuramos refletir neste ensaio que condensa algumas reflexões e estratégias colhidas em praticamente uma década de dedicação a estas temáticas como objeto de investigação fundamental e pós-graduada. Não nos restam dúvidas que a partilha, a interatividade, a exploração da riqueza cultural única, através das tradições e símbolos do passado serão sempre altamente estimulantes e motivadoras para crianças desta faixa etária. É o que a experiência de contacto com o terreno nos diz: felizmente, com a agravante de contactarmos com educadores (tanto cooperantes, como em processo formativo) que têm sabido rasgar fronteiras datadas e “muros de Berlim” invisíveis, destinados quantas vezes a defender o bastião da inércia, em detrimento da “lufada de ar fresco”, tantas vezes necessária. Fica-nos a certeza que a área da História Local, da Memória Coletiva, são talvez aquelas que, num horizonte que atualmente vivemos de revisão das Orientações Curriculares para a Educação de Infância mais devem constar num documento que, tendo em vista a plena integração na União Europeia, não pode deixar de afirmar a unidade na diversidade profunda das nossas comunidades – as pequenas pátrias – que tanto têm a contar e a mostrar de si mesmas. Oxalá que os Educadores do Futuro compreendam que, tal como não se deve forçar as crianças a ler e a escrever no jardim de infância – isso será tarefa primordial do 1º Ciclo do Ensino Básico – também a aprendizagem da História não pode começar pela compreensão da época medieval ou moderna, das suas fontes e problemas, das suas circunstâncias e protagonistas, mas sim pelo que de mais importante aconteceu já na vida da criança e daí partir para as memórias dos seus pais e avós (e mesmo da comunidade local). Começar o edificado pelos alicerces, portanto e não pelo telhado. Também desta forma, também assim, estaremos a fazer História com as nossas crianças. Referências bibliográficas Barca, I. (2000). O Pensamento Histórico dos Jovens. Dissertação de Doutoramento apresentado à Universidade de Londres. Braga: Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho. Barca, I., & Solé, G. (2012). Educación histórica en portugal: metas de aprendizaje en los primeros años de escolaridade. 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URL: http://cvc.institutocamoes.pt/aprender-portugues/ouvir/a-aventura-dos-descobrimentos.html (Acedido em 26 de Março de 2016). 4º CRIA 183 184 4º CRIA POSTERS 4º CRIA 185 186 4º CRIA À descoberta das formigas: uma intervenção didática com crianças de 4 e 5 anos 1 Letícia Alves Bouçada1 Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo, [email protected] Resumo. Este estudo surgiu no âmbito da unidade curricular de Prática de Ensino Supervisionada, inserida no curso de Mestrado em Educação PréEscolar e Ensino do 1.º C.E.B., e foi desenvolvido num Jardim-de-Infância de Viana do Castelo com um grupo de 21 crianças entre os 4 e os 5 anos. A temática em estudo emergiu da ideia de que a aprendizagem das Ciências se inicia desde tenra idade e que já nesta fase se inicia a compreensão sobre tudo aquilo que rodeia a criança. Assim, as primeiras experiências de aprendizagem afiguram-se cruciais para o seu desenvolvimento, contudo, decorrentes destas aprendizagens informais, surgem, muitas vezes, aquilo a que podemos chamar conceções alternativas. Estas ideias, que não correspondem ao conhecimento científico, quando ignoradas, podem tornar-se a base em que assentarão novas aprendizagens, pelo que se afigura de suma importância tomar consciência dessas ideias e (des)construí-las. Tendo-se verificado um grande interesse pelo animal formiga optou-se por assentar o estudo nas seguintes questões de investigação: “Como se caracterizam os conhecimentos sobre o animal formiga manifestados por crianças em idade Pré-Escolar?” e “Qual o impacto de uma proposta didática interdisciplinar na evolução desses conhecimentos?”. Assim, o estudo foi desenvolvido tendo por base uma perspetiva qualitativa no âmbito da investigação-ação e as tarefas desenvolvidas alicerçaram-se numa base de interdisciplinaridade e criatividade. Palavras-chave: Pré-Escolar; Ideias prévias; conceções alternativas. Introdução É desde os primeiros anos de vida que as crianças iniciam o desenvolvimento da compreensão sobre aquilo que as rodeia, sendo de salientar a importância do contacto direto com outros seres vivos. Torna-se então essencial tomar como ponto de partida aquilo que as crianças já sabem (DEB, 1997) e torná-las participantes ativas no processo de construção do seu conhecimento, permitindo ao educador ter noção das melhores experiências de aprendizagem e de como conduzir o processo conducente ao conhecimento do mundo. Enquadramento Teórico 4º CRIA 187 Devido às primeiras experiências informais a que as crianças vão tendo acesso, quando ingressam num contexto educativo mais formal já levam consigo um alargado leque de ideias a que Gardner (2001) chama “teorias feitas em casa” (p. 77) e que muitas vezes são ignoradas pela própria criança e pelo adulto. Estas ideias, por vezes não correspondem ao conhecimento científico atual, pelo que há que as tornar ponto de partida para novas aprendizagens, desafiando-as a tomarem consciência dessas ideias, confrontando-as com outras, num processo conducente à sua “(des)construção”. Importa então conhecer a origem e características das conceções alternativas, de modo a que o educador possa decidir o melhor caminho para ajudar as crianças a desenvolver a sua compreensão. Segundo Harlen e Qualter (2004), uma das características mais notórias das ideias das crianças é que estas se baseiam na sua experiência limitada do mundo, o que leva a que estas, por vezes, não se encontrem de acordo com explicações cientificamente aceites. Metodologia Este estudo foi desenvolvido segundo uma perspetiva qualitativa/interpretativa de investigação-ação, procurando-se promover uma partilha de saberes com os atores e um clima desafiante e reflexivo que conduzisse à mudança. O estudo integrou um grupo de 21 crianças entre os 4 e os 5 anos. Foram escritos diários de aula nos quais se incluíram registos fotográficos. Foram ainda recolhidos registos gráficos, elaboraram-se tabelas nas quais se categorizaram os dados neles contidos e, posteriormente, foram agrupados todos os dados numa única tabela. De seguida procurou-se identificar um percurso evolutivo dos conhecimentos das crianças ao longo de uma proposta didática interdisciplinar, analisando os diários e as tabelas. Resultados Aquando do registo das ideias prévias (fig.1), na maioria, de forma intuitiva, as crianças representaram o animal com quatro patas, dois segmentos corporais e apenas algumas fizeram alusão às antenas. Surgiram diversas cores incorretas associadas ao animal, apesar de um número significativo ter usado uma das possíveis cores, o preto. Estas 188 4º CRIA conceções apresentaram-se assim como uma fase ainda inicial de todo o processo de evolução conceptual e foram um bom ponto de partida para a implementação das atividades interdisciplinares com vista à evolução do conhecimento. Figura 1. Ideias Prévias BG [5 anos] A segunda representação (fig.2) afigurou-se mais realista do que a primeira surgindo a intenção de desenhar um número acertado de patas e segmentos corporais, contudo, este conhecimento ainda não se encontrava bem estruturado e as patas não eram colocadas no segmento corporal correto. Começaram a representar as antenas. Figura 2. Ideias intermédias BG [5 anos] Aquando da representação das ideias finais (fig.3) todo o grupo desenhou corretamente o número de segmentos corporais e de antenas. O número de patas apenas foi representado incorretamente por uma criança e três delas desenharam três patas afirmando que o desenho era feito de perfil. Apenas uma criança usou uma cor incorreta para colorir o animal. As representações tornaram-se mais ricas, sendo que quase metade do grupo desenhou mandíbulas. Surgiram também elementos relativos ao seu modo de vida, nomeadamente formigueiros, alimentos, asas, ovos e alusão à diferenciação de espécies. 4º CRIA 189 Figura 3. Ideias Finais BG [5 anos] Conclusões Após a realização deste estudo pode-se concluir que uma perspetiva de ensino que se preocupe com as ideias alternativas das crianças e que as faça refletir sobre elas conduzirá certamente a um conhecimento melhor estruturado e a uma maior autonomia na busca de novos saberes. Conclui-se ainda que as principais conceções alternativas detetadas se deviam, maioritariamente, à experiência ainda limitada das crianças. Após a implementação de uma proposta didática alicerçada na interdisciplinaridade e criatividade verificou-se uma evolução positiva e gradual dos conhecimentos, sendo as conceções alternativas substituídas por ideias cientificamente corretas. Referências DEB (1997). Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar. Lisboa: Editorial do Ministério da Educação. Gardner, H. (2001). A criança pré-escolar: como pensa e como a escola pode ensiná-la (2.ª Ed.). Porto Alegre: Artmed Editora. Harlen, W. & Qualter, A. (2004). The teaching of science in primary schools (4.ª Ed.). Great Britain: David Fulton Publishers. 190 4º CRIA Faz-se Luz na promoção da articulação horizontal do currículo pelo recurso a projetos: uma experiência de intervenção Daniela Caramalho1, Fátima Lima2, Sara Cunha3 & Fátima Sousa-Pereira4 1 Escola Superior de Educação do IPVC, [email protected] 2 Escola Superior de Educação do IPVC, [email protected] 3 Escola Superior de Educação do IPVC, [email protected] 4 Escola Superior de Educação do IPVC, [email protected] Resumo: O trabalho de projeto assume singular importância nos processos de aprendizagem e é cada vez mais utilizado pelas escolas com o intuito de ultrapassar o fosso entre saberes escolares e saberes sociais e mobilizar os alunos, a escola e, por vezes, a comunidade, na construção ativa de saberes (Leite, E. & Santos, M. R. s/d). Além disso, poderá fomentar práticas de articulação curricular horizontal facilitadoras da aquisição, pelos alunos, de saberes globais, integradores e integrados (Morgado & Tomaz, 2009). Neste poster pretende-se apresentar uma experiência de intervenção educativa, realizada no âmbito da Iniciação à Prática Profissional do segundo ano da licenciatura em Educação Básica. Esta intervenção inserese no projeto Faz-se luz e realizou-se com duas turmas do quinto ano de uma Escola E.B. 2,3/S de Viana do Castelo, envolvendo a professora bibliotecária e três professores das turmas em questão. A linha de ação definida pelo grupo de estágio contribuiu para explorar a temática da luz, de forma criativa, através da articulação horizontal do currículo entre as disciplinas de Português e Educação Visual. Sem perder de vista a intencionalidade do projeto, procurou-se fomentar a cooperação, o trabalho em grupo e a criatividade na construção de um livro infantil em cada turma. No âmbito específico de cada disciplina envolvida houve a intenção de contribuir para a melhoria das capacidades dos alunos, quer ao nível da planificação e escrita de textos narrativos e produção de discursos orais coesos e coerentes, quer ao nível da ilustração, edição e encadernação dos livros criados. Neste poster apresentar-se-á o processo de concretização desta experiência de articulação curricular horizontal, destacando-se as dinâmicas de trabalho mais relevantes, quer do ponto de vista da articulação do trabalho docente quer do ponto de vista dos estudantes e do seu envolvimento ativo e criativo no aperfeiçoamento de capacidades nos domínios específicos explorados. Palavras-chave: articulação curricular horizontal; pedagogia de projeto; metodologias ativas; prática pedagógica; gestão do currículo. Introdução O trabalho de projeto assume singular importância nos processos de aprendizagem e é cada vez mais utilizado pelas escolas com o intuito de ultrapassar o fosso entre saberes escolares e saberes sociais e mobilizar os alunos, a escola e, por vezes, a comunidade, 4º CRIA 191 na construção ativa de saberes (Katz & Chard, 2009; Leite, 2006; Leite & Santos, s/d). Além disso, pode contribuir para fomentar práticas de articulação curricular horizontal entre os docentes das turmas facilitadoras da aquisição, pelos alunos, de saberes globais, integradores e integrados (Gimeno Sacristán, 1996; Morgado & Tomaz, 2009). O projeto Faz-se Luz é o exemplo de um destes projetos desenvolvido no âmbito mais alargado da ação da Biblioteca Escolar de um Território Educativo de Intervenção Prioritária (TEIP) de Viana do Castelo. Surgiu pelo facto de 2015 ser o Ano Internacional da Luz, razão pela qual se procurou explorar a temática da luz de diferentes perspetivas, em função das possibilidades abertas pelas várias áreas curriculares. As estratégias inerentes ao projeto encontram-se divididas em cinco domínios diferentes, sendo eles: estratégias para toda a escola/todo o agrupamento; promoção e dinâmica da leitura; eventos e grupos de leitura; colaboração com a família; envolvimento com a comunidade. A linha de ação definida pelo grupo de estágio contribuiu para explorar a temática da luz, de forma criativa, através da articulação horizontal do currículo entre as disciplinas de Português, Educação Visual e Educação Tecnológica. Sem perder de vista a intencionalidade do projeto, procurou-se fomentar a cooperação, o trabalho em grupo e a criatividade na construção de um livro infantil em cada turma. Contextualização do trabalho O conceito de articulação curricular encontra-se estreitamente relacionado com o de interdisciplinaridade o que implica necessariamente i) a inter-relação entre saberes e ii) a cooperação entre os docentes. Não obstante a pertinência de se promoverem práticas de articulação curricular (vertical e horizontal) tendo em vista facilitar uma apropriação mais integrada e globalizante dos saberes, são vários os constrangimentos identificados nas escolas tantas vezes inviabilizadores de uma efetiva cultura colaborativa, nomeadamente as barreiras que se fazem sentir entre as disciplinas (Ferreira, 2001; Serra, 2004; Universidade do Porto, 2009). Em específico a articulação curricular horizontal pressupõe a identificação de aspetos comuns e a conjugação transversal de várias disciplinas num momento determinado do mesmo ano de escolaridade (Gimeno Sacristán, 1996; Morgado & Tomaz, 2009). O recurso ao trabalho por projetos, enquanto mecanismo pedagógico comprovadamente eficaz e adequado, permite abrir possibilidades alternativas para a construção e melhoria 192 4º CRIA das aprendizagens, de modo ativo, interdisciplinar, relacional (Katz & Chard, 2009; Leite, 2006; Leite & Santos, s/d; Many & Guimarães, 2006). O trabalho de projeto permite que os estudantes aprendam, de forma integrada complexa e participada, saberes de diferentes áreas. Através da pesquisa e do trabalho em grupo, do uso da criatividade na resolução de problemas ou no estudo em profundidade sobre determinado tema ou tópico, poderão aceder a uma grande variedade de experiências e saberes (Katz & Chard, 2009; Leite, 2006; Many & Guimarães, 2006). Ensinar e aprender por projetos poderá, deste modo, constituir um ponto de partida para desencadear um trabalho entusiasmante e sustentado nos contextos educativos, fazendo da aprendizagem uma descoberta e do saber um objeto de desejo (Leite, 2006). Metodologia e Intervenção educativa Neste poster dá-se a conhecer uma experiência de intervenção educativa, realizada no âmbito da unidade curricular de Iniciação à Prática Profissional do segundo ano da licenciatura em Educação Básica. Esta intervenção insere-se no projeto Faz-se luz e realizou-se com duas turmas do quinto ano de uma Escola E.B. 2,3/S de Viana do Castelo, envolvendo a professora bibliotecária, três estagiárias da Escola Superior de Educação de Viana do Castelo e três professores das turmas em questão. A linha de ação definida pelo grupo de estágio desenvolveu-se entre março e junho do ano letivo de 2014/2015 e contribuiu para explorar a temática da luz, de forma criativa, promovendo a articulação horizontal do currículo entre as disciplinas de Português, Educação Visual e Educação Tecnológica. No âmbito da temática da luz foram exploradas as várias formas que a luz poderá assumir, assim como objetos que comunicam e o papel da luz no processo de comunicação. Durante a dinâmica de trabalho criada procurou-se, de modo transversal, fomentar a cooperação, o trabalho em grupo e a criatividade na construção de um livro infantil em cada turma. No âmbito específico de cada disciplina envolvida houve a intenção de contribuir para a melhoria das capacidades dos alunos ao nível da planificação e escrita de textos narrativos e produção de discursos orais coesos e coerentes, assim como ao nível da ilustração, edição e encadernação dos livros criados. Deste modo, sem perder de vista as principais dimensões do projeto, bem como as indicações previstas nas metas curriculares, foram desenvolvidas várias sessões de trabalho, com resultados práticos muito positivos para ambas as turmas, e que se apresentam neste poster. Apresenta-se o processo de concretização desta experiência de articulação curricular horizontal, destacando-se as 4º CRIA 193 dinâmicas de trabalho mais relevantes, quer do ponto de vista da articulação do trabalho docente, quer do ponto de vista dos estudantes e do seu envolvimento ativo e criativo no aperfeiçoamento de capacidades nos domínios específicos explorados. Após uma análise inicial do projeto e apresentação à professora bibliotecária da ideia de plano de ação do grupo de estágio, identificaram-se as duas turmas com as quais seria possível desenvolver um trabalho continuado e foram contactadas as respetivas professoras (uma de Português e duas de Educação Visual e Educação Tecnológica) para apresentar a proposta de articulação. Ficou definido que o grupo de estágio teria disponível entre quinze a vinte minutos iniciais de cada aula durante oito semanas de intervenção. 1ª Etapa: Elaboração das histórias pelo recurso à Arca dos Contos Na primeira sessão de trabalho, na disciplina de Português, deu-se início à atribuição das cartas da “Arca dos Contos” (Figura 1). Este recurso consiste num jogo de cartas inspirado no imaginário dos contos tradicionais e que tem como objetivo principal estimular a criatividade e o gosto pela leitura e pela escrita. As cartas dividem-se em sete grupos, de onze cartas cada grupo: personagens humanas, personagens animais, espaços, objetos mágicos, verbos, adjetivos e palavras-chave. Nas palavras-chave o grupo colocou palavras específicas relacionadas com a luz de forma a conduzir os alunos para a exploração livre do tema. Figura 1. Cartas da “Arca dos Contos” Nas aulas da disciplina de Português, os alunos elaboraram uma história tendo por base os elementos da Arca dos Contos, (Figura 2), atribuídos aleatoriamente. Inicialmente expunham oralmente as suas ideias, sendo estas registadas no quadro pelas estagiárias e no caderno pelos alunos. As ideias foram sendo integradas e devidamente articuladas numa pequena narrativa de modo a criar um texto coeso e coerente. Para que a participação de todos os alunos fosse possível, seguiu-se a ordem pela qual estavam dispostos na sala de aula. 194 4º CRIA Figura 2. O processo de produção do trabalho. 2ª Etapa: Ilustração das histórias Terminada a etapa de elaboração das histórias, as intervenções passaram a ser feitas nas disciplinas de Educação Visual e de Educação Tecnológica. Nessas disciplinas os alunos procederam às ilustrações dos diferentes segmentos das histórias previamente criadas (Figuras 3 e 4). Iniciou-se pela leitura do texto produzido pelos alunos em cada grupo turma. As estagiárias dividiram as histórias em segmentos, distribuindo-os por todos os alunos da turma que procederam às respetivas ilustrações explorando livremente, e de forma coerente, suportes e técnicas diversas apresentadas e disponibilizadas para o efeito. Figura 3. Algumas ilustrações realizadas pelos alunos da turma A. Figura 4. Algumas ilustrações realizadas pelos alunos da turma C. 3ª Etapa: Edição/Encadernação do livro com cada história criada e produção de Ebook 4º CRIA 195 Para finalizar, procedeu-se à compilação e organização das páginas dos livros (junção dos elementos textuais e ilustrativos e tratamento estético), digitalização, impressão da obra e respetiva plastificação e encadernação (Figura 5). Posteriormente, os livros em suporte papel foram oferecidos à Biblioteca Escolar enquanto produtos resultantes do projeto. Os livros digitais foram publicados na página web do Agrupamento para que, deste modo, os alunos pudessem dar a conhecer o seu trabalho aos pais/encarregados de educação e amigos. Figura 5. Capas dos livros produzidos. Conclusões De um modo geral, as tarefas desenvolvidas permitiram a todos os alunos ter uma participação ativa uma vez que cada um foi colocado em situação de contribuir com as suas próprias ideias, frases e ilustrações. Com as atividades propostas foi possível desafiar a sua criatividade, possibilitando ainda o aprofundamento de conhecimentos e o aperfeiçoamento de capacidades no domínio da Língua Portuguesa e da Educação Visual e Tecnológica. O facto de estarem permanentemente envolvidos nas tarefas, dado que se tratou de uma produção própria, poderá explicar a motivação e o sucesso das atividades propostas junto do público-alvo. Dados os indicadores apresentados no ponto anterior, considera-se que esta intervenção, de um modo geral, contribuiu i) para aumentar o gosto pela escrita criativa, pela leitura e pelo livro junto dos alunos, ii) para explorar algumas vertentes da temática subjacente ao projeto, procurando que os estudantes identificassem objetos que comunicam através da luz, assim como as várias formas que a luz poderá assumir e criando condições para que as turmas tecessem enredos imaginando possibilidades de cada feixe de luz dar origem a um curiosidade ou pormenor e, em última instância a uma história e iii) para sensibilizar os docentes envolvidos para as possibilidades e potencialidades de se trabalhar de forma colaborativa pela via da articulação horizontal do currículo. A este nível revestiu-se de particular importância o diálogo e a negociação que esteve subjacente à articulação conjunta do trabalho entre a professora bibliotecária, os docentes da turma e o grupo de 196 4º CRIA estagiárias, nomeadamente no estabelecimento do como, porquê, para quê e quando desenvolver o trabalho. Referências bibliográficas Ferreira, J. B. (2001). Continuidades e Descontinuidades no Ensino Básico. Leiria: Magno Edições. Gimeno Sacristán, J. (1996). La transición a la educación secundaria. Madrid: Ediciones Morata. Leite, E. & Santos, M. R. (s/d). Nos trilhos da área de projecto. Metodologia do trabalho de projecto. Porto: ASA. Leite, E. (2006). Prefácio. In Eric Many & Samuel Guimarães. Como abordar… A Metodologia de Trabalho de Projecto. Porto: Areal Editores. Katz, L. & Chard, S. (2009). A Abordagem de Projecto na Educação de Infância. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. Many, E. & Guimarães, S. (2006). Como abordar… A Metodologia de Trabalho de Projecto. Porto: Areal Editores. Morgado, J. C. & Tomaz, C. (2009). Articulação curricular e sucesso educativo: uma parceria de investigação. Comunicação apresentada no XVII Colóquio da Afirse. Lisboa: Universidade de Lisboa (documento policopiado). SERRA, C. (2004). Currículo na educação pré-escolar e articulação curricular com o 1º ciclo do ensino básico. Porto: Porto Editora. Universidade do Porto (2009). Articulação curricular vertical. Acedido em maio, 2016, em http://www.fpce.up.pt/ciie/obvie/docs/articulacao_curricular.pdf. 4º CRIA 197 198 4º CRIA O papel da biblioteca escolar e dos projetos na construção de ambientes de aprendizagem criativos e promotores de sucesso: uma experiência de intervenção Patrícia Fernandes1, Joana Martins2, Rita Cruz3 & Fátima Sousa-Pereira4 1 Escola Superior de Educação do IPVC, [email protected] 2 Escola Superior de Educação do IPVC, [email protected] 3 Escola Superior de Educação do IPVC, [email protected] 4 Escola Superior de Educação do IPVC, [email protected] Resumo. A problemática do (in)sucesso escolar é hoje assumida, já não apenas do ponto de vista individual, mas também do ponto de vista da escola, enquanto comunidade, obrigando a uma análise integrada das suas vertentes organizacional, curricular e pedagógica (Machado & Alves, 2013). Os Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP) são contextos onde esta problemática se revela ainda mais complexa, justificando, de forma particularmente premente, o recurso a soluções que permitam usar os recursos próprios para melhorar as práticas instaladas, criando condições maximizadoras do sucesso (Roldão, 2009; Azevedo, 2013; Verdasca, 2013). É neste contexto que as bibliotecas escolares e os projetos por elas dinamizados poderão assumir-se como recursos promotores de ambientes de aprendizagem criativos e que, simultaneamente, contribuam para o desenvolvimento de práticas colaborativas de gestão do currículo e para a melhoria da aprendizagem dos alunos. Com este poster pretende-se apresentar uma experiência de intervenção educativa, realizada no âmbito da Iniciação à Prática Profissional do segundo ano da licenciatura em Educação Básica. A linha de ação definida pelo grupo de estágio no âmbito dos projetos ContAR-TE e Ler+Mar, cuja implementação é da responsabilidade da biblioteca escolar, teve como objetivo explorar obras propostas pelas metas curriculares para a educação literária pelo recurso a dinâmicas criativas, contribuindo para a melhoria das competências dos alunos. Desta forma, e respeitando as duas grandes dimensões do projeto – a literária e a artística – procurou-se explorar um conjunto de doze obras relativas à temática “O Mar”, usando o livro como principal recurso e a criatividade como estratégia na conquista dos alunos para as novas aprendizagens. A ação foi desenvolvida com uma turma de 25 alunos de uma Escola EB1 de Viana do Castelo, integrada num contexto TEIP. Neste poster, dar-se-á destaque às atividades realizadas com quatro das obras selecionadas recorrendo a uma diversidade de tarefas e de recursos que permitiram garantir o envolvimento ativo e motivado dos alunos e o interesse pelas obras literárias exploradas. Palavras-chave: sucesso escolar; pedagogia de projeto; metodologias ativas; prática pedagógica; biblioteca escolar. 4º CRIA 199 Introdução Atualmente a problemática do (in) sucesso escolar já não é assumida apenas do ponto de vista individual, mas também do ponto de vista da escola, enquanto comunidade. Esta perspetiva obriga a uma análise mais complexa, o que pressupõe a consideração simultânea das vertentes organizacional, curricular e pedagógica (Machado & Alves, 2013). Por constituírem contextos onde esta problemática se revela ainda mais complexa, os Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP) justificam, de forma particularmente premente, o recurso a soluções que permitam usar os recursos próprios para melhorar as práticas instaladas, criando condições maximizadoras do sucesso (Roldão, 2009; Azevedo, 2013; Verdasca, 2013). É neste contexto que as bibliotecas escolares e os projetos por elas dinamizados poderão assumir-se como recursos promotores de ambientes de aprendizagem criativos e que, simultaneamente, contribuam para o desenvolvimento de práticas colaborativas de gestão do currículo e para a motivação e melhoria da aprendizagem dos alunos. Contextualização do trabalho Em pleno séc. XXI a instituição escolar continua a ser palco de muitos desafios, nomeadamente no que à garantia do sucesso educativo diz respeito. A enorme diversidade (socioeconómica, cultural, étnica, etc.), originada pela massificação do ensino, constitui um dos grandes desafios. A escola persiste em manter métodos tradicionais, embora com um público ao qual não estava habituada, composto por alunos menos previsíveis e menos controláveis e que, em muitos casos, não dominam os “códigos” presentes no discurso formal da escola (Cortesão, Leite & Pacheco, 2002; Silva, 2013). Deste modo, principalmente em contextos sociais particularmente problemáticos, a escola e as aprendizagens são desvalorizadas o que se traduz, muitas vezes, em comportamentos disruptivos, em insucesso e até absentismo e abandono escolar. Face a estes desafios, exigem-se, “novas energias na criação de ambientes educativos inovadores, de espaços de aprendizagem que estejam à altura dos desafios da contemporaneidade” (Nóvoa, 2014, p. 183). Os projetos, enquanto imagens que somos capazes de formar de uma situação e de uma mudança que poderemos vir a atingir (Capucha, 2008), constituem mecanismos pedagógicos alternativos para responder a problemas e necessidades e trabalhar no sentido da melhoria. As bibliotecas escolares poderão funcionar como elemento importante na promoção de projetos socioeducativos 200 4º CRIA de natureza diversa potenciadores de ambientes de aprendizagem criativos e estimulantes. Metodologia e Intervenção educativa A experiência de intervenção educativa que se apresenta realizou-se no âmbito da Iniciação à Prática Profissional do segundo ano da licenciatura em Educação Básica. A linha de ação definida pelo grupo de estágio no âmbito dos projetos ContAR-TE e Ler+Mar (PNL), cuja implementação é da responsabilidade das bibliotecas escolares do Agrupamento de Monte da Ola (um contexto TEIP), teve como objetivo explorar obras propostas pelas metas curriculares para a educação literária pelo recurso a dinâmicas criativas, contribuindo para a melhoria das competências dos alunos. Desta forma, e respeitando as duas grandes dimensões do projeto – a literária e a artística – procurou-se explorar um conjunto de doze obras relativas à temática “O Mar”, usando o livro como principal recurso e a criatividade como estratégia na conquista dos alunos para as novas aprendizagens. Tratou-se de uma intervenção com uma turma de vinte e cinco crianças, constituída por dez alunos do primeiro ano de escolaridade e quinze do segundo ano, que decorreu entre março e junho do ano letivo 2015/2016. A intervenção foi implementada pelas estagiárias mas resultou de uma dinâmica de trabalho conjunto envolvendo de forma ativa e articulada, em todas as fases, a professora titular da turma e a professora bibliotecária. Neste poster dar-se-á destaque às atividades realizadas com quatro das obras selecionadas recorrendo a uma diversidade de tarefas e de recursos que permitiram garantir o envolvimento ativo e motivado dos alunos e o interesse pelas obras literárias exploradas. 1.ª Atividade: “O Ciclo da Água” Uma das obras explorada foi “O Ciclo da Água” de Cristina Quental. Começou-se a sessão pela leitura expressiva da obra pelas estagiárias, seguida de uma atividade de compreensão de texto que consistiu na realização de uma atividade de palavras cruzadas em que a turma teve que descodificar qual o conceito associado a cada definição. Para finalizar, foi-lhes proposta a construção de maquetes tridimensionais nas quais deveriam recriar o ciclo da água usando, para o efeito, materiais de desperdício recicláveis (Figura 1). 4º CRIA 201 Figura 1. Cartaz para exploração da história; bases das maquetes; maquetes finalizadas. 2ª Atividade: “O Médico do Mar” Entendemos ser fundamental promover nos alunos o gosto pelo livro e pela leitura, mas se a isto aliarmos a dimensão emocional, a intervenção poderá constituir uma mais-valia também ao nível da exploração de valores importantes para a sua formação pessoal e social. Com esta dupla intencionalidade foi explorada a obra “O Médico do Mar” de Leo Timmers, por se tratar de uma obra particularmente relevante para trabalhar valores como a solidariedade, a entreajuda e a cooperação. Iniciou-se a sessão com a dramatização da história com recurso a um fantocheiro construído para o efeito. Seguiuse uma atividade de compreensão do texto baseada num cartaz em que os alunos tinham que atribuir uma afirmação a cada personagem (Figura 2). Para finalizar, foi-lhes proposta a decoração de fantoches alusivos à história que serviram para a dramatização da história por parte da turma. Figura 2. Fantocheiro; cartaz preparado para a atividade de compreensão; a turma durante a decoração dos fantoches. 3ª Atividade: “Na Praia da Galé” Numa das sessões optou-se pela exploração da história “Na praia da Galé” pertencente à obra “O senhor do seu nariz e outras histórias” de Álvaro Magalhães. A sessão foi iniciada com a leitura expressiva da história, a que se seguiu uma atividade de compreensão baseada nos elementos paratextuais, nomeadamente na ilustração. Nesta, os alunos tiveram a tarefa de ordenar cronologicamente e legendar quatro cartões 202 4º CRIA referentes às ilustrações da história. Para finalizar, foi-lhes proposta a criação de um mobile com o título “Que saudades eu tenho da praia…” (Figura 3). Para tal, a cada aluno foi atribuído um cartão com a forma de um elemento associado à praia, podendo este ter a forma de castelo de areia, gelado, sol, prancha de surf ou estrela-do-mar. Nestes cartões os alunos representaram bidimensionalmente aquilo de que sentiam mais saudades relativamente à praia. Figura 3. Cartaz pré-construído para exploração dos elementos paratextuais; ilustração dos cartões; aspeto final do mobile. 4ª Atividade: Caixas com Histórias Dentro Procurou-se terminar a intervenção neste projeto com uma atividade globalizante e de síntese, que permitisse considerar todas as obras abordadas ao longo das doze sessões. Com esta intencionalidade, propôs-se às crianças a atividade “Caixas com histórias dentro”. A turma foi dividida em pequenos grupos, tendo em conta as obras preferenciais exploradas. Cada grupo recriou, usando para o efeito uma caixa de sapatos, a história/obra de que mais gostou, tendo ao seu dispor materiais de desperdício e/ou recicláveis (Figura 4). Figura 4. Exemplo de uma caixa com história dentro (“O Médico do Mar”). 4º CRIA 203 Conclusões A intervenção desenvolvida no âmbito conjunto dos projetos ContAR-TE e Ler+Mar, que contou com a participação de três estagiárias, contribuiu para fomentar práticas colaborativas de gestão do currículo envolvendo a ação da professora bibliotecária e da professora titular da turma. De modo interdependente, as docentes articularam-se no sentido de ultrapassar dificuldades sentidas no contexto de escola e de sala relacionadas com o insucesso escolar. Partindo do diálogo e reflexão sobre as práticas curriculares e sobre os resultados académicos dos estudantes, iniciou-se um processo que envolveu tomada conjunta de decisões sobre aspetos inerentes à prática letiva e de que resultou um trabalho estruturado e pensado em conjunto, envolvendo todos os elementos, nomeadamente o grupo de estagiárias. Será também de considerar a mais-valia associada à partilha de ideias, experiências, tarefas e responsabilidades, de que resultou menor sobrecarga de trabalho e maior diversificação de estratégias conducentes à motivação e melhoria das aprendizagens dos alunos. Além disso, proporcionou ao grupo de crianças um ambiente de aprendizagem criativo e estimulante que foi organizado com o objetivo de, simultaneamente, potenciar a motivação para a aprendizagem, melhorar o nível de compreensão das obras literárias trabalhadas, assim como a capacidade de criação. Estas condições repercutiram-se numa participação ativa, motivada e envolvida das crianças no trabalho proposto, aspetos observados quer pelas estudantes estagiárias, quer pela professora titular da turma e pela professora bibliotecária. Desta forma, foi proporcionada aos estudantes a integração em atividades promotoras do gosto pela leitura e pelo manuseio do livro físico como ferramenta útil e dinâmica de aprendizagem, assim como promotoras da dimensão criativa. Referências bibliográficas Azevedo, J. (2013). Como se tece o (in)sucesso escolar: o papel crucial dos professores. In J. Machado & J. Alves (orgs.). Melhorar a Escola - Sucesso Escolar, Disciplina, Motivação, Direção de Escolas e Políticas Educativas. Porto: Universidade Católica. Capucha, L. M. A. (2008). Planeamento e Avaliação de Projetos. Guião Prático. Lisboa: MEDGIDC. Cortesão, L.; Leite, C. & Pacheco, J. A. (2002). Antes de falarmos em projecto é preciso sabermos do que estamos a falar. In Trabalhar por projectos em educação. Porto: Porto Editora, pp. 22-32. Machado, J. & Alves, J. (2013). Melhorar a Escola - Sucesso Escolar, Disciplina, Motivação, Direção de Escolas e Políticas Educativas. Porto: Universidade Católica. 204 4º CRIA Nóvoa, A. (2014). Educação 2021: Para uma história do futuro. Educação, Sociedade & Culturas, 41, 171-185. Roldão, M. C. (2009). Estratégias de Ensino: o saber e o agir do professor. V. N. Gaia: Fundação Manuel Leão. Silva, S. M. (2013). Condição de estranheza e relação com o mundo da escola. In Manuel Matos (org.). JOVALES: Jovens, Alunos, Ensino Secundário. Porto: CIIE/Livpsic. Verdasca, J. (2013). Promovendo o Sucesso Escolar: lições de práticas recentes. In J. Machado & J. Alves (orgs.). Melhorar a Escola - Sucesso Escolar, Disciplina, Motivação, Direção de Escolas e Políticas Educativas. Porto: Universidade Católica. 4º CRIA 205 206 4º CRIA À Descoberta de Portugal pela metodologia de trabalho de projeto: uma experiência de intervenção no pré-escolar Lídia Neves1, Anaïs Cerqueira2, Marina Machado3, Paula Coelho4 & Fátima Sousa-Pereira5 1 Escola Superior de Educação do IPVC, [email protected] Escola Superior de Educação do IPVC, [email protected] 3 Escola Superior de Educação do IPVC, [email protected] 4 Agrupamento de Escolas de Arcozelo, Ponte de Lima, [email protected] 5 Escola Superior de Educação do IPVC, [email protected] 2 Resumo. O Trabalho de Projeto permite que os estudantes aprendam, de forma integrada complexa e participada, saberes de diferentes áreas. Através da pesquisa e do trabalho em grupo, do uso da criatividade na resolução de problemas, poderão aceder a uma grande variedade de experiências e saberes (Leite, 2006; Many & Guimarães, 2006). Neste poster pretende-se apresentar uma experiência de intervenção educativa realizada no âmbito da unidade curricular de Iniciação à Prática Profissional do segundo ano da licenciatura em Educação Básica. O trabalho realizado, no âmbito do projeto À Descoberta de Portugal, teve lugar num Jardim de Infância do Agrupamento de Escolas de Arcozelo (Ponte de Lima), com um grupo de 80 crianças, com idades compreendidas entre os três os cinco anos. O trabalho desenvolvido pelo recurso à Metodologia de Trabalho de Projeto pretendeu sensibilizar as crianças para a história do nosso país, promover o desenvolvimento de atividades de exploração e conhecimento do meio histórico local/nacional assim como alargar conhecimentos sobre ambientes históricos e culturais. Procurandose que as crianças desenvolvessem competências e aprendizagens na área do conhecimento do mundo, mas com dinâmicas diferenciadas associadas às outras áreas de conteúdo, recorreu-se a atividades atrativas e à criatividade como chave para despertar o interesse das crianças para a aprendizagem. Neste poster apresentar-se-á o processo de trabalho desenvolvido, concedendo-se destaque a algumas atividades com resultados muito positivos, quer no que à produção de conhecimento diz respeito, quer ao nível do entusiasmo e participação de todos os envolvidos. Palavras-chave: pedagogia de projeto; metodologias ativas; educação préescolar. Introdução e Contextualização do Trabalho A criança é por norma curiosa. Proporcionar-lhe atividades diferentes em contextos diferentes, estimula essa curiosidade e promove a aprendizagem e o conhecimento do Mundo (físico e social) que a rodeia. A curiosidade natural da criança e o seu desejo de 4º CRIA 207 saber e compreender porquê poderá “ser fomentada e alargada na educação préescolar, através de oportunidades de contactar com novas situações, que são simultaneamente, ocasiões de descoberta e de exploração do mundo.” (Ministério da Educação, 1997). O recurso ao trabalho por projetos, enquanto mecanismo pedagógico comprovadamente eficaz e adequado à criança, permite abrir possibilidades alternativas para a construção e melhoria das suas aprendizagens, de modo ativo, interdisciplinar, relacional, pela descoberta, tomando a criança como investigadora nata (Katz, Ruivo, Silva & Vasconcelos, 1998; Katz & Chard, 2009; Oliveira-Formosinho & Gambôa, 2011; Vasconcelos, Rocha, Loureiro, Castro, Menau & Sousa, 2012). O Trabalho de Projeto permite potenciar uma aprendizagem integrada e complexa de saberes de diferentes áreas, assim como uma aprendizagem participada, comprometida e ativa. Através de dinâmicas diferenciadas que podem envolver pesquisa e trabalho em grupo, assim como estimular o uso da criatividade na resolução de problemas ou no estudo em profundidade sobre determinado tema ou tópico, os estudantes poderão aceder a uma grande variedade de experiências e saberes (Katz & Chard, 2009; Leite, 2006; Many & Guimarães, 2006). Deste modo, ensinar e aprender por projetos poderá constituir um ponto de partida para desencadear um trabalho entusiasmante e sustentado nos contextos educativos, fazendo da aprendizagem uma descoberta e do saber um objeto de desejo (Leite, 2006). À Descoberta de Portugal é o exemplo de um projeto desenvolvido pelo recurso a esta metodologia, que pretendeu sensibilizar as crianças para a história do nosso país, promover o desenvolvimento de atividades de exploração e conhecimento do meio histórico local/nacional assim como alargar conhecimento sobre ambientes históricos e culturais. Sendo pertinente reforçar a ideia de que os conteúdos históricos podem e devem ser explorados na educação pré-escolar de forma refletida, intencional e sistemática, este projeto, desenvolvido numa linha construtivista, permitiu, em última instância, sensibilizar as crianças, geração presente e futura do nosso país, para o valor do nosso passado. 208 4º CRIA Metodologia e Intervenção Educativa A experiência de intervenção educativa que se apresenta neste trabalho foi desenvolvida num Jardim de Infância do Agrupamento de Escolas de Arcozelo (Ponte de Lima) e envolveu um grupo de 80 crianças, com idades compreendidas entre os três e os cinco anos, quatro educadoras de infância e três alunas estagiárias do segundo ano da licenciatura em Educação Básica da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo. A linha de ação desenvolvida com o contributo do grupo de estágio decorreu durante o segundo semestre do ano letivo de 2015/2016, no âmbito da unidade curricular de Iniciação à Prática Profissional. De forma a alcançar os objetivos propostos recorreu-se à Metodologia de Trabalho de Projeto por se tratar de uma estratégia de aprendizagem predominantemente ativa e assente na resolução de problemas e na descoberta. Procurou-se promover competências e conhecimentos em diversas áreas de conteúdo, recorrendo a atividades atrativas e criativas, e trabalhando a construção articulada do saber, ao contemplar as áreas de conteúdo não como compartimentos estanques mas abordadas de forma globalizante e integrada. Neste sentido, a área de conteúdo predominantemente trabalhada foi a área do conhecimento do mundo uma vez que o projeto permitiu às crianças conhecerem, através da pesquisa, alguns aspetos da história de Portugal e da história local. Uma vez que a rainha que deu o foral a Ponte de Lima, localidade em que o Jardim de Infância está inserido, foi D. Teresa, mãe de D. Afonso Henriques, aproveitou-se a oportunidade para conhecer também um pouco melhor a história de Ponte de Lima. No entanto, foi também explorada a área de Expressão e da Comunicação, especificamente os domínios da Educação Física, da Educação Artística (subdomínios das Artes Visuais, do Jogo Dramático/Teatro, da Música, da Dança), da Linguagem Oral e Abordagem à Escrita e o Domínio da Matemática. A área de Formação Pessoal e Social foi trabalhada de modo transversal, tendo estado presente em todas as dinâmicas de trabalho propostas. Iniciou-se o projeto com a comemoração do “Dia Nacional dos Castelos”, tendo como ponto de partida o que as crianças já sabiam e o que queriam saber. Partindo do conhecimento empírico introduziram-se noções da vida, dos usos e costumes na época medieval, das classes sociais existentes, concedendo especial enfoque aos castelos e ao primeiro Rei de Portugal. As atividades foram pensadas de maneira a criar momentos de aprendizagem lúdicos nos quais as crianças pudessem participar de forma ativa e 4º CRIA 209 continuada em todo o desenvolvimento do projeto. O envolvimento das famílias, assim como das entidades locais foi um aspeto fundamental no desenrolar deste projeto. Destacam-se, seguidamente, algumas das dinâmicas de trabalho desenvolvidas com resultados muito positivos, quer no que à produção de conhecimento diz respeito, quer ao nível do entusiasmo e participação de todos os envolvidos. 1. Construção de elementos históricos pelo recurso a materiais de desperdício A abordagem a temáticas como a ecologia podem ser feitas de forma interessante e produtiva. Nesta atividade estabelecemos a ligação entre diferentes áreas temáticas e conteúdos com a construção de elementos históricos recorrendo a materiais de desperdício recolhidos pelas crianças. Os elementos criados consistiram em escudos, espadas e cavalos (Figura 1) que mais tarde foram utilizados no desfile de carnaval (Figura 2). Também foi construída a bandeira de Portugal (Figura 1), exposta na sala de atividades e na exposição de final de ano. Figura 1. Construção de elementos históricos com materiais de desperdício (escudos, espadas, cavalos e bandeira de Portugal). 210 4º CRIA Figura 2. Utilização, no desfile de carnaval, de elementos históricos construídos pelo grupo. 2. Visita ao Castelo de Guimarães Visita ao Castelo de Guimarães de modo a consolidar e aprofundar conhecimentos adquiridos durante o projeto (Cf. Figura 3). Figura 3. Visita ao Castelo de Guimarães. 3. Peddy-Pappers de descoberta sobre a temática do projeto e Jogos Tradicionais Portugueses Partindo de temas específicos alusivos ao projeto foram realizados peddy-pappers com adivinhas e perguntas realizadas através de pictogramas, bem como tarefas de motricidade. Estas atividades foram pensadas para que as crianças tivessem oportunidade de aplicar os conhecimentos aprendidos ao longo do projeto encorajando o espírito de equipa e despertando o interesse para as aprendizagens. Além disso, com o objetivo de valorizar e sensibilizar para elementos que perduram ao longo do tempo na história do nosso país, realizou-se um percurso de jogos tradicionais portugueses, tais como corridas de sacos, jogo da cabra-cega, jogo da malha e outros (Figura 4). Figura 4. Percurso de jogos tradicionais portugueses. 4. Apresentação do projeto à comunidade educativa Apresentação de uma dramatização intitulada “Afonso Henriques: o Conquistador”, que contou com a participação dos quatro grupos do Jardim de Infância e que permitiu 4º CRIA 211 apresentar à comunidade educativa os conhecimentos construídos ao longo do projeto. As crianças também interpretaram o hino de Portugal, um dos elementos de aprendizagem explorado durante o projeto (Cf. Figura 5). Figura 5. Apresentação da peça “Afonso Henriques: o Conquistador” e interpretação do hino nacional. Conclusões À Descoberta de Portugal provou ser um projeto dinamizador que envolveu de modo ativo e participativo as crianças, docentes, estagiárias, famílias e restante comunidade educativa. Em resultado das dinâmicas de trabalho desenvolvidas no âmbito do projeto, tornou-se evidente uma melhoria nos conhecimentos, capacidades e atitudes das crianças na área do Conhecimento do Mundo, em específico no que à temática do projeto diz respeito, nomeadamente, quanto ao nível de familiaridade com aspetos da vida medieval e da história e cultura do nosso país, assim como, quanto ao respeito pelos nossos antepassados e por elementos representativos e simbólicos do nosso país (hino e bandeira). No âmbito do subdomínio das Artes Visuais foram elaborados os diferentes artefactos usados pelos cavaleiros: espadas, escudos e cavalos. Foi também aproveitada a atividade de construção destes artefactos para promover a educação ambiental por via da reutilização e reciclagem de material de desperdício. Os subdomínios da Música e da Dança foram trabalhados através do estudo dos instrumentos usados na época, através da audição de música medieval, com a aprendizagem de canções sobre os castelos e sobre D. Afonso Henriques, bem como através da coreografia realizada e utilização de instrumentos na festa de final de ano. O subdomínio do Jogo Dramático/Teatro foi explorado a propósito da dramatização da peça de teatro, que retratou a vida de D. Afonso Henriques, apresentada na festa de final de ano. 212 4º CRIA Através das atividades centradas em jogos medievais (nomeadamente, corridas de sacos, corridas com os cavalos de pau, corridas com colheres, a malha, etc.) foi possível explorar o domínio da Educação Física. A exploração de aprendizagens no domínio da Matemática teve lugar, predominantemente, aquando da abordagem aos castelos. Algumas crianças quiseram construir castelos, tendo-se trabalhado a este propósito os sólidos geométricos (cilindros nas torres, cones nos telhados, etc.), a noção de quantidade (quantas torres, quantas portas/janelas), assim como a noção de tamanho (maior/menor, pequeno/grande, alto/baixo). Além disso, na construção da bandeira e dos escudos, as crianças tiveram que efetuar contagens variadas (do número de quinas, escudos e castelos) e foram trabalhadas as cores da bandeira e sua representação. O domínio da Linguagem foi também muito explorado, em particular ao nível da aquisição de novo vocabulário (relacionado com os castelos, artefactos, comida, roupas, profissões), assim como ao nível da audição de diversas histórias em diferentes formatos (cd, livros, powerpoints, teatro de fantoches). De um modo transversal, procurou-se intencionalmente promover aprendizagens na área de Formação Pessoal e Social à medida que foram desenvolvidas as atividades atrás referidas. Em particular procurou-se promover a capacidade de: ouvir o outro; respeitar o outro nas aprendizagens e dificuldades e ajudar sempre que necessário; partilhar aprendizagens, nomeadamente pela apresentação dos resultados de pesquisas realizadas; sugerir/escolher atividades pertinentes no âmbito do projeto e participar com interesse nas diferentes atividades; ser responsável no cumprimento das diferentes tarefas atribuídas, etc. É também de destacar o empenho e entusiamo de todos os envolvidos, em particular das crianças, que demonstraram grande curiosidade, desejo de saber e de compreender porquê. Referências bibliográficas Oliveira-Formosinho, J. & Gambôa, R. (orgs.) (2011). O Trabalho de Projeto na Pedagogiaem-Participação. Porto: Porto Editora. Katz, L., Ruivo, J., Silva, M. & Vasconcelos, T. (1998). Qualidade e projecto na educação préescolar. Lisboa: Ministério da Educação. Katz, L. & Chard, S. (2009). A Abordagem de Projecto na Educação de Infância. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 4º CRIA 213 Leite, E. (2006). Prefácio. In Eric Many & Samuel Guimarães. Como abordar… A Metodologia de Trabalho de Projecto. Porto: Areal Editores. Ministério da Educação (1997). Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar. Lisboa: Departamento da Educação Básica. Many, E. & Guimarães, S. (2006). Como abordar… A Metodologia de Trabalho de Projecto. Porto: Areal Editores. Vasconcelos, T., Rocha, C., Loureiro, C., Castro, J. D., Menau, J. & Sousa, O. (2012). Trabalho por Projetos na Educação de Infância: Mapear Aprendizagens Integrar Metodologias. Lisboa: Ministério da Educação. 214 4º CRIA