VARIABILIDADE GENÉTICA POR MEIO DA PROBABILIDADE DE ORIGEM DO GENE EM CAPRINOS NATIVOS CANINDÉ1 Elizângela Emídio Cunha2, Caio Martinelle Barbalho de França3, Maria Cristina Barros Madeira4, Arienne Gomes de Melo Dantas5 1 Parte do projeto de Iniciação Científica do segundo autor; Professora do Departamento de Biologia Celular e Genética, CB/UFRN, Natal, RN. e-mail: [email protected] 3 Zootecnista autônomo; 4 Pesquisadora da EMPARN, Natal, RN; 5 Zootecnista da ANCOC, Natal, RN. 2 Resumo: Foram utilizados dados genealógicos no cômputo da variabilidade genética por meio da probabilidade de origem do gene de uma população de caprinos da raça nativa Canindé, criados no Rio do Grande do Norte, com o objetivo de monitorar o fluxo de material gênico entre as sucessivas gerações. A análise do pedigree foi baseada na estimativa dos seguintes parâmetros populacionais: número efetivo de fundadores (fe); número efetivo de ancestrais (fa); número efetivo de rebanhos fundadores (fh); coeficiente de endogamia média (F); coeficiente de parentesco médio (AR) e tamanho efetivo da população (Ne). O valor obtido para o fe foi de 41,49 e para o fa 9,0. Houve aumento de F, AR e Ne ao longo do tempo. Apenas quatro ancestrais explicaram mais de 50% de toda a diversidade genética encontrada na população e a relação fe/fa foi 4,61, refletindo acentuado efeito gargalo no pedigree. Constatou-se pequena variabilidade genética, cuja tendência é de se reduzir ao longo das gerações, o que reforça a necessidade de monitorar a população quanto à diversidade alélica nela ainda presente. Palavras–chave: endogamia, fluxo gênico, parâmetros populacionais, tamanho efetivo GENETIC VARIABILITY THROUGH PROBABILITY OF GENE ORIGIN IN NATIVE CANINDÉ GOATS¹ Abstract: Data from the genealogy of goats of the native Canindé breed, raised at the Rio Grande do Norte, were used to compute the genetic variability of the population, through the probability of gene origin, with the aim of monitoring the flow of genetic material between successive generations. The pedigree analysis was based on the estimate of the following population parameters: effective number of founders (fe), effective number of ancestors (fa), effective number of founder herds (fh); average inbreeding coefficient (F); average relatedness coefficient (AR) and effective population size (Ne). The value obtained for fe was 41.49 and for fa 9.0. There was increase of F, AR and Ne along the time. Only four ancestors explained more than 50% of all the genetic diversity presented in the population and the fe/fa relation was 4.61, what indicates strong bottleneck effect on the pedigree. It was verified little genetic variability, with tendency of decreasing along the generations, what reinforces the need of monitoring the population for its current allelic diversity. Keywords: effective size, gene flow, inbreeding, population parameters Introdução A raça Canindé é uma das raças de caprinos nativa que apresenta padrão racial definido, além de um grande potencial produtivo a ser explorado, com aptidão para pele e carne. Se comparada a outras raças nativas como a Moxotó e a Repartida, apresenta também alta aptidão leiteira. Nas últimas décadas, a introdução expressiva de raças exóticas no país tem provocado impactos consideráveis na biodiversidade caprina do Nordeste brasileiro. Segundo Gutiérrez et al. (2003), o conhecimento da diversidade genética é a base para o estabelecimento de programas de seleção e conservação, e inúmeros estudos vêm sendo feitos com o objetivo de desenvolver técnicas para a análise de genealogias e proposição de parâmetros para monitorar a quantidade de diversidade genética nas populações. Boichard et al. (1997) ressaltam que as análises obtidas dos parâmetros baseados na probabilidade de origem do gene são mais eficientes na predição da variabilidade genética, pois são menos sensíveis a falhas ou perdas de informações dos pedigrees. Neste trabalho objetivou-se estudar a variabilidade genética de uma população de caprinos nativos da raça Canindé, a fim de avaliar o fluxo de material gênico entre sucessivas gerações e com isto direcionar práticas de manejo e ou acasalamentos capazes de minimizar a endogamia dos rebanhos. 1 Material e Métodos Os dados genealógicos, cedidos pela Associação Norte-rio-grandense de Criadores de Ovinos e Caprinos (ANCOC, Natal, RN), foram provenientes de cinco propriedades distintas localizadas na mesorregião central potiguar, conhecida como Sertão de Angicos. O arquivo final continha 258 animais nascidos entre os anos de 1995 e 2005, tendo sido considerados todos aqueles com registro disponível. As informações referentes a cada animal consistiram da identificação do pai e da mãe, data de nascimento (dia/mês/ano), sexo, número do rebanho e categoria de registro (de 1 a 4, correspondendo a LA1, LA2, LA3 e PO, nesta ordem). A população referência foi composta pelos animais das categorias 2, 3 e 4, cujos pais eram conhecidos e a data de nascimento havia sido devidamente anotada. Os animais da categoria um constituíram a população de fundadores ou geração zero pelo fato de não terem pais conhecidos e para os quais foram atribuídos o dia e o mês de nascimento, pois apenas o ano havia sido anotado. Para obter a variabilidade genética utilizando a metodologia da probabilidade de origem do gene, foram calculados os seguintes parâmetros populacionais: a) número efetivo de fundadores (fe) e de ancestrais (fa) e de rebanhos fundadores (fh); b) coeficiente de endogamia média (F); c) coeficiente de parentesco médio (AR); d) coeficiente de coancestralidade média emparelhado (fij) para todos os possíveis pares de indivíduos tomados (i = j) ou não (i ≠ j) do mesmo rebanho (subpopulação); e) tamanho efetivo de população (Ne); f) número médio de gerações completas, máximas e equivalentes; e g) intervalo de geração. Também foram computadas as Estatísticas F de Wright (1978), segundo Caballero & Toro (2000, 2002), por meio de Fis, Fit e Fst, em que Fis é o coeficiente de endogamia que explica a existência de subdivisão na população; Fit é o coeficiente de endogamia média da população; e Fst é o coeficiente de endogamia média esperado se os reprodutores de cada período são acasalados ao acaso dentro de cada subpopulação. Foi utilizado o programa computacional ENDOG v.4.0 (Gutiérrez & Goyache, 2005). Resultados e Discussão Dos cinco rebanhos avaliados, quatro foram identificados como rebanhos fundadores e o número efetivo de rebanhos fundadores (fh) foi 2,5. Por sua vez, o número de animais fundadores foi de 154, o que corresponde a mais de 50% do total avaliado. Já o fe, parâmetro que mede a contribuição dos fundadores para produzir a mesma diversidade genética na população entre as gerações, foi igual a 41,49 (16,1% do total). A endogamia esperada pelo uso desbalanceado dos fundadores foi de 1,21%. A população referência tinha 104 animais e foi originada a partir de 45. O valor do fa, número efetivo de ancestrais, revela que apenas nove ancestrais (3,5% do total) contribuíram para a totalidade dos alelos nessa população, o que indica o uso preferencial de poucos reprodutores. Isto se confirma pelo pequeno número de ancestrais que explicaram mais de 50% de toda a diversidade alélica da população, apenas quatro. O parâmetro fa aponta para a existência de gargalos no pedigree, como aqueles produzidos por esquemas de inseminação artificial (IA), e por isso ele tende a ser menor ou igual ao fe (Boichard et al., 1997). A razão fe/fa quantifica o “efeito gargalo”, uma vez que traduz o número de reprodutores utilizados ao longo do tempo, e quanto mais elevada ela for mais intenso será esse efeito. Neste estudo, essa razão foi de 4,61. Boichard et al. (1997), avaliando três raças bovinas francesas, encontraram que essa relação foi próxima de 2,0 na raça Limousine, na qual predominava a monta natural, e de 3,0 nas raças Abondance e Normande, submetidas ao uso intenso de IA o que reduz o número de reprodutores utilizados. Com relação à taxa de diversidade genética total na população explicada pelos principais ancestrais, o primeiro deles apresentou elevada contribuição (28,85%), sendo que a contribuição marginal dos 10 primeiros ancestrais ultrapassou 70%. Os resultados de fe, fa e a contribuição dos principais ancestrais sugerem baixa diversidade genética nos caprinos Canindé. Na Tabela 1 estão alguns parâmetros populacionais importantes, com destaque para o aumento do coeficiente de endogamia média (F) e de parentesco médio (AR) ao longo das gerações, indicando a ocorrência de acasalamentos entre indivíduos aparentados, além do reduzido tamanho efetivo da população (Ne). Tabela 1. Parâmetros populacionais por geração para os caprinos Canindé. Geração NAa F (%) % de Eb F (%) dos Ec AR (%) Ne 0 154 0 1 1 77 0 4 2 19 16 100 16 10 3,0 3 8 28 100 28 11 3,5 a número de animais; bpercentual de endogâmicos; cendogamia média dos endogâmicos. Pela distribuição dos animais por classe de F, dos 258 caprinos avaliados 231 apresentaram coeficiente de endogamia nulo; 24 tiveram coeficiente entre 10 e 25%; dois entre 30 e 35%, e um animal 2 teve coeficiente máximo de 37,5%. A endogamia média da população como um todo ficou em 2,08%. Inexplicavelmente, o Ne, computado a partir do incremento na taxa de endogamia (∆F), aumentou de 3,0 para 3,5 nas duas últimas gerações, apesar de o F médio ter praticamente se duplicado neste período. Com informações de pedigree escassas (Gutiérrez & Goyache, 2005), estimativas aproximadas do Ne da população podem ser obtidas computando-se o coeficiente de regressão (b) do coeficiente de endogamia do indivíduo sobre: o número de gerações completas traçadas (fornece o limite superior do Ne); o número máximo de gerações traçadas (limite inferior do Ne); e o número de gerações completas equivalentes (limite real do Ne); e considerando o coeficiente de regressão correspondente como o aumento na endogamia entre duas gerações sucessivas. Nesta população, as três gerações tiveram o mesmo número médio, ou seja, 0,54; o que também ocorreu com relação ao ∆F por geração (6,73%), e, conseqüentemente, quanto ao Ne por geração (7,43). O intervalo de gerações (Tabela 2), em anos, para os quatro caminhos gaméticos (pai–filho; pai– filha; mãe–filho e mãe–filha) foi mais curto entre pai–filho, o que pode estar relacionado à maior precocidade sexual dos machos em relação às fêmeas ou ainda a sua mais intensa utilização como reprodutor. Tabela 2. Intervalo de geração (IG) considerando os quatro gaméticos (CG). CG NPa IG DPb pai–filho 2 2,08 0,66 pai–filha 15 2,56 0,57 mãe–filho 2 4,08 2,16 mãe–filha 15 3,92 1,83 Média (Total) (34) 3,22 1,50 a número de progênies; bdesvio-padrão; cerro-padrão da média. caminhos EPMc 0,47 0,40 1,53 1,30 0,26 O coeficiente fij (dentro e entre rebanhos) apresentou valor mínimo dentro de rebanhos de 1,48% no rebanho dois e máximo de 23,83% no rebanho cinco. Os animais dos rebanhos um e cinco estavam relacionados (f15= 10,24%), pois foi constatado que os do rebanho cinco haviam sido adquiridos do rebanho um. Fis, Fst e Fit tiveram resultado de -0,0264; 0,0329 e 0,0074, respectivamente. O Fis negativo revela ausência de subdivisão da população dado o predomínio de acasalamentos entre subpopulações, o que contribui para minimizar a endogamia. Tal fato pode estar associado ao pouco tempo de formação dos rebanhos, bem como ao possível intercâmbio (compra/venda) de reprodutores funcionando como difusores de material genético entre rebanhos. Conclusões Existe pouca variabilidade genética na população, cuja tendência é de reduzir ainda mais no decorrer das gerações. A adoção de tamanhos efetivos maiores e a prática criteriosa dos acasalamentos dentro e entre rebanhos, observando-se a genealogia dos animais comercializados, são duas importantes estratégias que os criadores podem utilizar na tentativa de preservar a variabilidade genética da raça. Agradecimentos À ANCOC pela cessão dos dados utilizados na pesquisa e ao CNPq pela concessão da bolsa de Iniciação Científica ao segundo autor, enquanto estudante de Zootecnia da UFRN. Literatura citada BOICHARD, D.; MAIGNEL, L.; VERRIER, E. The value of using probabilities of gene origin to measure the genetic variability in a population. Genetics, Selection and Evolution, v.29, p.5-23, 1997. CABALLERO, A.; TORO, M.A. Interrelations between effective population size and other pedigree tools for the management of conserved populations. Genetical Research, v.75, p.331-343, 2000. CABALLERO, A.; TORO, M.A. Analysis of genetic diversity for the management of conserved subdivided populations. Conservation Genetics, v.3, p.289-299, 2002. GUTIÉRREZ, J.P.; ALTARRIBA, J.; DÍAZ, C. et al. Pedigree analysis of eight Spanish beef cattle breeds. Genetics, Selection and Evolution, v.35, p.43-63, 2003. GUTIÉRREZ, J.P.; GOYACHE, F. A note on ENDOG: a computer program for analyzing pedigree information. Journal of Animal Breeding and Genetics, v.122, p.172-176, 2005. 3