UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL /FIOCRUZ- UNIDADE CERRADO PANTANAL CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ATENÇÃO BÁSICA EM SAÚDE DA FAMÍLIA ADRIANA ROSADO VALENTE RELATO DE EXPERIÊNCIA: IMPLANTAÇÃO DO ACOLHIMENTO A POPULAÇÃO INFANTIL NA ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA. Rio Brilhante – MS 2011 ADRIANA ROSADO VALENTE RELATO DE EXPERIÊNCIA: IMPLANTAÇÃO DO ACOLHIMENTO A POPULAÇÃO INFANTIL NA ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA. Relado de experiência apresentado à Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, como requisito para conclusão do curso de Pós Graduação a nível de especialização em Atenção Básica em Saúde da Família. Orientadora: Profa. Priscila Maria Marcheti Fiorin Rio Brilhante – MS 2011 RESUMO Trata-se do relato da experiência vivenciado na implantação de uma sala lúdica para acolhimento do público infantil, junto à sala da inalação da ESF Carlos Eduardo Volpe (Rio Brilhante/MS – Brasil). Essa experiência buscou envolver todos os profissionais da estratégia com o objetivo de criar um ambiente acolhedor para crianças freqüentadoras da unidade de saúde e implantar ações para melhora na humanização do atendimento desse público. A avaliação da experiência retratada demonstrou através de relatos de pais, crianças e funcionários que com pequenas mudanças de rotina é possível atender e cativar a maioria das crianças freqüentadoras da ESF. Trata-se de um trabalho que consome tempo e exige paciência, porém é simples, recompensador e agradável, com resultados rápidos e aparentes. Essa especificidade no acolhimento infantil, tratando a criança como um ser que necessita ser ouvido e compreendido apresenta-se como contribuição para buscar uma melhor qualidade de vida dos pacientes e dos familiares, especialmente durante atendimento odontológico – temido e adiado por muitos. Palavras-chave: Acolhimento, Ansiedade ao Tratamento Odontológico; Reforço por Recompensa. ABSTRACT This is the lived experience of reporting on the implementation of a reception room for entertaining the children audience, with the inhalation of room ESF Carlos Eduardo Volpe (Rio Brilhante/MS - Brazil). This experiment sought to involve all players in the strategy aimed to create a welcoming environment for children attending the health facility, and implement actions to improve the humane care of these people. The evaluation of the experience portrayed demonstrated by reports of parents, children and employees with minor changes in routine can serve and delight most children attending ESF. It is a work that takes time and requires patience, but it is simple, rewarding and enjoyable, with quick results and apparent. This host specificity in the child, treating the child as a being that must be heard and understood is presented as a contribution to get a better quality of life of patients and families, especially during dental treatment - feared and delayed for many. Keywords: User Embracement, Dental Anxiety, Token Economy. INTRODUÇÃO É notório em cada consulta a ansiedade de muitos pacientes, crianças e adultos, frente ao tratamento odontológico. De acordo com dados da Sociedade Americana de Odontologia, três em cada dez adultos têm receio de ir a um consultório dentário e entre as crianças esse numero sobe para cinco. No atendimento do adulto é fácil imaginarmos situações como a descrita abaixo: “Uma pessoa entra em um consultório odontológico. Na sala de espera, escolhe um lugar para sentar e vê, perto dela, um punhado de revistas. Pega uma para ler, tentando se distrair, mas em vão. Um sonzinho fino, agudo, começa a tirar a concentração e fazer o coração bater rápido. O som vai embora, mas a porta de onde ele sai se abre. De lá vem um paciente com uma expressão de desconforto e, na seqüência, a pessoa tem seu nome chamado: Agora é a sua vez!” (Autor desconhecido) Este é o enredo, mais parece cena de filme de terror, mas infelizmente faz parte da rotina do atendimento odontológico. Quantas vezes são ouvidas no consultório odontológico frases como estas: “Adiei o quanto pude, agora estou com dor, vou ter que encarar”; “Ai que medo desse motorzinho”; “Não é possível fazer sem anestesia? Eu agüento!” – frases típicas de adultos. Ou de pais e mães para a criança: “Eu falei para escovar os dentes! Já que não escova, vai ter que ir ao dentista” (soando como castigo); ou entre as crianças: “To com medo”; “Mãe, vai doer?”. O fato é que o atendimento odontológico e o jaleco branco despertam o medo em grande parte da população, em grande parte porque os tratamentos odontológicos de décadas atrás eram basicamente curativos e dolorosos devido a precárias técnicas de analgesia da época (BOTTAN et al, 2010). Muitas vezes, o receio também está associado a situações desagradáveis vividas anteriormente (SANTOS et al., 2007), à “transmissão” (influência) do medo alheio ou ao medo do desconhecido - comum entre crianças que nunca foram ao dentista ou o fazem com baixa freqüência. Quanto maior a demora pela busca do tratamento odontológico, maior a probabilidade de uma experiência odontológica adversa, pois as intervenções necessárias podem ser mais invasivas e demoradas (POULTON et al., 1997; MORAES, 1999; BOTTAN et al., 2010). Esse quadro pode gerar um ciclo vicioso de medo (ansiedade): não comparecimento ao dentista – piora da saúde bucal manutenção ou agravamento do medo (ansiedade) (HAKEBERG et al., 1992; MORAES, 1999; PEREIRA; QUELUZ, 2000; KANEGANE et al., 2006; SANTOS et al., 2007). Moraes (1999) faz uma importante observação: os problemas com o manejo de pacientes representam uma das maiores dificuldades na clínica odontológica e mesmo assim, estratégias para impedir e reduzir medos não são ensinadas a dentistas nas escolas de Odontologia e nem nos cursos de educação continuada. A mesma realidade é observada: alguns tópicos são discutidos em disciplinas de forma isolada, mas não existe um prepare nesse sentido do futuro profissional de saúde, na clinica geral. Revendo a literatura, observa-se que diversas intervenções comportamentais destinadas a reduzir o estresse das crianças durante o tratamento odontológico, na tentativa de reduzir comportamentos ansiosos e, ao mesmo tempo, ensinar crianças a se adaptarem às situações odontológicas como: informação; modelos filmados e “ao vivo”; reforço de comportamentos apropriados; a distração. De uma maneira geral os resultados obtidos revelam uma tendência decrescente dos comportamentos ansiosos das crianças que participaram de diferentes estudos com diferentes métodos. No entanto, observa-se que a literatura ainda não dispõe de um protocolo e métodos que permitam apontar relações funcionais precisas entre intervenção e efeitos (DOCA; COSTA JÚNIOR, 2007). A iniciativa de humanizar o atendimento infantil na Estratégia de Saúde da Família surgiu após conversa da Cirurgiã-dentista com a Enfermeira da unidade. Na ocasião a Dentista passava a integrar a equipe, cuja unidade acabava de ser reinaugurada. A Enfermeira questionou sobre o atendimento infantil: se seria realizado, a partir de que idade, se com freqüência havia sucesso no condicionamento das crianças e boa aceitação do tratamento. Uma das intenções da Enfermeira era levar suas filhas (de 6 e 9 anos de idade) para atendimento na unidade já que a única profissional Odontopediatra da cidade havia se mudado e a alternativa mais próxima estaria a 60km, em Dourados/MS, situação comumente observada em pequenos municípios do interior do Brasil. Nessa conversa a Enfermeira relatou a falta que suas filhas sentiam do ambiente do consultório odontológico particular – “Um ambiente preparado para receber a criança, onde elas sentem vontade de voltar”, devido aos brinquedos, sala de colorir, temas infantis e recompensas ao final de cada consulta. No entanto, infelizmente é comum ouvirmos relatos de pais preocupados: “Dra., nenhum dentista atende meu filho porque ele é muito pequeno”. Onde no nosso município essa situação é agravada pelo fato de não haver profissional Especialista em Odontopediatria, nem mesmo na rede privada. Neste contexto, destaca-se a importância do tratamento infantil rotineiro e preventivo: um dos principais objetivos do atendimento pela Estratégia de Saúde da Família. Inserida nessa realidade, buscamos alternativas de aproximar a criança à rotina de atendimentos de saúde na ESF, objetivando humanizar o atendimento e fazer com que a criança se sinta acolhida, bem cuidada, aumentando a aceitação dos tratamentos (odontológico, médico, de enfermagem, fonodiológico, de nutrição, de acompanhamento e de imunização). Com isso, objetivou-se criar, junto-a sala de espera um ambiente acolhedor para crianças freqüentadoras da unidade de saúde e implantar o método de reforço por recompensa após atendimento desse público. A escolha por modificar o acolhimento através da sala de espera ou sala lúdica, se embasa no fato desse espaço ser avaliado negativamente pela grande maioria dos pacientes que relatam ansiedade diante do tratamento odontológico (GOMES et al., 2007). É importante enfatizar que a idéia é criar alternativas que garantam que os clínicos gerais sejam capazes de acolher uma grande parcela do público infantil, encaminhando apenas os pacientes de difícil contenção para o atendimento especializado (Odontopediatria). METODOLOGIA O cenário de aplicação da experiência foi a Estratégia de Saúde da Família “Carlos Eduardo Volpe”, situada na região central do município de Rio Brilhante – MS. Esta unidade foi reinaugurada há aproximadamente um ano, quando passou a contar com o atendimento odontológico. Nesta unidade, os seguintes profissionais são lotados: agentes comunitários de saúde, enfermeira, técnicos de enfermagem, médica, recepcionista, zeladora, nutricionista; fonoaudióloga, cirurgiã-dentista e auxiliar em saúde bucal. Ressaltam-se as atividades cotidianas prestadas por essa equipe no cuidado ao paciente adulto e infantil, tendo como núcleo a família. Até o momento dessa experiência era observada como ação cativadora especifica para criança a recompensa com “balas” após procedimentos de imunizações em dias de mutirões e campanhas. Desde o inicio nos preocupamos em envolver a equipe na ação, para que fosse uma construção de todos. A Nutricionista sugeriu que montássemos a recepção infantil na sala de inalação: devido a sua posição estratégica – junto à recepção, de fácil acesso para a criança, para os responsáveis e profissionais da unidade; por ser uma sala arejada; e, já freqüentada principalmente por crianças. A sugestão foi aceita pela equipe e sua coordenadora e começamos os preparativos. Levantamos em reunião o que seria necessário para implantar a sala lúdica: adesivos decorativos para as paredes, mesa infantil com 4 cadeiras, desenhos para colorir, lápis de cor, giz de cera, livros e brinquedos educativos. Com recursos próprios, doações e incentivos da administração por meio do Secretario de Saúde, adquirimos os materiais e iniciamos a montagem da sala: - Os adesivos decorativos com temas infantis foram colados nas paredes com auxílio da Enfermeira, Técnica de Enfermagem, Zeladora, Auxiliar em Saúde Bucal, Agentes Comunitárias de Saúde e Cirurgiã-Dentista. - Potes de alumínio foram decorados e transformados em porta-lápis pela Nutricionista. - O ambiente foi organizado, com a colocação da mesa infantil e Caixas para guardar brinquedos e material para colorir. - Os materiais para preparo da Inalação (medicamentos, soro e seringas) foram removidos para sala de curativos, para ficar fora do alcance das crianças. Além disso, foi criada a “caixa do prêmio” para a sala odontológica: caixa plástica com brindes infantis; fornecida pela Secretaria de Saúde do Município. O reforço com a recompensa tem como objetivo de recompensar a criança pelo bom comportamento e estimulá-la a repetir a situação nas consultas odontológicas subseqüentes. Ao mesmo tempo procuramos incentivar pais e familiares a usar outros meios de recompensa no lugar de doces. O doce em excesso oferece prejuízos para a saúde geral e em especial para saúde bucal. São usados freqüentemente em escolas, por pais, avós, familiares em geral, e até mesmo em ações nos postos de saúde quando se procura “agradar” uma criança. A substituição das balas por balões, apitos, “línguas de sogra”, anéis, pulseiras, pequenos carrinhos entre outros, não gera altos custos e surpreende ainda mais as crianças que sabem que após cada atendimento escolherão outro “prêmio” pela cooperação. DESENVOLVIMENTO DA EXPERIÊNCIA Com a participação voluntária de vários membros da equipe da ESF, a sala foi adequada e colocada em funcionamento: Quando o paciente infantil chega à unidade de saúde ele é convidado a conhecer a sala lúdica enquanto aguarda a consulta. Geralmente o responsável pela criança o acompanha. A criança é convidada a pintar, desenhar, ler livros infantis entre outros. Logo após cada atendimento odontológico cooperativo a criança é parabenizada pelo bom comportamento, elogiada e solicitada a escolher um “prêmio” na caixa de brindes. Em seguida é reforçado que sempre que ela se comportar bem, e colaborar com o tratamento odontológico ela escolherão outro “premio”. RESULTADOS DA EXPERIÊNCIA Vários sinais indicaram que tanto a criação da sala lúdica assim como a recompensa como reforço têm cativado e acolhido de forma satisfatória as crianças freqüentadoras da unidade: crianças que nunca foram atendidas mostraram interesse em fazer o tratamento odontológico porque ficaram sabendo que depois do atendimento são premiadas; procedimentos mais invasivos como anestesias e cirurgias tem sido mais facilmente aceitos; situações de choro e gritos tem ocorrido com menos freqüência; crianças que já concluíram o tratamento questionam os pais com freqüência sobre quando vai ser o retorno. Esses relatos relacionados acima forma feitos por pais, funcionários e pelas próprias crianças. Que passaram a ver o ambiente da Unidade de Saúde ESF Carlos Eduardo Volpe como um ambiente acolhedor, preparado para recebê-las. CONSIDERAÇÕES FINAIS Nota-se que apesar da necessidade de técnicas alternativas de manejo do público infantil, os dentistas clínicos gerais em ESFs, muitas vezes se mostram reticentes e lentos na busca de alternativas para esse acolhimento. Alegam que as ações despendem tempo para aprender, tempo clínico e baixo índice de sucesso. No entanto, através da experiência relatada, foi demonstrado, por meio de observações, relatos de pais, crianças e funcionários, que com pequenas mudanças de rotina é possível atender e cativar a maioria das crianças freqüentadoras da ESF, conquistando sua colaboração para os tratamentos, modificando e trazendo melhorias para sua condição de saúde bucal e qualidade de vida. REFERÊNCIAS BOTTAN, E.R,; SILVEIRA, E.G.; ODEBRECHET, C.M.R.; ARAUJO, S.M.; FARIAS, M.M.A.G. Relação entre ansiedade ao tratamento dentário e caracterização do “dentista ideal”: Estudo com crianças e adolescente. Ver Post estomatol Med dent Cir Maxilofac. 2010; 51:19-23. DOCA, F.N.P.; COSTA JUNIOR, A.L. Preparação psicológica para admissão hospitalar de crianças: uma breve revisão. Paidéia, 2007, 17(37), 167-179. GOMES, J.G.M.; CAVALCANTE, S.; GRINFELD, S. Sala de espera: Estudo da percepção dos usuários de clínicas odontológicas. International Journal Of Dentistry, RECIFE, 6(2):39-50 ABR / JUN 2007-11-23. KANEGANE, K.; PENHA, S.S.; BORSATTI, M.A.; ROCHA, R.G. Ansiedade ao Tratamento Odontológico no Atendimento de Rotina. RGO, P. Alegre, v. 54, n. 2, p.111-114, abr./jun. 2006 111. 27, 2000. MORAES, A.B.A. Psicologia e Saúde Bucal: circunscrevendo o campo. In KERBAUY, R.R. Comportamento e Saúde: explorando alternativas. Editora ARBytes, Santo André, 1999. Seção II, Cap. 5:61-83. PATTI, E.A.M.R.; MENESES I.C. Crianças com sintomas fóbicos e o tratamento odontológico. Revista Cientifica da Universidade de Franca. 2005; 5(1/6): 92-100. PEREIRA, G.J.H.; QUELUZ, D.P. Ansiedade Dentária. 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Varal dos desenhos produzidos por crianças freqüentadoras da ESF. Caixas Montadas com objetos para colorir e desenhar. “Caixa dos Prêmios” do consultório odontológico. XXX Equipe da “ESF Carlos Eduardo Volpe” – Rio Brilhante-MS.