CEFAC CENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA AUDIOLOGIA CLÍNICA QUANDO O RUÍDO ATINGE A AUDIÇÃO DÓRIS C. PALMA PORTO ALEGRE 1999 CEFAC CENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA AUDIOLOGIA CLÍNICA QUANDO O RUÍDO ATINGE A AUDIÇÃO Monografia de conclusão do Curso de Especialização em Audiologia Clínica Orientadora Mirian Goldenberg DÓRIS C. PALMA PORTO ALEGRE 1999 RESUMO A grande maioria das atividades produtivas se vê confrontada com a problemática do ruído que nasce da impossibilidade de se fabricar componentes de máquinas e montagens industriais perfeitas, que não produzam vibrações e ruído. O nível de ruído e o tempo de exposição pode provocar danos auditivos irreversíveis. A Perda Auditiva Induzida pelo Ruído (PAIR) é o mais óbvio e melhor quantificado de todos os efeitos indesejáveis do ruído ocupacional. Após um dia ruidoso de trabalho, há fadiga auditiva patológica, havendo uma redução temporária da capacidade auditiva ou já uma alteração permanente do limiar auditivo. Este trabalho tem por objetivo abordar as alterações provocadas pela exposição ao ruído, principalmente em relação aos efeitos nocivos ao órgão da audição. Também serão enfocados o repouso auditivo e as medidas de prevenção ao ruído. Dentro da área de fonoaudiologia, pesquisas envolvendo a perda auditiva induzida por ruído são ainda pouco desenvolvidas e as publicações sobre este tema destinam-se, em sua maioria, à Medicina do Trabalho. Os altos níveis de ruído nas indústrias têm preocupado profissionais da área de saúde ocupacional, principalmente no que se refere a instalação e monitoramento da perda auditiva, bem como do controle do ruído. Segundo Lopes Filho & Campos (1994), independente da fonte de ruído, seja ela social, militar ou ocupacional, pode haver lesão auditiva. Um som intenso único, como uma explosão, pode produzir uma lesão permanente da audição. A Perda Auditiva Induzida pelo Ruído (PAIR) é uma das causas mais comuns de perda auditiva sensorioneural encontrada na prática clínica. Esse tipo de perda auditiva pode ser acompanhado por um componente condutivo, cuja causa independe da exposição em ambiente ruidoso. Uma das formas de detectar ou excluir a presença de perda auditiva, é através da realização de exames específicos. Os testes audiométricos servem para medir a resposta auditiva ao campo de ruído e para isso os trabalhadores devem estar em condições de repouso auditivo. O trauma acústico deve ser distinguido da perda auditiva induzida por ruído, que é de instalação lenta e insidiosa. Os efeitos do ruído não se restringem apenas à audição, embora seja neste órgão dos sentidos que seus efeitos são mais notáveis e bem característicos. A extensão e o grau do dano estão diretamente relacionados com a intensidade e a pressão sonora, a duração e a freqüência do ruído e a suscetibilidade do indivíduo. Todas as tentativas de reduzir drasticamente a incidência da perda auditiva ocupacional, dentro da indústria, são válidas, quando se objetiva a qualidade de vida dos trabalhadores de uma empresa. A saúde do trabalhador é um assunto que atinge a todos e é do interesse da sociedade como um todo. Este trabalho é dedicado ao meu Lu, tão amado e querido, por somar sua vida a minha e a quem tenho imensa admiração e respeito. Aos meus pais, ao meu irmão e a minha avó, que acompanharam toda a trajetória para a conclusão deste. A eles todo o meu amor e carinho por todos os momentos compartilhados. "Sucesso é acordar de manhã – não importa quem você seja, onde você esteja, se é velho ou se é jovem – e sair da cama porque existem coisas importantes que você adora fazer, nas quais você acredita, e em que você é bom. Algo que é maior que você, que você quase não agüenta esperar para fazer hoje". - Whit Hobbs (jornalista) SUMÁRIO Introdução ..............................................................................................................1 Justificativa ........................................................................................................... 3 Discussão Teórica ................................................................................................ 5 Características Principais da PAIR................................................................................... 6 Audiometria Clínica x Audiometria Industrial.................................................................... 8 Repouso Auditivo............................................................................................................10 Alterações Transitórias da Função Auditiva – fadiga auditiva........................................ 13 Alterações Permanentes na Função Auditiva.................................................................15 Trauma Acústico.............................................................................................................17 Efeitos auditivos e não-auditivos da Perda Auditiva Induzida por Ruído........................19 Alterações cocleares provocadas pelo ruído..................................................................23 Programa de Conservação Auditiva............................................................................... 30 Considerações Finais .........................................................................................33 Referências Bibliográficas .................................................................................36 INTRODUÇÃO A grande maioria das atividades produtivas se vê confrontada com a problemática do ruído. O ruído ocupacional e a perda de audição são grandes problemas, tanto em países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento. Portanto, o número de pessoas expostas ao ruído intenso é grande e as conseqüências dessa exposição vêm repercutindo, tanto na saúde, como na vida pessoal do indivíduo interferindo, também, na comunicação. Muitos são os estudos realizados enfocando esse aspecto. Contudo, a perda auditiva pode ser evitada através de medidas preventivas eficientes e programas de controle, protegendo, assim, a saúde e o bem-estar dos trabalhadores. Os programas de conservação auditiva, por sua vez são, em sua maioria, pouco eficazes, por falta de conscientização e motivação de empregadores e empregados. A problemática do ruído nasce da impossibilidade de se fabricar componentes de máquinas e montagens industriais perfeitas, que não produzam vibrações e ruído. O nível de ruído e o tempo de exposição podem provocar danos auditivos irreversíveis. Para uma audição normal, é necessário um aparelho auditivo íntegro. Isso requer orelha externa, média e interna em condições normais. As alterações nas orelhas externa e média podem reduzir a quantidade de energia sonora que atinge a orelha interna, ocasionando uma perda de sensibilidade, chamada de condutiva ou de transmissão. Entretanto, neste trabalho, serão tratadas apenas as lesões na orelha interna, por ser nesta que o ruído provoca maiores danos. O trauma acústico é uma exceção, pois pode haver lesões em todas as estruturas anteriores. A Perda Auditiva Induzida pelo Ruído (PAIR) é o mais óbvio e melhor quantificado de todos os efeitos indesejáveis do ruído ocupacional. Porém, sua progressão não é sempre fácil de acompanhar. Quando estas exposições não se constituem em acidentes traumáticos e muito intensos, perdas permanentes iniciam a partir de perdas auditivas temporárias. Após um dia ruidoso de trabalho, há fadiga auditiva, havendo uma redução temporária da capacidade auditiva. Se nenhuma atividade for exercida após o trabalho, havendo repouso auditivo até o dia seguinte, a perda provavelmente deixará de existir. Se a exposição a ambientes ruidosos for constante, essa mudança temporária de limiar poderá vir a se tornar irreversível. O processo é facilitado se a exposição diária é intensa e prolongada, não havendo intervalo suficiente para que haja recuperação dos limiares, antes que se inicie a próxima exposição. Este trabalho tem por objetivo abordar as alterações provocadas pela exposição ao ruído, principalmente em relação aos efeitos nocivos ao órgão da audição. Além disso, é importante diferenciar os tipos de alterações que podem ocorrer em virtude desta exposição excessiva. Também serão enfocados o repouso auditivo e as medidas de prevenção ao ruído. Dentro da área de fonoaudiologia, pesquisas envolvendo a perda auditiva induzida por ruído são ainda pouco desenvolvidas e as publicações sobre este tema destinam-se, em sua maioria, à Medicina do Trabalho. Os altos níveis de ruído nas indústrias têm preocupado profissionais da área de saúde ocupacional, principalmente no que se refere a instalação e monitoramento da perda auditiva, bem como do controle do ruído. Através deste estudo teórico sobre a PAIR, pretendo contribuir para que este assunto seja cada vez mais difundido, pesquisado e trabalhado dentro da Fonoaudiologia. JUSTIFICATIVA Este estudo foi feito através de um levantamento bibliográfico sobre os efeitos do ruído na audição, especificamente em trabalhadores de indústrias, que são os que mais sofrem diante deste problema. Na prática clínica, especificamente no que se refere às audiometrias ocupacionais, é grande o número de trabalhadores de indústrias e demais indivíduos que, em suas ocupações estão expostos ao ruído e que apresentam alguma alteração auditiva. Poucos são os que têm conhecimento de suas dificuldades e, muitas vezes, só as perceberão quando a perda auditiva atingir um estágio mais avançado, prejudicando a comunicação, o trabalho e até mesmo seu convívio social. Os que têm consciência de seus problemas, relatam sintomas e referem a perda da audição ao nível de ruído intenso a que estão expostos diariamente, em seu local de trabalho. Outra queixa, porém pouco freqüente entre operários, é a ocorrência de um único episódio de exposição, provocado por uma explosão, podendo ocorrer, também, em atividades militares, onde a prática de tiro é muito comum. Entretanto, somente o grupo de trabalhadores de indústrias será enfocado, visto que é a maior população atingida, dentro da prática da audiologia ocupacional. Segundo Lopes Filho & Campos (1994), independente da fonte de ruído, seja ela social, militar ou ocupacional, pode haver lesão auditiva. Um som intenso único, como uma explosão, pode produzir uma lesão permanente da audição. Salientam, ainda, que é mais comum a perda auditiva gradual, decorrente da exposição excessiva a sons intensos, geralmente de natureza ocupacional, mas pode ser uma combinação de fontes industriais e sociais. Existe a preocupação de que a combinação destes dois fatores seja particularmente lesiva, por impedir que as orelhas se recuperem, entre os períodos onde não há exposição a ruídos intensos. Muito tem se discutido sobre o repouso auditivo, no sentido de respeitá-lo ou não, antes da realização dos exames audiométricos, porém poucos autores, principalmente dentro da fonoaudiologia, têm se aprofundado nesse assunto. Em função desta e de outras questões pouco abordadas em nossa área, este estudo se propõe a enfocar o modo como ocorrem as alterações auditivas em função do ruído, seus efeitos e sintomas, além de diferenciar os tipos de perdas auditivas encontradas. Espero, com minha reflexão, aprofundar os estudos sobre a PAIR, através de um olhar fonoaudiológico sobre esse tema tão atual e que normalmente é abordado por médicos do trabalho e otorrinolaringologista. Tanto estas áreas quanto a fonoaudiologia necessitam, cada vez mais, de contribuições dos profissionais da saúde, que convivem com essa problemática e que trabalham direta ou indiretamente com trabalhadores em constante exposição ao ruído industrial. Até bem pouco tempo havia uma carência de estudos no que dizia respeito à etiologia e fisiologia da perda auditiva induzida por ruído e, atualmente, ainda vemos contradições onde muitas vezes o trauma acústico é confundido com PAIR. Estudos mais recentes estão sendo feitos no sentido de aprofundar e compreender a problemática dos danos auditivos ocasionados pelo ruído. Para a fonoaudiologia, este estudo é importante no sentido de esclarecer, diferenciar e explicar o que acontece com o órgão da audição e como ocorrem as alterações, enfatizando principalmente as auditivas, provocadas por esse agente tão nocivo à saúde dos trabalhadores. Uma vez identificada a perda auditiva, esta pode e deve ser combatida a fim de evitar que se torne irreversível. DISCUSSÃO TEÓRICA A Perda Auditiva Induzida pelo Ruído (PAIR) é uma das causas mais comuns de perda auditiva sensorioneural encontrada na prática clínica. Esse tipo de perda auditiva pode ser acompanhado por um componente condutivo, cuja causa independe da exposição em ambiente ruidoso. Uma história cuidadosa e detalhada freqüentemente revelará um ou vários episódios que colocam as orelhas sob risco. Clinicamente, a perda é detectada como um pequeno entalhe a 3.000 ou 4.000 Hz, do qual o paciente não tem conhecimento. Com a exposição repetida, esta perda aumenta, comprometendo as demais freqüências. Um aspecto interessante é o comportamento do reflexo acústico. Inicialmente, o limiar reflexo é normal, em torno de 80 a 90 dB, para as freqüências de 500 a 4.000 Hz. À medida que a perda auditiva aumenta, este limiar eleva-se nas freqüências entre 2.000 e 4.000 Hz. Com o agravamento da perda, nenhum reflexo pode ser produzido nas freqüências superiores, estando diretamente relacionado à perda da discriminação da fala, indicativo de uma perda de fibra nervosa secundária. O Comitê Nacional de Ruído e Conservação Auditiva, definiu e caracterizou (seção I, anexo I de 1994), a PAIR relacionada ao Trabalho, com o objetivo de apresentar o posicionamento oficial da comunidade científica brasileira sobre o assunto: “A Perda Auditiva Induzida por Ruído, diferentemente do Trauma Acústico, é uma diminuição gradual da acuidade auditiva, decorrente da exposição continuada a níveis elevados de pressão sonora.” Características Principais da PAIR É uma patologia cumulativa e insidiosa, que cresce ao longo de anos de exposição, associada comumente ao ambiente de trabalho. É causada por qualquer exposição que exerça uma média de 90 dBSPL, oito horas por dia, regularmente, por um período de vários anos. Nesta patologia as alterações podem ser mecânicas e metabólicas. A Portaria n°. 19 da Secretaria de Segurança e Saúde no Trabalho (1998), define PAIR como alterações dos limiares auditivos, do tipo sensorioneural, decorrente da exposição ocupacional sistemática a níveis de pressão sonora elevados. Esse tipo de perda auditiva é sempre sensorioneural, em razão do dano causado às células do órgão de Corti. Uma vez instalada, é irreversível, quase sempre bilateral e simétrica. Quando assimétricas, as perdas auditivas requerem uma investigação cuidadosa. Lopes Filho & Campos (1994) salientam que se houver assimetria com padrão semelhante, isto é, uma perda auditiva com entalhe em ambas as orelhas, em que uma seja pior que a outra, é interessante investigar se a exposição ao ruído é igual para ambas as orelhas. Experiências realizadas, utilizando-se um aparelho chamado dosímetro de ruído, que mede a exposição sonora total, durante um dado período de tempo, revelaram um número surpreendente de indivíduos expostos a níveis diferentes de ruído para cada orelha. De acordo com o parecer do Comitê de Ruído e Conservação Auditiva da American College of Occupational Medicine e o Comitê Nacional de Ruído e Conservação Auditiva, publicado na portaria do INSS de 1997, a PAIR manifestase, primeira e predominantemente, nas freqüências de 6.000, 4.000 ou 3.000 Hz. Com o agravamento de lesão, estende-se às freqüências de 8.000; 2.000; 1.000; 500 e 250 Hz, as quais levam mais tempo para serem comprometidas. Uma vez cessada a exposição ao ruído intenso, não deverá haver progressão da redução da perda auditiva. Em geral, atinge seu nível máximo para as freqüências de 3.000, 4.000 e 6.000 Hz nos primeiros 10 a 15 anos de exposição sob condições estáveis de ruído. Raramente leva à perda auditiva profunda, pois, geralmente, não ultrapassa os 40 dBNA nas baixas freqüências e os 75 dBNA nas freqüências altas. Por ser uma patologia coclear, o portador da PAIR pode apresentar intolerância a sons intensos e zumbidos, além de ter comprometida a inteligibilidade da fala, em prejuízo do processo de comunicação. Sua instalação é, principalmente, influenciada pelas características físicas do ruído (tipo, espectro e nível de pressão sonora), tempo de exposição e suscetibilidade individual. A PAIR não torna a orelha mais sensível a futuras exposições a ruídos intensos. À medida que os limiares auditivos aumentam, a progressão da perda torna-se mais lenta. Uma das formas de detectar ou negar a presença de perda auditiva, é através da realização de exames específicos. A audiometria tonal liminar é a mais indicada por médicos e a mais realizada dentro da rotina audiológica. A seguir será abordado este tipo de procedimento e seus aspectos característicos. Existem diferenças entre a audiometria industrial e clínica, e uma comparação entre elas cabe ser feita a fim de explicar cada uma e enfocar especificamente o teste realizado dentro da rotina ocupacional. Audiometria Clínica x Audiometria Industrial O procedimento utilizado, rotineiramente, para se diagnosticar as perdas auditivas induzidas pelo ruído é, em primeiro lugar, a audiometria tonal liminar. Como é de nosso conhecimento, esta consiste na determinação da menor intensidade sonora necessária para provocar a sensação auditiva em cada freqüência, usando-se como referência o tom puro (Russo, I.C.P. & Santos, T.M.M., 1993). O tom puro é o som que possui uma única freqüência. Dessa forma, é possível se obter os limiares referentes à sensibilidade auditiva para cada freqüência especificamente. Existem duas formas de condução do som para o ouvido interno: uma por via aérea e outra por via óssea. Por via aérea (V.A) a passagem da onda sonora, através da orelha externa, passa pela orelha média, onde é transformada em energia mecânica, chegando finalmente à cóclea. A mensuração por via óssea (V.O) realiza-se através das vibrações que a energia sonora provoca nos ossos do corpo humano, particularmente nos do crânio. É importante o conhecimento destes dois mecanismos de condução do som, pois a audiometria tonal consiste justamente na determinação dos limiares por V.A. e V.O. A comparação dessas duas medidas vai auxiliar no topodiagnóstico das lesões auditivas que possam atingir estruturas da orelha externa, média e interna. As freqüências testadas, neste exame, são 250, 500, 1.000, 2.000, 3.000, 4.000, 6.000 e 8.000 Hz. A via óssea, geralmente, só é testada em caso de rebaixamento da via aérea, em alguma freqüência de 500 a 4.000 Hz. Em caso de alterações auditivas, além deste exame, existem testes complementares que auxiliam no diagnóstico das lesões auditivas. Porém, cabe ao médico o encaminhamento para as investigações específicas. Neste estudo, não serão abordados estes testes, visto que a audiometria é o exame habitual, em se tratando da rotina da audiologia ocupacional em indústrias. A audiometria clínica é diferente da audiometria industrial. A audiometria clínica, além de sua bateria de testes específicos, visa detectar possíveis perdas auditivas relacionadas ao paciente, enquanto a audiometria industrial tem o objetivo de identificar alterações auditivas que o trabalhador, na maioria das vezes, desconhece. Este fato deve-se à faixa de comunicação verbal estar situada nas freqüências entre 500 e 3.000 Hz. Como a perda auditiva induzida pelo ruído afeta inicialmente as altas freqüências, perdas em freqüências mais elevadas passarão desapercebidas no dia a dia. Por ser de instalação lenta e insidiosa, faz com que o trabalhador passe a se “acostumar” com a audição alterada. A audiometria clínica parte geralmente de uma situação de certeza e, muitas vezes, o problema auditivo é relatado pelo próprio paciente. A audiometria industrial trabalha com situações de dúvida pois, como mencionado anteriormente, o funcionário da empresa desconhece a existência da perda auditiva. A ênfase dada à audiometria industrial ressalta seu valor não só na detecção da PAIR mas, principalmente, na importância de verificar suscetibilidades individuais, bem como evitar que indivíduos jovens venham a ter sua audição afetada. Trabalhadores que se submetem ao teste, já há algum tempo, podem mostrar melhora o que não significa necessariamente “uma melhora auditiva” e sim melhora na compreensão e na capacidade de resposta, ocasionada pelo “efeito aprendizado”. Um operário desmotivado, seja porque os resultados dos testes anteriores não lhe foram entregues, seja porque não recebe uma interação entre o teste e as condutas que possam significar conservação da audição, pode fornecer resultados bastante contraditórios. No entanto, as manifestações da PAIR são ainda pouco conhecidas e, além disso, é grande a dificuldade dos profissionais da área em avaliar esse prejuízo. Considerando a perda auditiva que o ruído intenso pode provocar e que acomete grande parte da população de trabalhadores que a ele se expõe, estudos para melhor conceituá-la e compreendê-la devem ser conduzidos por um número cada vez maior de fonoaudiólogos. Para a realização do exame audiométrico, são necessários alguns princípios a serem considerados dentro de uma rotina de saúde ocupacional. A seguir, serão abordados procedimentos que auxiliam na detecção da PAIR e possibilitam a sua prevenção. Repouso Auditivo Quando o assunto em questão é o repouso auditivo, as opiniões se divergem. O que varia é o objetivo e o propósito em respeitá-lo ou não. Neste impasse estão, de um lado e defendendo o repouso – os profissionais da saúde; de outro e nem sempre a favor de respeitá-lo – as indústrias. Os testes audiométricos servem para medir a resposta auditiva ao campo de ruído. Se um teste audiométrico for feito em um trabalhador, após uma jornada de trabalho, onde o ambiente era ruidoso, sua curva audiométrica poderá mostrar uma perda auditiva temporária, de até 15 dB em seu diferencial, ao ser comparada com exames anteriores. Kwitko & Pezzi (1992) afirmam que testes efetuados durante o horário de trabalho podem apresentar diferenças significativas de 10 a 15dB, principalmente nas altas freqüências, detectando a presença do trauma sonoro temporário. A perda auditiva é caracterizada como sensorioneural uni ou bilateral. No entanto, esta perda, por ser temporária, o sistema auditivo certamente irá recuperar, restabelecendo sua audição original após o afastamento, por um certo período, do ambiente ruidoso. Porém, para os trabalhadores de indústrias, onde os níveis de ruído e vibrações são elevados e contínuos (8 horas/dia, ou mais), a perda pode tornar-se permanente, após alguns anos de exposição. O primeiro princípio para realizar exames audiométricos de forma adequada é que o indivíduo testado esteja em repouso auditivo de, no mínimo, 14 horas até o momento da realização do exame, conforme estabelecido pela Portaria n° 19, já mencionada, e referido por vários autores. Os resultados avaliam, nesse caso, a existência de fadiga auditiva patológica, ou já uma alteração permanente do limiar auditivo. Contudo, muitas empresas não respeitam este princípio e encaminham, seus funcionários ao exame, sem considerar este critério. A exigência do repouso auditivo se deve ao fato de que o trabalhador, estando exposto a um ambiente ruidoso, estará propenso a apresentar um desvio temporário de audição. Esta propensão, deve-se ao fato de que as células ciliadas responsáveis pela audição levam algum tempo para se recuperar. Por esse fator fisiológico, o teste realizado durante o expediente, e após exposição a sons intensos, não tem valor técnico. Na verdade, este é um ponto polêmico e as opiniões se divergem. Alguns médicos, inclusive otorrinolaringologistas, autorizam a realização do teste audiométrico durante o trabalho e, em caso de alteração, encaminham para o reteste já com repouso prévio, enquanto outros defendem o repouso auditivo, como procedimento obrigatório, sempre antes da realização dos exames audiométricos. Para o médico otorrinolaringologista Raul Ibañez, o repouso auditivo permite padronizar os exames audiométricos. Acrescenta ainda que além de ser importante na determinação da evolução da perda auditiva, através da série de exames do que um exame só, e a única maneira de padronizar é fazer o exame em repouso A perda auditiva temporária depende do nível de pressão sonora, do espectro do ruído, da duração da exposição e da sensitividade auditiva do indivíduo exposto. Identificar esse tipo de alteração é uma maneira de avaliar os efeitos temporários do ruído, em operários expostos a ruídos de intensidades superiores a 85 dB, antes que se tornem permanentes. Além disso, pode fornecer indicações diretas se o EPI utilizado é o mais correto para uma exposição em particular, se está sendo utilizado de forma adequada e é efetivo material motivador para operários que não utilizam nenhuma proteção. Para ter este benefício, é necessário que os testes audiométricos sejam avaliados de forma seqüencial e individual. Na tentativa de controlar o tempo de permanência em áreas de risco a danos auditivos, padrões têm sido estabelecidos, os quais indicam a quantidade de som, em média, que uma pessoa pode tolerar sem experimentar alteração auditiva. Apesar desses níveis permanecerem controversos, tem-se orientado às pessoas para não experimentarem níveis de ruído que excedam 85 a 90 dB(A). A OSHA - Occupational Safety and Health Act, estabeleceu critérios de exposição a ruídos baseados sobretudo em 8 horas de duração de exposição a 90 dB(A) de ruído contínuo. Observou-se que esse critério protegeria aproximadamente 90% das pessoas expostas a níveis 90 dB(A), por um tempo significativo de horas diárias. Para durações menores à exposição, níveis de ruído mais altos são permitidos somente sob esse controle. A International Standard Organization (ISO) estabeleceu o limite de exposição em 85 dB(A) para 8 horas de trabalho, sendo que para cada acréscimo de 3 dB, a exposição deve ser reduzida à metade. Por exemplo, se a exposição for de 8 horas, é aceito 85 dB. Então para 4 horas de exposição, o nível de ruído pode ser de 88 dB(A) e, para um período de 2 horas, o nível pode ser de 91 dB(A). Muitos sons em nosso ambiente excedem os padrões da OSHA e a exposição contínua a esses sons poderia causar perda de audição. A diferença em níveis decibel é maior do que se poderia esperar: 100 vezes mais energia sonora entra nas orelhas em um ambiente de 95 dB, do que num ambiente de 75 dB. A exposição contínua a altos níveis de ruído pode causar deficiência auditiva em algumas pessoas. Quanto maior a exposição a ruídos, maior será o risco para a audição. Há variação considerável, de indivíduo para indivíduo, relativa à suscetibilidade ao barulho. Algumas pessoas possuem orelhas “resistentes” e podem suportar quantidades significativamente maiores de exposição a ruídos, sem sofrerem lesões, enquanto outras são mais sensíveis e sofrem lesões, mesmo com quantidades menores de exposição a ruídos. Os melhores exemplos são encontrados entre os militares, onde alguns apresentam perdas auditivas permanentes, em conseqüência de apenas uma sessão de tiros de arma de fogo, enquanto outros apresentam história sem danos observáveis. Vários autores observam que é possível existir uma relação entre uma mudança temporária e uma mudança permanente de limiar auditivo. Uma suposição comum é que a segunda é resultado de repetidas mudanças do limiar auditivo na primeira. Costa, D.F. (1989) acrescenta que Merluzzi menciona que, se entre dois períodos de exposição não houver um tempo suficiente para uma completa recuperação da capacidade auditiva, é certo que a longo prazo se instaurará um dano auditivo permanente. Este autor, inclui ainda Melnick (1985) que valoriza uma possível relação entre os mecanismos de produção da perda auditiva permanente e da perda temporária, ressaltando a importância da detecção desta última para prever os efeitos nocivos do ruído e a suscetibilidade de cada indivíduo. Nos capítulos seguintes, serão tratados e diferenciados os tipos de perdas auditivas provocadas pelo ruído. Serão salientados os efeitos extra-auditivos que poderão surgir, também, em decorrência de exposição sonora intensa. Alterações Transitórias da Função Auditiva – fadiga auditiva Após exposição ao ruído, especialmente ao ruído de impulso agudo, até mesmo depois de um dia de trabalho em ambiente ruidoso, há uma mudança temporária de limiar, que por sua definição é reversível. Porém, com sucessivas exposições, há alguma mudança de limiar, que pode vir a tornar-se permanente. Santos, U. et al (1996) definem o termo TTS (Temporary Threshold Shift) como um efeito transitório, que envolve a redução da sensibilidade auditiva, ocasionado pela exposição a sons intensos por curto período de tempo. Portanto, os limiares auditivos retornam gradativamente ao normal, após cessada a exposição. Esta mudança de limiar depende da suscetibilidade individual, do tempo de exposição, da intensidade e da freqüência do ruído. A duração do tempo de recuperação é mais prolongada do que o tempo de instalação da fadiga auditiva, durando várias horas, até que os limiares voltem completamente ao normal. Alguns autores, referidos por Costa, D.F. (1988), a partir de estudos, fizeram generalizações a respeito do TTS. Os ruídos de baixas freqüências não produzem tanto TTS quanto os de altas freqüências. O TTS está concentrado, especificamente, entre 2.000 e 6.000 Hz. Normalmente, para que haja alguma mudança no limiar auditivo, os níveis de pressão sonora devem ser superiores a 85 dB(A), mesmo a uma exposição de 8 a 16 horas. A partir desses níveis, com o aumento da duração e da intensidade do ruído, há um conseqüente aumento do TTS, onde o seu pico encontra-se em torno de meia a uma oitava acima da região de maior concentração de energia sonora. Entretanto, quando os níveis de ruído não são tão intensos, a maioria dos efeitos observados situa-se na faixa de freqüência do ruído correspondente. Merluzzi (1981), citado por Costa, D.F. (1988) e et al (1996) mostram que a recuperação dos limiares auditivos segue um andamento proporcional ao logarítmico do tempo, sendo que a maior parte do TTS se recupera nas primeiras duas a três horas. Dependendo do tipo de TTS que o indivíduo sofreu, pode levar até dezesseis horas para que haja uma recuperação total do limiar auditivo. Quando a mudança de limiar é superior ao término desse período de exposição e, em sua recuperação, há um andamento linear com relação ao tempo, a fadiga auditiva é considerada patológica. Nas mudanças temporárias do limiar auditivo, ocorrem alterações intracelulares discretas, edemas das terminações nervosas junto às células ciliadas, alterações vasculares, químicas e metabólicas, além da diminuição da rigidez dos estereocílios, que ocasionam uma redução na capacidade em perceber a energia sonora que as atinge e a conseqüente alteração de sua sensibilidade. Com a interrupção da exposição, na maior parte das vezes, as alterações são reversíveis, havendo recuperação do limiar mesmo com presença de células lesadas. Por isso, a audiometria não dá idéia das lesões celulares (Santos, U. et al, 1996). Embora exista uma relação entre a mudança temporária de limiar e a mudança permanente, o resultado de repetidas mudanças temporárias, decorrentes de exposição a doses de ruídos superpostos a uma orelha que não se recuperou da fadiga, a que foi submetida pela dose anterior, não se recomenda o uso do TTS para prever a magnitude da perda permanente. Alguns estudos, referidos pelos autores citados nesse capítulo, têm sugerido, por outro lado, que o TTS não decorre de fadiga coclear, mas de esgotamento de neurotransmissores nas sinapses das terminações nervosas das células ciliadas. Alterações Permanentes na Função Auditiva A exposição repetida no tempo a níveis elevados de pressão sonora determina, na maioria dos indivíduos, alterações acústicas irreversíveis ou comumente chamadas de alterações permanentes de limiar – Permanent Threshold Shift (PTS). Na fase precoce à exposição, uma perda de audição temporária é observada ao fim de um período de trabalho, mas desaparece após várias horas. A exposição contínua ao ruído resultará em perda auditiva permanente, que será de natureza lenta e progressiva. Na maioria dos casos, a perda auditiva é bilateral e mais ou menos simétrica. A perda auditiva típica, observada nas pessoas que possuem uma longa história de exposição a ruído no trabalho, é caracterizada por perda de audição, na faixa entre 3.000 e 6.000 Hz. Santos, U. et al (1996) apontam que, a perda auditiva relaciona-se a um grau de destruição maior ou menor de setores do órgão de Corti, com a maior concentração de lesões situadas na espira basal da cóclea. Embora alterações dispersas sejam encontradas ao longo de todas as espiras, principalmente nas fileiras das células ciliadas externas, a audiometria exibe um traçado bem característico, com um entalhe inicial em torno de 4.000 ou 6.000 Hz. Com a continuação da exposição, o entalhe tende a se aprofundar e a se alargar na direção das freqüências vizinhas. Durante os desvios permanentes dos limiares auditivos, ocorrem alterações no fluxo coclear, alterações nos estereocílios (amolecimento, colapso, fusão, alongamento), aumento do número de células ciliadas lesadas ao longo da exposição, com redução dos processos ativos das células ciliadas externas, como a capacidade de contração rápida destas células, formação de escaras e degeneração de fibra nervosa do órgão de Corti. Quando estas alterações histológicas ocorrem, não há possibilidade de recuperação dos limiares auditivos. É claro que durante o TTS ou PTS as lesões histológicas dependem, quanto à extensão da lesão e sua localização, da freqüência do som, nível de pressão sonora e duração da exposição. As lesões provocadas seriam no nível das células ciliadas, dos cílios, das células suportes, das fibras nervosas. Santos, U. et al (1996) desta vez, observam que, a evolução da situação de fadiga auditiva fisiológica para patológica, onde não há retorno ao quadro normal, após um período de repouso acústico, caracteriza uma sobrecarga mecânica/metabólica. A dose de ruído, ao qual o indivíduo está exposto, irá determinar o processo de instalação dos danos auditivos. Tanto neste capítulo, quanto no anterior, foi descrito o TTS e o PTS, estabelecido relações destes com os danos, que apresenta a orelha interna em relação ao ruído intenso. Porém, além destas alterações auditivas, outra ainda poderá se manifestar, não em decorrência da exposição contínua a sons intensos, mas em virtude de um único episódio agressivo. Esta alteração é chamada de trauma acústico e é importante a sua distinção das anteriormente relatadas. Trauma Acústico O trauma acústico deve ser distinguido da perda auditiva induzida por ruído, que é de instalação lenta e insidiosa. Além de lesões provocadas por exposição ao ruído de longa duração, em diversas situações pode ocorrer quadros agudos, decorrentes de curta duração a grandes níveis de pressão sonora. Esta situação, embora pouco comum, pode acometer trabalhadores industriais e, com freqüência, aqueles que desenvolvem atividades militares ou com utilização de explosivos em minas, pedreiras, etc. O trauma acústico é uma perda auditiva de instalação súbita, decorrente de uma única exposição ao ruído muito intenso e de curta duração, com pico de pressão sonora que exerce 140 dBSPL. Este tipo de patologia é produzido por eventos explosivos provocados por arma de fogo, que podem chegar a 160 ou 170 dB. Esta exposição pode resultar em imediata, severa e permanente perda auditiva relacionada, na maioria das vezes, aos ruídos de impulso ou de impacto, freqüentemente não-ocupacionais (Lopes Filho, O. & Campos, C.A.H., 1994). A energia acústica pode distender os delicados tecidos da orelha interna, além dos seus limites de elasticidade, com rompimento e laceração desses tecidos ocorre instantaneamente e resulta em perda auditiva imediata. O órgão de Corti é desligado da membrana basilar, deteriora e é substituído por um plano único de tecido epitelial escamoso, que restabelece a integridade do comportamento fluido da escala média e órgão de Corti. Neste tipo de patologia as lesões são predominantemente mecânicas. O trauma acústico pode ocasionar perda auditiva sensorioneural ou mista uni ou bilateral. Geralmente, a perda auditiva é unilateral com queixa de aparecimento imediato de zumbido. Não há níveis de ruído publicados, que sejam conhecidos para especificar o aparecimento do zumbido. O ruído de impulso, produzido, por exemplo, por uma arma de fogo, causa perda auditiva perceptível e zumbido que melhora em 48 horas. Dependendo da sobrecarga sensorioneural ocasionada pelos intensos níveis de pressão sonora, a perda auditiva pode ou não ser reversível. Ainda pode ocorrer ruptura da membrana timpânica e hemorragia das orelhas média e interna, bem como subluxação dos ossículos da orelha média. As células ciliadas podem se desintegrar, havendo desacoplamento dos cílios e da membrana tectorial. Há ruptura da membrana tectorial, células ou grupos de células se rompem e se destacam da membrana basilar, misturando a endolinfa e a perilinfa, acarretando em perda do padrão das células ciliadas em mosaico. As lesões atingem maior grau na espira basal, havendo perda completa das células ciliadas externas e lesões nas células suportes. Nas espiras superiores o grau de lesão é menor. Com a exposição, a níveis intensos de ruído, seja por períodos prolongados ou por um único acontecimento, não são apenas as orelhas dos trabalhadores que sofrem alterações. Além dos efeitos auditivos ocasionados por este agente nocivo, outros efeitos, os não-auditivos poderão ser observados, nestes indivíduos. Estes aspectos podem estar tanto ligados diretamente ao trabalhador, a fatores predisponentes, quanto externos. Efeitos auditivos e não-auditivos da Perda Auditiva Induzida por Ruído O diagnóstico nosológico da PAIR só pode ser estabelecido por meio de um conjunto de procedimentos que envolvam anamnese clínica, história ocupacional, exame físico, avaliação e, se necessário, testes complementares. Como mencionado anteriormente, as perdas auditivas induzidas pelo ruído manifestam-se com perdas do tipo sensorioneural bilateral ao exame audiométrico. Mas, além da exposição ao ruído, várias outras doenças, tanto otológicas quanto sistêmicas, apresentam perfil audiométrico semelhante. No diagnóstico diferencial dessas perdas auditivas, devem ser consideradas as alterações próprias do sistema auditivo, que atingem o aparelho de condução e/ou o de percepção do som e as causas de origem geral advindas de doenças sistêmicas, que também irão atingir a orelha interna. Da mesma forma, as perdas auditivas podem instalar-se de forma aguda ou tornarem-se crônicas. O som é interpretado nos diversos níveis do sistema nervoso quanto a freqüência, intensidade e discriminação da direção da fonte de origem e onde desencadeia uma série de reflexos involuntários e inconscientes. Para exemplificar, pode-se citar as reações de sobressalto, o ato de virar a cabeça em direção a fonte de ruído, o piscar de olhos, alteração da respiração e dos batimentos cardíacos, além de todos os demais efeitos extra auditivos provocados pelo ruído. A exposição ao ruído está incluída nas causas de perdas auditivas sensorioneurais de etiologia traumática. Podem instalar-se de forma aguda, como no caso de explosões, ou desenvolverem-se cronicamente. Os traumatismos cranianos, com ou sem fraturas, podem causar perdas auditivas variáveis. Devemos estar atentos a essas perdas e relevá-las diante de história pregressa destes tipos de traumas. As rupturas de janela oval ou redonda, causam disacusia sensorioneural de grau variável e de instalação aguda. Os barotraumas podem levar a perdas auditivas recrutantes que, muitas vezes, não são completamente recuperáveis, podendo associar-se às fístulas labirínticas. Na perda auditiva induzida pelo trauma acústico sempre existe a certeza da causa. O mesmo não se pode dizer da induzida pelo trauma sonoro ou perda auditiva induzida por ruído, onde os achados audiométricos não são patognomônicos de PAIR, já que várias patologias podem originar perfis audiométricos semelhantes. Um mesmo perfil pode ser causado por uma variedade de situações intrínsecas ao organismo do indivíduo, como a predisposição genética. As extrínsecas, podem ser causadas em virtude de exposição ao ruído e as condições clínicas do indivíduo (diabetes, doenças cardiovasculares, níveis elevados de lipídios na corrente sangüínea, hipotireoidismo, doenças infecciosas, uso de drogas ototóxicas, fumo, traumatismos crânio-encefálicos, otosclerose coclear, doença de Ménière, tumores do nervo auditivo). A exposição ao ruído nãoocupacional (socioacusia) é cada vez mais freqüente. Dos fatores ligados ao trabalhador, é de grande importância a suscetibilidade individual, nem sempre ligada apenas a características hereditárias ou inatas. Fatores externos como exposições extra-ocupacionais, outras doenças do aparelho auditivo, o uso de ototóxicos, entre outros, são fatores predisponentes ou agravantes que tornam a orelha mais suscetível à ação do ruído. Várias são as matérias básicas empregadas na produção industrial apontadas como desencadeadoras de lesões otológicas por intoxicações ocupacionais. Constatou-se que a exposição a estas substâncias (chumbo, mercúrio, solventes, dissulfeto de carbono) altera os potenciais do nervo auditivo, podendo ou não instalar-se uma perda auditiva permanente. As síndromes vestibulares são comumente diagnosticadas associadas ou não à disacusia. Sabese do efeito sinérgico entre estas substâncias e o ruído excessivo presente nos ambientes industriais, observando-se a potencialização deste malefício quando há exposição concomitante destes fatores (Santos, U. et al, 1996). Russo, I.C.P. & Santos, T.M.M., (1993) apontam a presbiacusia como uma das causas mais freqüentes de perda auditiva em adultos, principalmente após a quinta década de vida. A alteração auditiva predomina nas freqüências altas, embora todo o audiograma apresente-se comprometido. Estudos revelam que sua evolução adquire aspectos de alta gravidade quando precedida de uma história de exposição ao ruído. Dos fatores ligados ao agente e ao meio ambiente, destacam-se a intensidade e a qualidade do som e, talvez o mais importante, o modo como a exposição ocorre. Portanto, o ruído, com determinadas características de intensidade, deve atuar sobre a orelha suscetível durante um tempo considerável, para que ocorra a perda auditiva. Pesquisas sugerem que a PAIR pode ser agravada por meio da exposição simultânea do trabalhador a ruídos intensos e outros agentes, tais como produtos químicos e vibrações. Da mesma forma, o trabalhador que ingere ototóxicos ou é portador de alguma doença pode ter sua susceptibilidade ao ruído aumentada. Pelo fato da PAIR ser irreversível e insidiosa, a dificuldade do indivíduo portador da lesão só é percebida quando sua competência comunicativa é prejudicada. No início, passa despercebida, sendo notável subjetivamente pelo trabalhador no decorrer do tempo. Estas mudanças nos limiares auditivos podem ser monitorados através de testes audiométricos, e isto alertará os médicos para as medidas preventivas, que deverão ser iniciadas. Nos estágios avançados, uma perda de audição, nas freqüências altas, afetará seriamente a habilidade para entender a fala normal. Silva, R.C.M (1998) observa que, no Brasil, excetuando-se a anamnese clínica, não existe nenhum procedimento padronizado para avaliar tais manifestações da PAIR. A PAIR é um comprometimento auditivo passível de prevenção e pode acarretar ao trabalhador alterações importantes que interferem na sua qualidade de vida. Essas manifestações, a partir da perda auditiva, foram denominadas de incapacidade auditiva e handicap, podendo interferir seriamente na vida profissional, familiar e social do trabalhador O distúrbio auditivo (impairment) é a perda ou anormalidade de estrutura ou função, podendo ser anatômico-fisiológica ou psicológica. O impairment pode ainda implicar em dano, prejuízo, piora ou debilitação da função auditiva, tanto no sentido orgânico como funcional. A incapacidade auditiva (hearing disability), é a primeira característica psico-social da deficiência auditiva. Refere-se a qualquer restrição ou impedimento, resultante da perda auditiva, na habilidade ou performance considerada normal para aquele indivíduo, principalmente relacionados a problemas auditivos que interferem na percepção da fala em ambientes ruidosos e de comunicação, o que prejudica o trabalhador com relação a sua segurança e ascensão profissional, além de aumentar o risco de acidentes. Magni, C. (1998) acrescenta que as incapacidades auditivas que ocorrem no ambiente familiar e social são caracterizadas por um comportamento ambíguo, onde o indivíduo é considerado desatento e anti-social. A desvantagem (handicap), relaciona-se aos aspectos não auditivos decorrentes da deficiência e da incapacidade auditiva, limitando ou impedindo o indivíduo de desempenhar adequadamente atividades de vida diária, além de comprometer as relações interpessoais. Silva, R.C.M. (1998) ainda comenta: “ Essas questões vêm sendo discutidas há vários anos em outros países entretanto, no Brasil, este estudo é recente, não apenas para os trabalhadores com PAIR, mas dentro da audiologia como um todo” (p.82). Hétu; Gettty (1991) referidos Por Magni, C. (1998) mencionam em seus estudos que, os maiores obstáculos para a prevenção da PAIR são: os efeitos desta não são percebidos, uma vez que os trabalhadores não têm consciência das conseqüências reais da perda auditiva; a PAIR que não é vista como problema sério de saúde, pois os próprios trabalhadores ignoram o fato de que possam perder a audição ou tê-la diminuída em um ambiente de trabalho ruidoso. A perda auditiva provocada pelo ruído é progressiva e não se manifesta no momento da agressão sonora, podendo aparecer até dois ou três anos depois. É por esse motivo que os operários relutam em usar os protetores auriculares, por muitas vezes não sentirem o problema, a não ser tempos depois, devido ao seu fator cumulativo. Alterações cocleares provocadas pelo ruído Por muito tempo acreditou-se existir uma correlação direta entre perda auditiva temporária e permanente. Atualmente, sabe-se que um ruído capaz de provocar uma perda auditiva temporária será capaz de provocar perda permanente, após longa exposição. No entanto, os mecanismos de perda auditiva são distintos nas duas situações e as alterações observadas no órgão de Corti são de natureza diferente (Santos, U. et al 1996). Muitos são os fatores contribuem para que ocorra ou não a perda de audição, como resultado da exposição ao ruído. Entre eles, estão as característica acústicas do som, como sua intensidade, duração e espectro de freqüência, duração de exposição. Além destes aspectos, a suscetibilidade individual é determinante podendo colaborar ou não para o aparecimento e instalação da perda auditiva. O ruído industrial ocorre na faixa de freqüência entre 3.000 e 6.000 Hz, particularmente em 4.000 Hz. Já a conversação humana ocorre em freqüências menores, de 500 a 2.000 Hz. Determinados processos industriais podem gerar ruído em freqüências mais baixas, como 1.000 ou 2.000 Hz. A orelha média é muito importante para a audição e a ausência ou a disfunção de suas estruturas resulta em uma deficiência auditiva em torno de 40 a 60 dB. Portanto, sem esta estrutura, a audição humana seria muito deficiente, especialmente em relação às médias e altas freqüências. O som, como movimento oscilatório, quando chega ao tímpano faz vibrar a membrana timpânica, que transmite a energia mecânica ao sistema ossicular constituído pelo martelo, bigorna e estribo. A orelha humana possui também alguns mecanismos de proteção auditiva. A orelha média tem a capacidade de regular a passagem de certos sons extremamente intensos, que podem lesar as estruturas da orelha interna, se chegarem com o total de sua energia. Esta proteção ocorre através dos músculos estapediano e tensor do tímpano que influenciam a movimentação da cadeia ossicular modificando o padrão de movimentação transmitido aos ossículos pela membrana timpânica. O músculo tensor do tímpano traciona o cabo do martelo para dentro e o músculo estapédio para fora, provocando maior rigidez no sistema, reduzindo a transmissão de sons, principalmente de baixas freqüências, inferiores a 1.000 Hz. O músculo estapédio é responsável pelo reflexo acústico que, diante de um som suficientemente intenso, contrai-se enrijecendo a cadeia ossicular. O reflexo aparentemente se adapta ou relaxa na presença de estimulação ininterrupta, a partir de 15 segundos de exposição a um ruído intenso e contínuo. Com a estimulação contínua, o reflexo tende a relaxar devido a um gradual decréscimo na sensação de intensidade que ocorre com estímulos de longa duração fazendo com que a fadiga muscular seja reversível. Essa proteção oferecida pelo reflexo estapediano é mais eficaz para a atenuação das ondas de pressão sonora de baixas freqüências e com curto período de duração. O intervalo de tempo entre a ocorrência do estímulo e o início da contração muscular limita sua efetividade na atenuação de ruído de impacto. Kwitko (1993) afirma que as alterações no limiar auditivo do indivíduo exposto ao ruído de impacto é significativamente maior do que no exposto ao ruído contínuo. Os ruídos intensos de impacto tendem a produzir lesões mecânicas nas estruturas do órgão de Corti, com conseqüente processo degenerativo. Já os ruídos contínuos e prolongados originam alterações mais por exaustão metabólica das células sensoriais e seus cílios. Quando duas superfícies batem uma na outra, temos o ruído de impacto, como os produzidos no ato de rebitar, martelar ou forjar ferro, por exemplo. A faixa de intensidade pode variar de 95 dB e a energia acústica entre 500 e 3.000 Hz. No padrão de saúde ocupacional, de acordo com a OSHA (1983), o limite superior é de 115 dB para o ruído contínuo de impacto. Achados de microscopia eletrônica de varredura mostraram que as áreas mais lesadas pela exposição ficavam entre 7 e 13 mm do ápice, nas regiões de freqüência de 800 a 5.000 Hz. Estes estudos revelam que, após a exposição de quatro segundos, a cóclea revela lesões restritas e pequenas, entre as células de Deiters e Hensen. Após 24 horas do término de exposição, grandes porções de cóclea não se recuperam do trauma mecânico e começam a degenerar (Henderson et al., 1994; Henselman et al., 1994 em Nudelmann, 1997). A avaliação da freqüência é muito importante na determinação do risco. Ruídos que contêm muitas freqüências e interessam muitas bandas e, conseqüentemente, se dispersam, por muitas células ciliadas, são menos nocivos. Por sua vez, ruídos com poucas freqüências, no limite do tom puro, concentram a energia em um grupo pequeno de células sendo, portanto, mais lesivos. As freqüências altas também são mais nocivas que as graves mas, geralmente de fácil controle. Bess, F. (1998) relembra que, quando o som intenso é um ruído de banda larga, como o que poderia ser encontrado em ambientes industriais, ocorre um padrão audiométrico característico, após a exposição. Esta mesma autora apresenta este padrão chamado de “entalhe 4K”, por refletir a queda profunda no audiograma em 4 KHz. Avaliações mais detalhadas da PAIR de banda larga revelam que o entalhe no audiograma tem a mesma probabilidade de ocorrer em 3 ou 6 KHz. Entretanto, devido ao fato de 3 e 6 KHz nem sempre serem incluídos na rotina dos testes audiométricos, o entalhe é menos observado nessas duas freqüências. Essa mesma configuração do “entalhe 4 K” é observada na perda auditiva temporária, após exposições breves a ruídos de banda larga e, na perda permanente, após exposições prolongadas a esse ruído. Muitas teorias tentam explicar porque a região em torno de 4 KHz parece ser mais suscetível aos efeitos perniciosos do ruído de banda larga. Uma dessas teorias diz que, embora o ruído em si possa ser de banda larga, com aproximadamente a mesma amplitude em todas as freqüências, as ressonâncias da orelha externa e do meato acústico amplificam o ruído na região de 2 a 4 KHz no momento em que o ruído chega a orelha interna. Assim, essa região apresenta a maior perda auditiva. Outras teorias sugerem que a região da cóclea associada a 4 KHz é mais vulnerável ao dano, devido a diferenças na mecânica coclear, no metabolismo coclear ou no suprimento sangüíneo coclear. Seja qual for o mecanismo subjacente, o dano é maior na região da cóclea associada a 4 KHz. O dano, novamente, parece ser mais pronunciado nas células ciliadas externas, embora isso possa variar com as características acústicas do ruído. (Bess, F., 1996, p.188-90). A passagem do som da orelha média para a orelha interna é um processo interessante, que ocorre devido à pressão do estribo contra a endolinfa da cóclea, através da janela oval. A parte anterior da orelha interna é constituída pela cóclea que possui em seu interior três partes distintas denominadas escalas vestibular, média e timpânica. As escalas média e vestibular estão separadas pela membrana de Reissner (ou vestibular), e as escalas média e timpânica, pela membrana basilar. As escalas vestibular e timpânica contém perilinfa e comunicam-se no ápice, através do helicotrema. A escala média contém endolinfa, líquido rico em potássio necessário para manter a integridade das células ciliadas. No seu interior, desde a base até o ápice, na superfície da membrana basilar, está o órgão de Corti, que contém milhares de células sensoriais, as células ciliadas. As células ciliadas são responsáveis pela transformação das vibrações sonoras em estímulos elétricos, que são transmitidas pelas fibras do nervo coclear ao SNC. Esses órgãos receptores, em número de 20.000, geram impulsos nervosos em resposta às vibrações da membrana basilar. Os sinais nervosos, levados pelo nervo auditivo ao cérebro, já contém as informações das freqüências que compõem o som que está sendo recebido. Costa, D.F. (1988) explica que essa sensibilidade espectral da orelha se processa da seguinte maneira: as células ciliadas mais próximas à janela oval, onde tem início as ondas hidráulicas, têm uma sensibilidade maior para as altas freqüências, acima de 8 KHz, e as células mais próximas do helicotrema, ápice da cóclea, têm maior sensibilidade às freqüências mais baixas, abaixo de 300 Hz. As células da base da cóclea são finas e curtas e vibram com sons de alta freqüência, enquanto que as células do ápice são compridas e grossas vibrando com sons de baixa freqüência. O mesmo autor, citando Benedetto, 1980; acrescenta que o intervalo de freqüência a que cada área responde é a sua “banda crítica”. Assim, cada banda crítica é sensível à parte do ruído que contém a freqüência central de banda. Com relação à energia sonora total, um ruído que contenha muitas freqüências e que tenha relação com mais bandas críticas, é menos perigoso que um ruído que contenha poucas freqüências. Nesse caso, toda energia sonora é concentrada numa faixa pequena, portanto, chegando com maior energia em uma área específica da cóclea. As bases e os lados das células ciliadas estão numa rede de terminações do nervo coclear. As células ciliadas são estimuladas pelo deslocamento de seus cílios, desencadeando alterações bioquímicas dentro do corpo celular que, por sua vez, desencadeiam a liberação de transmissores neurais e a estimulação das terminações do VIII nervo. Os cílios, até 30 por célula, são orientados cuidadosamente e possuem uma estrutura complexa, incluindo uma radícula. Se a célula ciliada for estimulada excessivamente, a radícula se encurta temporária e histologicamente e os cílios podem inclinar-se. Eles se tornam menos sensíveis e, assim, o som excessivo produz um desvio do limiar, primeiramente temporário, podendo recuperar-se. A radícula readquire sua estrutura e a orelha sua sensibilidade. Os cílios que se projetam para cima, a partir das células ciliadas, ou tocam ou são incluídos na camada de gel da membrana tectória. Os estímulos são mandados ao cérebro, onde ocorre a interpretação ao nível do giro temporal superior transverso. Se as células ciliadas forem estimuladas por níveis sonoros mais intensos, as radículas se rompem e acredita-se que a célula ciliada não se recupere, produzindo um deslocamento limiar permanente. Níveis ainda mais elevados, podem produzir rupturas mecânicas da membrana basilar e células ciliadas, ocasionando uma perda auditiva imediata de algum grau, sendo uma mistura de ruptura mecânica e de deslocamento limiar temporário e permanente. O processos reparadores corpóreos normais, cicatrização e semelhantes entram em ação, com recuperação limitada da audição. Com a exposição crônica a ruídos, as células ciliadas externas, particularmente as da espira basal da cóclea (sons agudos), são lesadas. A razão dessa predileção não é clara, embora seja esta a área em que a audição é mais sensível e toda as ondas atravessam essa área, de modo que é a parte mais constantemente estimulada da cóclea. Existem evidências de lesão neurológica com a exposição excessiva ao ruído. Se as células ciliadas forem destruídas, alguns meses mais tarde, haverá degeneração de algumas fibras nervosas que inervam estas células, mas não de todas elas. Um som intenso único, como uma explosão, pode produzir uma lesão permanente da audição. Entretanto, é mais comum a perda auditiva gradual, decorrente da exposição excessiva a sons intensos, geralmente de natureza industrial, mas pode ser uma combinação de fontes industriais e sociais. Existe a preocupação de que a combinação destes dois fatores seja particularmente lesiva, porque isso impede que a orelha se recupere entre os períodos de exposição a ruídos industriais . Existem dois tipos de células ciliadas no órgão de Corti: as células ciliadas externas e internas. Muitas são as diferenças anatômicas e funcionais existentes entre elas. O órgão de Corti apresenta três fileiras de células ciliadas externas que são em número de 16.000, e somente sua porção inferior está ligada às células de suporte (células de Deiters), o que lhes permite maior mobilidade, e uma fileira de células ciliadas internas, que são em torno de 4.000, compondo a parte sensorial do sistema e estão cercadas firmemente pelas células internas de suporte. Observações através de microscópio eletrônico revelam que somente os cílios das células ciliadas externas estão em contato com a membrana tectória. Essa diferença de contato com a membrana tectória, faz com que os dois grupos celulares tenham padrões diferentes de resposta aos movimentos gerados pela membrana basilar. Sulkowski (1980), citado por Santos, U. et al (1996) referem que, no caso de lesões induzidas por ruído, o processo degenerativo tem início com as células ciliadas externas e, mais tarde, atinge as células ciliadas internas e as de suporte. A perda das células ciliadas externas tem seu maior efeito degenerativo nos neurônios eferentes do que nos aferentes. Uma lesão que envolva somente as células ciliadas externas será muito menos evidente, uma vez que uma extensiva lesão nas células ciliadas internas provocará uma substancial degeneração das fibras nervosas. Isso ocorre porque aproximadamente 95% das fibras aferentes do nervo auditivo fazem sinapses com as células ciliadas internas e apenas 5% o fazem com as células ciliadas externas. Porém, estas últimas são mais ligadas às fibras eferentes, o que sugere que a informação auditiva parta sobretudo das células ciliadas internas, captando e transmitindo uma série de informações enquanto que as externas desempenham funções ativas, mais relacionadas com a qualidade da decodificação, recebendo as informações do sistema nervoso central. Acredita-se que as células ciliadas internas desempenham uma função sensorial, transmitindo informações sobre o estímulo auditivo ao sistema nervoso central (SNC). Já as células ciliadas externas, por sua vez, desempenham uma função motora, através de mudanças em sua forma, que alterariam o padrão de movimentação das membranas basilar e tectória. Como conseqüência, as células ciliadas externas modulam o input mecânico e a transmissão do estímulo para as células ciliadas internas e as fibras do VIII nervo. As evidências dão suporte a essas idéias que se devem a presença de actina e miosina promovendo contração nas células ciliadas externas e a sua mobilidade. Muitos aspectos foram abordados em relação as perdas auditivas induzidas pelo ruído e seus efeitos sob os trabalhadores. Pode-se constatar que, uma vez instalada a alteração auditiva, essa é irreversível. Portanto, existem formas de identificar, minimizar, combater e prevenir sua instalação. Programa de Conservação Auditiva Santos, U. et al (1996) definem o Programa de Conservação Auditiva (PCA) como um conjunto de medidas a serem desenvolvidas com o objetivo de prevenir a instalação ou evolução de perdas da audição. Adotar medidas de intervenção é uma forma de prevenir, a fim de eliminar e/ou controlar o ruído, mediante alterações ambientais, de equipamentos e de adequados projetos para novas instalações. Estes autores apresentam também o “protocolo” de aspectos básicos do PCA, que tem como base as recomendações propostas pela OSHA (1993) – 28 CFR 1910.95 Occupational Noise Standard e pelo NIOSH. (Santos, U. et al, 1996, p.81): 1. Avaliação e monitoramento da exposição a ruído. 2. Medidas de controle ambiental e organizativos. 3. Avaliação e monitoramento audiológico. 4. Uso de protetores auriculares. 5. Aspectos educativos. 6. Avaliação da eficácia do programa. Neste estudo não serão abordados todos os aspectos do PCA, apenas aqueles mais relevantes ao tema geral do trabalho. No caso de risco de desenvolvimento de lesões auditivas por ruído, um passo importante a ser considerado é a avaliação da existência e o grau do risco. O monitoramento visa conhecer o ambiente de trabalho; avaliar se o ruído presente interfere na comunicação oral e no próprio desempenho das atividades de trabalho; identificar grupos de trabalhadores expostos de acordo com o risco ao qual se submetem; identificar e avaliar as fontes de ruído para possibilitar seus controles; estabelecer prioridades e avaliar a eficácia do(s) controle(s) propostos. A avaliação e o monitoramento audiológico consistem na realização de exames audiométricos, tanto para avaliar a situação auditiva quanto para medir a eficácia das medidas de controle. A OSHA pede que os Programas de Conservação de Audição sejam iniciados se os níveis de ruído ultrapassarem a 85 dB(A). Muitas companhias desenvolveram programas dentro dessas normas de procedimento, mas outras não. Além disso, em relação às diferenças de suscetibilidade ao barulho, algumas pessoas podem desenvolver perda auditiva e/ou zumbido a partir de níveis de ruído abaixo de 85 dB(A). O trabalhador exposto não percebe sua perda auditiva , ao longo dos anos, desde que continue a escutar a conversa normal. Mas chega um momento em que ele não poderá mais identificar algumas palavras e, então, descobrirá a existência de problemas auditivos. Não há tratamento clínico ou cirúrgico para a recuperação dos limiares auditivos da surdez profissional ou de lesão auditiva, a não ser o afastamento definitivo do ambiente ruidoso ou remanejamento de setor de trabalho, a fim de evitar a progressão da perda auditiva ou, eventualmente, obter alguma recuperação da perda já instalada. A prevenção é a principal medida a ser tomada, antes de instalada a perda auditiva. Mesmo sendo necessária uma intervenção direta na supressão do agente responsável pelas alterações auditivas, ainda há a necessidade de contar com o concurso dos equipamentos de proteção individual (EPIs) para várias situações. Em oposição ao procedimento normalmente realizado pela maioria das empresas, que acabam somente por fornecer os EPIs e, com isso, se excluem da obrigação de tomar maiores medidas de prevenção primária, o uso destes equipamentos deve ser entendido e preconizado com precisão. Os protetores auriculares atenuam a potência da energia sonora transmitida ao aparelho auditivo e, enquanto medidas de controle são implantadas, é recomendável a utilização de meios alternativos de proteção auditiva. Santos, U. et al. (1996) lembram, ainda, que é preciso que se tenha presente que, em condições de uso ideal, o protetor que age principalmente pela via aérea nunca atenua mais do que 40 a 50 dB, para determinadas freqüências mais agudas. Além disso, protetores que incluem o uso de capacete ou elmo, podem agir também na via óssea e atenuar de 50 até 60 dB, também em condições ideais, e para determinadas freqüências. A atenuação do protetor varia para cada freqüência, sendo maior nas freqüências médio-altas. Entretanto, para exposições superiores a 100 dB, recomenda-se a realização de testagens, para cálculo da estimativa da atenuação oferecida, sendo os mais utilizados aqueles preconizados pelo NIOSH – List of Personal Hering Protects and Attenuation Data. Gerges, S. (1994) complementa, apontando a remoção dos riscos de ruído, ou de pessoas das zonas ruidosas, como o caminho mais correto para a preservação da audição. Infelizmente, o controle de ruído de algumas máquinas ou processos se torna difícil, seja pelo alto custo envolvido ou pela impossibilidade técnica de serem feitas modificações imediatas. Em alguns casos, esta forma de controle de ruído deve esperar até que uma máquina possa ser dispensada ou substituída, ocasionando um atraso considerável na implantação do programa. CONSIDERAÇÕES FINAIS O tipo mais comum de ruído prejudicial é o ruído ocupacional. A perda auditiva induzida pelo ruído é uma patologia que atinge um número cada vez maior de trabalhadores em nossa realidade. Tendo em vista o prejuízo que causa no processo de comunicação, além das implicações psico-sociais que interferem e alteram a qualidade de vida de seu portador, é imprescindível que todos os esforços sejam feitos no sentido de evitar a sua instalação. A PAIR é um comprometimento auditivo sensorioneural sério, entretanto pode e deve ser combatido. A lesão coclear depende da faixa de freqüência, da intensidade em dBSPL, da duração da exposição e do número explosivos causam lesão, com uma de exposições única exposição ao ruído. Os de curta sons duração, provocando o trauma acústico. Sons de menor intensidade que os primeiros, e de longa duração, provocam a perda auditiva induzida por ruído. Os sons lesivos são bem mais intensos que os da conversação, que variam de 60 a 75 dBSPL. Um som potencialmente lesivo tem por volta de 85 dB, durante oito horas por dia. Os efeitos do ruído não se restringem apenas à audição, embora seja neste órgão dos sentidos que seus efeitos são mais notáveis e bem característicos. O mecanismo básico envolvido nas lesões da orelha interna, decorrentes da exposição ao ruído é conseqüente à exaustão física e de alterações químicas, metabólicas e mecânicas do sistema auditivo. O resultado final pode levar a lesão das células sensoriais, com lesão parcial ou total do órgão de Corti e conseqüente deficiência auditiva. A extensão e o grau do dano estão diretamente relacionados com a intensidade e a pressão sonora, a duração e a freqüência do ruído e a suscetibilidade do indivíduo. O achado mais comum em casos de perda auditiva induzida pelo ruído é a degeneração das células ciliadas, principalmente das células ciliadas externas, que são as mais vulneráveis do órgão de Corti e, por serem mais ativas e desprotegidas, degeneram primeiro e em maior quantidade. Com o avanço da lesão, as células ciliadas internas deterioram-se, e com elas as fibras nervosas, sempre em menor extensão. Em fases mais adiantadas, degeneram também as células de sustentação, desnudando e colabando todo o órgão de Corti no respectivo setor. O setor mais alterado localiza-se comumente na espira basal da cóclea, correspondente às freqüências em torno de 4.000 Hz. Como conseqüência destas lesões, surgem diversas alterações auditivas. Outro aspecto importante e até mesmo polêmico se refere à questão do repouso auditivo. Muitos autores o defendem no sentido de ser, este, importante para o gerenciamento dos exames. Os médicos são criteriosos neste sentido. Porém, o que muitas vezes acontece, é que as empresas nem sempre visam os seus funcionários e sim seus próprios interesses. Realizam exames sem respeitar normas ou se limitam em constatar perdas auditivas no decorrer dos anos de trabalho além de, muitas vezes, empregarem um programa de conservação auditiva onde existem falhas, trabalhadores mal-orientados e descontentes. Os EPIs servem para amenizar certas situações adversas, quando as técnicas de controle de ruído não são disponíveis de imediato, ou até que atitudes sejam tomadas, para redução do ruído ao limite permitido. O uso de protetores auriculares não deve ser considerado como solução definitiva. A solução do problema do ruído está nas fontes, seja a fabricação de máquinas e processos de produção silenciosos, o remanejamento ou o uso de enclausuramentos, isolando a fonte de ruído podem ser soluções eficientes a longo prazo. Uma parte importante de qualquer PCA é que ele deve ser aceito tanto por trabalhadores e operadores quanto pela gerência e pelos ocupantes de cargos de chefia. A implantação de um PCA bem estruturado com acompanhamento médico e fonoaudiológico, atuando diretamente na fonte de ruído, sem tentativas de mascarar o problema e sim em busca de soluções, mesmo que a longo prazo, mas sempre em busca delas, em benefício da empresa e de seus funcionários, é o ideal. A assistência e o apoio, destes profissionais especializados em controle de ruído, é fundamental para um bom projeto de PCA. Todas as tentativas de reduzir drasticamente a incidência da perda auditiva ocupacional, dentro da indústria, são válidas, quando se objetiva a qualidade de vida dos trabalhadores de uma empresa. A saúde do trabalhador é um assunto que atinge a todos e é do interesse da sociedade como um todo. Trata-se de uma questão que transcende o âmbito individual. Portanto, cabe a cada um fazer a sua parte e, uma vez iniciado o programa de proteção da audição, é importante que todos os esforços sejam feitos para mantê-lo, para que esta problemática seja combatida e que, em um futuro bem próximo, seja totalmente solucionada. A saúde do trabalhador é uma questão que transcende o âmbito individual. Por isso, programas educacionais assumem grande importância na busca de melhores condições de trabalho e deveriam ser preocupação permanente dos sindicatos de trabalhadores e órgãos públicos. A detecção de problemas audiológicos, sem que haja uma adequada interpretação e o devido encaminhamento de cada caso, é inútil. Discussões sobre os riscos a que estão submetidos, informações sobre medidas preventivas existentes e sobre os resultados de exames realizados, possibilitarão aos trabalhadores a melhor defesa de seus direitos, na busca de soluções para problemas específicos. Referências Bibliográficas ALEXANDRY, F.G. 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