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Ensaios e Ciência: Ciências Biológicas,
Agrárias e da Saúde
ISSN: 1415-6938
[email protected]
Universidade Anhanguera
Brasil
Vicente, Eliane Cristina; Emiliani, Viviani Cristina; Figueiredo de Oliveira, Larissa; Favero, Silvio
ANÁLISE MORFOMÉTRICA E ANATÔMICA DO ÚTERO EM FAMÍLIAS DE QUIRÓPTEROS
(MAMMALIA) QUE OCORREM NO BRASIL
Ensaios e Ciência: Ciências Biológicas, Agrárias e da Saúde, vol. 10, núm. 1, abril, 2006, pp. 63-73
Universidade Anhanguera
Campo Grande, Brasil
Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=26012756007
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Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto
ANÁLISE MORFOMÉTRICA E ANATÔMICA DO ÚTERO
EM FAMÍLIAS DE QUIRÓPTEROS (MAMMALIA) QUE
OCORREM NO BRASIL
Eliane Cristina Vicente1
Viviani Cristina Emiliani2
Larissa Figueiredo de Oliveira2
Silvio Favero3
Coordenadora do Laboratório de Chiroptera, [email protected]
2
Laboratório de Chiroptera, [email protected]
3
Coordenador do Programa de Mestrado em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional da Universidade para
o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal (UNIDERP).
1
RESUMO
Os morcegos são mamíferos pertencentes à ordem Chiroptera, os únicos com capacidade de vôo, por causa da
transformação de seus membros anteriores em asas. São animais placentários, cuja nutrição do embrião ocorre por
de uma estrutura êmbrio-maternal denominada placenta. Em placentários há uma variação morfológica uterina que
vai desde cornos distintos até completamente fundidos, com aspecto periforme. O objetivo deste estudo foi verificar
a morfologia uterina, associando a forma e a funcionalidade desse órgão, de maneira comparativa, a espécies de
quirópteros representantes das famílias Noctilionidae, Vespertilionidae, Molossidae e Phyllostomidae. Em Artibeus
planirostris o útero é denominado simples e ambos os ovários são funcionais. As médias das medidas uterinas de
Molossus molossus não diferiram significativamente daquelas obtidas para Myotis nigricans, assim como as de A.
planirostris em relação a N. albiventris. Em N. albiventris ocorre um tipo morfológico designado como útero bipartido
e em M. molossus, útero bicórneo.
Palavra-Chave: Evolução.
Ensaios e ci., Campo Grande, v. 10, n. 1, p. 63 - 73, abr. 2006
ELIANE CRISTINA VICENTE ET AL
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1
INTRODUÇÃO
óvulo. A implantação se dá na parede uterina, e, nesse
local, se estabelece uma conexão êmbrio–maternal
A classe Mammalia está constituída por
ou placenta, responsável pelo fluxo de nutrientes e
26 ordens, 11 das quais com representantes no
dejetos entre mãe e feto durante o desenvolvimento
Brasil (Wilson; Reeder, 1992). Segundo Nowak
embrionário. A placenta é uma estrutura vascular
(1991), a maior ordem de mamíferos é a Rodentia,
extra-embrionária especial derivada de membranas
com 2.021 espécies, representando cerca de 40%
do ovo amniótico (Weichert, 1966).
do total da classe e, a segunda maior, a ordem
Chiroptera,
Os Prototheria (Monotremata) depositam
com cerca de 1.000 espécies,
ovos com casca, de onde nascem seus filhotes. Em
corresponde a 20% do total de espécies de
Metatheria (Marsupialia), vivíparos não placentários, o
mamíferos atuais. Os registros fósseis mais antigos
nascimento dos filhotes ocorre sob condições de extrema
de quirópteros datam de 50 milhões de anos e são
imaturidade, e parte do desenvolvimento embrionário
provenientes de sedimentos eocênicos da Europa
se segue em uma estrutura altamente especializada, o
e América do Norte (Curtis, 2000).
marsúpio, onde estão localizadas as glândulas mamárias
O sucesso desse grupo pode ser explicado
por vários fatores, entre eles, modificações
e respectivos mamilos. Ambos os grupos mencionados
apresentam útero duplo (Weichert, 1966).
morfofisiológicas que permitem a exploração de
Em Theria (placentários), existe uma variação
vários nichos ecológicos. Dessas, destaca-se a
morfológica uterina que se descreve desde cornos
adaptação para o vôo, já que os morcegos são
distintos, cujo nível de fusão é variável, até completamente
os únicos mamíferos verdadeiramente voadores,
fundidos, apresentando uma cavidade uterina única de
resultado de milhões de anos de evolução. Em
aspecto piriforme (Weichert, 1996) (Fig. 1).
associação ao vôo, vários fatores contribuíram para
a viabilidade e diversificação do grupo até os dias
atuais, entre eles a exploração do ambiente aéreo à
noite, capacidade de utilização de diferentes tipos
de abrigos diurnos, a grande diversidade de hábitos
alimentares e a adoção de ampla variedade de
mecanismos reprodutivos (Taddei, 1983).
Os mamíferos, de um modo geral, mostram
uma evolução gradual da oviviparidade (não placentários)
para viviparidade (placentários), cuja nutrição do embrião
em desenvolvimento ocorre por uma estrutura êmbriomaternal denominada placenta (Curtis, 2000).
O útero é uma estrutura muscular de
paredes espessas no qual ocorre o desenvolvimento
embrionário. É constituído por uma túnica interna
altamente vascularizada, o endométrio, que é fino
quando inativo e espesso em condição de gestação.
As tubas ou ovidutos são relativamente pequenas,
curtas e separadas, onde ocorre a fertilização do
Ensaios e ci., Campo Grande, v. 10, n. 1, p. 63 - 73, abr. 2006
Figura 1 - Formas evolutivas do útero de mamíferos.
A) útero duplo com cornos totalmente
separados; B) útero bicórneo e a ocorrência
de fusão discreta na base dos cornos; C)
útero bipartido com cornos fusionados
em boa parte de sua extensão e D) útero
simples, em forma triangular resultante
da completa fusão de cornos. Em escala
crescente, A representa grupos mais basais
e D, a forma mais derivada.
Ilustração: Larissa Figueiredo de Oliveira
ANÁLISE MORFOMÉTRICA E ANATÔMICA DO ÚTERO EM FAMÍLIAS DE QUIRÓPTEROS (MAMMALIA) QUE OCORREM NO BRASIL
Os quirópteros apresentam um período
2
MATERIAL E MÉTODOS
de desenvolvimento embrionário relativamente
longo, considerando o tamanho do indivíduo.
Foram examinados 40 morcegos da
A maioria das espécies gera apenas um filhote
família Noctilionidae, espécie Noctilio albiventris
por gestação, sendo este considerado grande em
(Amostra 1), 30 da família Molossidae, espécie
relação à mãe. Algumas espécies (gênero Lasiurus)
Molossus molossus (Amostra 2), 29 da família
podem gerar mais de um filhote por gestação,
Vespertilionidae,
sendo estes de tamanho proporcionalmente
(Amostra 3), 24 da família Phyllostomidae, espécie
menor. Nesse caso, a mãe geralmente apresenta
Artibeus planirostris (Amostra 4). Esses exemplares
dois pares de mamas (Taddei, 1996).
se encontram depositados na Coleção Científica
espécie
Myotis
nigricans
Espécies de zonas temperadas apresentam
do Laboratório de Chiroptera, da Universidade
algumas particularidades: fenômeno da hibernação,
para o Desenvolvimento do Estado e da Região
que interrompe o ciclo reprodutivo; estocagem de
do Pantanal (UNIDERP).
espermatozóides por machos e fêmeas; ovulação
As espécies foram coletadas com o uso
retardada e, com menor freqüência, implantação e
de redes de neblina (mist nets) armadas nas fontes
desenvolvimento embrionário retardados. Essas estratégias
de alimento e em possíveis rotas de vôo, situadas
permitem que os filhotes nasçam em períodos do ano
em matas, capões de mato ou pomares em varias
mais favoráveis, com maior disponibilidade de alimentos e
regiões do Estado de Mato Grosso do Sul. Os
melhores condições climáticas (Taddei, 1996).
animais foram transportados para o laboratório
Conforme já mencionado, os quirópteros
em sacos confeccionados com tecido apropriado.
apresentam uma grande diversificação de hábitos
Foram anestesiados e mortos em recipientes
alimentares e, conseqüentemente, desempenham
fechados, contendo algodão embebido com
um importante papel na manutenção do equilíbrio
éter ou por pressão na região pós-occipital com
ecológico dos diferentes biomas e recuperação
alicate de ponta fina. Foram montados em posição
de áreas degradadas nesses ambientes. Entre as
adequada, de modo a facilitar a realização das
principais funções ecológicas atribuídas a esses
medidas externas e, em seguida, fixados com
animais, destacam-se a disseminação de sementes e
formol a 10%, injetados na cavidade geral e
o plantio das principais espécies vegetais de sucessão,
na região cervical. Após a montagem e fixação,
polinização, controle populacional de roedores,
os espécimes foram lavados em água corrente,
morcegos e insetos noturnos, incluindo vetores com
mergulhados em frascos de vidro contendo álcool
implicações à saúde pública (Kunz, 1982).
70º GL e mantidos em ambiente obscurecido, para
Considerando
a
extrema
importância
ecológica dos morcegos e que os aspectos
reprodutivos estão intimamente relacionados com
a viabilidade evolutiva das espécies, a melhor
compreensão dos mecanismos, desenvolvidos e
utilizados nos diferentes táxons, permite a adoção
de políticas de manejo e conservação (Kunz, 1982).
evitar a alteração da cor da pelagem. Para cada
exemplar devidamente preparado foi atribuído
um número de coleção e os dados relacionados
com o espécime foram anotados no catálogo geral
da coleção e em fichas complementares.
Os
espécimes
foram
devidamente
dissecados, para realizar a análise do comprimento
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66
ELIANE CRISTINA VICENTE ET AL
e o diâmetro dos cornos uterinos com o uso de
não há ovulação. Nessa situação enquadra-se a
paquímetro graduado. Para verificar os períodos
espécie Molossus molossus, enquanto que em
preferenciais de reprodução das espécies foram
Myotis
anotados os dados referentes a cada exemplar,
gravidez no corno esquerdo e ambos os ovários
correspondentes a não grávidas e gravidez inicial.
parecem ser funcionais.
nigricans,
eventualmente,
observa-se
Foram realizadas comparações intra e inter-
Conforme expresso nas Tabelas 1 e 2, os
específicas de dimensões uterinas. Os cálculos
resultados estatísticos demonstram que na amostra
estatísticos
da
1 não houve diferença significativa, quando
análise de variância dos cornos uterinos pelo
comparados os valores obtidos nas medidas
teste de Tukey. Nas comparações intra-específicas
realizadas nos cornos uterinos direito e esquerdo.
foi aplicado o teste “t” de Student para testar as
Em relação às amostras 2 e 3 foi observado que os
médias obtidas para os cornos direito e esquerdo,
respectivos valores diferem significativamente.
nas espécies N. albiventris (amostra 1), M. molossus
TABELA 1 - Estatística padrão para as medidas dos
cornos direito e esquerdo em fêmeas não
grávidas de três espécies analisadas.
inter-específicos
constituíram-a
(amostra 2) e M. nigricans. (amostra 3).
As
morfologia
espécies
uterina
analisadas
variável
e
apresentam
os
Corno esquerdo
Média ± SD
Média ± SD
20
1,69 ± 0,99
20
3,99 ± 0,91
20
1,32 ± 0,60
N
N. albiventris
M. molossus
M. nigricans
padrões
reprodutivos. Resumidamente, são os seguintes
(TADDEI,1981):
a) Noctilio albiventris – monótocos e
sazonalmente monoestros;
b) Molossus molossus
Corno direito
Espécies
- monótocos e
sazonalmente monoestros;
c) Myotis nigricans – monótocos e com
parto) - poliestros;
d) Artibeus planirostris - monótocos e com
dois picos reprodutivos em sucessão,
incluindo meados do inverno ao
final do verão.
Em Artibeus planirostris, o útero é
denominado simples e ambos os ovários são
funcionais. Diferentemente das aves, os morcegos
com reprodução unilateral têm apenas o lado
direito funcional (corno uterino e ovário direito),
pois no ovário esquerdo não há o desenvolvimento
de folículos vesiculares e, conseqüentemente,
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GL
1,68 ± 0,67
0,982252781
33
1,96 ± 0,63
0,000156181
19
0,94 ± 0,58
0,034777
19
N = número de exemplares; SD = desvio-padrão; GL
= Grau de liberdade; 1/ probabilidade
para o teste de t.
TABELA 2 - Estatística padrão para as medidas dos cornos
direito e esquerdo em fêmeas com gravidez
inicial de três espécies analisadas
Espécies
N
N. albiventris
20
dois picos reprodutivos durante o
ano (provavelmente com estro pós-
p1
Corno direito
Corno esquerdo
Média ± SD
Média ± SD
9,58 ± 5,90
10,42 ± 9,31
p
GL
0,73681214
32
M. molossus
10
21,13 ± 17,25
1,16 ± 0,65
0,007588823
8
M. nigricans
09
7,95 ± 3,61
2,06 ± 1,40
0,005352
6
N = número de exemplares; SD = desvio-padrão; GL
= Grau de liberdade
Os resultados referentes às comparações
inter–específicas são mostrados
nas Tabelas 3
e 4. Quando comparados os valores referentes
às medidas dos cornos uterinos direitos com os
valores mensuráveis de úteros simples de fêmeas
não grávidas, por meio de análise de variância
e teste de Tukey, foram obtidos resultados
significativos que demonstram diferenças entre
as amostras 1, 2 e 3 , entretanto a amostra 4
apresenta-se similar a 1, diferindo também
ANÁLISE MORFOMÉTRICA E ANATÔMICA DO ÚTERO EM FAMÍLIAS DE QUIRÓPTEROS (MAMMALIA) QUE OCORREM NO BRASIL
das demais. Em relação aos respectivos valores
relacionados com os cornos uterinos esquerdos
comparados com medidas uterinas referentes à
amostra 4, os dados demonstram que as amostras
2 e 3 são similares, assim como 1 e 4, e que 1 e 4
diferem significativamente de 2 e 3 (Tabela 3).
TABELA 3 - Análise de variância e teste de Tukey
aplicados para análise das medidas
de útero simples e dos cornos direitos
(predominantemente
funcionais),
em
fêmeas não grávidas e com gravidez inicial
de quatro espécies analisadas.
Espécies
Considerando as amostras de fêmeas com
N. albiventris
N
Não grávidas
Gravidez inicial
(NGráv./
(F = 24,04; P < 0,00)
(F = 7,16; P < 0,01)
Gráv.)
Média ± SD
Média ± SD
20 / 20
3,55 ± 1,10
3,55 ± 1,10
condição de gravidez inicial, foram utilizados para
M. molossus
20 / 9
2,47 ± 0,91
5,70 ± 2,43
análise estatística úteros simples e cornos uterinos
M. nigricans
20 / 04
1,59 ± 0,41
3,50 ± 0,73
direitos (CD) (predominância de funcionalidade)
A. planirostris
20 / 10
3,13 ± 0,47
6,12 ± 1,22
e
esquerdo
(CE).
Quando
comparados
os
cornos uterinos esquerdos, foram analisadas,
estatisticamente, apenas fêmeas não grávidas.
A
grande
heterogeneidade
morfométrica,
evidenciada pelos valores elevados dos coeficientes
de variação, da amostra, se deve ao fato de que as
N = número de exemplares; SD = desvio-padrão
TABELA 4 - Análise de variância e teste de Tukey
aplicados para análise das medidas de
útero simples e dos cornos esquerdos, em
fêmeas não grávidas de quatro espécies
analisadas
Não grávidas
Espécies
N
(F = 28,98; P = 0,00)
N. albiventris
20
3,43 ± 1,49
M. molossus
20
1,84 ± 0,31
as variações métricas foram atenuadas pelo
M. nigricans
20
1,25 ± 0,37
estabelecimento de valores relativos pela razão
A. planirostris
20
3,13 ± 0,47
fêmeas observadas apresentavam-se em diferentes
fases de desenvolvimento gestacional. Entretanto,
dos valores métricos de comprimento e largura
Média ± SD
N = número de exemplares; SD = desvio-padrão
dos cornos. Os resultados estatísticos obtidos,
referentes às fêmeas com gravidez inicial, mostram
3
RESULTADOS E DISCUSSÕES
que, quanto à morfometria dos cornos uterinos
(C.D.), N. albiventris é similar a M. nigricans,
O principal objetivo deste estudo consiste
e Molossus molossus não difere de Artibeus
em verificar a anatomia uterina, associando a forma e
planirostris , ou seja, as amostras 1 e 3 apresentam
a funcionalidade desse órgão, de forma comparativa
diferenças significativas em relação às amostras 2 e
em espécies de quirópteros representantes das famílias
4, conforme consta na Tabela 3. Os resultados das
Noctilionidae (Noctilio albiventris), Vespertilionidae
medidas referentes ao corno uterino esquerdo,
(Myotis nigricans), Molossidae (Molossus molossus) e
comparados com valores obtidos a partir da análise
Phyllostomidae (Artibeus planirostris).
morfométrica de útero simples, demonstraram que
Em
vista
das
poucas
informações
as amostras 1 e 4, assim como 2 e 3, não diferem
disponíveis na literatura pertinente ao assunto
entre si, entretanto 1 e 4 apresentam diferenças
ora abordado e, ainda, considerando que são
significativas em relação a 2 e 3 (Tabela 4).
poucos os critérios utilizados para distinguir, com
maior precisão, os tipos de úteros, principalmente
os ditos bicórneos e bipartidos, este estudo
almeja reunir dados que possam fundamentar a
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classificação anatômica de tal estrutura e facilitar
A
extremidade
uterina
termina
a compreensão dos principais mecanismos e
insensivelmente na extremidade pequena do
estratégias reprodutivas, adotadas ao longo da
corno. O útero apresenta várias características
história evolutiva de quirópteros representantes
notáveis, entre elas, cornos largos, flexíveis e
das
livremente móveis, graças a grande extensão
famílias
Noctilionidae,
Vespertilionidae,
Molossidae e Phyllostomidae.
dos ligamentos anteriores. As extremidades dos
Em morcegos, de modo geral, a gestação
cornos se adelgaçam até atingir o diâmetro das
pode variar de dois a sete meses, e comumente,
tubas uterinas. Quando se incidem podem ser
ao final do ciclo, nasce apenas um filhote. Logo
vistos em seu interior pequenas proeminências
após o nascimento, em algumas espécies, as
arredondadas, algumas das quais se encaixam e
fêmeas costumam carregar seus filhotes durante
abrem no canal cervical. Continuam por dentro
o vôo noturno. Nos primeiros meses, os filhotes
com pregas da membrana mucosa da vagina, os
(lactentes) são amamentados e, gradativamente,
ligamentos anteriores contém grandes quantidades
começam a ingerir o mesmo alimento dos
de fibras musculares lisas e também há um grande
adultos. Os morcegos insetívoros, habitualmente,
gânglio linfático envolto do ovário. Na parte
possuem um pico de reprodução que ocorre no
superior do ligamento, o tecido muscular forma
período mais quente do ano (primavera e verão),
uma cinta arredondada chamada de ligamento
quando os insetos são mais abundantes. Já no
redondo (Sisson, 1959).
caso dos frugívoros, a reprodução está associada
O útero de Noctilio albiventris tem sido
à frutificação das plantas que lhe servem de
descrito em detalhes por Anderson e Wimsatt
alimento, ocorrendo em diferentes épocas do ano
(1963). Os cornos uterinos são curtos e bulbosos,
(Bredt; Silva, 1996).
com um proeminente corpo uterino comum.
Sisson et al. (1959) comentam que em
Internamente, os lúmens uterinos não são fundidos
mamíferos, cujo útero é considerado bicórneo, os
em toda a extensão do corpo comum. A luz
ovários estão escondidos em uma bolsa, por causa
uterina é extremamente curta e formada a partir
da grande extensão do mesentério, e são mais
da região cranial ao cérvix. Anderson e Wimsatt
arredondados, apresentando um íleo marcado.
(1963) notaram que existe uma crista nas paredes
Podem, ainda, estar situados em torno do bordo
antimesometrial do corno; essas cristas servem
lateral do estreito anterior da pélvis; contudo, sua
como locais de implantação (Raswelier,1977;
posição é bastante variável em fêmeas jovens. A
1978). Tal estrutura será notada abaixo de cristas
superfície apresenta, ordinariamente, projeções
endometriais também encontradas em morcegos
arredondadas
vampiros, Desmodus rotundus.
de
modo
que
as
glândulas
apresentem, em comum, um aspecto lobulado e
A
histomorfologia
uterina
demonstra
regular. Essas projeções são formadas por grandes
que os filostomídeos possuem úteros com cornos
folículos e corpo lúteo. As tubas uterinas são
extremamente curtos e um proeminentemente
largas e menos flexíveis, possuindo cada uma
corpo uterino comum que podem ser considerados
extremidade franjeada que forma uma ampola e
bipartidos; os cornos são fusionados externamente.
possui uma grande abertura abdominal.
Essa anatomia externa uterina é considerada
Ensaios e ci., Campo Grande, v. 10, n. 1, p. 63 - 73, abr. 2006
ANÁLISE MORFOMÉTRICA E ANATÔMICA DO ÚTERO EM FAMÍLIAS DE QUIRÓPTEROS (MAMMALIA) QUE OCORREM NO BRASIL
uma sinapomorfia dos Phyllostomidae, excluindo
Segundo Weichert (1966), em alguns
Desmodus. Internamente, os lúmens uterinos
mamíferos, como marsupiais e roedores, o útero
se unem para formar um grande lúmen uterino
acha-se completamente separado, denominado
comum; a anatomia interna do útero é similar à
de útero duplo. Em útero bipartido, encontrado
de Mormoopidae e Desmodus. Membros do grupo
em carnívoros, vacas e poucos morcegos, os
Phyllostomidae possuem úteros simples externamente
cornos uterinos encontram-se fusionados em sua
com uma forma tubular a de pêra. O fundo do útero
região inferior. Em ovelhas, baleias e na maioria
é proeminente e redondo. A anatomia externa do
dos morcegos, o útero é, quanto à morfologia,
útero é considerada como a mais derivada dentre
bicórneo, pois possui a região médio inferior
os Phyllostomidae. A anatomia interna do grupo
dos cornos uterinos fusionada. Em primatas,
consiste de um grande lúmen comum e segmentos
o útero, denominado simples, apresenta uma
tubulares estreitos. Esses segmentos são, na verdade,
única cavidade ou câmara interna e não cornos,
lúmens uterinos extremamente curtos e constituem
como nos demais grupos mencionados. Nesse
o corno intramural do útero.
caso ocorrem tubas uterinas bilaterais ao órgão.
Entretanto, Pough et al. (1993) discutem a
4
CONCLUSÕES
diversificação morfológica do útero, em mamíferos
placentários, sem atribuir grandes diferenças
O útero dos mamíferos é um órgão tubular
complexo que varia consideravelmente quanto
estruturais e nomenclaturais para os casos cuja
constituição uterina inclui cornos distintos.
à morfologia básica. Nos Eutheria mais basais, o
útero consiste de duas trompas uterinas (cornua
= córnia) que se abrem, independentemente,
dentro da vagina (MOSSMAN,1977 apud Hood
e Smith, 1982). Algumas espécies de Chiroptera,
Dermoptera, Lagomorfa e Rodentia mantêm essa
organização primitiva, enquanto que a morfologia
uterina de caráter derivado ocorre em muitas
outras ordens de mamíferos. A morfologia derivada,
aparentemente,
demonstra
fusão
progressiva
(caudal-craniana) das trompas uterinas, resultando
na formação de uma estrutura central, corpo uterino
comum. Essa progressão envolve dois aspectos das
trompas uterinas: a) tecido superficial de cornua fuse
e, b) esta fusão externa é seguida pela degeneração
do septo mediano onde a luz uterina interna pode
se tornar confluente. Entretanto, é possível que a
anatomia uterina interna retenha uma condição
relativamente primitiva, embora haja a fusão externa
do corno uterino (Hood; SMITH, 1982).
Considerando a morfologia básica, vários
tipos de útero são encontrados em quirópteros.
Em
Chiroptera,
as
famílias
Pteropodidae,
Emballonuridae, Rhinolophidae, Hipposideridae,
Mormoopidae,
Vespertilionidae,
Mystacinidae
e Molossidae têm tubas uterinas relativamente
longas, e corpo uterino comum moderadamente
curto. Em contraste, os úteros em espécies de
Noctilionidae e Phyllostomidae têm tubas uterinas
curtas e um proeminente corpo uterino comum. A
maioria das espécies de Phyllostomidae apresenta
útero simples (Hood; SMITH, 1982).
Fleming et al. (1972) discutem os
padrões reprodutivos de morcegos neotropicais
que podem ser resumidos em quatro grupos. A
monoestria sazonal é definida por um período de
atividade sexual restrito, onde os organismos se
reproduzem uma vez durante o ano. Os poliestros
sazonais apresentam dois períodos diferenciais
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ELIANE CRISTINA VICENTE ET AL
de reprodução durante o ano, produzindo dois
Mormoopidae, Phyllostomidae, espertilionidae,
filhotes anualmente. Alguns morcegos apresentam
Mystacinidae e Molossidae, as trompas uterinas
um longo período reprodutivo durante o ano,
livres são compostas de miométrio e endométrio
com um curto período de inatividade sexual e,
bem definidos. Esses tecidos constituem a porção
nesse caso, as fêmeas podem produzir até três
gestacional do útero. O corpo uterino comum é
filhotes por ano. Não obstante, em espécies como
composto de duas regiões histologicamente distintas.
Desmodus rotundus, o vampiro comum, ocorre
Estas incluem uma porção linear endometrial
um padrão de reprodução continuada durante
gestacional e o cérvix. Em todas as famílias de
todo o ano, sem que haja um período preferencial
Chiroptera mencionadas (exceto Phyllostomidae),
relacionado com a sazonalidade.
o corpo uterino é mais longo, contudo, é, na
O útero dos mamíferos é composto de três
maioria das vezes, composto de tecido cervical. Em
camadas de tecido cuja histologia é bem definida.
noctilionídeos e filostomídeos “bicórneos”, o corpo
Uma túnica serosa externa, o perimétrio que, com
uterino comum é extremamente grande e a área
o mesentério e ligamentos associados, suporta
gestacional do útero constitui a sua maior porção.
o útero. A grossa túnica mediana (miométrio) é
Todavia, o cérvix limita-se à região caudal terminal
constituída de fibras musculares planas ou suaves.
do útero. A anatomia externa do útero é constituída,
Essa túnica constitui uma larga porção da parede
em sua maior parte, pelo corpo uterino gestacional
uterina. O endométrio, túnica uterina interna,
comum e esta é considerada uma sinapomorfia dos
constitui uma mucosa de epitélio simples com
Phyllostomidae (Hood; SMITH, 1982).
glândulas associadas, sustentado por um tecido
A
histomorfologia
cervical
dos
conectivo na base, a lâmina própria. O endométrio
Phyllostomidae é típica de eutérios. A luz do cévix
sofre visíveis mudanças cíclicas durante o período
inclui um epitélio mucossecretor distinto no qual
reprodutivo. A porção caudal final do útero é
proeminentes dobras cervicais se projetam. Todos os
denominada cérvix. Essa região tem um epitélio
Phyllostomidae têm um ponto vaginal arredondado
mucossecretor distinto e um tecido conector denso
e cônico e uma junção cervicovaginal bem definida,
(estroma). A histomorfologia cervical de várias
conforme discutido por Hood e Smith (1982).
ordens de mamíferos, incluindo primatas, roedores,
Dentre as espécies de Pteropodidae e
carnívoros e artiodáctilos, tem sido discutida em
em Taphozous longimanus (Emballonuridae) foi
detalhes por vários autores (Hafez; Jeaszeazak,
observado que o septo da luz uterina é completo,
1972; Hafez, 1973; Graham, 1973; KANAGAWA;
assim como em Noctilionidae e em alguns
Hafez, 1972). A região caudal do cérvix projeta-
Phyllostomidae. Hood e Smith (1982) comentam,
se para o interior da vagina como uma elevação
ainda, que esse formato anatômico uterino interno é
cônica e arredondada definida como ponto vaginal.
similar ao de vários grupos externos de quirópteros.
A junção cervicovaginal é abrupta na maioria dos
Tal característica, considerada basal, é mantida em
mamíferos, mas varia consideravelmente em
alguns Phyllostomidae. Em Carollia perspicillata,
primatas e morcegos (GRAHAM, 1973).
externamente o útero apresenta-se simples, mas
Nas famílias Pteropodidae, Emballonuridae,
Rhinolophidae,
Hipposideridae,
Noctilionidae,
Ensaios e ci., Campo Grande, v. 10, n. 1, p. 63 - 73, abr. 2006
estudos histológicos demonstraram a presença de um
septo interno confirmando nesta espécie uma posição
ANÁLISE MORFOMÉTRICA E ANATÔMICA DO ÚTERO EM FAMÍLIAS DE QUIRÓPTEROS (MAMMALIA) QUE OCORREM NO BRASIL
basal quanto à morfologia uterina (TADDEI, 1981).
As análises interespecíficas foram realizadas
três
para uma adequação da nomenclatura dos tipos
apresentam cornos uterinos distintos e uma
morfológicos uterinos que ocorrem em morcegos.
(A. planirostris - Phyllostomidae) tem o útero
Sugere-se que, em espécies cujas medidas uterinas,
simples,
derivada.
quando comparadas com as de útero simples (A.
Na análise intra-específica, nas espécies N.
planirostris, por exemplo), não apresentam diferenças
albiventris e M. nigricans, monótocas, não foram
significativas quanto à área dos cornos uterinos, os
notadas diferenças significativas entre as médias
úteros dessas espécies sejam considerados do tipo
das dimensões dos cornos direito e esquerdo,
bipartido. Ficou evidente na análise que as médias
mas essas diferenças foram registradas em M.
das medidas de Molossus molossus não diferiram
molossus, também monótoca. Esses resultados
significativamente daquelas obtidas para Myotis
permitem algumas observações sobre a biologia
nigricans. As médias das medidas de A. planirostris
reprodutiva dessas espécies. Em N. albiventris é
não diferiram das obtidas para N. albiventris.
comum a implantação embrionária em ambos
Assim, em N. albiventris, os cornos uterinos são
os cornos, mas em M. nigricans
predomina a
proporcionalmente mais largos do que longos, ou
implantação no corno direito, raramente no
seja, um tipo morfológico designado bipartido,
esquerdo. Em M. molossus, a implantação do
permitindo um tempo de gestação mais longo,
embrião ocorre sempre no corno direito, que
acima de três meses e meio. Em M. molossus, os
se apresenta mais desenvolvido, notadamente
cornos uterinos são, proporcionalmente, mais longos
mais irrigado e com o ovário correspondente
do que largos, e o tempo de gestação é inferior
funcional apresentando folículos em diferentes
a três meses, característica esta do tipo uterino
estágios de desenvolvimento. O corno uterino
bicórneo. Em M. nigricans, o tempo de gestação é de
é significativamente menor e os folículos do
aproximadamente dois meses e os cornos uterinos
ovário esquerdo não chegam à fase de folículos
são similares aos de M. molossus. Contudo, o
vesiculares. Essa situação foi observada por Taddei
desenvolvimento do embrião eventualmente ocorre
(1976) em espécies do gênero Molossops. Esses
no corno esquerdo, sugerindo um caráter derivado
dados recomendam estudos mais detalhados do
em relação a M. molossus.
Entre
as
condição
espécies
examinadas,
notadamente
trato reprodutivo de M. nigricans e outras espécies
do gênero, com o objetivo de verificar a estrutura
do trato reprodutor e esclarecer alguns aspectos
de sua biologia reprodutiva. Myotis nigricans
e outras espécies do gênero poderiam exibir
uma condição intermediária entre aquelas que
apresentam ambos os ovários funcionais e aquelas
que exibem um “caráter degenerativo” do corno
e ovário esquerdos, como é o caso de Molossus
molossus e espécies do gênero Molossops.
ABSTRACT
The bats are belonging to Order Chiroptera, being the
only ones to flight capacity in order of the anterior
member transformation into wings. They are placental
animals, where the nutrition occurs through a maternalembryonic structure named as placenta. In placental
there are a uterine morphologic variation that goes
from different corns until the completely casting, with
a pear like form aspect. The objective of this study
was to verify the uterine morphologic, associating
to the form and functionality of this organ, in a
comparative way, in chiroptera species that represents
the families Noctilionidae, Vespertilionidae, Molossidae
e Phyllostomidae. In Artibeus planirostris, the uterus
is denominated as simple and both the ovaries are
functional. The uterine mesuares average of Molossus
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ELIANE CRISTINA VICENTE ET AL
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molossus were not significantly different from the ones
obtained to Myotis nigricans, such as A. planirostris
related to N. albiventris. In N. albiventris occurs a
morphologic kind designated as bipartited uterus, in M.
molossus bicorned uterus
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