Implementação de um Sistema de Gestão por Competências no Nível Operacional: um estudo de caso na indústria petroquímica Autoria: Graziella Maria Comini, Ulrico Barini Filho, Claudia Mayu Konuma Resumo Este artigo tem por objetivo apresentar e discutir os resultados obtidos na implementação de um modelo de Gestão de Pessoas por Competências procurando avaliá-lo à luz da literatura existente e na ótica do público abrangido. Esta temática tem sido amplamente discutida na literatura nacional e internacional, porém predominam trabalhos estritamente conceituais ou que abordam a introdução do modelo por competências para trajetórias gerenciais ou de nível técnico-profissional. Levantamentos recentes no contexto nacional têm procurado mapear a implementação de sistemas de gestão por competência e descrever características destes modelos. No entanto, poucos artigos exploram e analisam os resultados efetivos obtidos a partir da implementação e introdução de uma nova abordagem de gestão, o que pode ser explicado em parte pela pouca experiência relativa acumulada no tema, desde a introdução de sistema integrado de gestão de pessoas por competência nas organizações brasileiras. Desta forma, este artigo procurará cobrir duas lacunas observadas: discussão sobre efetividade do modelo para profissionais com atuação na área operacional, tendo como base uma organização líder na indústria petroquímica, de fundação recente, resultante de uma fusão de seis outras empresas do setor. 1. INTRODUÇÃO Há consenso na literatura internacional e nacional (Ruas, 2005; Dutra, 2004;Fleury, 2002; Barbosa, Ferraz e Lopes; 2002; Zarifian, 2001, entre outros) que o conceito de competência relaciona a ação efetiva da mobilização de recursos de um indivíduo com a agregação de valor à organização. Por outro lado, há autores (como por exemplo, Picarelli e Wood, 1995) que distinguem os conceitos de habilidades do de competências. Este último seria reservado aos atores que ocupam posições gerenciais nas organizações, refletindo de alguma maneira o pensamento mecanicista da revolução industrial. Algumas organizações, no entanto, a partir do reconhecimento dos efeitos da complexidade no ambiente industrial e buscando uma diferenciação competitiva, optaram por generalizar o conceito de competência para todos os âmbitos de sua estrutura formal. A pergunta que tentam responder é: por que não discutir as entregas e resultados esperados dos profissionais que executam atividades operacionais, dado que são peças-chave para viabilização da intenção de Excelência Operacional? Tendo estes dilemas e desafios em mente, os pesquisadores escolheram a empresa Braskem para desenvolver um estudo em profundidade do modelo de gestão de competências implementado. Com mais de 70% dos empregados no setor operacional, a Braskem é uma empresa que tem como discurso oficial da alta administração a “Excelência Operacional”. Líder do setor petroquímico nacional, a Braskem implantou logo após sua fundação (em agosto de 2002) um sistema de Gestão de Competências para todas as categorias funcionais da organização. As empresas que deram origem a Braskem já tinham amplo histórico de modelo de competências ou habilidades o que enriquece a análise da efetividade dos modelos. O foco deste estudo é o grupo operacional do sistema. O artigo foi dividido em quatro partes: na primeira, é relatada a metodologia utilizada para apresentação do caso; na segunda, apresenta-se um breve histórico da discussão de competência; em seguida são comentadas as 1 características da organização e do modelo implementado. Por fim, são discutidos os resultados obtidos, as limitações do modelo e os desafios futuros. 2. METODOLOGIA A pesquisa realizada classifica-se, quanto aos seus objetivos, como uma investigação do tipo descritivo, pois pretendeu avaliar as características do sistema de gestão de pessoas, articulado por competências, implantado no nível operacional da Braskem, empresa petroquímica do grupo Odebrecht. O sistema envolve: discussões a respeito de carreira; desenvolvimento e reconhecimento (remuneração fixa); critérios adotados. De acordo com Gil (1991), as pesquisas descritivas objetivam primordialmente a descrição das características de determinada população ou fenômeno, levantando informações sobre situações específicas e relacionadas de forma a proporcionar a visualização de uma totalidade. O estudo é classificado como um estudo de caso do tipo exploratório, caracterizado pelo estudo de poucos objetos de forma a reunir informações detalhadas sobre uma determinada situação. Em geral, o estudo de caso é apropriado à fase exploratória, pois se refere às situações empíricas que investigam um fenômeno dentro de um contexto real. O estudo de caso é justificado quando o mesmo testa uma teoria, é um evento raro ou revela um propósito (Yin,1986). Também para De Bruyne (1977), um caso singular pode identificar problemas, temas a serem estudados ou, ainda, pode ilustrar uma teoria. Entende-se que o método de estudo de caso é adequado quando os acontecimentos são recentes e trazem contemporaneidade aos aspectos da administração a serem abordados. Esta investigação no contexto de realidade é adequada quando se busca mais a importância do processo do que os resultados em si. Chizzotti (2000) argumenta que um caso particular, documentado através de pesquisa, envolve um relatório ordenado e crítico de uma experiência, permitindo futuras tomadas de decisão a respeito ou propondo uma ação transformadora. Para o autor, um estudo de caso particular “é considerado também um marco de referência de complexas condições sócioculturais que envolvem uma situação e, tanto revela uma realidade quanto revela a multiplicidade de aspectos globais, presentes em uma situação”. Esta pesquisa, de natureza qualitativa, baseou-se na coleta de informações através de análises documentais, entrevistas pessoais semi-estruturadas e utilização de grupos de trabalho junto aos gestores da Braskem, conduzidos por um dos pesquisadores. Além disso, foi possível ter acesso aos resultados de pesquisas de clima e de satisfação dos funcionários dos últimos dois anos bem como analisar os planos de ação e de desenvolvimento elaborados dado que um dos pesquisadores atua na organização. No final de 2004, foi conduzido pelos pesquisadores um workshop na organização para fazer um balanço do Sistema de Gestão por Competências, identificando-se pontos positivos e focos de melhoria. 3. BREVE REVISÃO BIBLIOGRÁFICA DO CONCEITO DE COMPETÊNCIA 3.1 – Construindo o conceito de Competência O debate sobre competência não se restringe ao mundo empresarial nem ao mundo do trabalho, ela está no cerne de toda ação humana individual ou coletiva. Na escola, quando os alunos freqüentam cursos (para adquirir um aprendizado, a ser aplicado na vida pessoal, política, cultural, associativa, econômica e profissional), eles almejam o desenvolvimento de competências, de saber fazer, pois cada saber precisa ser estendido. O saber precisa ganhar sentido, para que cada um o utilize com o intuito de compreender, prever, decidir e agir na vida. 2 Para Perrenoud (2003), as competências não são ensinadas, elas são construídas por meio de uma prática reflexiva. Para o autor, competência não é um estado, é um processo. Assim, se competência pode ser definida como saber agir, um profissional “operador” é competente quando consegue mobilizar e colocar em prática, com eficácia, as diferentes funções de um sistema que abrange recursos tão diversos quanto operações de raciocínio, conhecimentos, ativações da memória, avaliações, capacidades relacionadas ou esquemas comportamentais. Entende-se, portanto, que competência não está simplesmente relacionada à capacidade de lidar com situações do mesmo tipo, em uma determinada estrutura, ter capacidade de usar recursos cognitivos específicos ou passar por um treinamento no sentido de mobilizar e adaptar recursos para decidir e agir corretamente. Para o mesmo autor, os recursos cognitivos mobilizados no trabalho como competências são de naturezas diferentes e envolvem saberes, capacidades e outros recursos mais normativos. Assim, “saberes” referem-se à saberes declarativos como modelo da realidade; saberes processuais; o saber como fazer e as técnicas; saberes condicionais, saber quando intervir e de que maneira, e; informações enquanto saberes locais. As capacidades ou habilidades referem-se a “conhecimentos para saber fazer; esquemas de percepção de pensamento, de julgamento, de avaliação”. Psicólogos e educadores vêm discutindo há algumas décadas o tema competência, abrindo campo, a partir da década de 70, para discussões acadêmicas e empresariais envolvendo a compreensão da competência do indivíduo (McClelland, 1973), a competência das organizações (core competencies) (Prahalad e Hamel, 1990) e a dos países (enquanto definidores de políticas para sistemas educacionais para formação de competências) (Porter, 1985). Alguns autores avançaram mais nas pesquisas nos campos da psicologia organizacional e da administração de recursos humanos. Spencer & Spencer (1993) definiram competência como uma característica fundamental de um indivíduo que possui relação causal com um desempenho efetivo ou superior, medido conforme um critério de referência. Segundo os autores, competência é uma parte profunda e estável da personalidade de uma pessoa, tem relação com desempenho, influi no comportamento em uma variedade de situações e tarefas e seu critério de referência deve ser um padrão específico para uma determinada função. Zarifian (2001) considera que nas transformações dos conteúdos profissionais e das ocupações, em função da automatização, da informatização e do aumento da complexidade, obriga as organizações a repensarem e ampliar o conceito de competências. A evolução dos sistemas industriais (originalmente de concepção mecanicista), cada vez mais orgânicos, aumenta a responsabilidade de operadores sobre conhecimentos nos processos de trabalho, cada vez mais amplos e integrados. Ocorre assim a crescente integração dos desempenhos produtivos à competência técnica que produz desempenho econômico. O autor traz o conceito de “evento” - que seria um fato inesperado e não controlável pelo sistema produtivo- como o fator de desequilíbrio das competências existentes, porque obrigaria continuamente a incorporação de novos conhecimentos ao corpo de conhecimento existente. O evento acarretaria dois outros aspectos que determinam contextos mais complexos, circunstância na qual haveria a necessidade de maior comunicação (entendida como fluxo constante de informação e conhecimento trocados entre os atores) e de visão de finalidade e sentido, que podem ser traduzidos em “motivação para servir”. Assim, a competência social e do saber-ser, entendidos como da perspectiva do comportamento das pessoas manifestado pela autonomia, tomada da responsabilidade e pela capacidade de comunicação, assume relevância. Nesta relação entre competências organizacionais e as individuais, as pessoas desenvolvem sua capacidade e contribuem com a empresa através de processos de aprendizagem contínua. 3 Para Le Boterf (apud Fleury & Fleury, 2000), a competência situa-se numa encruzilhada, com três eixos formados: pela pessoa (sua biografia, socialização); por sua formação educacional; por sua experiência profissional. A competência envolve aprendizagem social comunicacional e revela um saber agir responsável, que é reconhecido pelos outros. Fleury & Fleury (2000) definem competência de um profissional como: “um saber agir responsável e reconhecido, que implica mobilizar, integrar, transferir conhecimentos, recursos, habilidades que agreguem valor econômico à organização e valor social ao indivíduo”. Considerando que pessoas e organizações interferem mutuamente no processo de construção de competências, uma noção de reciprocidade se sustenta na medida que as empresas buscam o desenvolvimento de seus talentos e forma de retê-los na organização. Um indivíduo preparado pela organização carrega seus conhecimentos e os transforma em competências que podem adequá-las à própria empresa ou em outros contextos. Para estes autores, “uma competência não precisa ser baseada em ‘tecnologia stricto sensu’: pode estar associada ao domínio de qualquer estágio do ciclo de negócios, como, por exemplo, um profundo conhecimento das condições de operação de mercados específicos”. Não obstante, para ser considerado uma competência essencial, esse conhecimento deve estar associado a um sistemático processo de aprendizagem, que envolve descobrimento, inovação e capacitação de recursos humanos. Na visão de Dutra (2001) são as pessoas que, ao colocarem em prática o patrimônio de conhecimentos da organização, concretizam as competências organizacionais e fazem sua adequação ao contexto. Também de acordo com o autor, pensar sobre competências significa adicionar aos conhecimentos, habilidades e atitudes (inputs) a entrega efetiva (output) que o indivíduo oferece à organização. Em outras palavras, as pessoas possuem um determinado conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes que podem beneficiar a empresa diretamente quando “entregam” tais capacidades para realizações que avançam além de uma descrição funcional de cargos. Neste sentido, “entrega” refere-se ao “saber agir” que agrega valor. O autor defende que tal nível de entrega e de agregação de valor das pessoas envolve a capacidade de lidar com o conceito de complexidade, o que vai além do cargo ou nível hierárquico, pois requer adequação a novas realidades, atuação consciente e alteração de processos de trabalho visando a eficiência dos sistemas de gestão. Para o autor, a relação entre pessoa e trabalho é estimulada a partir das necessidades da organização, que propiciam um espaço ocupacional mais desafiador. Estes desafios apontam para a necessidade de desenvolvimento das pessoas e criam um elo entre capacidade de agregar valor e o crescimento na trajetória profissional e salarial. No sentido de associar competências às tendências no campo da remuneração, Hipólito (2001) considera que um padrão de performance superior na execução de um determinado trabalho é decorrente de um processo de aprendizagem que possibilitou uma eficácia maior do trabalhador. Para Durand (apud Hipólito, 2001), trata-se portanto, de um estoque de repertórios individuais “acumulados como resultado de um fluxo de aprendizagem” e que deveria ser buscado pelo próprio trabalhador. Assim, remunerar por competência a partir de repertórios individuais torna-se válido se estes se traduzem em resultados. Para Hipólito (2001), alguns “efeitos perversos” podem causar impacto na utilização do conceito de competência (enquanto estoque de habilidades, atitudes e traços de personalidade) nas decisões salariais. Na visão do autor, deve-se recompensar por competências a partir de sua manifestação concreta e real, ou seja, mediante a observação dos comportamentos das pessoas e dos resultados obtidos. Logo, para balizar essas diferenças salariais, é necessário desenvolver gabaritos ou degraus para caracterizar a evolução da complexidade de sua aplicação e concretizar o gerenciamento de estruturas salariais. 4 As empresas que têm sistemas de gestão de pessoas por competências acabam por definir níveis de complexidade para cada uma das competências requeridas das pessoas. Nesta evolução do conceito, além de conhecimentos, habilidades e atitudes requeridos para o exercício de uma função, questiona-se a caracterização de entregas que se tornam necessárias para as empresas manterem-se vivas e competitivas. As competências traduzem a contribuição das pessoas para as organizações interagirem com seu ambiente. A gestão de pessoas deve estar alinhada com as expectativas das organizações e das pessoas, conectando políticas de recursos humanos com estratégias de negócios. 3.2. A Proposta de um Modelo por Competências para o Nível Operacional A proposição de implantar de um modelo de competências para o nível operacional enfrenta algumas resistências por parte de alguns autores. A principal dificuldade reside em definir níveis diferentes de complexidade em atividades operacionais, supondo que estas são lineares, ou seja, não possuem complexidade. Picarelli e Wood Jr (1995), por exemplo, consideram que os tipos de trabalho tratados pelo sistema de remuneração por habilidades são os trabalhos operacionais, caracterizados pela reprodutibilidade, variedade controlada e previsibilidade. Os tipos de trabalho tratados pela remuneração por competências são os trabalhos de profissionais e executivos, caracterizados pela variedade, abstração, incerteza e criatividade. Lawler III (1990) concorda com estes autores quanto à aplicabilidade do sistema de gestão por habilidades em nível operacional, porém discordando quando se trata da aplicabilidade da gestão por competências em qualquer nível organizacional. Este autor critica a proposta de remuneração baseada em competências, principalmente pela dificuldade de converter o conceito em características mensuráveis que permitam a credibilidade e a determinação válida de salários. Avaliando as ponderações de Lawler III (1990) sobre o que se espera de um sistema de remuneração, é nítida a importância que o autor coloca sobre a definição de critérios objetivos para a determinação de salários e sobre a manutenção de credibilidade do sistema de remuneração. Há um certo pragmatismo e ceticismo em relação ao novo modelo baseado em competências, sendo as suas principais críticas: a. utilização de listas de competências (conforme proposto por Wood e Picarelli), o que pode conduzir a uma uniformização de competências e não à competências que produzam diferenciação e, conseqüentemente, vantagem competitiva; b. considera o termo competência e suas definições, à exceção de conhecimentos e habilidades, um conceito obscuro e fruto de retórica; c. o processo de avaliação torna-se mais subjetivo, tendendo a tornar-se mais injusto, discriminatório ou inválido. d. Não há um relacionamento direto entre as competências e as tarefas, logo, fica difícil medir o desempenho em relação ao que se espera dos indivíduos. A proposição de introduzir competências em níveis operacionais parte da premissa de que é possível, sim, estabelecer diversas competências para os operários, assim como definir diferentes níveis de complexidade em cada competência. Tais premissas partem das próprias características da organização do trabalho nos sistemas de produção atuais. Segundo Dutra (2001), o ajudante de produção foi substituído por operários multifuncionais e polivalentes, estruturados em grupos semi-autônomos e auto-geridos. Os padrões de reprodutibilidade, variedade controlada e previsibilidade, propostos por Wood e Picarelli estão sendo substituídos por maior variabilidade e capacidade de julgamento e de tomada de decisões mesmo nos níveis operacionais. Ou seja, o processo de enriquecimento das atividades operacionais e a definição de mais responsabilidades aos operários acarretaram no aumento de 5 complexidade nos níveis operacionais, possibilitando a utilização de um modelo por competências. Como conseqüência, é fato que algumas empresas brasileiras já estão implantando, na prática, sistemas de remuneração por competência em seus níveis operacionais. Como exemplo, as empresas Unilever, Dow, Unipar, Santista, Atlas-Shindler,Braskem, objeto deste estudo de caso, a seguir detalhado. 4- ESTUDO DE CASO: BRASKEM 4.1 O setor petroquímico brasileiro Atualmente, segundo a ABIQUIM (Associação Brasileira das Indústrias Químicas) a cadeia petroquímica e do plástico no Brasil equivale a 8% do PIB industrial. Componente da Industria de Base nacional, o setor vem se consolidando desde a década de 40, quando foi detectada a necessidade de um parque industrial nacional para substituir importações. Os pioneiros do setor constituiram em 1947 uma sociedade anônima para a fundação da Refinaria e Exploração de Petróleo União S.A., que iniciou suas operações em São Paulo, no ano de 1954. A cadeia produtiva petroquímica tem quatro fases produtivas distintas: extração e refino pela Petrobrás; geração de insumos nas centrais petroquímicas pelo craqueamento da nafta ou do condensado; fabricação de resinas nas indústrias de segunda geração, que transformam e obtém os subprodutos petroquímicos diversos e as indústrias de transformação que entregam ao mercado os produtos acabados. Nos anos 70, o Estado passa a atuar diretamente no setor através da criação da Petroquisa, holding pura de participações em empresas do setor petroquímico, criada em 1967. O Pólo Petroquímico de Camaçari, um dos investimentos de porte concebido sob inspiração estatal, iniciou suas operações em 1978. É o primeiro complexo petroquímico planejado do país e está localizado no município de Camaçari, a 50 Km de Salvador, capital do estado da Bahia. Um dos maiores complexos industriais do Hemisfério Sul, o Pólo tem mais de 50 empresas químicas, petroquímicas e de outros ramos de atividade como indústria automotiva, de celulose, metalurgia do cobre, têxtil, bebidas e serviços. Na década de 90, com Collor na presidência do país, iniciaram os processos de abertura dos mercados, acabando com as diversas reservas então existentes. Mais recentemente, “O processo de desestatização empreendido pelo governo federal após 1990 levou à redução da participação da Petroquisa em importantes empresas, mantendo-se contudo nas centrais petroquímicas – PQU, COPENE e Copesul – com participações entre 15% e 18% do capital votante. Já existem estudos e análises para a ampliação da Petrobrás na área petroquímica, da qual foi praticamente alijada pelo Programa Nacional de Desestatização (PND). 4.2 A criação da Braskem Em agosto de 2002, a empresa começou a ser formada a partir da aquisição, pelo grupo Odebrecht, das ações da Copene de propriedade do Estado. O segundo movimento foi de integração - a empresa é resultante da fusão de 06 (seis) empresas petroquímicas nacionais já consolidadas, quais sejam: • OPP-Trikem, braço petroquímico do grupo Odebrecht; • Nitrocarbono, do grupo Mariani; • Proppet, do grupo Mariani; • COPENE, de origem estatal, única central de matérias primas do pólo petroquímico de Camaçari; 6 • Polialden, ex-controlada da COPENE. A Braskem, no momento deste estudo, possuía cerca de 3.000 (três mil) empregados, distribuídos nas seguintes localizações: • A sede em São Paulo (SP); • 04 (quatro) escritórios comerciais em Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Bahia; • 06 (seis) terminais de distribuição de produtos petroquímicos (Paraná, Pernambuco, Minas Gerais, São Paulo e Santa Catarina); • Uma Unidade de Desenvolvimento de Negócios com 2 plantas em Camaçari (BA); • Uma Unidade de Insumos Básicos; • Uma Unidade de Poliolefinas com 4 plantas (BA/RS); • Uma Unidade de Vinílicos com 6 plantas (BA/AL e SP). Empresa de capital aberto com ações negociadas em SP, Nova York e Madrid, a Braskem apresentou ao mercado um modelo de competitividade baseado em Excelência Operacional desejando tornar-se, segundo suas próprias definições, uma manufatura de classe mundial. 4.3. Modelos de Gestão de Pessoas Anteriores A apresentação dos modelos de gestão de pessoas anteriores, apresentado no quadro 1, pretende auxiliar na identificação de facilitadores e alavancadores ao processo de fusão. O levantamento de aptidões e resistências à mudança, bem como a relação de pessoas-chave, formadoras de opinião foram coletadas mediante realização de entrevistas semi-estruturadas e observação participativa de um dos integrantes do grupo. 7 Quadro 1 – Práticas de Recursos Humanos, antes da fusão: Empresa de Modelo/Referencial Avaliação Remuneração origem ExCopene/ex-Polialden Competências (ênfase em habilidades, ver Lawler III) Sistema introduzido há sete anos ExOpp/Trikem Competências detalhadas por níveis de complexidade (ver Dutra, 2004) Sistema introduzido há três anos. ExNitrocarbono/Proppet Tradicional. Foi iniciado a estruturação de um modelo de competências, mas não foi implementado. Certificação de habilidades por banca eleita. Periodicidade anual. Competências comportamentais avaliadas em caso de promoção vertical Avaliação feita pelo líder com periodicidade anual Não estruturada Remuneração vinculada automaticamente a obteção de certificações no caso operacional. A avaliação gerava recomendações de movimentação. A tabela salarial com faixas de mercado não usava lógica de complexidade Tradicional por cargos Fonte: elaborado pelos autores 4.4. Modelo de Gestão da Braskem Os responsáveis pela direção da nova empresa, em seu discurso de fundação, divulgaram que os princípios de gestão deveriam estar balizados pela TEO – Tecnologia Empresarial Odebrecht – modelo prescritivo que caracteriza as empresas do grupo Odebrecht (Odebrecht, 1998). As políticas encontraram sustentação nos princípios organizacionais, sem exceder sua abrangência. Assim, sabendo da inexistência de um conjunto de princípios já consolidados em toda a organização, diagnosticou-se a importância de se estabelecer a priori um “ponto de chegada” casado com a oportunidade ou intento estratégico vislumbrado ao se decidir pela fusão. Com a finalidade de se prover coerência ao contexto organizacional em construção, os responsáveis pela concepção dos processos de gestão de pessoas, apoiados por especialistas em recursos humanos da nova empresa, alinhados ao seu corpo diretivo, definiram como políticas: • a busca de uma equidade salarial interna, que tomasse por base critérios válidos em toda a organização; • estar entre as melhores pagadoras do mercado petroquímico; • O estímulo e a viabilização do desenvolvimento de lideranças, mantendo coerência com princípios odebrechianos; • Investimento em desenvolvimento suportado pelo modelo de gestão por competências; • comprometimento dos profissionais na busca de resultados, com remuneração variável adicional a ser conquistada. Os dois modelos mais bem estruturados de gestão de pessoas, isto é, modelos exCOPENE/ ex-Polialden e ex-OPP/Trikem, possuiam grande alinhamento valorativo, ou seja, o que os alicerçavam eram princípios em que o fator humano era tido como elemento essencial dentro de todo o processo, mesmo com desenho de diferentes instrumentos. Já a ex-Proppet e 8 ex-Nitrocarbono haviam montado um projeto bastante semelhante ao que era utilizado na exOPP/Trikem, porém os princípios sobre as pessoas, pouco ou nada tinham a ver com o “espírito” necessário para que o modelo aplacasse e pouco também com os valores presentes na própria ex-OPP/Trikem. No aspecto estritamente técnico, porém, os três modelos (considerando aquele que foi concebido mas, não implementado na ex-Proppet e ex-Nitrocarbono) podem ser entendidos como complementares, em que pontos positivos de um poderiam ser agregados aos pontos positivos do outro, minimizando fraquezas: dois modelos de gestão de pessoas por competências vistas como “entregas” e um modelo de gestão de pessoas por habilidades, em que este era entendido como um “saber fazer e fazer”, ou seja, observa-se que de uma maneira ou de outra, todos concordavam no aspecto dos resultados entregues. Em termos de técnicas na formulação do modelo de competências, a empresa decidiu por: - adoção de metodologia de gestão de pessoas por competências, entendidas como “entregas” ou “outputs” lastreadas por um conjunto de “entradas” ou “inputs” na forma como conceitua Dutra (2001). Ao conjunto de “inputs” originalmente utilizados pela exOPP/Trikem, ex-Proppet e ex-Nitrocarbono seriam incorporadas as habilidades, no caso do conjunto de profissionais da operação industrial. - Discussão e incorporação de lógica única de níveis de complexidade. - Utilização de dois tipos de avaliações, que ocorreriam concomitantemente para efeito de acompanhamento do desenvolvimento profissional: avaliação do desenvolvimento de competências pelo líder direto e certificação de habilidades por banca legítima. - Condicionamento da remuneração fixa ao resultado das avaliações, assim, todos deveriam estar em determinados estágios de evolução tanto em termos de “inputs”, como de “outputs”. Em seguida, descrevemos a estrutura utilizada para a construção do modelo Braskem. Será possível verificar que com a estratégia adotada o processo de transformação organizacional em curso foi favorecido. 4.5. Modelo de Gestão de Pessoas por Competências Braskem 4.5.1. Competências e Habilidades, a Carreira na Operação Industrial É importante destacar que, desde o início da proposta de construção do modelo procurou-se equilibrar o conjunto de “inputs”, conhecimentos, recursos e habilidades pertencentes ao indivíduo, com um conjunto de entregas que a organização espera (Dutra:2001), o projeto acabou imprimindo um peso diferenciado a uma das dimensões de “input”, o conjunto de habilidades necessário para entregas relativas a operação industrial. Para a Braskem, a habilidade é caracterizada como “saber fazer e fazer” estritamente técnico. Ou seja, uma dimensão tradicionalmente de “input”, só seria reconhecida naquela organização, se o profissional efetivamente estivesse realizando, entregando a demanda técnica. Para eles, “não basta saber fazer” e, assim, um profissional que atua diretamente no processo produtivo/ fabril recebe sua certificação de habilidade (papel da banca julgadora) se ele realmente “faz”. Esta visão de habilidades é semelhante ao discutido por Lawler (1990: 154-157) que toma por habilidades, tarefas executadas. Para este autor há um relacionamento direto entre atividade (função) e habilidades, sendo impossível mensurar habilidades sem atrelá-las a atividades específicas. Ele ainda cita ser necessário testar e medir a obtenção de habilidades pelos indivíduos, certificando-os como aptos a desenvolverem esta ou aquela função. Na visão da empresa os “inputs” estariam muito “brandos” se contemplados somente capacidades como formação acadêmica, nível de utilização de informática e grau de conhecimento de idiomas, em relação ao conjunto de “outputs”, ou conjunto de atribuições e 9 responsabilidades que correspondem a entregas esperadas. Assim, para a Braskem um “integrante” da área industrial só está apto a realizar uma entrega adequada se sua ação estiver lastreada por conhecimentos teóricos e técnicos, comprovados e já apresentados. Validados e fundamentados os conceitos de competências “input” e “output” e a incorporação do conceito de “habilidades” ao conjunto de “inputs”, a próxima questão é como manter coerentes e equilibradas as associações entre eles. O trabalho realizado na Braskem levou em consideração a lógica do desenvolvimento profissional por níveis de complexidade. O conjunto de habilidades e outros requisitos “input” foram levantados tomando-se por base a lógica do processo produtivo ou de apoio à operação (manutenção e laboratórios de qualidade). Assim, se na área produtiva o fluxo da operação determinasse a trajetória de carreira, onde o acúmulo de conhecimentos e habilidades diversos se relacionassem às exigências da complexidade, então, este seria o critério. Entretanto, se em outra planta ou área produtiva a lógica requerida fosse o aprofundamento técnico em uma área específica do conhecimento, então, considerou-se conveniente adotar o critério de profundidade e não o de extensão. O grupo que discutiu e desenvolveu o modelo para o Eixo de Operações Industriais discutiu e consensou que 15% das habilidades poderiam ser gerais, válidas para todos os profissionais integrantes de uma mesma área ou planta. Os outros 85% seriam compostos por habilidades específicas à área/ planta. As competências escolhidas, isto é, selecionadas como prioritárias para o Eixo de Operações Industriais foram: Trabalho em equipe, Multifuncionalidade, Orientação para Resultados, Orientação para Qualidade, Saúde, Segurança e Meio ambiente e, Orientação para o Desenvolvimento Pessoal. 4.5.2. Processo de Avaliação na Braskem O Sistema Braskem de Avaliação de Competências foi concebido e assentado sobre o foco do desenvolvimento profissional, pois o seu objetivo é estimular que cada profissional procure desenvolver-se, levando em conta os espaços de desenvolvimento oferecidos pela empresa. Assim, o instrumento procura apresentar de forma clara as atribuições e responsabilidades pertinentes às trajetórias de carreira em cada um dos seus estágios de evolução (níveis de complexidade do trabalho). Os profissionais são submetidos a avaliações tanto de “inputs”, como de “outputs”. No caso do Eixo de Operações a escala de avaliação de um e de outro seriam diferenciados, dada a natureza diversa, assim Todas as habilidades (gerais e específicas) listadas para o Eixo de Operações são avaliadas como “POSSUI” ou “NÃO POSSUI” a certificação da habilidade, ou seja, não há estados intermediários de habilidades. A figura apresentada abaixo se refere à Matriz de Desenvolvimento, onde os resultados das avaliações são visualizadas. A escala para a mensuração das habilidades está ao lado. E a escala de avaliação das competências vem em seguida. 10 ESCALA DE DESENVOLVIMENTO DE HABILIDADES: S Habilidades Gerais Habilidades Específicas A AP DI DI AP A Competências S DI – Desenvolvimento Inicial: integrante possui até 25% das habilidades. AP - Atendimento Parcial: possui entre 26 e 60% das habilidade. A – Atendimento: tem entre 61 e 90% das habilidades. S – Nível Superação: possui mais de 91% das habilidades. Figura 1. Matriz de desenvolvimento para o Eixo Operacional ESCALA DE AVALIAÇÃO DE COMPETÊNCIAS: DI – Considera-se que o integrante está em Desenvolvimento Inicial do fator avaliado. AP – O integrante Atende Parcialmente o fator avaliado. A – Significa o pleno Atendimento do fator avaliado. S– Supera, registra a Superação do fator avaliado. Ao indicar que o integrante Supera (S), o avaliador está considerando o integrante como ‘entregando’ resultados no nível mais elevados de complexidade. Para cada ponto das escalas se estabelecem “pontuações”, permitindo uma atribuição de valor e plotagem em quadrantes. Esta forma de visualização facilita tomadas de decisão gerenciais, bem como auxilia no acompanhamento e estabelecimento de planos de desenvolvimento individual. No Eixo de Operações Industriais, além dessa avaliação, também se optou por um processo de certificação de habilidades, com ocorrência mínima anual, cujos agentes e seus papéis são explicitados na tabela a seguir. Agente Integrante ROI – Responsável pela Operação Industrial (supervisor de turno) Agente Banca de Certificação Papéis • Preparar-se para a certificação de habilidade; • Realizar auto-avaliação de Competências; • Solicitar certificação; • Permanecer aberto a feedbacks. • Preparar e disponibilizar o plano individual de carreira juntamente com o integrante o plano de carreira; • Acompanhar o desenvolvimento dos integrantes; • Ser responsável pela avaliação das competências de seus liderados; • Coordenar o processo de certificação das habilidades; • Convocar banca de certificação; • Fornecer feedback ao integrante do resultado do processo. Papéis Composição ROI ou Líder do Grupo; Operador Especialista ou Sênior; Técnico ou Engenheiro que conheça bem a área • Certificar do avaliado. habilidades. Min: 2 pessoas – a ser definida pelo gerente, dependendo da realidade de cada Área/ Planta. 11 Eixo de Operações Industriais: AVALIAÇÃO DE COMPETÊNCIAS CERTIFICAÇÃO DE HABILIDADES Integrante Solicita certificação ROI/ Líder ROI/ Líder Convoca Banca de Certificação Sugere datas para Certificação. RH Orienta a respeito do SCC (Sistema de Carreiras e Competências). Integrante Avalia atribuições e responsabilidades. Fornece feedback ao liderado. Banca de Certificação Certificação da Habilidade Atualiza Sistema. SCC Figura 2. Sistemática de certificação e avaliação 4.6.. Processo de Remuneração Fixa na Braskem O resultado da avaliação e sua plotagem na Matriz de Desenvolvimento retornam orientações sobre ações que possam desenvolver o avaliado, ao mesmo tempo, o posicionamento na matriz indica em que medida movimentações salariais e promoções podem ser feitas, porém não são automáticas. A Figura 3 a seguir apresenta esta relação: REQUISITOS E HABILIDADES Integração visual das soluções Remuneração até 85%, não se recomenda movimentação. Desenvolvimento Avançado Recomendamos movimentação na faixa até 91%. Desenvolvimento Pleno Recomendamos movimentação na faixa até 100%. Desenvolvimento/ Intermediário Recomendamos movimentação na faixa até 108%. Recomendamos movimentação na faixa até 115%. Desenvolvimento Inicial Não Atende Atende parcialmente Atende Supera COMPLEXIDADE (COMPETÊNCIAS) 85% Faixa Salarial 115% 100% Visualização do nível salarial do integrante Figura 3. Sistemática de remuneração A solução que adota simultaneamente habilidades, como parte do conjunto de capacidades, e competências como resultado da mobilização do estoque de conhecimentos, 12 habilidades e experiências mostra ser possível a combinação de ambos os critérios sob o estandarte do desenvolvimento dos profissionais, sem com isto deixar de lado a problemática da remuneração fixa, pelo contrário, este tipo de modelagem combina potencialidades provenientes de ambos os modelos de gestão de pessoas: por habilidades e por competências. Em paralelo ao próprio processo de construção coletiva do sistema, junto às principais lideranças das diversas áreas de operação industrial da empresa, ocorreram programas de capacitação de todos os líderes para utilização do modelo o qual também contou com um instrumental de informática para facilitar e integrar geográfica e conceitualmente o Sistema de Carreiras e Competências. 5. RESULTADOS OBTIDOS A indústria petroquímica, apesar de ser intensiva de capital, é extremamente dependente da qualidade dos seus operadores de planta para assegurar um desempenho empresarial total diferenciado. Dessa forma, como a operação se dá em grandes volumes e a altos custos, qualquer erro de operação ou desperdício de tempo ou recursos (queima de nafta, por exemplo, por desajuste de operação) pode representar a perda de resultados acumulados em meses de operação dentro do padrão. Para qualquer empresa do setor, ter um instrumento imparcial que promova a diferenciação e qualificação de seu efetivo da categoria operacional pode significar ter ou não um desempenho positivo sustentado, em um mercado de preços internacionais, tecnologia dominada e competição por margens apertadas. A Braskem optou por definir um sistema de avaliações por competências de forma a apoiar seu processo de integração operacional. Com 13 plantas de tecnologia diferentes, formações de operadores em bases e realidades diferentes e culturas empresariais distintas, o sistema de avaliação foi um dos instrumentos que permitiu a alta administração eqüalizar o discurso de entrada e assegurar o sucesso da fusão. Os efeitos (positivos ou negativos) da opção podem ser deduzidos das declarações dos envolvidos pelo sistema, conforme colhidas nas entrevistas realizadas com gestores e operadores: • “antigamente, a promoção era por indicação. Hoje, é pela competência das pessoas. O nivelamento por cima é feito naturalmente” • Há oportunidades para todos. O programa de Carreiras e Competências está dando grande resultados. • O sistema de carreiras e competências está mais claro. Todos podem concorrer as vagas abertas. Muito mais transparente. • Plano de Carreira significa barreiras. Há pré-requisitos quase impossíveis... • O sistema de carreiras virou um trilho engessado. Alguém recém formado pode ganhar o mesmo que alguém que está há dez anos na função. • Tiraram as avaliações por testes e mudaram para avaliação por evidências. Na operação, ainda há muita subjetividade. As evidências ainda não são tão evidentes... Do ponto de vista da administração, a adoção do instrumento favoreceu a gestão de pessoas, segundo a declaração dos responsáveis pela administração de pessoal da empresa: “temos agora um instrumento que nos permite ter a visibilidade de todo o quadro, com imparcialidade e com informações qualificadas, de forma a otimizar a gestão de pessoas em toda a empresa”. Em 2004 a empresa concedeu 100% dos reajustes salariais individuais para o grupo de operação com base nas informações recebidas do sistema de avaliação de competências. Todo investimento em treinamento técnico ou de segurança (que consome mais 13 de 50% da verba anual para treinamento) foi sustentado pelo sistema de avaliação de competências. Um outro modo de observar o resultado do trabalho realizado é pela análise dos indicadores de clima organizacional, medido anualmente em duas ocasiões pelo mesmo instrumento de pesquisa, o questionário do Great Place to Work Institute, uma das técnicas mais utilizadas atualmente. Por estas pesquisas, encomendadas pela empresa em novembro de 2003 e em novembro de 2004 e realizadas com a assessoria do referido instituto, podem ser observadas evoluções positivas nos indicadores que ressaltam a efetividade dos sistemas de avaliação de desempenho da empresa, embora não haja uma pergunta específica para isto. No quadro abaixo os percentuais referem-se à concordância dos pesquisados com a afirmação precedente. questão 2003 Sinto que sou valorizado aqui e posso fazer diferença. 46% Meu trabalho tem um sentido especial para mim; não é só um emprego. 78% As pessoas aqui estão dispostas a dar mais de si para concluir um trabalho. 61% A empresa investe em treinamentos ou oportunidades de desenvolvimento para meu 48% crescimento profissional. Os líderes deixam claro o que esperam de nosso trabalho. 52% Os líderes confiam no bom trabalho das pessoas, sem precisar vigiá-las. 62% Em geral, os líderes aqui dão muita autonomia às pessoas. 54% As pessoas aqui são pagas adequadamente. 36% 2004 61% 89% 73% 69% 70% 75% 69% 49% No final de 2004 foi realizado um worshop de 8 horas com 23 gestores que construíram o sistema para fazer um balanço do processo. Foi enfatizado a importância da homogeneização conceitual e da redução de subjetividade na avaliação. Para os colaboradores, foi ressaltado que o sistema propiciou maior estímulo para o autodesenvolvimento, clareza dos critérios de ascensão além da facilitar o diálogo líder/liderado e, portanto, dando oportunidade de estreitar e fortalecer esta relação. Foi também enfatizado a necessidade de rever as competências, incorporando aspectos como Gestão do Conhecimento e Responsabilidade Social. O sistema será aplicado em 2005 pela terceira vez, com aperfeiçoamentos entendidos pela direção da empresa como necessários. Um destes aperfeiçoamentos é melhorar os indicadores e linguagem relativa aos aspectos da cultura, de forma a tornar mais visível o alinhamento de valores e as práticas de gestão, segundo os critérios da Tecnologia Empresarial Odebrecht. Ainda que não seja uma modificação que afete o grupo operacional, esta medida dá a conhecer a flexibilidade da direção da empresa e dos gestores responsáveis pelo programa na contínua adaptação do instrumento. 6- CONCLUSÕES E OPORTUNIDADES O presente estudo de caso nos permitiu atestar a coesão e a potencialidade do sistema de gestão de pessoas por competências implementado no setor operacional da Braskem. A conceituação teórica do Sistema de Carreira e Competências Braskem foi estruturada de modo a combinar benefícios vislumbrados em modelos de gestão por habilidades e em modelos de gestão de pessoas articulado por competências, utilizando como alicerce estrutural uma matriz de complexidade que permitiu o consenso sobre os níveis de complexidade em toda a extensão da área operacional da empresa. Acredita-se que esta combinação de modelos, levando em conta o conceito de níveis de complexidade, tenha sido a maior contribuição do estudo de caso, pois ao rever a literatura 14 sobre a temática, não havia um consenso entre autores - citados nesse estudo - a respeito da adequação de um ou outro modelo, tendo se em vista a gestão de profissionais voltados às operações fabris. Em termos de resultados efetivos, pode-se dizer que o Sistema permitiu maior imparcialidade no reconhecimento dos colaboradores, fortaleceu a relação entre líderes e liderados além de estimular o auto-desenvolvimento. Houve reflexos nos indicadores de clima organizacional, particularmente no aspecto de clarificação de expectativas em relação ao trabalho. A área de Recursos Humanos da empresa teve uma grande preocupação com o processo de criação de Sistema de Carreiras e Competências. Com relação a este ponto, observou-se que os trabalhos e reuniões realizados nas empresas permitiram o surgimento de um espaço de participação e envolvimento, onde diferenças e questões pertinentes à gestão de pessoas foram discutidas e harmonizadas. Essa metodologia de trabalho, crê-se, ter facilitado a etapa de “disseminação”, supondo que os participantes, assumindo o papel de co-autores do projeto e sendo reconhecidos por isto, multiplicarão com maior clareza e profundidade os propósitos e o funcionamento do Sistema modelado. No entanto, alguns esforços terão que ser despendidos para sustentabilidade do modelo entre os quais destacam-se: maior integração do sistema com o planejamento e gestão estratégica de pessoas, particularmente no que tange ao processo de sucessão e dimensionamento de quadro de pessoas; revisão contínua do detalhamento das competências e das habilidades; criação de fóruns de discussão para homogeneizar critérios e formas de avaliação e elaboração de indicadores para acompanhamento dos resultados obtidos em termos organizacionais. Obviamente, apenas o primeiro passo rumo a concretização do Sistema foi dado: a implementação. A empresa está se esforçando para consolidar o novo modelo de gestão por competências, cabendo estabelecer estratégias de “sustentação” do processo de transformação organizacional. E, para tanto, a comunicação com os stakeholders (sobretudo os do interior da organização) deve ser bastante intensa no sentido de aprimorar a compreensão dos critérios estabelecidos pelo novo modelo, minimizando problemas que possam ser causados pelo ineditismo das situações em que todos estão envolvidos. Ao retomar as questões inicialmente levantadas para este trabalho, lembramos que se questionava se a simples execução das atividades prescritas para os profissionais da operação industrial seriam as próprias “entregas”, em termos de competências e, havendo diferença entre ambas, como se reconheceriam as contribuições dos profissionais de modo a estimular seu desenvolvimento, reforçando a estratégia de “excelência operacional”. Pode-se afirmar, a partir das reflexões obtidas a partir do estudo de caso, que a simples execução de atividades pode ser denominada de “habilidades”, o que na Braskem significa “saber fazer e fazer”, conceito que não diferencia um “integrante” Braskem de outros trabalhadores em outras empresas em atividades correlatas, ou seja, a gestão centrada apenas neste conceito de habilidade “comoditiza” o trabalhador, embora seja efetivo e claro na gestão dos níveis operacionais, especialmente em segmentos de mercado em que os tempos de obsolescência de processos e de tecnologia não são tão curtos, como na indústria petroquímica. Por outro lado, a agregação do conceito de competências, compreendido como “output” na Braskem, que toma por base o conceito discutido por Fleury & Fleury (“um saber agir responsável e reconhecido, que implica mobilizar, integrar, transferir conhecimentos, recursos, habilidades que agreguem valor econômico à organização e valor social ao indivíduo”), relaciona ao fazer todo um conjunto de valores válidos na organização e alinhados a uma “estratégia”. Através da inclusão desse conceito ao modelo de gestão, verifica-se que é possível conduzir os profissionais no sentido de estimular entregas que retroalimentem a própria estratégia. 15 E, finalmente, com relação ao processo de reconhecimento de contribuições individuais e estímulo ao desenvolvimento, acredita-se que todo o modelo de gestão concebido, que envolve: - a estrutura de carreira - esmiuçada no caso - que alinha por nível de complexidade, as entregas esperadas pela empresa ao conjunto de habilidades e requisitos necessários; - uma sistemática de avaliação que permite a localização de necessidades de desenvolvimento ou de reconhecimento das entregas realizadas; - uma sistemática de remuneração fixa alinhada aos preceitos desenvolvidos. É capaz de integrar as vantagens dos conceitos de habilidades e de competências, permitindo o reconhecimento individual, estimulando seu desenvolvimento e retroalimentação da própria estratégia organizacional. 7. 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